25 março 2020

Poetas penacovenses (VI): Poesia em tempo de pandemia


Em prosa ou em verso, Penacova já se habituou às reflexões de Luís Pais Amante.
Agradecemos o envio deste texto que o autor fez questão de partilhar - em primeira mão connosco - e que entendemos dever ser também partilhado com os leitores do Penacova Online.

A DISRUPÇÃO DO MUNDO

O nosso tempo entrou em modo de quebradura
Distanciou, inda mais, o mundo já em fractura
Colocou-nos em quarentena
Afastou-nos da fala à “boca pequena”
E separou-nos
Do abracinho da Madalena

Estamos em disrupção
Não podemos dar a mão
Nem abrir o coração
Nem correr em contramão
Nem tocar no corrimão
A nossa civilização está em colapso
Cavado nos fregueses do relapso
Está instalada a rutura
Do carinho e da ternura
Estão fechadas as fronteiras
Separadas as nossas esteiras
Confinadas povoações
Com tampões colocados nos próprios dos aldeões
Donos do livre ar sem convulsões
Temos que acabar com isto, alterar o paradigma
Cantarmos em sol com rima
Unir esforços
Mandar para trás os remorsos
Confinarmos os destroços
Puxarmos pela destreza
Darmos mais atenção à limpeza
Trabalharmos com mais firmeza
Responder com luva branca à safadeza
Adoptar só a justeza
... e esperar ...
... que venha o Verão e o vírus fique sem ar!

Luís Pais Amante
Telheiras Residence
25Mar20; 17h15

Concentrado no meu novo modo de vida de “solitário solidário”.


24 março 2020

Música e dança popular em Penacova nos finais do séc. XIX (II)


Prosseguimos com a publicação de um conjunto de recolhas de músicas e danças que nos finais do século XIX ainda estavam vivas no concelho de Penacova. Depois do tema "Oh que Salero!", aqui fica hoje "Carinhosa" dedicada à "Exma Snrª D. Cândida Moreira".

CARINHOSA

Nota: Gostaríamos de dizer que foi através do amigo Eduardo Ferreira que, há uns tempos, tivémos conhecimento da existência desta obra que contém recolhas não só de Penacova mas também de S. Pedro de Alva e Oliveira do Cunhedo.

23 março 2020

Quem terá sido o autor do diário (1907) encontrado em Lorvão?


“Os trabalhos e os dias em terras de Lorvão nos inícios do século XX” é o título de um artigo de Guilhermina Mota, da Universidade de Coimbra, publicado na Revista Portuguesa de História em 2016 a propósito de uns apontamentos encontrados dentro de um livro da Confraria das Almas ou Confraria dos Leigos.

O manuscrito espelha o “quotidiano de um habitante da região de Lorvão” que, entre 29 de Agosto de 1907 e 3 de Janeiro de 1908, “regista num diário pessoal acções, eventos, quase nada de emoções.”

Não se sabe o autor mas “este registo permite reconstituir parcialmente as tarefas com que se ocupa e parte da sua rede de relações sociais, onde se destacam as que se associam à Confraria das Almas. “

Alguém, em terras de Lorvão, registou, numa segunda-feira, 2 de setembro de 1907, o seguinte:

«Reguei feijões e coives concertei a porta do relogio puz a aza na tampa do forno, defolhei um pouco no Valr.º da Boiça, armei os barrotes p.ª fazer palheiro arrumado á tulha etc Veio o Ant.º que levou 18 mil rs para o j.º do Sr Duque».

“Ao longo dos meses que se seguem vai desenvolver muitas outras actividades que lhe tomam as horas e consomem as energias, mas que lhe merecem tal consideração que as deixa registadas em breves apontamentos.”

Diz Guilhermina Mota que “este diário pertence a um homem do campo, que assenta as minudências do seu dia a dia, quer as tarefas desenvolvidas, quer os momentos de recreação e vagar.”

“Seja como for, quem redige tem uma letra bem desenhada e uma exposição do pensamento ordenada e sintética que aponta para alguém com mão habituada à pena. Cultivar a escrita, dominar a disciplina do registo, sentir a necessidade de recordar o acontecido, tudo isto nos mostra um perfil que não corresponde àquele que, no dealbar de novecentos, se atribui ao campesinato, rústico, ignorante, incivilizado, muitas vezes analfabeto.”

