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quinta-feira, junho 19, 2025

𝐇𝐄𝐑𝐂𝐔𝐋𝐀𝐍𝐎 𝐄𝐌 𝐋𝐎𝐑𝐕Ã𝐎 (II)

 

A seguir às observações sobre a Portaria, ainda no dia 15, Herculano registou:

 “Os monumentos mais antigos do Mosteiro de Lorvão existem no chamado Claustrinho. Quase num dos ângulos está um túmulo pequeno em cuja base há uma inscrição ilegível: as letras que ainda se divisam são do XIII séc., na frente tem algumas figuras de frades em baixo-relevo e metidas em nichos. O claustro está rodeado de capelas de cada uma das quais trata uma freira: algumas abandonadas como os jardinzinhos. São as de algumas que morreram e que não tiveram substitutas. Algumas capelas ainda conservam o tecto em ogiva e artesoado. Na capela da Ascensão representando esta passagem do Evangelho há um quadro que parece anterior ao séc. XVI bem como outros da capela de Santa Clara, que representa uma tropa de mouros entrando violentamente num convento de freiras.Parecem também de bastante antiguidade um quadro da Anunciação na capela da Encarnaçãoe dois na das Almas, um da degolação de S. João Baptista e outro do martírio de S. João Evangelista na caldeira de azeite: são talvez do séc. XVI. O quadro da prisão de Cristo na capela dos Passos pareceu-me bom e no estilo dos chamados Grão-Vascos. A autenticidade da cadeira da infanta Teresa que se guarda na capela do Calvário pareceu-me assaz duvidosa, sem deixar de ser uma peça curiosa e antiga.”

Neste dia, iniciou os trabalhos no Arquivo, analisou o “Livro dos Testamentos” e, igualmente,  os diversos Códices. O “arranjo e o asseio” de todos os espaços foi para ele uma agradável surpresa.

No dia 16 de Julho , concluiu os trabalhos no arquivo, seguindo-se uma visita ao interior do mosteiro, onde se deparou com as condições miseráveis em que viviam as freiras. No final do dia, fala-nos de um passeio ao pôr do sol, observando “ os hortejos ou jardinzinhos das freiras defuntas cobertos de urzes” e a “cerca exterior na quebrada dos montes”. 

No dia 17 de Julho, sendo  Domingo, encontrou-se com o “ Ferrer”(1) e o “Correia”, [Joaquim Correia de Almeida, que foi durante muitos anos, Presidente da Câmara e Administrador do concelho de Penacova], provavelmente assistindo à missa. 

Os seus apontamentos levam-nos a crer que seguiram, ainda nesse dia, para Penacova, por “caminhos impérvios pelas recostas dos montes.”  

Sempre atento, comenta que “os vales são algares para os quais a mão do homem arrastou alguma terra das faldas alargando-os e terraplanando-os” e que  as encostas eram “cultivadas em andares até às coroas dos montes”. 

Chegado a Penacova visita o “sítio do castelo, de que nada resta, fraga contígua aprumada sobre o Mondego.” Sublinha a “vista magnífica a voo de pássaro das margens: os engenhos de água para as regas: o rio tortuoso com semelhanças do alto Tejo, mas com leito de areia e com as ínsuas à raiz das quebradas”. Muito curiosa é a seguinte observação sobre o Reconquinho: “abaixo de Penacova o rio numa volta parece querer tornar atrás a mirar o caminho que andou.” 

Ficamos a saber que fez o “exame dos documentos municipais”, sendo o mais antigo “ o foral de D. Manuel.” 

E a terminar esta série de observações, há uma algo enigmática. Escreve Herculano, “acerca da humildade do povo”: “esta subserviência deve esconder grandes ódios: perigo da explosão. Necessidade do municipalismo. 

Por fim, depois de ter pernoitado em Penacova, segue viagem para a Lousã , passando por Poiares, no dia 18,  com descida pela margem do rio  e passagem do Mondego a vau.

