Tempos de guerra, tempos de guerrilha. A região entre Ponte da Mucela e
Catraia dos Poços acaba de viver momentos de grande tensão. Mais uma vez na
história, estas terras são palco de lutas e de perseguições semeando o terror.
Agora já não são os invasores Franceses. Também com laivos de grande violência, agora a luta é fraticida.
Vindo de Abrantes chega à Ponte da Mucela, num dia de Agosto, um comboio de 20 carros carregados de pólvora
com destino ao norte, talvez Viseu ou Lamego. A escoltá-lo vêm 40 “voluntários
realistas”. No dia seguinte, dia 5, logo
pela manhã, resolvem fazer uma paragem, na Chamada Eira do Forno, já perto da
Cortiça.
A dado momento, um dos “carreiros”
que se diz ser um tal José António, da Urgueira, ao passar junto à casa de José
Maria de Oliveira, grita: - está ali um malhado!. Era um conhecido partidário das ideias liberais, que andava a apanhar fruta nas traseiras da
casa. Logo os milicianos se atiram ao pobre homem indefeso bem como a um outro vizinho. Em seu auxílio surge um
grupo de liberais que depois de grande troca de tiros consegue ganhar aos agressores que eram em bem maior número.
Com a situação dominada resolvem desviar o carregamento de pólvora e colocá-lo
à disposição do capitão de Ordenanças do
Carapinhal, José Dias Brandão e desse modo ficar em “melhores” mãos. Quando tal
intento começava a ser concretizado, eis senão, chega um grupo de outros “voluntários”
que vindos do Norte regressavam a Abrantes. Nova escaramuça se trava ali perto
dos Poços e os liberais mais uma vez saem de vencida. Só que, pressentindo que em breve estariam cercados pelas
Ordenanças de Penacova e de outros concelhos das redondezas, decidem deitar
fogo à pólvora.
Foi então que junto à Catraia dos
Poços, perto da Serra da Sanguinheda, longe das casas, amontoam a pólvora dos 20
carros de bois e estendem o rastilho. Terá sido Manuel Brandão a acendê-lo. Mas
já perto do monte, o pavio apaga-se. Valeu naquele momento a coragem de um penacovense,
um dos irmãos Sande, da Carvoeira, antigo Sargento de Caçadores 8. De rastos aproximou- se perigosamente do monte
de pólvora e reacendeu o rastilho, fazendo explodir toda aquela quantidade de
explosivos. Imagine-se o estrondo que se fez sentir por terras da Casconha!
Escusado será dizer que não demorou muito para que as tropas (guerrilhas) de Arganil chegassem e perseguissem tudo o que era “liberal”. Muitos destes
atravessam o Mondego indo refugiar-se na zona dos Fornos e Alcarraques, já
perto de Coimbra. Outros ficaram pela zona do conflito, sendo a maioria
imediatamente presa. António Joaquim (ou António do Arrabalde, como era
conhecido) ainda se refugiou na toca de um castanheiro, mas de nada lhe valeu.
Às “guerrilhas“ de Arganil juntaram-se as Guerrilhas e Ordenanças de 22
concelhos da região. Também a Infantaria e Cavalaria de Coimbra entraram em
campo. Não custa pois imaginar as perseguições, os incêndios, os saques, as prisões (muita gente de Farinha Podre) que sofreram
todos os simpatizantes da causa liberal.
Mas a vingança não se ficou por aí, nem sequer pelo abarrotar das
cadeias de Mortágua e Arganil. É que os fuzilamentos que se seguiram não foram
nem um nem dois: foram sete. Os nomes estão gravados num Mausoléu que existe em
Viseu. Pessoas da Carvoeira, da Cruz do Soito...
Foram eles: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António
Joaquim, da Várzea de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito,
pároco encomendado de Covelo de Ázere (que estava inocente, entre outros);
Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, filhos
de Bernardo Homem.Também da Cortiça, José Maria de Oliveira. Por último,
naturais da Carvoeira, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e Felizberto de
Sande. Fuzilados por topas pertencentes às Milícias de Santarém, no Terreiro do
Rossio de Santo António, em Viseu, no dia 21 de Março de 1833.
A inscrição existente no referido Mausoléu recorda a “execranda tirania daquele tempo” e exalta a
coragem destes “mártires da liberdade”. Penacovenses... perpetuados em Viseu... ignorados
em Penacova...
NOTA: Voltaremos ao assunto, não só para referir a extensa lista com os
nomes de pessoas desta região que
estiveram nas cadeias, mas também para situar este episódio conhecido por “Queima
da Pólvora” no conjunto da Guerra Civil que opôs liberais e absolutistas, que
semeou o ódio entre “malhados” e “corcundas”...
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