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31 maio 2022

A lenda da cobra de Penacova


“Isso eu não vi, lá isso não, mas contam!” –  José Vieira in Sol de Portugal - Crónica da Beira Alta, 1918. 


As cobras são, geralmente, animais muito temidos. Despertam sentimentos, geram crenças e dão lugar a ditos. Por exemplo, é frequente dizer-se que as cobras hipnotizam. De onde virá essa crença? Pensa-se que se deve ao facto de as serpentes não possuírem pálpebras móveis, não piscando, pois, os olhos. O seu olhar fixo levou, então,  a acreditar que se tratava de um olhar hipnótico!

Diz-se, no entanto, que a rã fica imóvel quando uma cobra se aproxima. Não por estar hipnotizada, mas pura e simplesmente porque sabe que se permanecer imóvel pode ser mais seguro! E a história do hipnotizador de serpentes, ignorando-se que cobras são, afinal, surdas? É sim, pela vibração do solo que elas detectam a presença de algo. Deste modo, o som da flauta será apenas um atractivo “para turista ver” … Metida num recipiente, que não lhe permite grandes movimentos, é atraída pelo cheiro de urina de rato com que, entretanto, se untou exteriormente a gaita do encantador.

Diz também o povo que se pode formar uma cobra dum cabelo de mulher. Arranca-se um cabelo, necessariamente, com a raiz. Mergulha-se depois numa bacia de água e muda-se a água todas as manhãs até que o cabelo se transforme em cobra.

Ora, conta-se que em Penacova aconteceu uma desgraça por causa de uma cobra gerada por esse processo:

“Uma senhora de Penacova arrancou o cabelo da cabeça, pô-lo dentro da bacia d’água e todas as manhãs lá ia vazá-la e deitar outra nova. Ao cabo de três semanas o cabelo já se movia e no sítio da raiz formava-se a cabeça com dois olhitos vermelhos, boca e dentes.

Um dia a senhora esqueceu-se de mudar a água. Na outra manhã, quando apareceu, a cobrita olhou-a e saltou-lhe na cara. Foi só uma dentada. Ao anoitecer, a pobre senhora morreu.”

“Isso eu não vi, lá isso não, mas contam!” 

 

 

09 abril 2020

Semana Santa, 1955


Tinha chegado uma das semanas de maior azáfama do ano e Felismina andava atarefada com as limpezas da sua casa. Os quartos já estavam limpos, só faltava a cozinha e a sala…  Claro que a sala tinha de ser a última divisão a ficar a brilhar, pois era o local da casa onde Jesus seria recebido. Seria ali que, no Domingo de Páscoa, se juntava toda a família e amigos para beijar a Cruz. Contudo, não era só Felismina que labutava dentro da sua casa… Toda a aldeia andava em preparação para o tão aguardado dia. No entanto, havia sempre tempo para, nas pausas das limpezas, as vizinhas se juntarem na rua e trocar dois dedos de conversa.
- Ó Felismina, qual é a toalha que vais pôr na tua mesa este ano? Foi a da tua fogaça?
- É essa mesmo... É a que tem o bordado e rendas mais lindos, porque fi-la há menos tempo que as outras. – responde Felismina toda orgulhosa. – Também vou pôr nas janelas aquelas cortinas de rendinha branca, que te mostrei no rio a semana passada, quando fomos lá lavar a roupa. Vai ficar tudo a condizer…

Se esta era a semana das limpezas, a anterior (chamada semana dos ramos) tinha sido dedicada para ir ao rio lavar… Já dizia o ditado “Na semana dos ramos, lava os teus panos. Porque na maior, ou fará chuva, ou fará sol”. E convinha ter a roupa lavada e enxuta para nada ficar por fazer até ao Domingo de Páscoa. Era também no domingo dessa semana (dia esse designado por Domingo de Ramos), que as gentes das aldeias se juntavam na Igreja da Freguesia, para assistir à missa e benzer os seus ramos (feitos de louro, oliveira e alecrim). Nesse dia, ao almoço, comia-se a tradicional sopa de grão de bico com carne do palaio, chouriça e presunto… Verduras?! Nem falar nisso… Não se podia comer. Também dizia o ditado que “Quem come verdura no Domingo de Ramos, como moscas todo o ano”… E mais valia prevenir, que nestas coisas nunca se sabe…
- Olha, eu na quarta-feira tenho de ir à horta, buscar couves para os animais. Eu na quinta-feira não ponho lá os pés, não… - continuou a vizinha. – Sabes bem o que diziam os antigos: que Jesus se ia esconder no horto na quinta-feira, antes de ser preso. Olha que tu não te esqueças de lá não ir também.
- Pois, tens razão. E, nem na quinta-feira de tarde e nem na sexta-feira até ao meio dia, não se faz nada. Só as coisas mais necessárias… Porque sabes que esta semana é a maior, tem nove dias, como se costuma dizer. – tagarelava Felismina, ainda na rua, com a sua vizinha.
- E ouve lá, ó Felismina, tu já tens as abróteas e o feno, para pôr à porta?
- As abróteas já tenho, já. Mas o feno só costumo ir buscar no sábado de manhã.
Antigamente, as ruas das aldeias eram todas cobertas de mato, para as pessoas calcarem, quando por lá passavam. Esse mato seria, pois, para fazer o estrume que servia de fertilizante para as terras. No Domingo de Páscoa, de manhã, era tradição cobrir-se todo esse mato com abróteas e feno, sendo que cada pessoa cobria junto à sua porta. Além desta tradição, muitas outras existiam no período entre o Carnaval e a Páscoa, por exemplo, todas as sextas-feiras se fazia jejum de carne e, nesse período, não havia bailes, nem músicas. A Quaresma era, portanto, um momento de tristeza e de respeito.
- Eu no sábado de manhã vou cozer os meus folares. – continuava a vizinha, dando seguimento à conversa. – Vê se não te esqueces de ir à capela às 10h da manhã, para cantar Aleluia a Jesus ressuscitado. – disse, relembrando uma outra tradição, pois existia a crença de que Jesus teria ressuscitado no sábado às 10h da manhã. E era também por isso que se tocavam os sinos e se lançavam foguetes.
Passado o Sábado de Aleluia, chegava o tão aguardando dia: o Domingo de Páscoa. O mais festivo do ano. As mesas das salas eram decoradas com as tais toalhas branquinhas, cheias de rendas e bordados… Além disso, sob as mesas, era colocado um pires com uma laranja e, no cimo desta, espetava-se o dinheiro que era dado como “folar” ao Senhor Padre, que o recolhia na Visita Pascal. Ao almoço, comia-se um belo arroz de cabidela, feito com um galo, ou galinha, criado durante o ano especialmente para tal. No final da refeição, vestiam-se os melhores fatos e juntava-se toda a aldeia na capela, para novamente cantar Aleluia, iniciando a Visita Pascal. Depois, lá seguiam de casa em casa para beijar a Cruz, bebendo também as suas pingas e comendo uma fatia de pão doce, e os afilhados entusiasmados lá iam a casa das madrinhas e padrinhos para buscar o seu folar (um pão com dois ovos).
E era assim que terminava essa época tão festiva, com a aldeia toda em união!...

