30 setembro 2022

Lorvão 1900: "população depauperada ...rebanho sem pastor"



Nos inícios do séc. XX foram publicados 8 volumes de uma obra intitulada A ARTE E A NATUREZA EM PORTUGAL - Album de photographias com descripções; clichés originais; copias em phototypia inalterável; monumentos, obras d’arte, costumes, paisagens.

Lorvão está aí bem representado. Temos um texto assinado por Joaquim [António da Fonseca] de Vasconcelos (1849 -1936) que foi um historiador e crítico de arte e foi casado com Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Há também 4 interessantes fotografias: vista geral do Mosteiro, interior da Igreja, vista do Cadeiral e Órgão e grupo de Paliteiras.

Além da descrição do conjunto arquitetónico e artístico, é também feita uma referência especial à indústria dos palitos. Escreve J. Vasconcelos:

“A indústria dos palitos é antiga na localidade. Tanto as freiras como os frades sabiam apreciar as vantagens de tão úteis acessórios (eles principalmente).

Como mosteiro cisterciense, Lorvão dependia dos monges brancos. Cinco frades Bernardos administravam as grossas rendas da casa. Refere-se que certa vez, não sabendo explicar plausivelmente o dispêndio de uma verba de 600$000 reis, escreveram numas contas irrisórias, que mostravam anualmente à abadessa: Palitos - 6004000 reis (Herculano, Opúsculos, pág. 200).

O pobre operário da aldeia não engorda, porém, com semelhante industria caseira; basta olhar para esses rostos tristes, resignados. E contudo são mãos hábeis, dedos subtis os que desencantam das varas do salgueiro (salix alba) os palitos finos, chamados marquezinhos, e entalham os frisados, os de flor ou os bordados, porque, conquanto seja mínimo o proveito, nem por isso se cansam nos seus primores.

Calcula-se o número de operários, incluindo grande número de mulheres, em uns mil, distribuídos por Coimbra (cidade), Lorvão e Penacova; a produção em uma dúzia de contos. O material de que o fabricante se serve é o mais modesto possível; consiste numa navalha afiada, na coura, isto é, um pedaço de cabedal, que protege o joelho, e ao qual está ligado um pedaço de chifre sobre o qual se trabalham as varas do salgueiro |.

É triste, profundamente triste, escrevíamos nós há mais de vinte anos (1879), que as singulares aptidões naturais de tanta, tão boa e tão modesta gente, como as dos concelhos citados, esteja reduzida a fabricar palitos mais ou menos frisados! [sublinhado nosso]

Pois não se está vendo que desse mesmo grupo saem os violeiros de Coimbra, entalhadores consumados noutra industria tradicional, os cesteiros e canastreiros da região aludida.

... Estas coincidências serão um acaso? Cada especialidade poderia render dezenas de contos, e fixar uma população depauperada - rebanho sem pastor - que vai entregar-se nas mãos dos engajadores de emigrantes... [sublinhado nosso]

Por fortuna, a atenção de alguns espíritos esclarecidos vai-se concentrando há anos nas questões que interessam a vida intima, tradicional do povo português. As indústrias caseiras constituíam uma parte da poesia do seu lar e por certo a melhor escola que alimentava a sua arte.

Mas não será tardio já, esse auxilio?"

Joaquim de Vasconcellos

26 setembro 2022

Buçaco: grafia e origem do termo



Existem diversas explicações para a origem deste topónimo. Desde as concepções mais ingénuas, como aquela em que se diz que um pastor tinha o hábito de mandar o cão BUSCAR o SACO, daí Busca Saco, ...Bus...Saco, BUSSACO, até àquela que conta que um escravo negro, a que chamavam BOÇAL (em castelhano  “negro recém-chegado do seu país”) ou BUÇAL, fugira ao seu senhor e se foi esconder numa gruta da Mata, tornando-se ladrão e assassino. Transportando um SACO, atacava as gentes das redondezas. Então, de BUÇAL + SACO teria resultado BUSSACO. Ora, tal não pode ser porque os negros só aparecem como escravos entre nós depois dos Descobrimentos e BUZACO aparece já escrito em documentos do séc. X. Há ainda quem diga que um devoto ancião que ali procurava sossego e silêncio [ali “nem chus nem bus] costumava dizer: “daquele monte SACO BUS”, isto é, “tenho silêncio”. Invertendo... deu BUSSACO! Também não convence.

