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21 junho 2020

Pneumónica de 1918: em Penacova, como foi?

Entrou na Europa entre Abril e Maio de 1918. Espalhou-se rapidamente, apesar de numa fase inicial se ter apresentado com alguma benignidade, pelo que as autoridades não lhe prestaram a atenção devida. No entanto, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, revelou a sua agressividade. Falamos da “gripe pneumónica”, também conhecida por “gripe espanhola” e por “influenza”.

No distrito de Coimbra foi na Figueira da Foz que nos inícios de Julho se manifestou, tendo a partir de Setembro adquirido feições muito graves. Nos finais daquele mês já era Góis que registava alguns casos que em poucos dias aumentaram, lançando o caos no concelho. Segue-se Arganil, Tábua, Penacova, Cantanhede, Coimbra, Pampilhosa da Serra, Montemor… enfim, nenhum concelho escapou à pandemia, ao ponto de a imprensa ter dito que por todo o distrito a pneumónica caíra “que nem um vendaval que tudo destrói”. 

De modo a não agravar ainda mais o clima de medo e de angústia, os sinos deixaram de tocar a finados. As escolas foram encerradas e nelas foram instalados hospitais provisórios, como foi o caso de S. Pedro de Alva. Na Universidade de Coimbra o arranque das aulas foi adiado. 

Em Portugal, as vítimas mortais terão sido, segundo os números oficiais da época, cerca de 50 mil, mas há quem aponte para um número que ronda os 135 mil. Terá infectado entre um quinto e um terço dos cerca de seis milhões que então compunham a população residente, ou seja, entre 1,2 e 2 milhões de portugueses, com a particularidade de ter atingido especialmente a população em idade activa, entre os 20 e os 40 anos. A nível mundial a pandemia matou cerca de cinquenta milhões! 

E no concelho de Penacova? Cremos que nenhum estudo aprofundado foi feito e a sensação que temos é que (no País e também aqui) não percebemos porquê, este momento trágico (que matou muitos, mas muitos mais portugueses do que a I Grande Guerra) parece ter sido desvalorizado nos compêndios de História. 

Tendo por base a consulta dos livros de registos de óbitos, concluímos que em apenas um mês e meio (de finais de Setembro a meados de Novembro) foram cerca de 50 pessoas que não resistiram à fatal pandemia. Dias houve em que se registaram 3 óbitos (10,16 e 29 de Outubro e 1 de Novembro). Falamos apenas dos casos em que expressamente está registada a causa da morte. Se analisarmos o número de óbitos entre 1911 e 1925, não contando com 1918, obtemos uma média anual de cerca de 330. Ora, em 1918 temos 739 registos! Outras causas de morte eram a tuberculose e a bronco-pneumonia, que provavelmente se agravaram por influência da gripe pneumónica. É arrepiante também o número de crianças que morriam em tenra idade e não só, bem como o de mulheres muito jovens que deixavam órfãos e viúvos na sequência de gestações e de partos sem qualquer assistência médica e hospitalar.

A freguesia de Penacova (neste período analisado) é a que praticamente concentra a totalidade dos casos. Um olhar rápido pelos 12 meses do ano aponta para a conclusão que, de facto, o restante concelho não foi assim tão severamente fustigado, apesar de haver notícia de que em S. Pedro de Alva foi montado um hospital provisório.

Na vila de Penacova registaram-se 14 óbitos, seguindo-se Carvalhal (5) e Ponte (4). Outros lugares da freguesia foram atingidos: Riba de Baixo, Gondelim, Cheira, Travasso… Na sede do concelho, houve famílias que em poucos dias viram desaparecer dois elementos: filha, de 31 anos, no dia 8 de Outubro e pai, de 70 anos, uma semana depois.

No global, a mortalidade foi maior nas mulheres (60%). No sexo masculino, o grupo etário mais atingido foi dos 0 aos 20 anos e no sexo masculino foi dos 20 aos 40. Assim, a média de idades nos homens foi de cerca de 22 anos e nas mulheres de 34 anos. A vítima mais nova terá sido um menino de 2 anos residente no Belfeiro. Os mais velhos tinham 70 anos (um na Vila e outro no Carvalhal). 

Naquele período (27 de Setembro a 8 de Novembro) outras localidades vestiram de luto: Vale de Lagar, Ronqueira, Casal, Felgar, Hospital, Chã, Belfeiro, Chelo, Monte Redondo, Boas Eiras, Oliveira do Mondego e Paredes…

Numa época em que a I Grande Guerra apenas estava em vias de terminar, em que o país vivia tempos políticos muito conturbados, em que havia falta de médicos (o concelho teria apenas um facultativo na altura) imagine-se o quanto Penacova (a par de outros concelhos e de todo o país) terá sofrido, quer em termos emocionais, quer em termos sociais e económicos. 

Para todos os que não resistiram, para todos os que sobreviveram e tiveram de enfrentar as dificuldades e para todos os que, de algum modo, labutaram para suavizar tantas feridas, vai a nossa respeitosa homenagem, cem anos depois, neste momento em que estamos a ser confrontados com outra pandemia que ameaça a nossa existência e exige de todos uma capacidade suplementar de responsabilidade e de resiliência. 

Travanca do Mondego, 21 de Junho de 2020
David Gonçalves de Almeida

25 março 2020

Poetas penacovenses (VI): Poesia em tempo de pandemia


Em prosa ou em verso, Penacova já se habituou às reflexões de Luís Pais Amante.
Agradecemos o envio deste texto que o autor fez questão de partilhar - em primeira mão connosco - e que entendemos dever ser também partilhado com os leitores do Penacova Online.

A DISRUPÇÃO DO MUNDO

O nosso tempo entrou em modo de quebradura
Distanciou, inda mais, o mundo já em fractura
Colocou-nos em quarentena
Afastou-nos da fala à “boca pequena”
E separou-nos
Do abracinho da Madalena

Estamos em disrupção
Não podemos dar a mão
Nem abrir o coração
Nem correr em contramão
Nem tocar no corrimão
A nossa civilização está em colapso
Cavado nos fregueses do relapso
Está instalada a rutura
Do carinho e da ternura
Estão fechadas as fronteiras
Separadas as nossas esteiras
Confinadas povoações
Com tampões colocados nos próprios dos aldeões
Donos do livre ar sem convulsões
Temos que acabar com isto, alterar o paradigma
Cantarmos em sol com rima
Unir esforços
Mandar para trás os remorsos
Confinarmos os destroços
Puxarmos pela destreza
Darmos mais atenção à limpeza
Trabalharmos com mais firmeza
Responder com luva branca à safadeza
Adoptar só a justeza
... e esperar ...
... que venha o Verão e o vírus fique sem ar!

Luís Pais Amante
Telheiras Residence
25Mar20; 17h15

Concentrado no meu novo modo de vida de “solitário solidário”.