30 julho 2020

Notas para a história da Casa de Repouso de Penacova (I)




O edifício é centenário mas só na década de 40 começou a funcionar como Residencial, com o nome de "Casa de Repouso". Durante muitos anos foi pertença do casal Joaquim Augusto de Carvalho e Raymunda Martins de Carvalho. Ele faleceu em 1935, ela em 1958. Muito ligada à Igreja, a viúva acabou por legar à Diocese de Coimbra todo o edifício e espaço da quinta.

Joaquim Augusto, nascido em Penacova em 1861, emigrou para o Brasil onde fez fortuna e casou com Raymunda, jovem brasileira. No final do século XIX vieram para Penacova, comprando a Quinta de Santo António e construindo o Palacete cuja traça inicial ainda hoje se mantém, apesar de algumas alterações introduzidas (por exemplo aumento de um piso). Consta que o traço arquitectónico teve como autor o professor António Maria Ferreira Soares (1858-1935).

Mais do que residência particular, o Palacete afirmou-se desde muito cedo como espaço privilegiado de Convívio e de Cultura, tendo para tal sido construído um Salão anexo. Os donos eram portadores de alta sensibilidade artística, em especial no campo da música. Raymunda foi professora e exímia executante de piano e também ensaiadora de espectáculos de variedades.

Foi aqui que, por ocasião da inauguração do Mirante (1908), se realizou um Sarau oferecido à alta sociedade lisboeta, coimbrã e penacovense. As "Festas de Penacova", designação que o "Diário de Notícias" adoptou para, com honras de 1ª página, noticiar o evento decorreram no dia 30 e 31 de Maio. De sábado para domingo, depois do arraial no Mirante, o Serão continuou na Quinta de Santo António. O "glamoroso" Sarau, preenchido com música clássica, poesia, dança e discursos de circunstância, prolongou-se até altas horas. No domingo foi, no mesmo local, servido um Banquete aos "ilustres convidados".

O Palacete de Santo António acolhia frequentemente grandes figuras das Artes, em especial da Música e da Pintura. Era frequentado por nomes da vila como Dr. Daniel Silva, Conselheiro Luís Duarte Sereno, Dr. Rodolfo Pedro da Silva, José Alves Oliveira Coimbra, Américo Pinto Guedes, Daniel Guedes, António Carlos Pereira Montenegro, Amândio dos Santos Cabral, Dr. José Augusto Monteiro Júnior, Cézar de Morais Queiroz, Alfredo de Almeida, Doutor José Pereira de Paiva Pitta, Dr. Alberto Lopes de Castro, Dr. Henrique Serra Carvalho, Alípio de Sousa Leitão, António Casimiro (pai e filho), Capitão (à época) Santos Leite, José de Gouveia Leitão, Armando Leitão, Joaquim Pita d'Eça Aguiar, Joaquim Cabral, entre outros. O facto de Joaquim Augusto de Carvalho ter sido, por curto espaço de tempo, Presidente da Câmara (1913), não terá tido qualquer influência no ambiente daquela casa, nem consta que António José de Almeida ou irmão João António de Almeida fizessem parte destas tertúlias ou de outros momentos de convívio.

Em Setembro de 1914, aquando do casamento da filha do casal, América Martins de Carvalho, com o Dr. Alberto de Castro Pita, esteve patente uma exposição do famoso pintor José Campas, que durante um mês ali estivera instalado e em Penacova pintou alguns dos seus célebres quadros. Mais tarde, em 1945, também aqui pernoitou e participou num banquete a Primeira Dama Maria do Carmo Carmona, quando veio a Figueira de Lorvão inaugurar o Asilo de Nossa Senhora do Rosário. Pela Casa do Repouso terão também passado Maria de Lurdes Pintassilgo e outras personalidades.

Foi na década de 40 que Raymunda Martins de Carvalho passou a receber hóspedes, muitos deles provindos de Lisboa e um pouco de todo o país. Estávamos nos anos áureos do turismo em Penacova, quando as pensões da vila, incluindo a "Casa de Repouso da Quinta de Santo António", se encontravam cheias de "aristas", atraídos  pelos  "ares puríssimos" e pelas "paisagens encantadoras", tal como era publicitado nos jornais e revistas da época.

E foi a revista de âmbito nacional e muito conhecida "Os Nossos Filhos" que, a partir dos anos 40, começou a publicitar  sistematicamente a "Casa de Repouso". A Directora dessa publicação, Maria Lúcia Namorado, prima de Maria Lamas, viveu em Penacova nos anos trinta, onde deixou muitas amizades (o marido, Joaquim Silva Rosa, lorvanense, aqui foi funcionário judicial e um dos fundadores do "Notícias de Penacova").