(1) Vicente Ferrer Neto de Paiva (Freixo, Vilarinho, Lousã, 27 de Junho de 1798 — Vilarinho, Lousã, 11 de janeiro de 1886) foi um professor da Universidade de Coimbra, doutor em cânones, introdutor do krausismo em Portugal e importante defensor do jusnaturalismo, sendo considerado o principal responsável filosófico pela formação de toda uma geração de juristas e homens de Estado portugueses da segunda metade do século XIX.[1] Na vida política, foi presidente da Câmara Municipal da Lousã (1822) e depois, finda a guerra civil, deputado e ministro da Justiça (1857), tendo um papel relevante na reforma do sistema judiciário português em meados do século XIX. Foi reitor da Universidade de Coimbra e sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa.


quinta-feira, junho 05, 2025

𝐇𝐄𝐑𝐂𝐔𝐋𝐀𝐍𝐎 𝐄𝐌 𝐋𝐎𝐑𝐕Ã𝐎 (𝐈)


Os "Apontamentos de Viagem de Alexandre Herculano" são um conjunto de anotações e reflexões sobre as suas viagens pelo país, no contexto da Academia das Ciências, especialmente em 1853 e 1854. No Verão de 1853 Herculano esteve na região de Coimbra, incluindo Lorvão e Penacova.

No dia 10 de Julho assistiu à Procissão da Rainha Santa, no regresso a Santa Clara. No dia seguinte esteve no Cartório da Fazenda da Universidade e depois, até ao dia 15, antes de seguir para Lorvão e Penacova, consultou e analisou, com a ajuda de um paleógrafo, muitos dos documentos, alguns em “lastimoso” estado, das Colegiadas de S. Pedro, S. Cristóvão e de S. Tiago. Passou igualmente pelo o arquivo da Câmara.

No dia 15 parte para Lorvão. Sobre esta viagem são particularmente interessantes as observações que vai registando, ao calcorrear aquelas “duas léguas de Montes”: “São grandes outeiros formando montanhas, e acumulados uns aos outros sem a intersecção de vales” – escreve Herculano. 

Observa os pequenos recantos de cultivo, “arroteações de recente data, cultivados na maior parte até aos cumes”.  Os acessos, como é de imaginar não passavam de “caminhos ladeirentos e tortuosos”.

 Curiosa é também a descrição do panorama que do alto da Serra do Dianteiro (que seria já o alto da Aveleira / Roxo) se avistava:

- “em frente, cordilheiras da serra da Estrela elevando-se-lhe os topos como barras pardo--escuras por cima das barras brancas de nuvens”

-  “para o lado do norte os territórios levemente ondulados até o Vouga”: 

-  “para o poente os campos entre Coimbra e Montemor: o Mondego areado e quase sem águas parece ao longe uma estrada tortuosa que atravessa a campina.” 

E o mosteiro? Nada se avista. Até porque  “só se descobre ao chegar a ele, pela sinuosidade da descida íngreme e pelo relvoso da encosta.” 

Original é a imagem do vale de Lorvão. Herculano compara-o ao “cálice de um lírio” e sugere um exercício de imaginação: “uma flor” com um “pistilo grosso e curto, rasgado por um lado”. É desse ponto, dessa “rotura” que “saem as águas da bacia” !

Segue-se a descrição telegráfica (e geometrizante) do mosteiro: “O mosteiro é um longo paralelogramo, a cujo topo para a nascente se liga outro muito mais curto formando com ele um ângulo aberto: por detrás deste ângulo levanta-se a cúpula do zimbório da igreja, que se prolonga com o edifício pela parte interior.” 

Uma vez chegado à portaria, registou:  

“Estátua de D. Teresa à esquerda: letra antiga — POST THALAMUM ALFONSI REGIS THARASIA FUNDAT LORVANI MONACHAS ET MONIALIS OBIT.  Estátua de D. Sancha à direita: letra moderna — REGIA PROGENIES PIA VIRGO CELLAS. EXTRUIT INDE OBIENS CAELICA REGNA PETIT. 

(Continua)