Mariana Assunção

03 janeiro 2020

O Mondego e a bela Penacova


As águas do Mondego esgueiram-se em corrida pelo leito abaixo, com a ânsia de chegar ao seu destino… Contudo, antes disso, têm de passar apressadamente por entre as margens verdejantes e estonteantes daquela vila, que fica lá no alto. Ó doce e delicada paisagem, como se tivesse saído diretamente de uma aguarela pitoresca!...
Do lado direito, vê-se, lá no cimo do monte, o mirante, o hotel e todas as casinhas e ruelas da bela Penacova. Ainda se vê a aldeia da Ponte, ao fundo do monte, rodeada e aconchegada pela densidade da natureza… E, cá em baixo, todos estes pormenores são espelhados no leito do rebelde Mondego, numa simetria perfeitamente esplêndida. Do lado esquerdo, vêem-se os campos cultivados, em relevos e contrastes verdes e acastanhados. Bem junto das águas apressadas fica a pista de pesca de Vila Nova, num longo carreiro ladeado por imponentes choupos, como se tivessem sido ali bordados, estando estes também refletidos no rio. O céu azulado e o brilho quente do sol abraçam todo aquele cenário, completando o enquadramento que parece pintado…  E mesmo quando o nevoeiro desce e embala Penacova, o ar místico que lhe encerra concede a este quadro uma melancolia ternurenta… Um toque de fantasia.
Continua a correr ó Mondego, que mais à frente hás-de passar no Reconquinho, que também te aguarda, com o seu areal que vem beijar a tua margem. E não te esqueças de olhar lá para o alto, que a Pérgola, toda vaidosa e enfeitada com as suas trepadeiras, anseia pela tua passagem e, lá do cimo, te acena e te deseja boa viagem. Olha de mansinho e discretamente a paisagem estonteante que todos os dias te aguarda… Namorisca um pouco e secretamente com ela. Mas corre, Mondego, para não te atrasares e leva contigo um pouco desta beleza sem par. Recorda-te da pacata vila a que beijas os pés todos os dias. E leva também um pouco das suas humildes gentes, que todos os dias te olham com a mesma admiração. Vai… E quando chegares ao mar sussurra-lhe ao ouvido a tua paixão e namoriscos secretos com a bela Penacova, que nós também não contamos a ninguém!...

Mariana Assunção


NR: Mariana Assunção publicou em 2014 o romance “Eternamente” e em 2017 “Eternamente II, com a chancela da Chiado Editora. A sua paixão pela escrita desde cedo se revelou. Com apenas onze anos, obteve um quarto lugar num concurso a nível nacional. Também gosta de escrever poesia.
É com muito gosto que publicamos hoje a sua primeira colaboração no PenacovaOnline.


21 setembro 2019

Republicanismo em Penacova na vigência da monarquia

Neste edifício (foto da época) se reuniu (em 1908)  um grupo de republicanos
para formar a 1ª Comissão Republicana de Penacova

Em Penacova, as ideias republicanas foram ganhando força por acção de médicos e juristas, muitos deles formados na academia coimbrã. Também alguns emigrantes regressados do Brasil vieram engrossar as fileiras dos opositores ao regime monárquico.

Ainda na vigência da Monarquia, em 1908, constitui-se, primeiro, a Comissão Municipal Republicana, com sede em Penacova e, de seguida, o Centro Republicano de S. Pedro de Alva. Esta dinâmica culminou com o grande comício nesta freguesia, no dia 1 de Agosto de 1909, com a presença de António José de Almeida.

No dia 8 de Março de 1908 teve lugar uma reunião de republicanos ''no edifício onde funcionavam as fábricas[1] de José Pedro Henriques''[2], com o objectivo de fundar uma Comissão Municipal Republicana. Assim, da primeira comissão concelhia, passaram a fazer parte, como membros efectivos, Rodolfo Pedro da Silva, médico, José Alves de Oliveira Coimbra, comerciante, José Pedro Henriques, industrial e Amândio dos Santos Cabral, proprietário. Como suplentes: Manuel Correia da Silva, farmacêutico, António Maria, ferrador, Joaquim de Almeida Coimbra, comerciante, Joaquim Pereira Castanheira, comerciante, e Augusto Ferreira de Carvalho, farmacêutico.

A 14 de Março, o Jornal de Penacova, que à data já estava nas mãos dos republicanos, noticia aquela reunião e avança com uma relação dos inscritos, à data, no Partido Republicano:

Dr. Alípio Barbosa Coimbra, Dr. Rodolfo Pedro da Silva, José de Almeida Coimbra, Francisco de Almeida, Joaquim Pereira Castanheira, David Cordeiro de Brito, Albino Leonardo, Francisco Rodrigues da Silva, José António de Almeida Júnior[3], José de Matos Vieira, Augusto Ferreira de Carvalho, António Pedro Gonçalves, António de Matos Vieira, António Maria, Joaquim de Almeida Coimbra, João António de Almeida, José Joaquim Duarte Júnior, Vitorino de Almeida, Serafim José de Almeida, Francisco Duarte Almeida, José Pedro Henriques, José Alves de Oliveira Coimbra, Amândio dos Santos Cabral, Eduardo Pedro da Silva, José Augusto Ribeiro, José Esteves Viseu, Joaquim Serra Cardoso (que anunciará a implantação da República na manhã de 6 de Outubro), Manuel Correia da Silva, Luís Pereira de Paiva Pita, Alípio Carvalho, Aníbal Duarte de Vasconcelos, Alípio Lopes Flórido, António Joaquim Dias e Fernando da Assumpção.
Rodolfo Pedro da Silva

Em 1909 realizam-se as eleições para aquela Comissão, onde vamos encontrar nomes já conhecidos. Efectivos: José de Almeida Coimbra, José Alves de Oliveira Coimbra, Manuel Correia da Silva, Luís Pereira de Paiva Pita e Augusto Ferreira de Carvalho. Substitutos: dr. Alípio Barbosa Coimbra, dr. Rodolfo Pedro da Silva, José Pedro Henriques, Eduardo Pedro da Silva e Urbano Ferreira da Natividade.

Por sua vez, S. Pedro de Alva acabou por ser pioneira na criação dos Centros Republicanos a nível do concelho de Penacova. Em Junho de 1909 foi provisoriamente instalado o Centro Republicano naquela localidade. A inauguração oficial fora anunciada para o dia 1 de Agosto, coincidindo com a data do Comício. Da comissão instaladora faziam parte José de Almeida Coimbra, Eduardo Pedro da Silva (ambos cunhados de António José de Almeida), António Henriques da Fonseca Júnior, Francisco da Costa Gonçalves, José Maria Henriques, Joaquim Pereira Castanheira e Joaquim de Almeida Coimbra.