Em que ficamos, então?

De acordo com a versão mais corrente o termo será derivado de “Bosque Sagrado” ou “Bosque Sacro”, ou de “Sublaco” ou “Subiaco”, um nome atribuído pelos beneditinos da Vacariça em memória da gruta do “Subiaco”, perto de Roma, onde S. Bento fizera penitência.

Há uma terra em Arcos de Valdevez (S. Vicente de Távora) chamado Buçaco e também existe Bussacos em Figueiró-Paços de Ferreira. (Cf Jorge Paiva, A Crise Ambiental).

Também no sudoeste da França, há dois topónimos: Bussac-sur-Charante (diz-se no site da localidade que Bussac» virá do latim «Buxus») e Bussac-Forêt. A Infopédia também remete para o baixo-latim [campus] Bucciacus, 'campo de Buccius'. Para alguns autores, na origem deste topónimo está um termo celta com a terminação genitiva (Bucci-acum): "terra de..." ou "terra dos...".

Sobre a grafia, deve escrever-se Buçaco ou Bussaco?

O termo foi tendo várias grafias: BUZACO, BUZZACO, BUSSACO e BUÇACO. Em “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa” diz-se que antes da reforma ortográfica de 1911, era muito frequente escrever Bussaco. O “Mappa de Portugal Antigo e Moderno”, publicado em 1762, regista Bussaco. Depois de 1911 (e principalmente com o acordo ortográfico de 1945), a grafia do topónimo passou a ser Buçaco. A grafia com ç é mais coerente com a história do termo desde o século X («monte buzaco», num documento do mosteiro de Lorvão, do ano 919 , época a que parecem remontar as primeiras atestações). Na Idade Média, a palavra era, escrita não com com s ou ss, mas, sim, com z (por exemplo, nos séculos X e XI), dando mais tarde lugar ao grafema ç.

No caso de Buçaco, a etimologia é controversa, mas a documentação existente sugere que, até ao século XVI, este topónimo se escrevia com ç. Tal levou a que, com a reforma ortográfica de 1911, Buçaco passasse a ser a forma correcta, como que restaurando a escrita medieval.

Contudo, a grafia Bussaco permanece nalgumas situações: «Palace Hotel do Bussaco», «Fundação da Mata do "Bussaco"», «Casas do Bussaco». refrigerantes “Bussaco”… Em síntese – escreve Carlos Rocha - a forma correcta actual é Buçaco, mas, para fins comerciais, turísticos ou no âmbito da cultura local, é possível usar a forma adoptada a partir do século XVII , Bussaco.


07 setembro 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (8): Mont'Alto



No dia 8 de Setembro, data da grande Romaria, o “Dia das Sete Senhoras” ou de Nossa Senhora da Natividade, muitas famílias rumavam (e rumam ainda hoje) ao Mont’Alto, movidos pela Fé, mas também pelo Convívio. Tudo convida a estender a toalha e partilhar os deliciosos comes e bebes que neste dia não faltam. 

No livro “Coimbra e Região” (1987) Nelson Correia Borges faz referência a esta “capelinha” que “é um encanto na sua singeleza de ermidinha bem portuguesa”.  A Romaria da Senhora do Mont’Alto era uma das mais concorridas da região. As "Informações Paroquiais" de 1721 referem que os moradores da Vila do Botão e de S. João de Figueira (de Lorvão), vinham todos os anos em procissão (…) em cumprimento de “um voto antiquíssimo” trazendo as ofertas em tabuleiros. 

Aquele documento do séc. XVIII fala também da existência na encosta do monte de umas “pedras redondas” que tinham propriedade milagrosas.

O local está também associado à Batalha do Bussaco, dado que o general inglês Arthur Wellesley, Duque de Wellington, terá mandado colocar algumas peças de artilharia junto à capela, ponto estratégico militar.

Do alto do monte, quando os eucaliptos ainda não dominavam as encostas, gozava-se dum soberbo panorama sobre o vale do Mondego.  

