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02 março 2024

Soou o alarme: Por que deixaram de entrar as lampreias nos nossos rios?



Organizado pelo Município de Penacova, Confraria da Lampreia de Penacova e Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Évora, realizou-se no dia 24 de Fevereiro um colóquio que procurou responder à interrogação “Por que há menos lampreias nos nossos rios?”.

Poucos dias antes a Câmara Municipal noticiara que o Festival da Lampreia de Penacova, que se vinha realizando há 25 anos, tinha sido cancelado.

“Devido à escassez de lampreia, município e restaurantes decidiram cancelar o evento previsto para esta altura. Foi uma decisão ponderada por todos. Com as atuais condições de escassez de lampreia e preços elevadíssimos era impossível satisfazer todos os apreciadores deste prato”- informam as páginas oficiais do município.

O referido colóquio “juntou a comunidade científica, associações de pescadores de vários pontos do país, autarcas, empresários da restauração e autoridades marítimas.”

Associação de Pescadores Profissionais do rio Minho, Associação dos Pescadores Profissionais da Figueira da Foz, Associação de Pesca de Aveiro, Empresa Irmãos Norinho, alguns Restaurantes de Penacova, Restaurante O Gaveto (Matosinhos), Emílio Torrão (Presidente da CIM-), Raposo de Almeida (da Universidade de Évora), Carlos Fonseca (Biólogo), Fábio Nogueira (Mordomo-Mor da Confraria da Lampreia) e, naturalmente, Álvaro Coimbra (Presidente da Câmara Municipal), foram algumas das individualidades e instituições presentes.


Afirmou Álvaro Coimbra que há “evidências mais do que suficientes para constatar que se trata de um problema muito sério que afeta todo o país e para o qual é necessário agir de imediato.” De acordo com dados oficiais em 2014 atravessaram a passagem para peixes na Ponte Açude de Coimbra 21 967 lampreias, ao passo que no ano 2023 aquele número decresceu drasticamente para 1508 indivíduos, recordou o autarca.


Perante esta realidade, observou Álvaro Coimbra que o que é mais preocupante é “o declínio da espécie”. Há pois que “perceber as razões que conduziram a este estado de coisas e sobretudo ajudar a encontrar respostas”, salientou, afirmando igualmente que ”não podemos continuar a assistir passivamente ao desaparecimento gradual da lampreia nos nossos rios. Chegou o momento de ouvir os especialistas e propor medidas para a sua protecção [...] Penacova tem essa responsabilidade e é essa a razão de estarmos aqui.”

“Este colóquio – explicitou - surge com o propósito de “dar um sinal de alerta, traçar um quadro real do actual estado da espécie, diagnosticar problemas ouvindo os especialistas, os pescadores, os empresários da restauração, os autarcas, as autoridades com responsabilidade neste tema, e encontrar caminhos que conduzam a uma salvaguarda da lampreia.”

Por sua vez, Emílio Torrão, Presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (e Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho), manifestou-se “solidário com os Presidentes de Câmara que têm a coragem e ousadia de tomar decisões difíceis e muito sensíveis.” Referiu ainda, a dado momento da sua intervenção, que “o problema da lampreia não é só o de perdemos um produto endógeno da gastronomia”, pois ”a lampreia tem muito mais valor que o valor gastronómico.”


“A lampreia não é só uma espécie que tem um valor gastronómico incrível, que é um fenómeno, mas é uma espécie que tem um importante papel a desempenhar […] no habitat, na saúde e na sobrevivência do próprio ecossistema, nos moldes em que ele se desenvolveu”- precisou.

Durante o período de debate, referindo-se aos pescadores, o Presidente da CIM sublinhou que estes “têm que querer fazer parte da solução” e que “o facto de se fechar a pesca comercial nos rios não quer dizer que deixam de ter rendimento”, dando o exemplo da “transumância” que é possível fazer também neste campo. “Sois os maiores vigilantes dos rios” – destacou. Além disso, frisando a importância dos profissionais, foi peremptório, afirmando que “os free lancers tem que acabar!”


O Mordomo-Mor da Confraria da Lampreia, Arquiteto Fábio Nogueira, usou da palavra a terminar o encontro, para, além de outros aspectos, sublinhar que uma confraria como a Confraria da Lampreia “para além defender o prato, tem o dever de ir mais além, deve salvaguardar e defender o ecossistema do Rio Mondego, em particular a Lampreia, sendo uma voz activa na sua defesa”, recordando que “desde a sua fundação está envolvida na promoção e conservação da natureza e da biodiversidade”, tendo-se afirmado sempre como “uma voz activa na defesa do Rio Mondego, estando presente em várias iniciativas.”