O novo Centro terá sido instalado num antigo edifício pertencente à família de António José de Almeida (onde hoje existe o Talho Abranches). Joaquim António Madeira ofereceu ''um belo quadro da República'', um outro com o ''notável Manifesto do Partido Republicano'' e ainda outro com os ''retratos dos deputados Republicanos''. Também foram oferecidos livros para a biblioteca por António Joaquim dos Santos, António dos Santos e José Madeira Marques. Este ofereceu, entre outras obras, Cartas Políticas de João Chagas e Pró-Pátria de Homem Cristo.

O Centro Republicano de S. Pedro de Alva irá, nos tempos mais próximos, exercer a sua acção política, cultural e cívica. Nesse sentido, achamos particularmente significativo o facto de Eduardo Pedro da Silva ter, em Outubro de 1909, apresentado uma moção, que foi aprovada por unanimidade, contra o assassinato de Francisco Ferrer[4], considerando aquele acto como ''o maior crime do século XX''. Em Abril de 1910 o Centro procedeu à escolha do delegado[5] ao 11.º Congresso do Partido Republicano Português que iria decorrer no Porto nos dias 29 e 30. Foi eleito, por unanimidade, António dos Santos Henriques, residente naquela cidade.[6]
José de Almeida Coimbra

As adesões sucedem-se. Angariadas por João António de Almeida, irmão de António José de Almeida e presidente da Comissão Paroquial Republicana de Paradela da Cortiça, temos: José Henriques Castanheira, comerciante e regedor, Joaquim Henriques Castanheira, proprietário, José Lourenço Rodrigues, barbeiro, José Neves Pinhão, carpinteiro, Joaquim Ferreira, serrador, António das Neves Carvalho, proprietário, todos de Paradela, e ainda Abel Mateus, da Cova do Barro.

Em Penacova, o Centro Democrático António José de Almeida, situado na Avenida 5 de Outubro,  só será inaugurado oficialmente já depois da queda da monarquia, no dia 1 de Dezembro de 1910. Discursou o Dr. Daniel Silva e foi descerrado um retrato de António José de Almeida (pintura a óleo) oferecido por Leonel Lopes Serra. O jantar de confraternização teve lugar ''no hotel da Sr.ª Altina Amaral.'' Foi também inaugurado neste dia, o sistema de iluminação pública a ''acetylene'', o que levou o Jornal de Penacova a reconhecer que ''com vagar embora, o progresso” ia “penetrando na nossa terra."
 . David Almeida
___________
Bibliografia:
ALMEIDA, David - Penacova e a República na Imprensa Local. Penacova: Câmara Municipal de Penacova, 2011.



[1] Muito provavelmente, ocupava o edifício onde funciona hoje a Escola Beira-Aguieira. Edifício que, segundo fotografias de 1909, já tinha a estrutura actual.
[2] Pedro Henriques & Cª, empresa que era detentora de uma fábrica de conservas e se dedicava também à indústria de palitos. Representou o distrito de Coimbra na Expo 1908, no Rio de Janeiro, conquistando medalhas de ouro e prata, pela qualidade dos seus produtos: palitos e azeite.
.
[3] Irmão de António José de Almeida, bem como de João António de Almeida, que também consta da lista.
[4] Francisco Ferrer i Guardia, republicano catalão,  foi o fundador de um movimento de pedagogia libertária que deu origem à Escola Moderna. Os aspectos educacionais que defendia foram considerados "perigosos" para a aceitação social da autoridade e, em 1909, Francisco Ferrer foi preso na Catalunha, Espanha. Depois de julgado por um Conselho de Guerra foi executado em 13 de Outubro de 1909 na Fortaleza de Montjuich.
[5] Em 25 de Abril de 1910.
[6] Cfr. Jornal de Penacova, 30 de Abril de 1910.           

14 julho 2019

Penacova viu passar o comboio


Fotomontagem: quem sabe, a estação de Penacova teria sido semelhante a esta,
se o projecto tivesse avançado.

Os estudos foram realizados e na Câmara dos Deputados[1] o assunto foi exaustivamente discutido. Mas não passou do papel. Na época colocavam-se várias hipóteses para o traçado da Linha da Beira Alta: pelo sul do Mondego (Coimbra, Miranda do Corvo, Arganil, Seia, Celorico, Vilar Formoso) e a norte do mesmo rio. O traçado norte propunha três soluções quanto ao local de entroncamento com a linha do Norte: Coimbra, Pampilhosa ou Mogofores. Estas últimas não eram muito diferentes pois, a partir de Trezói, o traçado seria o mesmo. Já a primeira implicava um desenho completamente diferente.

Proposta por Boaventura José Vieira[2] em 1874, partia de Coimbra B, subia o Vale de Coselhas, passava entre o Tovim e Santo António e rumava na direcção das Torres do Mondego, percorrendo diversos túneis. Daí, contornando sempre a margem direita do Mondego, dirigia-se a Penacova, seguia para a zona da Foz do Dão e, pela margem esquerda do Dão, atingia Santa Comba. Esta proposta não foi avante, por diversos motivos, que não apenas financeiros.

As estações localizar-se-iam, além de Coimbra, em Penacova, Almaça e Santa Comba Dão. Seriam construídas nove  casas de guarda, de cinco em cinco  quilómetros. Imagine-se, pois, como a história económica e social de Penacova e a fisionomia do concelho seriam hoje muito diferentes. Teria o caminho de ferro feito concorrência à navegação comercial do Mondego? Ou, pelo contrário,  ficaria comprometida a viabilidade da exploração da linha férrea face ao transporte fluvial? Não sabemos, mas o certo é que o comboio acabou por vencer a embarcação. A  abertura da linha da Beira Alta em 1882 foi uma das causas que conduziram  à decadência do pujante movimento de pessoas e mercadorias, que assegurava  o intercâmbio da Beira Alta com Coimbra e  Figueira da Foz.

Já deixámos as Torres e as ribeiras de Valbom, Silveira e Caneiro para trás. Pontes, viadutos, obedecendo às voltas e voltas que o rio impõe. Ao Km 17, na Ribeira da Peneirada, surge-nos um túnel de 600 metros. Já um outro, a seguir à Ribeira de Lorvão, tem apenas 100. E atingimos Penacova, ao Km 22. Aqui, mais dois túneis. Um de 60 metros e outro, por baixo da vila, com 190 metros. Agora, um viaduto sobre o Vale das Laranjeiras. Para transpor a massa quartzítica de “Entre Penedos” foi necessário construir grandes muros de suporte e cortes de 12 a 15 metros na rocha. O comboio avança na direcção da Raiva. Ao Km 25, mais um viaduto de 30 metros e na Raiva um túnel com 250 metros para passar  à encosta de Gondelim. Outros viadutos sobre a Ribeira de Gondelim e do Penso, para chegar ao Cunhedo, ao km 31.

