Tinha chegado uma das semanas de
maior azáfama do ano e Felismina andava atarefada com as limpezas da sua casa.
Os quartos já estavam limpos, só faltava a cozinha e a sala… Claro que a sala tinha de ser a última
divisão a ficar a brilhar, pois era o local da casa onde Jesus seria recebido.
Seria ali que, no Domingo de Páscoa, se juntava toda a família e amigos para
beijar a Cruz. Contudo, não era só Felismina que labutava dentro da sua casa…
Toda a aldeia andava em preparação para o tão aguardado dia. No entanto, havia
sempre tempo para, nas pausas das limpezas, as vizinhas se juntarem na rua e
trocar dois dedos de conversa.
- Ó Felismina, qual é a toalha que
vais pôr na tua mesa este ano? Foi a da tua fogaça?
- É essa mesmo... É a que tem o
bordado e rendas mais lindos, porque fi-la há menos tempo que as outras. –
responde Felismina toda orgulhosa. – Também vou pôr nas janelas aquelas
cortinas de rendinha branca, que te mostrei no rio a semana passada, quando
fomos lá lavar a roupa. Vai ficar tudo a condizer…
Se esta era a semana das limpezas,
a anterior (chamada semana dos ramos) tinha sido dedicada para ir ao rio lavar…
Já dizia o ditado “Na semana dos ramos, lava os teus panos. Porque na maior, ou
fará chuva, ou fará sol”. E convinha ter a roupa lavada e enxuta para nada
ficar por fazer até ao Domingo de Páscoa. Era também no domingo dessa semana (dia
esse designado por Domingo de Ramos), que as gentes das aldeias se juntavam na
Igreja da Freguesia, para assistir à missa e benzer os seus ramos (feitos de
louro, oliveira e alecrim). Nesse dia, ao almoço, comia-se a tradicional sopa
de grão de bico com carne do palaio, chouriça e presunto… Verduras?! Nem falar
nisso… Não se podia comer. Também dizia o ditado que “Quem come verdura no Domingo
de Ramos, como moscas todo o ano”… E mais valia prevenir, que nestas coisas nunca
se sabe…
- Olha, eu na quarta-feira tenho
de ir à horta, buscar couves para os animais. Eu na quinta-feira não ponho lá
os pés, não… - continuou a vizinha. – Sabes bem o que diziam os antigos: que
Jesus se ia esconder no horto na quinta-feira, antes de ser preso. Olha que tu
não te esqueças de lá não ir também.
- Pois, tens razão. E, nem na
quinta-feira de tarde e nem na sexta-feira até ao meio dia, não se faz nada. Só
as coisas mais necessárias… Porque sabes que esta semana é a maior, tem nove
dias, como se costuma dizer. – tagarelava Felismina, ainda na rua, com a sua
vizinha.
- E ouve lá, ó Felismina, tu já
tens as abróteas e o feno, para pôr à porta?
- As abróteas já tenho, já. Mas o
feno só costumo ir buscar no sábado de manhã.
Antigamente, as ruas das aldeias
eram todas cobertas de mato, para as pessoas calcarem, quando por lá passavam.
Esse mato seria, pois, para fazer o estrume que servia de fertilizante para as
terras. No Domingo de Páscoa, de manhã, era tradição cobrir-se todo esse mato
com abróteas e feno, sendo que cada pessoa cobria junto à sua porta. Além desta
tradição, muitas outras existiam no período entre o Carnaval e a Páscoa, por
exemplo, todas as sextas-feiras se fazia jejum de carne e, nesse período, não
havia bailes, nem músicas. A Quaresma era, portanto, um momento de tristeza e
de respeito.
- Eu no sábado de manhã vou cozer
os meus folares. – continuava a vizinha, dando seguimento à conversa. – Vê se
não te esqueces de ir à capela às 10h da manhã, para cantar Aleluia a Jesus
ressuscitado. – disse, relembrando uma outra tradição, pois existia a crença de
que Jesus teria ressuscitado no sábado às 10h da manhã. E era também por isso
que se tocavam os sinos e se lançavam foguetes.
Passado o Sábado de Aleluia,
chegava o tão aguardando dia: o Domingo de Páscoa. O mais festivo do ano. As
mesas das salas eram decoradas com as tais toalhas branquinhas, cheias de rendas
e bordados… Além disso, sob as mesas, era colocado um pires com uma laranja e,
no cimo desta, espetava-se o dinheiro que era dado como “folar” ao Senhor
Padre, que o recolhia na Visita Pascal. Ao almoço, comia-se um belo arroz de
cabidela, feito com um galo, ou galinha, criado durante o ano especialmente
para tal. No final da refeição, vestiam-se os melhores fatos e juntava-se toda
a aldeia na capela, para novamente cantar Aleluia, iniciando a Visita Pascal.
Depois, lá seguiam de casa em casa para beijar a Cruz, bebendo também as suas
pingas e comendo uma fatia de pão doce, e os afilhados entusiasmados lá iam a
casa das madrinhas e padrinhos para buscar o seu folar (um pão com dois ovos).
E era assim que terminava essa
época tão festiva, com a aldeia toda em união!...
Mariana Assunção
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