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28 dezembro 2023

Monte lauribano in finibus Gallecie

 


O infante Ramiro, filho de Ordonho II, rei da Galiza, e neto de Afonso III das Astúrias, terá nascido no ano 900. Reza a história que foi criado por D. Onega e marido, Conde Diogo Fernandes, em terras bem próximas de nós, entre Coimbra e Viseu. Nesta cidade teve a sua Corte entre 926 e 931,  já com o título de Ramiro II. O Rei Ramiro foi um “esforçado guerreiro e bom político” que acabou por se tornar figura lendária, recorda Jorge de Alarcão. 

Ramiro, personagem ao longo dos tempos gravada na memória popular, foi recuperada por Almeida Garrett com o romance popular “Miragaia” incluído no primeiro volume do “Cancioneiro”.

Tem esta espécie de introdução a ver com os tempos em que as terras de Lorvão faziam parte do reino de Leão integrando a região da Galiza. Recorde-se que os limites meridionais desta região nos séculos IX e X começaram por ser o rio Minho, depois o Douro e por fim a linha do Mondego. Nesta fronteira mais a sul pontificavam a estratégica cidade muralhada de Coimbra e o importante Mosteiro de Lorvão. 

A designação de “Gallaecia” aplicava-se assim a todo o território até ao Mondego.  Os poderes Asturo-Leoneses assim o entendiam quando se referiam à periferia ocidental dos seus domínios.

Sobre este aspecto vamo-nos cruzar de novo com Ramiro II: em 933, um documento de Lorvão, por ele assinado situava aquele cenóbio “in finibus Gallecie”. 

Trata-se do documento nº 37 dos “Portugaliæ Monumenta Historica” (PMH) / Diplomata et Chartae. uma coletânea de textos da história de Portugal.  Publicada pela Academia das Ciências de Lisboa entre 1856 e 1917, dividida em quatro secções: Scriptores (autores), Leges et Consuetudines (leis e costumes), Diplomata et Chartae (diplomas e cartas) e Inquisitiones (inquirições). As primeiras três foram compiladas sob a direção de Alexandre Herculano anteriormente a 1873, e a última, Inquisitiones, entre 1888 e 1897, após a sua morte. Os documentos datam da Idade Média e são primariamente escritos em latim medieval e língua galego-portuguesa.


03 julho 2023

Reportagem: Congresso "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)"


Nos dias 29 e 30 de junho, decorreu no Mosteiro de Lorvão o Congresso Internacional "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)", uma parceria entre o Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e o Município de Penacova.

A sessão de abertura contou com a presença e uso da palavra de Álvaro Coimbra, Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Catarina Tente, Directora do Instituto de Estudos Medievais, Catarina Fernandes Barreira, do projecto “Books, Rituals and Space in a Cistercian Nunnery - Lorvão” e de Hilda Gonçalves, Diretora do Centro de Formação da Associação de Escolas Minerva.


Com um programa muito intenso o Encontro distribuiu-se por 8 sessões: a 1ª e 2º sessões foram dedicadas ao tema "O Mosteiro de Lorvão, Portugal e o Mundo ". Seguiu-se a 3ª sessão, que teve como assunto "Catarina de Eça: arte e representações", tendo a 4ª sessão sido afectada ao tema "Sons e representações". A quinta sessão teve como tema geral “Espaço, liturgia e materialidade” e a sexta “O culto dos santos em Lorvão: São Bernardo e Mártires de Marrocos”. As duas últimas sessões foram dedicadas aos temas “ Projetos sobre e para o Mosteiro de Lorvão: o futuro da memória” e “O espaço monástico”. A terminar o evento foi prestada uma homenagem ao Prof. Doutor Nelson Correia Borges no fim da qual actuou o Coral Divo Canto.

O colóquio, tal como o nome sugere, pretendeu destacar e estudar a figura de Catarina de Eça que teve um longo abadessado (1471-1521) à frente da comunidade lorbanense, “numa fase de profundas transformações na própria vida religiosa e política do reino”.