Foge a luz do dia ao entrar no túnel do Cunhedo. São 225 metros debaixo da terra. Segue-se um viaduto, de 150 metros de extensão e 20 de alto,  que nos leva à estação de Almaça. Gentes de S. Pedro de Alva e Mortágua apanham aqui o comboio. Vale de Porcas, mais um viaduto. Do lado de lá do túnel irá aparecer o vale do Dão. Mais pontes, mais viadutos, mais túneis. Agora, na margem esquerda do Dão, há que transpor cinco viadutos, alguns com 35 m de alto, para chegar a Santa Comba. Contámos as curvas de Coimbra até aqui: 75, o que corresponde a 49% do percurso. Viadutos: 22, com média de altura de 31 metros. Pontes: 15 (mais duas para passagens inferiores). Em 45 quilómetros!

Voltemos ao séc. XXI. Não admira, pois, que se tenha abandonado esta solução, podemos pensar. Mas, feitas as comparações, por exemplo entre a proposta Mogofores e a proposta Vale do Mondego, conclui-se que só quanto aos viadutos aquela leva vantagem. O trajecto por Penacova implicaria 10 túneis, com 2300 metros. Mas, argumentou-se na Câmara dos Deputados, que era preferível  abrir dez pequenos túneis do que um túnel de 1840 metros, com maiores custos de construção e exploração. O traçado pelos Vales do Mondego e Dão implicava 19 pontes. O de Mogofores, 25. Outro argumento esgrimido foi o facto de no Vale do Mondego, o rio ser “um grande auxílio” pois, “todos os materiais de construção podem ser levados de barco” a todos os pontos do trajecto. O custo total da obra (Coimbra-Penacova-Santa Comba)  estava orçado em 2 556 712$620 réis.

 A construção da Linha da Beira Alta *, de Pampilhosa a Vilar Formoso,  foi iniciada em Outubro de 1878 e concluída em Junho de 1882. A sua inauguração ocorreu em 3 de Agosto de 1882, com a presença do rei D. Luís e da Família Real que fez a viagem Figueira da Foz-Vilar Formoso.

E Penacova ficou a ver passar...



[1] Veja-se, por exemplo, a intervenção de António José Teixeira, em Março de 1875.
[2] Coronel Boaventura José Vieira – Militar; Político; Deputado; Governador Civil de Viana do Castelo; Vogal da Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas; Engenheiro responsável pela construção das Linhas Ferroviárias do Algarve, do Minho e do Douro – nasceu em Ponte de Lima, em 8 de Novembro de 1825, e morreu em 9 de Agosto de 1887. Engenheiro responsável pela construção das Linhas do Algarve, do Minho e do Douro.
*Manuel Emídio da Silva (1858-1936), técnico ferroviário, trabalhou na Companhia.dos Caminhos de Ferro da Beira Alta e noutras.  Mais tarde , foi presidente do Conselho de Administração da Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses. Publicista com vasta colaboração jornalística no «Diário de Notícias». Foi Presidente da Direcção do Jardim Zoológico (1911-36).

13 junho 2019

A Capela de Santo António em Penacova (séc. XVII)



Capela de Santo António . Foto de A. Silva Calhau

A capela de Santo António é uma construção do séc. XVII que ao longo dos tempos foi sofrendo algumas modificações. Exteriormente, sobressai um alpendre de quatro colunas na frente e uma a meio de cada lado.

No interior, podemos observar uma campa, já muito deteriorada.  Tem uma  faixa envolvente e um brasão muito corroído. Apresenta uma inscrição que aponta para a data de 1621 e nos fornece outros elementos relativos à família da pessoa sepultada.
Transcrição do texto que consta na campa
Possui um retábulo dos séculos XVII-XVIII, com imagens de Santo António e S. Francisco, do mesmo período. O púlpito tem a forma circular. Uma imagem de pedra, assente numa mísula, representa o  Anjo da Anunciação. É do séc. XVI. Outra escultura, representa uma Virgem (séc. XVII-XVIII).

De registar ainda a existência de um cálice (prata), sem ornatos, com a seguinte inscrição no listel da base: “ESTE CÁLICE HE DA IRMANDADE DE SANTO ANTÓNIO FOI FEITO ERA D. 1664 a.”

Fonte: Inventário Artístico de Portugal, 1952

08 setembro 2018

Penacova e a Senhora do Mont'Alto

Gravura publicada no século passado
 na imprensa local
O nascimento de Nossa Senhora ou a Natividade de Maria é uma festa litúrgica celebrada no dia 8 de Setembro, precisamente nove meses depois da festa da Imaculada Conceição. 

Muitas vilas e cidades de Portugal têm neste dia o seu feriado municipal, associado a importantes festas marianas correspondendo a uma grande diversidade de invocações. Aquando da instituição do feriado municipal de Penacova, as opiniões dividiram-se entre o dia 8 de Setembro e o dia 17 de Julho dada a importância que a romaria do Mont'Alto assume para as gentes da região. Com feriado ou sem feriado a tradição mantém-se. Se coincidir com um sábado ou domingo, tanto melhor. É o que acontece hoje. A romaria promete. 

Recordemos o que escreveu em 1987 o Professor Nelson Correia Borges na obra “Coimbra e Região” sobre a Senhora do Mont’Alto: 

“O Mont’Alto avulta na paisagem, a norte de Penacova, como formidável mole defensável, uma das derradeiras manifestações da Serra do Buçaco. As ribeiras de Penacova e de Selga delimitam as suas vertentes escarpadas, onde trepam carreiros milenários que conduzem ao santuário da Senhora. O acesso é, no entanto, também possível a carros, não sem algumas dificuldades. A estrada conduz-nos do Casal à Chã; a partir daí o caminho é florestal. 

O excelente miradouro é prejudicado pelo arvoredo circundante. A capelinha, todavia, é um encanto, na sua singeleza de ermidinha bem portuguesa. Antecede-a um alpendre de seis colunas toscanas do século XVII e em toda a volta tem um banco corrido, para os romeiros se sentarem a saborear os farnéis. 

Ocorria aqui, em tempos idos, uma das mais concorridas romarias da região. Segundo as informações paroquiais de 1721, nesse tempo “os moradores da Vila de Botão e de S. João de Figueira” vinham todos os anos em procissão à Senhora do Mont’Alto, em cumprimento de um “voto antiquíssimo”, trazendo as suas ofertas em tabuleiros à cabeça de donzelas “ como tradição antiga”. 