Quem seria este homem que amanhava terras,  que se ajeitava como artesão, que também orientava obras de pedreiro, que movimentava dinheiro e, que “surpreendentemente” - acentua aquela investigadora – sabia escrever?

18 março 2020

Música e dança popular em Penacova nos finais do séc. XIX (1)


“A alma de um povo manifesta-se nos seus cantos, assim como a actividade do seu espírito se patenteia nas suas obras. Inebria-se nas grandes alegrias; abate-se nas grandes dores; acalma-se perante as grandes calamidades; ora enaltece o amor, a virtude, o talento e o heroísmo; ora estigmatiza o cinismo, o vício, a imbecilidade e o crime; para cada vicissitude da vida tem uma forma especial de expressão, franca, simples e sincera, que aplica sem circunlóquios nem preâmbulos: é a ideia explodindo vigorosa.” - escreveu em 1895 C. das Neves, numa publicação dedicada à música / dança popular. A obra resultou de uma recolha feita um pouco por todo o país. O concelho de Penacova aparece referido. Publicamos hoje "Oh que salero!", recolhida em Penacova, em 1882, por F.P. Nogueira.



Como se dançava?

Damas e cavalheiros dançam de mãos dadas, em grande roda, durante oito compassos; em seguida largam as mãos fazendo balancé aos seus pares, dando estalos com os dedos, braço abaixo, braço acima, durante oito compassos; em seguida dançam em valsa oito compassos.

12 março 2020

Ainda a apresentação em Penacova do livro “A Assassina da Roda” noticiada n' “A Comarca de Arganil"


Com a devida vénia, publicamos o artigo de A Comarca de Arganil de 12 de Março de 2020, assinado por José Travassos de Vasconcelos:

“Rute Alexandra de Carvalho Serra é oriunda de Coja e no passado sábado, dia 7, lançou o livro intitulado “A Assassina da Roda – A História da última mulher executada em Portugal”, na Biblioteca Municipal de Penacova, com a presença de muitos cojenses, familiares da escritora, entre eles o Padre António Borges de Carvalho.
O livro relata um caso que remonta ao ano de 1772, em que Luísa de Jesus, de 27 anos de idade [lapso da notícia de A Voz de S. Pedro de Alva, pois teria 23], casada, praticou crimes horrorosos em Coimbra, onde se descobriu que foram de tal natureza que eles ocupam um dos primeiros lugares na criminologia em Portugal, sendo a última mulher executada em Portugal.
Como se lê num escrito da altura, lido pelo apresentador do livro, Prof. David de Almeida, “Luísa de Jesus residia em Coimbra [era natural de Gavinhos -Figueira de Lorvão, que na altura pertencia ao Termo de Coimbra] e tinha por costume ir à Roda buscar recém-nascidos com o pretexto de se encarregar da sua criação. Depois, em sua casa, ou no olival de Montarroio, matava as crianças, esquartejando-as, asfixiando-as ou enforcando-as e assim conseguiu eliminar 33. Ao confessar os crimes cometidos, declarou, porém, ter morto 28 e não 33. Passada busca a casa, foram encontrados dentro de um pote de barro, não muito oculto, crânios, ossos e pedaços dos pequeninos cadáveres em completo estado de putrefação. O fétido dentro da casa era horroroso, parecendo incrível que alguém ali pudesse residir. A monstra ia buscar as crianças para poder receber a espórtula de 600 réis, 1 côvado de baeta e 1 berço por cada uma. O julgamento efectuou-se em Lisboa, onde cumpriu a pena por sentença da Relação, sendo atenazada pelas ruas públicas, cortadas as mãos em vida, garrotada e queimada em 1 de Julho de 1772.”
É esta a história verídica que Rute Serra passou para as páginas de um livro, lançado já em Lisboa, pela Guerra e Paz Editoras, um romance histórico de intensa emoção, baseado em factos verídicos, que refere “aqui, as nossas convicções sobre verdade, mentira, miséria e ostentação são postas definitivamente à prova”.