Em 1994 foi projectada a construção, no recinto da capela, de um miradouro de 10 metros de altura, encimado por um cruzeiro, obra que certamente permitiria admirar a vastidão da paisagem circundante. Ainda chegou a ser lançada uma campanha de angariação de fundos, mas a iniciativa não foi avante. Quem sabe...não fosse, afinal, má ideia construir uns passadiços ao longo da encosta, retomando a ideia dos antigos carreiros,  culminando com um miradouro acima da copa das árvores circundantes...






2º Centenário da Independência do Brasil: a Visita de António José de Almeida àquele "país irmão"

Faz agora 100 anos. Por estes dias, o Presidente de Portugal estava no Brasil. A primeira Visita de Estado, após a independência, coube a António José de Almeida. A ida ao país irmão era desejada havia muito tempo. Estivera para ser D. Carlos, o primeiro a fazê-lo. Só mais tarde, com a comemoração do 1º Centenário da Independência do Brasil, a 7 de Setembro de 1922, data do famoso “grito do Ipiranga”, se deu essa deslocação.

A viagem teve alguns contratempos. Um deles foi o facto de o navio que levou o nosso presidente ter chegado com mais de uma semana de atraso. O convite havia sido feito com muita antecedência, mas os preparativos terão ficado para a última hora.

A primeira viagem de um chefe de Estado ao Brasil fez-se num "recauchutado" navio. Um antiquado paquete alemão, entretanto rebaptizado de “Porto” necessitou de grandes reparações mas mesmo assim as obras atrasaram-se e a partida foi sendo sucessivamente adiada. Pouco tempo depois de sair de Lisboa, teve de aportar às Canárias, devido a uma avaria. Avarias que se multiplicaram em todo o trajecto e a lentidão era tal que se chegou a pensar que havia falsificação do carvão!

No dia previsto para a chegada, 7 de Setembro, ainda a comitiva estava a meio do caminho. Na Rio de Janeiro iniciaram-se as comemorações do 1º Centenário da Independência e inaugurou-se uma exposição internacional (os nossos pavilhões não estavam prontos e tiveram de ser cobertos para não dar mau aspecto...). E mais grave: o único chefe de Estado convidado - António José de Almeida – não estava presente.

Apesar de todas estas contrariedades, António José de Almeida terá reagido com enorme calma e sentido de Estado. A viagem havia sido acompanhada com muita ansiedade dos dois lados do Atlântico e os brasileiros prepararam uma recepção apoteótica. O Presidente Português foi recebido por milhares de pessoas em todos os locais onde se deslocou, muito bem acolhido pelas entidades oficiais e civis. A retribuição revestiu-se de enorme simpatia (uma das características de António José de Almeida) a que se juntaram muitos discursos que arrebataram as plateias, confirmando perante os brasileiros a expectativa criada de grande orador. Muitas cerimónias tiveram lugar onde não faltaram grandiosos banquetes.

A viagem ficou marcada , mais pelos afectos do que pelos ganhos políticos, já que do ponto de vista oficial apenas três tratados de pouca relevância foram assinados.


UM DOS DISCURSOS DE ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA NO BRASIL

Provavelmente poucas pessoas conhecerão o discurso no palácio do Catete  por ocasião do Banquete oferecido pelo Presidente do Brasil. Aqui fica, tendo como fonte a Revista da Semana de 1922,  publicada no Brasil.


Senhor Presidente:

A emancipação política da grande pátria que é hoje o Brasil foi um facto espontâneo e normal, consequência de uma evolução inexorável, que nehuma força seria capaz de impedir.

A independência do Brasil não data do grito de Ypiranga, como à primeira vista podia supor-se; ela partiu de
mais longe, porque se vinha formando lentamente na consciência nacional, visto que, de facto, o Brasil apesar de colónia, foi desde cedo nação, tendo mais condições de vida própria do que tantos outros povos que, ao longo da história, com aparência de independentes, mais não foram do que organismos subordinados a outros mais poderosos que os dominaram.

O nervosismo, mais feito afinal de desolação e despeito do que de má vontade, que em Portugal se manifestou logo após o acto definitivo da Independência, deasapareceu sem demora, porque aqueles que lá lutavam contra uma forma de governo retrógrada e reacionária compreenderam que, se para eles a fórmula da própria independência individual e colectiva era a revolução liberal, aqui, no Brasil, a revolta contra a mesma opressão só podia revestir um aspecto: o da independência.