Hoje a festa continua a realizar-se no dia 8 de Setembro, a que o povo dá o nome de Dia das Sete Senhoras, mas os romeiros já não vêm de tão longe, nem cantam no terreiro da capela as modas de outros tempos: 
A senhora do Mont’Alto
Mandou-me agora chamar,
Que tem o seu manto roto,
Que que eu lho vá remendar! 
A senhora do Mont’Alto
Lá vai pelo monte acima,
Leva a cestinha no braço
Para Fazer a vindima. 
Se nesta época se preparam as vindimas, também se faz a mudança de ritmo da vida quotidiana. Agora, muda-se a hora dos relógios. Não vão lá muitos anos, começava o serão e acabava a sesta. Tudo isto se pode comungar com a entidade que se cultua, em tocante familiaridade. 
Ó senhora do Mont’Alto,
Eu não volto à vossa festa,
Que me tirais a merenda
E mai-la hora da sesta! 
O único habitante do Mont’Alto foi, em outros tempos, um ermitão que tomava conta da capela e a franqueava aos devotos. As mesmas informações paroquiais de 1721 dão a propósito a seguinte nota curiosíssima: 
Fotos de Varela Pècurto, inícios dos anos oitenta

“Ao pé deste monte, contam os naturais, que nascem umas pedras redondas como seixos, as quais partidas se lhe acha dentro outra pedrinha do tamanho e redondeza de uma noz, que com pouca violência se desfaz em pó, e este aplicado à enfermidade da asma é singular remédio, e tanto que por ser singular e único de muitas partes deste Reino são procuradas, e como se fossem milagrosas saram os asmáticos, e ficam de todo livres” 

Como se aplicava o pó não o diz o padre informador, porém, atendendo mais ao valor estratégico do monte do que às suas virtudes salutares, o general Wellington mandou colocar junto à capela algumas peças de artilharia, por ocasião da batalha do Buçaco. 

Hoje em dia já ninguém se lembra dos episódios da batalha, mas quem subir ao santuário pelos caminhos tortuosos pode encontra ainda alguns dos tais seixos e , se quiser, verificar a veracidade da informação… "

In Novos Guias de Portugal, Coimbra e Região - Nelson Correia Borges – Editorial Presença, 1987 

UM RECORTE DE 1912...


OUTRO RECORTE: AGORA DE 1920 (JP)


10 junho 2017

Cem anos de turismo em Penacova...

Turismo... um tema recorrente em Penacova. Páginas e páginas que ao longo do século vinte (e nestes inícios do segundo milénio) vêm sendo escritas na imprensa local. Muitas ideias, muitas opiniões, e o eterno lamento e atirar de culpas perante as escassas concretizações  no sentido de  aproveitar o grande potencial natural e cultural da vila e do concelho. Ao longo dos tempos fomos vivendo momentos de esperança num futuro mais "progressivo".  No entanto,  logo a seguir,  veio o desalento porque afinal tudo continuava na mesma. 
Este conflito não é exclusivo de Penacova nem do tema do Turismo. É verdade. Mas seria curioso analisar tudo o que nos últimos cem anos, incluindo a semana que termina, se foi dizendo e escrevendo sobre o malfadado desenvolvimento turístico de Penacova.
Apenas a título de exemplo, deixamos um texto do grande arista e amigo de Penacova, Manuel de Oliveira Cabral, publicado no Notícias de Penacova há 70 anos:


08 janeiro 2017

Corpos Sociais da Confraria da Lampreia para o triénio 2017-2020 iniciaram funções

Os Corpos Sociais da Confraria da Lampreia, para o triénio 2007-2020, eleitos no passado dia 2 de Dezembro, tomaram posse no dia 7 de Janeiro. A cerimónia, bem como a reunião que se seguiu, decorreu numa sessão aberta ao público, para a qual foram convidados os administradores dos principais blogues penacovenses.
Depois da tomada de posse e da distribuição de pelouros, o Presidente da Direcção, Luís Pais Amante, apresentou “As Linhas Orientadoras da Actividade a prosseguir pela Confraria", bem como o “Código de Conduta”, documentos que já haviam sido objecto de discussão e foram agora formalmente ratificados. 
A Confraria define como “Objectivos Genéricos”: implementar o código de conduta dos membros da Direcção, garantir a sustentabilidade da Confraria, rejuvenescer o quadro confrádico,  incrementar a imagem e a visibilidade e envolver os confrades. Relativamente ao Código de Conduta, foi salientada a extrema importância da “imagem, atenção, apresentação, inovação e acerto das medidas preconizadas” e reafirmado que a “Missão” dos confrades, é, em última análise, “elevar a Confraria, os seus Eventos, Penacova e os Penacovenses.”
Do vasto conjunto de “objectivos específicos” apresentados pela Direcção, salientaríamos a intenção de  celebrar um Protocolo com a Câmara Municipal  “para colaboração genérica, em prol do concelho, e específica, de funcionamento recíproco”. Foi também equacionada a necessidade de um novo espaço-sede,  com  carácter polivalente, de modo  a possibilitar a realização de diversas actividades e conferir  maior visibilidade à Confraria e às suas causas. Pretende-se ainda, propor “novos Confrades Amigos, nomeadamente, as Juntas de Freguesia ribeirinhas do concelho” e “nomear como Confrades de Honra, elementos fundadores da Confraria que lhe tenham prestado serviços relevantes“. No campo das Relações Públicas e Comunicação, decidiu-se reactivar a curto prazo, o “site” da Confraria e o mais breve possível, lançar um blogue e marcar presença noutras redes sociais.

No entanto, a  prioridade das prioridades, no entender de Luís Pais Amante, e de todos os membros presentes, é a criação do  Museu da Lampreia. Uma ideia que já vem de 2008. Onde, como? Ainda não é possível determinar, mas Penacova não se pode atrasar, tem que ser pioneira, não se pode deixar ultrapassar, reafirmou o presidente da Direcção. Espaço autónomo, secção de um futuro Museu Municipal? Questões que ficam em aberto. Também foi abordada a ideia de criação de um Centro Interpretativo.  Sobre este assunto, o Arquitecto Fábio Nogueira, recordou que o Plano de Acção  de Regeneração Urbana de Penacova – PARU – prevê a instalação de um Centro Fluvial de Investigação e Vigilância Ambiental, propósito que vem ao encontro desta preocupação.
Após o almoço, decorreu mais um espaço de reflexão e de recolha de sugestões para o Plano de Actividades a ser elaborado oportunamente. Foi de novo sublinhada a questão do Museu da Lampreia, estrutura que, seja qual for o modo de concretização, deverá contar sempre com a supervisão da Confraria.
Outras ideias surgiram: assinalar o Dia da Confraria, coincidindo, por exemplo, com a data da escritura; lançar meses temáticos (além da lampreia, míscaros, doçaria conventual); organizar cursos /workshops de Micologia; dotar a Confraria de uma biblioteca especializada e promover a educação ambiental e a consciência ecológica, centrada num melhor conhecimento desta espécie, ultrapassando o debate geralmente focado apenas no consumo. Falta ainda referir a realização, em data a definir mas ainda este mês e para assinalar o início da época da lampreia, de um evento musical  de Fado de Coimbra nos Claustros do Mosteiro de Lorvão, que poderá vir a ser designado por “Serenata à Lampreia”. Foi também decidido que no próximo dia 20 os novos corpos sociais se deslocarão à Câmara Municipal para apresentação de cumprimentos ao Executivo.