Depois do Vice-Presidente da Câmara, João Azadinho, ter elogiado não só a escolha daquele espaço para o relançamento do livro, como a presença de alunos da Escola de Artes e do Grupo de Teatro de Penacova, que veio enriquecer o momento, foi então a vez do Prof. David de Almeida falar sobre o livro, que após desenvolver parte da história,  focou que “na parte final do romance ficamos a saber que o irmão de Luísa de Jesus terá assistido à execução e terá trazido as cinzas numa “cista” para a Serra de Gavinhos…onde foram espalhadas ao vento, ao mesmo vento que durante séculos  fez rodar as velas dos moinhos ainda hoje ali existentes.”
Para a autora do livro, Rute Serra, foi uma grande honra estar ali num espaço emblemático de Penacova, tanto mais estando rodeada da familiares vindos de Coja, e porque este lançamento tem um significado muito especial, por ser o concelho de Luísa de Jesus, mas também por ser um concelho com uma riqueza patrimonial inexcedível, citando o amor que tinha por Penacova Vitorino Nemésio, que “se inspirou através dos seus escritos”.                      


10 março 2020

A propósito da apresentação do livro "A Assassina da Roda"



A APRESENTAÇÃO DO LIVRO "A ASSASSINA DA RODA" DECORREU EM PENACOVA NO DIA 7 DE MARÇO
Na foto: David Almeida,  que apresentou a obra, João Azadinho, Vice-Presidente da Câmara, Rute Serra, autora, e Pedro Assunção, Presidente da Junta de Figueira de Lorvão

“Tal como acontece com toda e qualquer comunidade humana, da história de Penacova fazem parte pessoas e factos que nos orgulham e são exemplo maior de um povo que foi conquistando a sua autonomia e identidade ao longo de séculos.

Mas a história de um povo, de um concelho, é feita de homens e de mulheres que transportam consigo as marcas da condição humana. E a natureza humana carrega um paradoxo original. No mais íntimo do ser humano, coabitam o bem e o mal, o anjo e o demónio, a vida e a morte. Freud, o pai da psicanálise, falou de dois instintos que comandam as nossas vidas. O instinto de Vida que ama, que enriquece a mesma vida, e o instinto de Morte que pode levar à destruição: Eros e Tanatos.”

Vêm estas considerações a propósito da apresentação em Penacova do livro “A Assassina da Roda”, de Rute Serra *,  sobre a vida da última mulher executada em Portugal. O texto tem como base a comunicação que fizemos na referida sessão que decorreu na Biblioteca Municipal de Penacova no dia 7 de Março.

“O caso Luísa de Jesus coloca-nos um problema muito concreto. Trazer aqui,  ao presente, a memória de acontecimentos que ainda hoje nos horrorizam e nos envergonham? É que, por mais que nos custe, Luísa de Jesus foi considerada no texto da sentença “inimiga declarada da inocência, monstro de coração pervertido…uma mulher possuidora de ambição e fereza.”

Dizer não à apresentação deste livro, aqui bem no coração do território onde tantos inocentes foram massacrados? Pronunciar o nome de Luísa de Jesus  ou expulsá-lo para todo o sempre da nossa memória? Será possível abafar tudo isso e fixarmo-nos apenas nos factos e nas pessoas que nos enobrecem? Claro que seria mais fácil, mais confortável, enaltecer os nossos heróis, as nossas glórias concelhias.

A memória de um povo não pode (e não consegue) ser selectiva. O caso Luísa de Jesus perturba-nos? Sim, perturba! Fascina-nos, num certo sentido? Sim, também. Quem sabe, tudo isso sejam  válvulas de escape face a situações de terror,  uma forma de lidar com o lado escuro, com a agressividade, que no fundo de cada um existe?

Por que não tratar, sem preconceitos, sem complexos, e de uma forma séria, estes acontecimentos passados na nossa terra há cerca de duzentos e cinquenta anos?

O livro que estamos hoje a apresentar é um trabalho sério, de pesquisa rigorosa, de interpelação sobre a vida e a morte, sobre o direito e a justiça, sobre a verdade, sobre os meandros, por vezes obscuros da natureza humana e das estruturas jurídico-sociais. Uma obra que se demarca do sensacionalismo pelo sensacionalismo e da literatura light que por aí vai abundando.

Aquando das pesquisas que fiz na imprensa local no sentido de reconstituir o movimento republicano em Penacova (o que deu origem ao livro “Penacova e a República na Imprensa Local, publicado em 2011) passou-me pela mão o jornal “Voz de S. Pedro de Alva” que se  publicou entre 1928-1933.

O título Crimes horrorosos” chamou-me à atenção. Nunca tinha ouvido falar de tais acontecimentos. Interessando-me pelo caso acabei por descobrir que o jornal O Conimbricense (16 de Outubro de 1866 e 31 de Maio de 1898)  referiu o caso e publicou mesmo a sentença proferida na altura.