“Conhecemos hoje melhor a sucessão de importantes mulheres que, durante os séculos medievais, governaram os principais e mais ricos mosteiros cistercienses portugueses, com particular enfoque para os de Arouca e Lorvão”. Catarina de Eça emerge como uma figura revestida de uma particular autoridade, logrando impor uma verdadeira “dinastia” no governo deste importante mosteiro e desenvolvendo toda uma estratégia de prestígio e afirmação da sua família e do mosteiro, desde logo testemunhada pelas empresas artísticas por ela promovidas: a construção de novos edifícios e a renovação de outros já existentes; os investimentos na arquitetura, na escultura e na pintura, ou ainda a encomenda de imagens devocionais e de equipamentos litúrgicos, como alfaias, paramentos e códices manuscritos” – salientam os investigadores do Instituto de Estudos Medievais.

Para os leitores do Penacova Online, transcrevemos, a partir da visualização de vídeos publicados pela organização, a excelente síntese que Maria Helena da Cruz Coelho fez no encerramento deste Congresso em que estivemos presentes e que muito nos agradou e enriqueceu.

Conclusões do Congresso

(Professora Doutora Maria Helena da Cruz Coelho)


O congresso intitulado O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) , que decorreu em dois intensos dias de frutuosíssimo trabalho cientifico e excelente convívio humano, abriu com uma conferência que nos rasgava horizontes. Saindo do mosteiro, situado em Lorvão, no concelho de Penacova e no Reino de Portugal, projectou-nos por terras de África e da Ásia, dando-nos a conhecer o alcance político do império português. Roger Lee abriu-nos os caminhos levando-nos do Golfo da Guiné, onde chegavam os portugueses quando Catarina de Eça assumia o cargo de abadessa em 1471, passando pela Índia e pelo Brasil, até alcançar as Molucas, que já eram conhecidas em 1521, no ano da sua morte.

Em seguida, a organização do Congresso, que calorosamente felicitamos, estabeleceu seis eixos condutores no desenvolvimento dos estudos, mais contextualizadores ou mais específicos, da realidade monástica, em particular a Lorbanense. axializados em torno: o Mosteiro de Lorvão e a sua integracão em Portugal e, de uma forma mais lata, no espaço peninsular no âmbito de uma pertença à Ordem de Cister; Catarina de Eça, a arte, a música e as representações; espaço, liturgia e materialidade; o culto dos santos em Lorvão, S. Bernardo e os Santos Mártires de Marrocos; projectos sobre e para o mosteiro de Lorvão; o futuro de uma memória e, por fim, o espaço monástico.

Após o afastamento dos monges beneditinos que habitavam o mosteiro de Lorvão as monjas que aí se instalaram observaram os costumes cistercienses de acordo com a decisão do papa em 1211. A incorporação na Ordem de Cister implicava a pertença a uma estrutura supranacional que se estendia a toda a cristandade através das centenas de mosteiros que então se fundavam um pouco por toda a Europa.

O mosteiro de Lorvão estava, assim, sujeito às decisões emanadas da cúpula da ordem de Cister - Capítulo Geral - que se reuniu em Cister todos os anos e onde tinham assento todos os abades dos mosteiros das Ordens.

Extraordinariamente preocupados com as questões da unanimidade litúrgica e do cumprimento da normativa, usaram as visitações para regular e corrigir a forma como as diferentes comunidades cistercienses punham em prática as determinações emanadas do Capítulo Geral.

É neste contexto que Ghislain Baury nos traça o programa de reforma dos mosteiros cistercienses peninsulares, mas convocando para além dos visitadores da ordem, outros agentes nela empenhados como a Realeza, a Congregação de Castela e o Papado.

Da espacialidade peninsular fomos conduzidos pela palavra de Saúl Gomes para o território de Portugal, percebendo o estado das abadias cistercienses nos finais do séc. XV e nos alvores do séc. XVI, as quais, tendo Alcobaça por cabeça, se nos revelaram em grande diversidade sócio- económica, cultural e religiosa, havendo casas arruinadas e pobres, outras apresentando bons rendimentos, vários privilégios e significativo património material e cultural, umas seguindo as boas normativas de Cister e noutras reinando costumes relaxados.

E continuando a aproximar a lente de focagem do objecto a captar, Luís Rêpas centrou a sua comunicação na reconstituição da linhagem de Catarina de Eça, mostrando a sua ascendência régia, a forma como tal ascendência poderá ter sido determinante na sua escolha para ascender ao cargo máximo do mosteiro e articulando o exercício do poder no mosteiro como o de Lorvão, com o que isso poderia representar para o reforço do seu prestígio pessoal e da sua família.