Recorte do Jornal Nova Esperança de 31 de Agosto de 2003

09 agosto 2016

Umas férias em Penacova: um texto de Alves Mendes com cerca de 160 anos



Quinta de Carrazedos, não como Alves Mendes a viu
há 160 anos, mas segundo um cartaz recente
Com apenas 19 anos, o futuro Cónego da Sé do Porto, eminente Orador Sagrado e Arcediago de Oliveira, António Alves Mendes da Silva Ribeiro (Penacova, 1838 - Porto, 1904) publicou num jornal de Coimbra um conjunto de crónicas a que chamou “Umas Férias em Penacova” dedicadas ao “amigo A. M. C. de Bastos Pina”, que seria um dos irmãos do futuro Bispo de Coimbra, Manuel de Bastos Pina. Nestas crónicas, a par da descrição da sua “Pátria” [Penacova], Alves Mendes tece algumas reflexões metafísicas, que prenunciam já a alta craveira eclesiástica e a grande projecção nacional que este penacovense haveria de atingir.
Por hoje, prometendo voltar ao assunto,  deixamos aos nossos leitores um excerto dos referidos escritos. Um retrato da Quinta de Carrazedos, emoldurado pelas paisagens de Penacova. Estamos em 1857.

(...) Ainda os rosados dedos da aurora não tinham aberto as portas do oriente, quando me achava passeando numa formosa colina , donde com toda a graça e exactidão avistava por entre as espessas e formosas oliveiras que as circundam as elevadas sumidades de seus edifícios. Sentei-me então sobre a relva juncada de mimosas flores que, com seu delicado odor,  incensavam toda aquela vasta paisagem.
Não se via aí mais do que uma simplicidade rústica e natural, capaz de fazer atrair o encanto do génio mais indiferente: não se notava naquele ponto o precioso do ouro e da prata, a rareza dos mármores e diamantes e o encantador dos quadros e pinturas: nada mais havia do que uma natural singeleza; um aposento talhado em rocha viva, por tal forma, que excedia o maior apuro da arte humana. Uma, enfim,  quase que gruta, a quem uma abóbada de interlaçadas e tenras vides forrava com seus ramos flexiveis.
Os brandos zefiros conservavam aí - contra os ardores do sol, que explêndido e radioso se erguia magestosamente - uma frescura deliciosa; e inumeráveis levadas giravam com suave murmúrio por entre o milho que com uma folhagem do verde mais vivo tornava o prado de cintilante luzir, sendo este tanto mais vistoso quanto claro e puro era o cristal derramado por toda a superfície.
Numa palavra, flores de considerável estima e rareza, e de paízes os mais remotos, destilavam o mais delicado de todos os aromas, tornando com suas cores diversas o esmalte mais precioso que haver pode. Vizinho e em não interrompida continuação havia um pomar de copadas laranjeiras que com seus pomos de oiro faziam à luz do sol uma vista tal que a pena jamais pode descrever. Parecia ele estar coroando toda aquela campina que no píncaro apresentava uma casa encascada por tal forma com soberbos limoeiros que parecia uma só árvore. Não se ouvia aí mais do que o gorgeio variado dos rouxinóis e o ruído dum fresco regato que a grossos e rápidos borbotões corria pelo meio de tão bela paisagem.
Do meu assento no encosto da colina(1) se avistava o Mondego, que já quase moribundo, corria a passos lentos jaspeado como o cristal por entre os gigantescos álamos, já no vigor da sua força se arrostava contra as rochas que me serviam de sustentáculo e bramia com horrível estrondo. Também daí se divisavam em solta cortina duas grandes serranias, que parecendo querer furar o azul da abóbada etérea, davam a meus olhos um lindo horizonte. As encostas vizinhas estavam juncadas de verdes pâmpanos, donde outrora (!) a uva mais lustrosa do que o ouro encurvava com graça as parras que as sustinham, e por fim, o olivedo que cerca a minha pátria tornava este país da  mais graciosa contemplação. (...)

(1)    É denominada esta bela extensão de terra Carrazedos, que sem dúvida estando no meio de um monte árido e pedregoso, onde apenas por entre as rochas se encontram pobres pastagens de que o gado se mantém, é contudo uma das paisagens mais férteis de Penacova. Observa-se no cimo desta chantada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos donde em grossos jorros saem levadas da água mais límpida e fresca que vão regar todo o terreno até às margens do Mondego. Também há em 2000 passos em distância desta, uma fonte de água férrea, que presentemente é bem concorrida. É notabilíssimo este ponto pela sanguinolenta batalha que pouco mais ou menos pelos anos de 1104 a 1105 houve entre os habitantes da vila e os monges de Lorvão. Foi ela tão cruenta que (diz a tradição) o sangue das vítimas lavou toda a superfície da colina(...)

05 junho 2016

Produção de Palitos inscrita no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial


A decisão foi confirmada ainda em Fevereiro com a publicação no Diário da República. Entretanto, a Câmara Municipal dá conta deste processo de inventariação no nº 2 do Boletim do Município, saído recentemente. A Ficha de Inventário completa está disponível na respectiva base de dados assim como toda a documentação do referente ao processo de protecção legal.