Em diversos momentos fui fazendo referência a este caso no blogue e, nas suas pesquisas na internet, a Drª Rute Serra terá chegado ao Penacova Online. Foi assim que, certo dia, recebi um mail de alguém, dizendo que estava a estudar este caso e que agradeceria se eu lhe pudesse fornecer mais elementos, o que prontamente fiz.

O tempo passou e há uns meses recebi outro mail anunciando o lançamento de um romance histórico, com a chancela da Editora Guerra e Paz. Desde logo, a autora  mostrou o desejo de o mesmo ser apresentado no concelho de Penacova. Feitos os contactos e verificada a boa receptividade da Câmara Municipal, avançou-se para a concretização.

***

“Eurico o Presbítero”, romance de  Alexandre Herculano, é muitas vezes apontado como o grande modelo de romance histórico em língua portuguesa. A Assassina da Roda, enquanto romance histórico, mistura história e ficção, reconstrói acontecimentos, costumes e personagens, apresentando-nos um retrato de alguns segmentos da vida social e política da segunda metade do século XVIII: o problema dos expostos ou enjeitados, a questão da pena de morte, os debates sobre a aplicação da justiça, a reforma pombalina da Universidade de Coimbra, os meandros da Inquisição, a ambiência coimbrã,  a pobreza, a mortalidade infantil… enfim, um quadro que,  fruto de um grande trabalho de pesquisa e de estruturação narrativa, nos convida para uma interessantíssima viagem no tempo.

Este romance insere-se no modelo tradicional da ficção histórica, resgatando e contextualizando, o mais  fielmente possível, os factos históricos, na linha de Fernando Campos (O Cavaleiro da Águia), Domingos Amaral (Enquanto Salazar Dormia) ou Miguel Sousa Tavares (Equador).  

Por vezes encontramos livros onde o vocabulário e a estrutura lexical nada têm a ver com a época e onde os cenários estão feridos de anacronismo e são muitas vezes absurdos. Neste romance tal não se verifica, fruto de uma grande capacidade de investigação. Verifica-se hoje um crescente interesse por romances históricos, em detrimento da historiografia, que apesar de muito desenvolvida se restringe muitas vezes aos ambientes académicos.  No entanto, também os livros de divulgação histórica, a par do romance histórico vão fazendo sucessos editoriais.

Através de A Assassina da Roda ficamos a conhecer não apenas a história da última mulher executada em Portugal. Os penacovenses e todos quantos o lerem, verão que o livro toca de perto muitos aspectos  da cultura e das tradições de Penacova. 

A ligação a Coimbra, principalmente das terras mais confinantes com a cidade, os trilhos, as viagens  ora pela serra do Dianteiro ora pelo curso do rio Mondego, onde não falta a figura do barqueiro, os moinhos de vento, um dos ex-libris de Penacova, tudo aqui está retratado. Retrato que se estende às paliteiras, com todos os pormenores desta arte que faz hoje parte do Inventário Nacional do Património Imaterial, ao Mosteiro de Lorvão, nas suas múltiplas facetas, ao Manuscrito do Apocalipse, reconhecido pela Unesco como Memória do Mundo. Também as Lendas nos aparecem aqui. A Lenda das Bruxas do Reconquinho, a Lenda da Senhora do Montalto e a existência, referida em documentos do século XVIII, de pedras milagrosas,   uma espécie de pedras parideiras, a tradição dos Mascarados Novos e dos Mascarados Velhos em Lorvão, tudo isso aqui ficou registado.

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E é a longa conversa entre Pina Manique e José Anastácio da Cunha, que se prolonga por vários dias, que traça o fio condutor da narrativa. “Tenho uma história para lhe contar. Julguei muitos casos naquele Tribunal. Porém houve um que me inquietou inexoravelmente para o resto da minha vida e que jamais esquecerei”, confidencia Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805) ao seu amigo José Anastácio da Cunha (1744-1787) no dia em que este é convidado por aquele para ser regente dos Estudos da futura Casa Pia de Lisboa.“Preocupei-me sempre, tão somente, que a minha consciência, ficasse tranquila após cada julgamento, na medida do que nos deixavam.” -Não duvido - responde José Anastácio. -Nem sempre… remata Pina Manique. Na hora da votação dos Juízes Desembargadores, todos se ergueram… mas ele tê-lo-á feito dum modo titubeante. É esta inquietação que vai estando presente quase até ao fim do romance.