O anúncio naquela revista era muito completo: "Precisa de fazer uma cura de repouso ou de mudança de ares? Vá para Penacova! É uma vilazinha sossegada e encantadora, a meia altitude e rodeada de pinhais. Ligada a Coimbra por uma das mais belas estradas do País. A dois passos do Buçaco! Paisagens surpreendentes! Ar puríssimo! / Na Casa de Repouso da Quinta de Santo António (Casa Católica) encontra todas as comodidades dum grande hotel, num ambiente familiar./ Telefone [curiosamente, o nº 10] casa de banho, salão de música, jardins e mata. Esta casa está situada no ponto mais alto da vila. Dos seus quartos amplos e higiénicos desfruta-se uma paisagem maravilhosa sobre o Vale do Mondego até à Serra da Lousã.(...)".

A imprensa local foi publicando alguns artigos de opinião de pessoas que frequentaram a Casa e foi noticiando a presença de muitos dos hóspedes, geralmente pessoas de nome. Extraidos de jornais de 1940 e anos seguintes ficam alguns nomes: Maria Assunção Cordeiro Franco, tia da Superiora do Preventório, António Feliciano de Sousa e família, Albertina Braz Fernandes Ribeiro e filha, Viscondessa de Agualva e neto, Dr. José Gabriel de Noronha e Silveira e família, J. Naar e família, Arcebispo de Mitilene e mãe, Monsenhor Assis Costa e irmã, Ceciolinda Ribeiro Pereira, Dr. Víctor Santana Carlos (médico) e esposa, Fernanda Guedes, Maria da Glória Adrião (pianista), casal Pereira Salvador, família Worm Costa, Coronel Manuel António de Carvalho...e tantos outros.

Num desses artigos, Madalena de Jesus Traça e Madeira, elogia o espaço e salienta o "salão de recreio que pode rivalizar com qualquer dos nossos melhores casinos (...) dois pianos de cauda, uma boa telefonia, bilhar, ping-pong, quino, jogo de damas...". Também Henrique Maria Cisneiros Ferreira, político de craveira nacional, depois de aqui passar três semanas , escreveu ao "Notícias de Penacova" enaltecendo a "privilegiada situação" e os "naturais encantos" da vila ", verdadeira "rainha de encantamento sem par", onde "tudo se esquece".  "A permanência, minha e dos meus, a vida em família em lugar de tantas e tão variadas belezas (...) firma a opinião de que é ela a terra de eleição para o completo repouso e quietude" - sublinha.

Pelos anos cinquenta a Diocese assumiu a administração da Casa, ainda em vida de Raymunda Martins de Carvalho. Durante cerca de sessenta anos a Igreja foi gerindo, fazendo obras, adaptando, mas ao fim de oito décadas terá encarado a hipótese de alugar o edifício.

Com a "Altíssima Guesthouse - Suites & Hostel", um projecto de João André Amaral, o ano de 2020 vai marcar uma nova fase da vida centenária da Quinta de Santo António.

David Gonçalves de Almeida
penacovaonline2@gmail.com

21 julho 2020

Uma prenda para Penacova nos 80 anos do “Ténis”


A história do campo de “Ténis” de Penacova começa em 1940 (e não na década de 50 como foi dito recentemente aquando da inauguração das obras de requalificação). Antes disso naquele local o que existia era apenas um terreno de cultivo, por vezes montureira de lixo, onde, de acordo com informação de Vasco Viseu, em 1956, no Notícias de Penacova, afloravam vestígios de robustas paredes que em tempos recuados teriam sido construídas para dar lugar a um edifício destinado a Teatro, o que, obviamente,  nunca se concretizou. 

Por volta de 1940 foi António Feliciano de Sousa - o mesmo que nos anos 50 mandou construir o “Moinho do Aviador" -  o principal impulsionador da construção de um campo de Ténis em Penacova. Filho de um professor de Gondelim, José Júlio de Sousa Henriques, exercia a profissão de solicitador no Porto. Pessoa “capaz de ideias desempoeiradas, tudo sacrificou para que a ideia não fosse para o cesto dos papéis velhos”, assumindo a maior parte do custo da obra, salientam os jornais da época. 

Também Alípio Barbosa esteve envolvido no projecto. Nestas coisas, como se costuma dizer, “está tudo ligado”: na altura quem era o Presidente da Câmara? Era Alberto Alçada, seu genro, ambos ligados, como se sabe à Cerâmica Estrela d’Alva. Conta mais tarde (em 1957) Oliveira Cabral que certo dia Feliciano de Sousa lhe havia mostrado as contas discriminadas da construção do campo de ténis. Aquele pedagogo e jornalista, que foi um dos mais célebres aristas, também vivia no Porto. E foi precisamente daquela cidade que vieram os tenistas profissionais para dar brilho à inauguração, onde não faltou uma instalação sonora, montada pelo dono da Ideal Rádio, Júlio Silva, também da capital do Norte. 