Refere o anúncio n.º 70/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 29 11 de fevereiro de 2016:
Inscrição dos «Conhecimentos tradicionais, de caráter etnobotâ- nico e artesanal, utilizados no processo de produção de palitos» (Lorvão, Figueira de Lorvão, Penacova) no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.
1 — Nos termos do n.º 2 do Artigo 15.º do Anexo ao Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto, faço público que, por decisão de 29 de janeiro de 2016, a Diretora -Geral do Património Cultural decidiu favoravelmente sobre o pedido de inscrição dos “Conhecimentos tradicionais, de caráter etnobotânico e artesanal, utilizados no processo de produção de palitos” (Lorvão, Figueira de Lorvão, Penacova) no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, apresentado pela Câmara Municipal de Penacova.
2 — A decisão sobre o pedido de inventariação em apreço teve por fundamento, no enquadramento dos critérios de apreciação a que se refere o Artigo 10.º do Anexo ao Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto:
2.1. — A importância de que se reveste esta manifestação do património cultural imaterial enquanto reflexo da identidade da comunidade em que esta tradição se originou e se pratica; 2.2. — A importância de que se reveste esta manifestação do património cultural imaterial pela sua profundidade histórica, com origens que remontam pelo menos ao século XVII; 2.3. — A produção e reprodução efetivas que caracterizam esta manifestação do património cultural na atualidade, traduzida em saberes e competências técnicas, de caráter etnobotânico e artesanal, transmitidas intergeracionalmente no âmbito comunidade de Lorvão; 2.4. — A importância técnica e científica de que se reveste o pedido de inventariação em apreço, resultado de investigação desenvolvida ao longo de diversos anos pela Câmara Municipal de Penacova, assim atualizando o primeiro estudo em profundidade, de caráter histórico e etnográfico, sobre manifestação do património cultural imaterial, realizado na década de 1980.
3 — A decisão da Direção -Geral do Património Cultural sobre o pedido de inventariação, teve ainda por fundamento: 3.1 — A conformidade do pedido de inventariação com os requisitos definidos conjuntamente pelo Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto, e pela Portaria n.º 196/2010, de 9 de abril; 3.2 — A ausência de pareceres contrários à conclusão do procedimento de inventariação: a) em sede da fase de consulta direta sobre o procedimento de inventariação, a que se refere o n.º 1 do Artigo 13.º do Anexo ao Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto; b) em sede da fase de consulta pública sobre o procedimento de inventariação, a que se refere o Artigo 14.º do Anexo ao Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto; 3.3 — O facto de que o pedido de inventariação resultou da iniciativa da comunidade no âmbito da qual se reproduzem os “Conhecimentos tradicionais, de caráter etnobotânico e artesanal, utilizados no processo de produção de palitos”, tendo em vista a valorização desta manifestação do património cultural imaterial à escala nacional.
4 — Em resultado da conclusão do procedimento de inventariação dos “Conhecimentos tradicionais, de caráter etnobotânico e artesanal, utilizados no processo de produção de palitos” (Lorvão, Figueira de Lorvão, Penacova) a respetiva Ficha de Inventário é disponibilizada publicamente na página eletrónica de acesso ao Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial (endereço web: www.matrizpci.dgpc.pt), para os fins previstos no Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto.
5 — Conforme previsto no Artigo 18.º do Anexo ao Decreto -Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto, a inventariação da manifestação do património imaterial em apreço é objeto de revisão ordinária em períodos de 10 anos, sem prejuízo de revisão em período inferior sempre que sejam conhecidas alterações relevantes, sendo que qualquer interessado pode suscitar, a todo o tempo, a revisão extraordinária do registo de inventariação.
29 de janeiro de 2016. — A Diretora -Geral do Património Cultural, Paula Araújo e Silva.
____________________

Clique no link seguinte para aceder directamente à Ficha de Inventário completa disponível na base de dados do Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, assim como a toda a documentação do respectivo processo de proteção legal.


http://www.patrimoniocultural.pt/pt/news/comunicados/inscricao-dos-conhecimentos-tradicionais-de-carater-etnobotanico-e-artesanal-utilizados-no-processo-de-producao-de-palitos-lorvao-figueira-de-lorvao-penacova-no-inventario-nacional-do-pci/#sthash.OXuCDXjX.dpuf


31 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (VI) "Tais são as considerações que submetemos à alta e ilustrada apreciação de V. Ex.ª


“Para o melhor aproveitamento agrícola e industrial das Águas dos Rios Mondego e Alva convirá, talvez, considerar-se o Mondego inavegável nos meses de Verão, do Porto de Gondelim para cima, afim de serem dispensados os proprietários das condições onerosas com que actualmente lhes são concedidas as licenças para construção e aproveitamento dos caneiros, visto ser de importância nula, naquela época, a navegação.”
Com este parágrafo terminámos o excerto anterior, relativo - como é do conhecimento dos nossos leitores habituais - ao Relatório elaborado pela Câmara Municipal no longínquo ano de 1898.
Vamos concluir a publicação desse documento que traça uma radiografia dos problemas sentidos no concelho e revela o modo como os poderes públicos locais reagiam e avançavam até com algumas propostas de melhoria e de resolução para os mesmos.
“Convirá também dispensar igualmente as formalidades e despesas de licença para as obras provisórias que para o mesmo fim hajam de fazer-se. Não devemos esquecer que é raro o agricultor que sabe fazer um requerimento.
A fim de facilitar o crédito rural , entendemos que bastará que as nossas leis sobre o assunto se inspirem noutro pensamento que não o de aumentar o rendimento do selo.
Assim, não devem subsistir algumas taxas da lei do selo incidindo sobre as escrituras de mútuo e fiança do mesmo contrato; e, sobretudo, deve modificar-se o artº 798 do código de processo civil, considerando títulos particulares de mútuo pelo menos até à quantia de 50$000 réis.
Os capitalistas, naturalmente tímidos, mais do que usuários, só emprestam os seus capitais com as garantias que julgam suficientes. Por isso convém que se facilite a cobrança coerciva desses capitais, tornando-a o menos dispendiosa possível, para que o credor tenha o capital seguro com uma hipoteca de pouco maior valor. Nas circunstâncias actuais, quem tenha apenas 50$ ou 60$000 réis em propriedade não acha quem lhe empreste um vintém, porque a cobrança coerciva dele absorvia em selos e custas todo o valor da hipoteca.”
Mudando de assunto e retomando alguns aspectos já abordados, continua o relatório:
“Não há neste concelho grandes indústrias (apesar de poderem aproveitar-se para isso as óptimas quedas de água do Alva e Mondego) nem pode desenvolver-se o comércio e as pequenas indústrias já existentes enquanto não estiverem abertas as estradas real nº 48, desde Penacova até à Raiva, e a distrital nº 73, desde Penacova até à estação do Luso. Aquela liga com Penacova e Coimbra, por caminho curto, seis freguesias deste concelho que se acham separadas por serras quase intransitáveis, e grande parte dos concelhos de Tábua e Arganil. Esta, já construída em parte, atravessando as freguesias de Penacova e Sazes, serve povos de uma região muito fértil, que actualmente tem péssimas estradas, e permite a exploração das pedreiras de mármore de Sazes e de cal de Penacova e Sazes, que se encontram precisamente ao longo do trajecto projectado da mesma estrada.
Sem estas duas construções não é possível fazer prosperar neste concelho a agricultura, comércio e indústria, por causa da enorme dificuldade de transportes.
Ainda julgamos dever chamar a atenção de v. ex.ª para outro assunto de grande importância neste e em muitos concelhos do país. Durante os últimos anos foi grande a emigração para o Brasil, saindo muitos indivíduos sem passaporte legal.
A emigração clandestina acabou quase completamente depois das medidas repressivas que foram tomadas, mas acham-se no Brasil milhares de portugueses que aqui estão considerados como desertores e sujeitos a penas graves por não haverem cumprido os preceitos da lei do recrutamento, resultando deste estado de coisas, que os que se acham naquelas circunstâncias não regressam nem mandam capitais, com grande prejuízo para eles e para o país.
Deve pois estudar-se o modo de remediar tais inconvenientes por forma equitativa.
Tais são as considerações que submetemos à alta e ilustrada apreciação de v. exª. “
Deste modo termina o Relatório. Para conhecimento e apreciação dos leitores mais interessados pelo passado de Penacova, entendemos fazer a sua transcrição integral, que agora fica disponível para quem se interessar em fazer a sua análise crítica.