Prosseguiu, anunciando que a Direcção da Confraria da Lampreia decidira propor na Assembleia Geral de 1 de Março que a realização do Capítulo apesar de decorrer “nos moldes normais dos anos anteriores” apresente uma “ressalva”: a lampreia não ser incluída no almoço deste ano. Esta posição entronca na necessidade de “salvaguardar” a espécie “que está na génese fundadora” da Confraria.

“Não podemos ficar indiferentes à agenda da ecologia e defesa ambiental” e, nessa medida, nos próximos anos o habitual Capítulo da Confraria “terá de ser repensado”- acentuou.


O Professor Catedrático (Biologia) da Universidade de Évora, Pedro Raposo de Almeida, apresentou uma comunicação rica de informação, plena de sensibilização, mas também de crítica. Começou por afirmar que “ao contrário de outros problemas […] nós sabemos o que é que temos que fazer. A única coisa que temos que concordar é estarmos todos orientados para o mesmo objectivo.”

“É um problema que leva 8 a 10 anos a resolver – prosseguiu - se não houver surpresas. E estas vêm ou da nossa administração (quem tem responsabilidade na gestão dos recursos das nossas bacias hidrográficas) ou (e isso nós não podemos controlar de maneira nenhuma) daquilo que são as vicissitudes da natureza.”

Sobre a extinção da lampreia (neste caso, da lampreia marinha) reconhece que, de facto, “pode desaparecer de algumas bacias hidrográficas, pode rarear aqui no Mondego, mas ela (que tem quase 300 milhões de evolução) não se vai extinguir. Aquilo que se vai extinguir é toda a actividade cultural e comercial à volta da espécie.”

A intervenção de Raposo de Almeida foi acompanhada de diversas imagens e infografias deveras elucidativas. Falou do ciclo de vida da lampreia marinha que tem a particularidade de ter uma fase em água doce e outra no mar, assumindo pelo meio um período em que faz uma metamorfose.

“As larvas vivem enterradas nos sedimentos dos rios, nas areias, durante cinco anos – explicou. Não é móvel, permanece nos mesmos locais, formando os leitos de amocetes. Fica extremamente vulnerável a qualquer intervenção que se faça no leito do rio.”

Neste sentido teceu contundentes críticas ao que “aconteceu no ano passado, aqui no Mondego, com aquela intervenção feita pela APA. Fizeram uma regularização, aqui a jusante de Penacova e junto ao Ceira, onde havia grandes leitos de amocetes. Basicamente, entraram e limparam tudo! […] Cada vez que se faz isso, digo aqui olhos nos olhos, recuamos dez anos!”

“Por que não entram nos nossos rios [as lampreias]? Por que não estão no mar? Porque não saíram! Não há larvas, não há adultos! Não há adultos, não há larvas!”

Sobre a escassez generalizada na Europa, referiu que não há lampreia em Portugal, mas também não há em Espanha e de igual modo não há em França! É convicção sua que a proibição da pesca na região de Bordéus é sinal claro que existe uma grave crise, pois “quando se fecha a pesca significa que temos um problema muito sério!”

Uma das muitas causas é a mortalidade por pesca. Ora, em Portugal “temos que reduzir a mortalidade por pesca.[…] E é já para o ano! […] Na minha opinião este ano já a devíamos ter fechado.”- não hesitou em afirmar.

A intervenção do Professor Raposo de Almeida foi bastante completa e assertiva. No sentido de deixar um pouco mais de informação aos leitores, transcrevemos alguns dos conteúdos dos diapositivos que foram apresentados e devidamente comentados.

Causas para o declínio populacional

Mar

a) Aumento da mortalidade natural (escassez de presas, alteração padrão das presas preferenciais, predação). A este nível muito pouco se sabe, alguns estudos estão em curso. OBS: Neste colóquio foi também apresentado em síntese o Projecto DiadSea- Cooperação transnacional para melhorar a gestão e conservação dos peixes diádromos no mar, coordenado pela Universidade de Évora.


Estuários e rios

- Mortalidade por pesca e captura ilegal
- Deterioração da qualidade do habitat ( por ex. regularização do leito do Mondego, incêndios)
- Perda do habitat ( e.g. Ponte Açude, Rio Novo do Príncipe ( Vouga))
- Efeitos sub-letais (e.g. osmorregulação, migração, sucesso reprodutor, provocado por poluentes emergentes
- Doenças
- Predação por espécies exóticas (e.g. Peixe gato europeu no Tejo).