Como V. Ex. acaba de dizer com firme exactidão e escrupulosa verdade, Portugal descobriu, povoou e defendeu contra a cobiça dos estrangeiros o vasto território do Brasil. O Brasil independente de hoje tem pois que agradecer a Portugal o facto de ele lhe ter legado, intacto, à custa de torrentes de sangue e torrentes de lágrimas, tamanho e tão rico património. Mas Portugal tem que agradecer ao Brasil independente de hoje a energia, a bravura, a inteligência e o amor da raça com que ele tem sustentado,
aumentando-a, desenvolvendo-a e dourando-a de uma maior magestade e beleza, a obra que foi a maior glória do seu grande passado.

Creio que estamos pagos perante a história.

Nenhum povo deve menosprezar as honradas origens que teve, e nenhum povo tem o direito de olhar, com ressentimento ou tristeza sequer, a separação do seu todo daquela parte que, no exacto cumprimento dos destinos históricos, uma vez sentiu em si a acção das forças indomáveis que a levaram ao legítimo afastamento.

É esse o motivo que determinou V. Ex. a render, neste momento, um sentido culto a Portugal. É essa a razão que me impele, a mim, a prestar profunda e comovida homenagem ao Brasil. V. Ex. o disse: o Sete de Setembro é uma data luso-brasileira, e celebrá-lo é realizar uma festa da raça. Em verdade, nesta data há glória que chegue para todos. Somente eu, senhor Presidente, doutor Epitácio Pessoa, devo declarar francamente que não vim aqui com mandato da minha Pátria para tomar a porção de glória que lhe pertence. Eu vim aqui no exclusivo intuito de reconhecer aquela outra, e bem grande ela é, que cabe em partilha ao Brasil.

É nesta missão de que venho investido e que teve ontem tão auspicioso início na maneira inexcedível de entusiasmo e carinho com que V. Ex., o seu governo, as autoridades civis e militares e o povo quiseram receber-me, ao entrar nesta formosa cidade, estou reconhecendo, por mim próprio, o que já sabia por depoimentos alheios, isto é que o Brasil tem sabido criar uma civilização própria que é, em parte, feita da velha tradição portuguesa, em parte devida ao forte e sadio ambiente americano, mas sobretudo é o resultado do esforço intrépido e inteligente dos homens resolutos que o povoam e na verdade se formaram um estado de alma, colectivo, poderoso e resplandecente, a que com justeza se deve chamar brasilidade - força nova, serena e ousada que está intervindo eficazmente nos destinos do mundo.

Brasil e Portugal são duas pátrias irmãs, cada uma vivendo em sua casa, tendo um passado até há cem anos comum e um futuro em muitos pontos diverso, mas em tantos outros equivalente.

Os brasileiros sentem-se em Portugal como na sua Pátria.

Os portugueses, em vastos núcleos de trabalhadores, sentem-se no Brasil como na sua própria terra. As mesmas constituições republicanas, embora sob aspecto diferente, governam e dirigem as duas nações que tem dado provas, ambas elas de amar sinceramente a democracia.

Uma língua incomparável, que retine o melhor ouro da linguagem humana e dispõe de um poder plástico sem igual, serve - maravilhoso instrumento de civilização e solidariedade - os dois povos, que se sentem presos nas espiras desse verbo quasi divino.

Que outra coisa é precisa para que eles auxiliem sempre e se entendam cada vez mais. Creio que coisa nenhuma, já que o sentimento fraterno que enleia os corações, perenemente alvoroçados pela estima comum, é tão forte que em caso nenhum a vontade dos homens o pode quebra. E o nosso encontro aqui, senhor Presidente, é um eloquente testemunho dessa esplêndida realidade.

Senhor Presidente, em nome da nação portuguesa e no meu próprio nome, agradeço a V. Ex. e ao Brasil a entusiástica e comovida recepção que me fizeram e de que guardarei perdurável recordação, e erguendo a minha taça em honra de V. Ex. e do grande povo de que é chefe eminente, faço votos sinceros pelas suas mútuas felicidades."