Estávamos no ano de 1780. O rei D. José tinha morrido havia quatro anos, tinham passado 25 anos sobre o grande Terramoto de Lisboa e o julgamento de Luísa de Jesus tinham acontecido oito anos atrás. A conversa vai sendo intercalada com relatos pormenorizados da denúncia, prisão, interrogatório e suplício, na Cadeia da Portagem em Coimbra, e sequente ida de Luiza para a cadeia do Limoeiro em Lisboa. Naquela cidade será presente a Tribunal para ouvir a sentença e será executada. A vinda do Marquês de Pombal a Coimbra para entregar solenemente os novos estatutos à Universidade vem também à baila, bem como a descrição de muitos recantos da cidade do Mondego, a perseguição da Inquisição aos judeus na Galiza e a execução de Dominga da Serra,  a descrição do mosteiro de Lorvão e as intrigas palacianas à volta da eleição das abadessas e os rumores da vida dissoluta que se levava naquele Convento.

Fica nas mãos do leitor um manancial de flashes sobre a vida quotidiana da burguesia, a vida mundana, as festas de Salão, as intrigas políticas, o mobiliário, a gastronomia, os neveiros da Serra da Lousã, a Fábrica do Gelo…

“Procurei saber a bem da sanidade da minha consciência, qual foi a motivação das tétricas acções de Luísa de Jesus.” – volta a dizer Pina Manique. Depois de ouvir demoradamente as intrigantes revelações de uma velha mulher, que vivia no Reconquinho, Pina Manique, apesar de achar que a “motivação por ela referida era falaz”, prefere aquietar o espírito por algum tempo. “O facto de não acreditarmos não nos imuniza” porque “nem sempre a luz da razão alumia suficientemente a dúvida humana.” Manique acaba por concluir que só podia ter sido por motivações  de lucro fácil… A possível pobreza da infância e os maus tratos na adolescência não o justificariam. Além disso, o passado ancestral de Luísa de Jesus, revelado pela velha do Reconquinho, era justificação demasiado “efabulada”. Assim, podia descansar a sua consciência! O amigo, Anastácio da Cunha, fica calado. Era melhor não mexer mais. “A resposta serenava a sua consciência. Encontrara a sua resposta. E assim devia ficar”…

Também nós nos interrogamos: por que fez ela aquilo? Por dinheiro? Mas…não será esta a resposta mais fácil e aparentemente óbvia? Mas atenção leitores: o romance leva-nos a uma outra explicação. Caberá a cada um descobrir.

Na parte final do romance ficamos a saber que o irmão de Luísa de Jesus terá assistido à execução e terá trazido as cinzas numa “cista” para a serra de Gavinhos, onde foram espalhadas ao vento, ao mesmo vento que durante séculos fez rodar as velas dos moinhos ainda hoje ali existentes. E, quem sabe, cinzas que o tempo ainda não consumiu e por aqui permanecem veiculando ecos daquelas vozes distantes.”
David G. de Almeida, 7/3/2020
*A autora:
Rute Alexandra de Carvalho Frazão Serra, Licenciada em Direito, Pós-Graduada em Gestão Pública, Mestre em Direito – Ciências Jurídico-Políticas
Acaba de assumir funções de Sub-Inspectora Geral na Inspeção Geral das Actividades de Saúde (IGAS), um departamento da Direcção Geral da Saúde.Exerceu funções de auditoria pública externa, junto do Tribunal de Contas de Portugal. Ao longo de cerca de vinte anos de actividade profissional na Administração Pública, foi técnica superior na extinta Direcção-Geral de Viação e exerceu funções dirigentes, durante oito anos, na Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
Docente convidada em cursos de Pós-Graduação e Mestrado, na área da Investigação Criminal e Criminologia. Formadora nas áreas do direito penal, processual penal e contraordenacional, em diversos cursos de acesso à carreira inspectiva. Prelectora em inúmeras sessões de esclarecimento dirigidas a operadores económicos. Membro do Observatório de Economia e Gestão de Fraude.
Cronista regular dos jornais Expresso, Público e I e da revista Visão.
Nasceu e vive em Lisboa mas tem família no concelho de Arganil, mais propriamente na vila de Coja.