Soluções para a recuperação da população de lampreia marinha

Mar

- Colmatar as lacunas de conhecimento relativamente a esta fase do ciclo de vida da lampreia

Estuários e rios

- Reduzir a mortalidade por pesca (paragem total em sistema rotativo entre rios, durante os próximos 10 anos; proibição total no Guadiana)
- Implementar um programa de monitorização robusto
- Generalizar o uso do selo de origem
- Banir a captura ilegal (reforço da fiscalização, controlo restaurantes /ASAE)
- Restaurar habitat (e.g. eliminar barreiras obsoletas – por ex. açude Louredo, construção de passagens para peixes, evitar regularizações destrutivas)
- Implementar programa de translocação de lampreias adultas
- Avaliar a existência de efeitos sub-letais (e.g. osmorregulação, migração, fecundidade) provocado por poluentes emergentes
- Despistar a existência de doenças
- Controlo de espécies exóticas (e.g. peixe gato europeu no Tejo)




09 abril 2017

XIV Capítulo da Confraria da Lampreia mostrou vitalidade do movimento confrádico e vestiu de festa as ruas de Penacova




Realizou-se ontem, em Penacova, o XIV Capítulo da Confraria da Lampreia, com a presença de 33 Confrarias, vindas dos mais diversos pontos do País. Depois da recepção oficial na Câmara Municipal foi servido o pequeno almoço na Pérgula Raul Lino. O tradicional desfile iniciou-se no Mirante Emídio da Silva, terminando no Largo Alberto Leitão. Ao longo do percurso, as varandas estavam engalanadas com as tradicionais colchas. Ao som da Filarmónica, os aplausos foram também traduzidos pelo lançamento de pétalas e papelinhos coloridos, conferindo um ambiente de festa (que na realidade existiu) à vila de Penacova.

A Cerimónia de Entronização de Novos Confrades decorreu, de imediato, no Auditório do Centro Cultural, na Eirinha. Na sequência dos propósitos definidos pela actual Direcção no sentido de convidar “novos Confrades Amigos” nomeadamente, as Juntas de Freguesia ribeirinhas, foram entronizados, em representação das Juntas de Freguesia de Friúmes/Paradela da Cortiça, Oliveira do Mondego/Travanca do Mondego e Lorvão, António Fernandes, Anabela Santos e Mário Escada, respectivamente. Enquanto Confrades-Empresa, António Dias / Hotel Rural Quinta da Conchada e Maria Ducelina Batista / Restaurante O Cortiço. Foram ainda entronizados mais seis novos Confrades: Graça Maria da Cunha Gonçalves (Professora), Mário Filipe Maia Lopes (Chefe de Cozinha), Maria de Lurdes Amaral Simões (Professora), Pedro Centeno de Sande Ribeiro (Designer), Pedro Raposo de Almeida (Biólogo), Sandra Ralha Silva (Professora) e Rosa Teresa Amante (Oficial de Justiça). 

A “Oração de Sapiência” foi proferida pelo Dr. Bernardo Quintela e Drª Catarina Mateus subordinada ao tema “Duas décadas dedicadas à Conservação e Gestão das Lampreias no rio Mondego”.(1)

A mesa da sessão de encerramento foi constituída pelo Mordomo-Mor da Confraria da Lampreia de Penacova, Luís Pais Amante, pelo Presidente da Associação das Confrarias da Rota de Cister, João Oliveira e pela Presidente da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas, Olga Cavaleiro. Usando da palavra, esta dirigente salientou a vertente do convívio entre as pessoas e a importância do “saber fazer”, da “tradição”, alertando também para a necessidade de reflectir sobre a origem dos produtos e das matérias primas, de pensar na preservação das espécies, de acrescentar conhecimento e perceber o que está para além da “tradição à mesa”. Por sua vez, João Oliveira, apelou à adesão de outras Confrarias que por algum motivo tenham afinidades com Espaços e Sítios Cistercienses. Recorde-se que a Associação das Confrarias da Rota de Cister, foi fundada em 2006 por iniciativa das Confrarias das Almas Santas da Areosa e do Leitão, Confraria Gastronómica da Raça Arouquesa e Confraria da Lampreia de Penacova, tendo aderido, posteriormente, a Confraria dos Gastrónomos do Algarve e Confraria Gastronómica da Região de Lafões. 

No uso da palavra, Luís Pais Amante, começou por endereçar um abraço ao “primeiro afilhado” da Confraria da Lampreia, António Matos Cristóvão, presente na sala, da Nobre Confraria do Melhor Peixe do Mundo, ainda em fase de constituição, desejando-lhe felicidades no trabalho que tem pela frente.