 [FINAL DO RELATÓRIO]


28 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (V)

Depois de, no excerto anterior, se ter falado da instrução primária e da sua importância também para a actividade agro-florestal, salienta-se no texto de hoje  a necessidade de criar mais “postos de trabalho” como hoje se diria. Recordamos que temos vindo a transcrever na íntegra o conteúdo de um Relatório da Câmara dirigido ao Governo em 1898, o qual reflecte os problemas e as preocupações dos responsáveis político-administrativos de então.

“Assim preparada a população laboriosa, preciso é que lhe não falte o campo onde exerça a sua actividade.
Neste sentido deve prover-se ao melhor aproveitamento das terras tornando a agricultura não só mais intensa mas também mais extensa. A propriedade tende a pulverizar-se por sucessivas divisões.
É conveniente estabelecer para o futuro a indivisão das propriedades que não tenham um certo valor ou rendimento; permitir a expropriação dos pequenos prédios encravados; dar, em caso de venda, o direito de preferência aos proprietários confinantes desde que o prédio a vender não tenha um certo valor.
Também neste concelho como em muitos outros , em que o solo é muito irregular e montanhoso e a propriedade excessivamente dividida, os pequenos prédios se acham depreciados, umas vezes por não terem servidão legalmente constituída sobre os prédios vizinhos  e carecerem dela, outras por se acharem onerados com servidões desnecessárias. É da máxima conveniência que a constituição, mudança e cessação de servidões sejam  feitas, em regra, no juizo conciliatório, dispondo-se que as custas no juizo de direito sejam pagas pela parte que não quis conciliar-se, todas as vezes que na sentença final seja atendida a petição do autor dentro das bases da proposta conciliatória ou na proporção em que o for.
Deve igualmente simplificar-se o processo para se efectuar o despejo nos prédios rústicos.
Pode alargar-se muito mais a área da cultura neste concelho, já promovendo o aproveitamento dos areais nos rios Mondego e Alva, facilitando o alinhamento e licença para as obras necessarias já  dando aos municípios mais liberdade na administaraçao dos baldios, permitindo às câmaras municipais a demarcação deles e o seu arendamento, aforamento ou venda, conforme se julgar mais conveniente; e quando os baldios devam ser aproveitados para plantações ou sementeiras de árvores poderem as câmaras chamar os povos vizinhos à sementeira ou plantação das matas comuns, dando  cada fogo um ou dois dias de serviço por ano, e podendo ser divididos pelos mesmos povos os estrumes  e as árvores cortadas para desbaste.
Para o melhor aproveitamento agrícola e industrial das Águas dos Rios Mondego e Alva convirá, talvez, considerar-se o Mondego inavegável nos meses de Verão, do Porto de Gondelim para cima, afim de serem dispensados os proprietários das condições onerosas com que actualmente lhes são concedidas as licenças para construção e aproveitamento dos caneiros, visto ser de importância nula, naquela época, a navegação.


CONTINUA

15 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (IV)

Publicamos mais um excerto do relatório que a Câmara redigiu e enviou ao Governo chefiado pelo progressista Luciano de Castro, em 1898. O tema de hoje gravita em torno da importância da instrução primária, da enumeração das carências existentes e das propostas de melhoria.
Uma escola primária da época (Mafra)

Refere o relatório:
“Mas, desembaraçada a actividade dos que trabalham de inuteis dispêndios do tempo, é preciso dirigi-la por forma que a produção aumente em quantidade, perfeição de trabalho e valorização. Para o conseguir, são precisas duas condições - a instrução técnica e a facilidade de comunicações.
O trabalho inteligente produz mais e com mais produção. Julgamos por isso de urgente necessidade que se restabeleçam os antigos exames elementares e complementares  nas sedes dos concelhos e as escolas complementares nas mesmas sedes; que se organizem programas adequados a cada concelho para a respectiva escola complementar ; que se promova a frequência das escolas, chamando de preferência ao serviço militar os mancebos que não fizeram exame elementar e chamando na falta destes os que obtiveram aquela habilitação; que se tornem obrigatórios para certos empregos os exames elementares e complementares; que se divulguem, quando possível, os conhecimentos elementares de agricultura por meio de manuais práticos distribuidos aos alunos das escolas, etc.
Os decretos de 6 de Maio de 1892 e 22 de Dezembro de 1894 foram verdadeiramente ruinosos para a instrução primária. O número das aprovações nos exames elementares  neste concelho foi, respectivamente, nos anos de 1889 a 1891, de 28, 45 e 46.
Nos três anos seguintes o número de aprovações baixou, por virtude do decreto de 6 de Maio, respectivamente a 23, 27 e 24.
No ano de 1891, único em que houve neste concelho exames complementares por ter sido pouco antes criada a respectiva escola, foram aprovados nestes exames 7 alunos. Pois, com a supressão destes exames, nos anos de 1896, 1897 e 1898, foram aprovados no exame de instrução primária  elementar do 2º grau, respectivamente, 5, 6 e 3 alunos!
Estes números parecem-nos por demais elucidativos. Viu-se que não só os professores se estimulavam procurando cada um apresentar os seus alunos muito bem habilitados, mas os próprios alunos e seus pais se não poupavam a trabalhos e despesas a fim de que o resultado daquelas provas públicas os honrasse no seu pequeno meio.
As escolas complementares nas sedes do concelho podiam habilitar os filhos dos lavradores e industriais de mediana formatura e adquirir com pequena despesa, além da instrução geral, grande cópia de conhecimentos profissionais sem contrairem os há- bitos de luxo a que ficam sujeitos saindo para fora do concelho.
Os programas destas escolas devia variar segundo a necessidade dos concelhos; assim nos concelhos essencialmente agrícolas, como este, se ensinassem melhores processos de preparação de estrumes e adubos, a escolha destes segundo a diversidade dos terrenos e sementeiras, as vantagens da irrigação e drenagem das terras, as vantagens da arborização das encostas, da escolha das castas e enxertia e da criação de gados, etc.
A iniciação dos alunos a estes estudos dispo-los-ia a continuar neles depois de sairem da escola, levando-os a abandonar os processos rotineiros que seus pais geralmente seguem e prepararia em breve uma geração bem orientada. Noutros concelhos teria preferência o estudo da escrituração comercial, do desenho industrial, etc.”

CONTINUA