Em Agosto de 1940 já se noticiava que os trabalhos estavam avançados e enaltecia-se a localização e a pertinência de tal obra: “A sua situação magnífica é invejável. A sua falta fazia-se sentir numa terra tão visitada pelos turistas e tão movimentada no Verão pelas pessoas que desejam descansar uns dias nesta deliciosa estância como é Penacova-a-Linda”. 

A inauguração teve lugar no dia 29 de Setembro daquele ano, domingo, integrada na Festa dos Bombeiros. No programa dos festejos, de sábado a terça, destacava-se também uma Récita ensaiada e organizada por Raimunda Martins de Carvalho e provas de ciclismo onde marcaram presença o “afamado corredor de Chelo”, José dos Santos Ralha (homenageado em 2014 na Gala do Desporto) e Antero Maia. 

No entanto, o Campo de Ténis, como tal, poucas vezes terá funcionado, ao ponto de Oliveira Cabral achar que não se justificava aquela designação, atendendo a que apenas uma vez se jogou ali “a preceito” e poucas mais “de qualquer maneira”...

Passados pouco mais de dez anos, já na imprensa local se dizia que as escadas de acesso estavam uma “vergonha” e perguntava-se por que não se reparavam e sugeria-se que ali fosse construído um palco “para dar uma récita ao ar livre”, pois “o Ténis” seria “um dos lugares onde se podiam realizar boas festas.” A ideia de construção de uma piscina foi também equacionada e perante a sua inviabilidade avançou-se, em 1956, com a proposta de um campo de patinagem. 

Nesse ano, o agora também designado “Parque Municipal”, teve obras de beneficiação a expensas de Abel Rodrigues da Costa. Foi construída uma “ampla e cómoda escadaria de acesso ao primeiro piso” e outros arranjos (por exemplo, vedação com muro ao lado da estrada), e foi colocado um “portão condigno”. 

Os anos passaram e o espaço foi-se degradando. Lendo as memórias de Luís Amante e de Pedro Viseu, publicadas no Penacova Actual, recordamos que o "ténis" foi local de eleição para os jovens da vila (e estudantes que foram passando por Penacova) jogarem futebol, namoriscarem, jogarem matraquilhos, “flippers”… Recordam-nos ainda que aqui actuaram os GNR e os SITIADOS, que teve restaurante-bar, escorregas e baloiços. No fundo, serviu um pouco para tudo: para a vacinação de “canídeos”, para a instalação de pavilhões pré-fabricados da “Escola Secundária”, para bailes, para festas. Por fim encerrou “durante anos, muitos e demasiados anos” – desabafa Pedro Viseu. 

Finalmente, chegou a hora de a Câmara Municipal de Penacova, presidida por Humberto Oliveira, avançar, no âmbito do PARU (Plano de Ação de Regeneração Urbana) com a requalificação do icónico “Parque Municipal (Ténis)”, revitalizando assim “um dos históricos espaços públicos de eleição das gentes de Penacova, que por incúria, falta de manutenção ou até pela dificuldade de conter a exigente topografia acentuada que o caracteriza, foi deixado ao abandono.” 

A obra implicou um investimento de cerca de 500 mil euros estando previstos mais 100 mil para a colocação de telas de sombreamento. 

A inauguração deste renovado espaço teve lugar no dia do feriado municipal (17 de Julho de 2020) com a presença da Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, 80 anos depois de ter sido iniciado naquele local um sonho que ainda hoje perdura: acrescentar às singulares belezas naturais o poder da acção e do querer dos penacovenses em prol do seu bem-estar e daqueles que nos visitam. 

11 julho 2020

Nudismo em Penacova?




Pois é verdade. E hoje podemos garanti-lo, o nudismo continua na ordem do dia por esse mundo além, parece que cada vez com maior número de adeptos. O que nós não calculávamos é que a nossa terra, apesar do seu actual progresso, chegasse tão depressa a tal civilização.

É um facto, caros leitores. Em Penacova, neste decantado rincão de Portugal à beira rio plantado, onde a mãe Natura foi pródiga em benesses de encanto e maravilha, onde o ar que respiramos tem perfumes de inebriante odor, onde o sol tem mais luz e o luar maior claridade, neste altar maravilhoso que Deus fez talvez para ser o primeiro degrau nas escadas do céu a civilização atingiu o auge.Em Penacova pratica-se escandalosamente o nudismo.

Estamos a ver o pasmo dos nossos leitores. A máscara de um sorriso incrédulo desenhando-se-lhes no rosto.

-Será verdade?

É verdade sim senhores. E se querem a confirmação do que dizemos, vão até ao Mirante, ao fim da tarde, à hora apetecida do banho e…olhem lá para baixo, para o Mondego, manso e sereno…

Chamamos, para esta falta de vergonha, a atenção das autoridades administrativas deste concelho.

A nossa terra, por enquanto, dispensa tais manifestações de progresso e civilização.

in Jornal de Penacova,16 Jul 1932



Entardecer(es) em Penacova