Uma segunda palavra, de “muita amizade e carinho” foi para os novos confrades, afirmando que “É com enorme prazer que a Direcção da Confraria da Lampreia recebe esta lufada de ar fresco “. Recordou-lhes: “Vão ter pela frente trabalho árduo - é para isso que servem as associações – mas estou convicto que esse trabalho vai ser gratificado no dia em que virem os vossos conterrâneos a olhar para vós e baterem palmas quando passarem, tal como o fizeram hoje com muita nobreza a partir das suas janelas”. E acrescentou: “Parabéns pela entrada e sucesso no futuro. A confraria será naturalmente mais para vós do que para nós.” 

De seguida, agradeceu “a toda a gente que fez o favor de vir à nossa terra”, e pedindo “desculpa - como se costuma fazer aqui na Beira - pela inexperiência numa tarefa tão grande como é um Capítulo desta envergadura”, dado tratar-se de uma direcção que tem apenas três meses de exercício. “Direcção, que tive o privilegio de escolher” e que já “ provou que é constituída por pessoas de uma garra inexcedível, pessoas que nas suas profissões já mostraram praticamente tudo o que tinham a mostrar”- reforçou. 

Reafirmou de seguida que “a Confraria vai até onde nós quisermos que ela vá” e nesse sentido a sua estratégia tem como primeiro objectivo: “Penacova, Penacova, Penacova”. “Isto que fique muito claro. Não faz sentido dizer que somos uma Confraria de âmbito nacional quando nos esquecemos da nossa terra. Vamos fazer ao contrário em termos estratégicos. Vamos, primeiro posicionarmo-nos na nossa terra, de seguida evoluir na nossa terra, e depois, sim, da nossa terra partir para o resto do nosso país.” – explicitou.

Recordou ainda uma máxima da direcção:”Fazer diferente não é fazer contra ninguém”. E nesse sentido acrescentou: “Vamos continuar a querer fazer diferente para enaltecer a nossa terra, e enaltecendo a nossa terra transmitir os valores que os nossos antepassados nos deixaram e tentar com modéstia, mas com firmeza, levar o nome da nossa Confraria e o nome dos nossos produtos endógenos a todo o País”.

Dirigindo-se à Presidente da Confederação, afirmou que “o movimento confrádico pode saber que tem aqui um grupo de Beirões frontais e leais” que quando dizem presente é porque sabem que podem dizer que estão cá. “Nunca mais ninguém vai ouvir dizer pelo menos através dos seus órgãos, que é uma Confraria muito importante. E que depois, se começa a tentar perceber onde é que está e não se encontra em lado nenhum. Onde dissermos que estamos, nós estaremos. Com firmeza, com dedicação e com lealdade.” – fez questão de reafirmar.

Chamou de seguida ao palco os titulares dos órgãos sociais da Confraria dizendo: “Tenho o grande privilégio e orgulho de dizer que eu, Mordomo-Mor, não sou uma pessoa sozinha na minha terra, porque tenho aqui um grupo de pessoas que sabem que as questões da nossa Confraria se discutem nos órgãos próprios e as decisões que tomamos são decisões para levar a bom porto, por toda a gente, a partir do momento que são decididas”. Salientou ainda a existência de pelouros e de comissões de especialidade. Nesse sentido, referiu que se deve precisamente a uma dessa comissões, constituída por Fábio Nogueira, Vítor Seco e Manuel Nogueira a organização do presente Capítulo. 

Reconhecendo que o movimento confrádico está a atravessar uma certa crise, afirmou que está convicto que em Penacova essa crise está ultrapassada. 

Disse a terminar: “Criámos um grupo de gente de muito valor que vai ser, naturalmente, capaz de levar a bom porto os objectivos da nossa Confraria. Por mim farei aquilo que prometi no dia em que me propuseram para ser eleito: cumprir este mandato - fazendo aquilo que fiz ao longo de 40 anos - criar uma equipa capaz de, com juventude, determinação e muito respeito pelas pessoas e pelo trabalho alheio, continuar aquilo que os fundadores da nossa confraria fizeram. Muito obrigado a todos!”

Ainda antes de ser encerrada  a sessão, o Confrade António Ferreira interpretou o tema de Zeca Afonso “Traz outro amigo também”. 

A comitiva dirigiu-se de seguida para o Hotel Rural Quinta da Conchada, em Travanca do Mondego, junto à Barragem da Aguieira, onde foi servido o “Arroz de Lampreia à Moda de Penacova” a cerca de duzentas pessoas, que fizeram jus a um dos grandes objectivos do movimento confrádico: o convívio e a confraternização genuína entre pessoas, a partilha da mesa e o valor da amizade.

(1) Dado o interesse e a actualidade deste tema o Penacova Online fará oportunamente uma síntese dos conteúdos abordados.