Tal estratégia passou, como ficou óbvio, pela sua acção mecenática que foi desenvolvia no eixo temático seguinte em que se desvendou a Abadessa Catarina de Eça pela arte e pelas representações.

Joana Antunes analisou com mestria e deu-nos a conhecer o perfil comitente, altamente qualificado, de Catarina de Eça, concretizado no que mandou realizar em Lorvão, em Botão e em Gouveia.

Por sua vez, Mercedes Perez Vidal focou as encomendas artísticas da referida abadessa, nomeadamente as de uso litúrgico, perspectivando-as como uma forma de reforçar e exercer a sua “auctoritas” bem como, obviamente, de construir uma memória que perdurasse e que fosse lembrada e celebrada pela comunidade conventual ao longo de múltiplas gerações.

Para tal, contribuía, de uma forma clara, a utilização recorrente da sua representação heráldica que foi amplamente analisada e contextualizada por Miguel Metelo Seixas que, mostrando várias manifestações heráldicas de Catarina de Eça que ainda hoje subsistem e aludindo a outras que entretanto se perderam mas das quais felizmente se conservou um precioso registo, descodificou o simbolismo das suas diversas componentes iconográficas para vir a concluir como nele se lê uma vontade pessoal de imperativo linhagístico de mimetismo da emblemática régia.

Também no campo das representações, Rosário Morujão conduziu-nos pelo belíssimo e falante mundo da sigilografia, traçando um quadro geral sobre o uso dos selos, sobretudo em contexto monástico, para depois nos mostrar e analisar os espécimes sigilares conventuais usados no mosteiro de Lorvão num período lato que chegou mesmo ao abadessado de Catarina de Eça.

Igualmente no campo das representações e das formas de validação documental, Maria José Azevedo Santos fez-nos uma interessantíssima incursão pela literacia das mulheres nestes séculos mais recuados, um tema cada vez mais actual, através dos estudos das assinaturas autógrafas de várias religiosas da família Eça, nomeadamente, da de Catarina de Eça.

E concluímos o primeiro dia com música pela mão de Joel Machado e Alberto Medina de Seixas que apresentaram os estudo que realizaram a partir dos manuscritos musicais do mosteiro de Lorvão em particular da colecção de 15 livros de coro, de grande e media dimensões que incluem as melodias cistercienses para a missa e o oficio divino, copiadas nas primeiras décadas do séc. XVI, deixando claro o plano de Catarina de Eça no sentido de dotar a comunidade com um conjunto de novos livros para as celebrações litúrgicas do mosteiro.

O segundo dia dos trabalhos iniciou-se com uma interpelante sessão inteiramente dedicada à biblioteca do mosteiro de Lorvão sobre diferentes perspectivas de análise.

Catarina Barreira centrou-se se nos livros, na sua origem, na sua adaptação, e digo na sua origem desde os que aqui existiam e outros vindos de Alcobaça, na sua adaptação às monjas cistercienses e na sua importância para o viver quotidiano da comunidade na prática diária da liturgia cisterciense.

Conceição Casanova e Catarina Tibúrcio concentraram a sua atenção e a sua análise nas encadernações dos códices manuscritos para perceber as intervenções que a este nível foram sendo realizadas no mosteiro ao longo de séculos, mas particularmente em tempos de Catarina de Eça, num esforço para conservar a sua biblioteca em bom estado.

E, por fim, Catarina Miguel dedicou-se ao estudo da cor em três manuscritos de Lorvão a partir da análise com métodos não invasivos de tintas usadas na produção das iluminuras, mostrando como a química poderá trazer excelentes contributos à construção do conhecimento histórico.

Igualmente de vivo interesse científico foi a sessão que se organizou em torno do culto dos santos em Lorvão incidindo particularmente, como não podia deixar de ser, em S. Bernardo, uma referência maior entre os cistercienses, e nos mártires de Marrocos, em virtude da presença antiga de relíquias desses santos no mosteiro de Lorvão.

Foi precisamente pelo culto dos mártires de Marrocos e das suas relíquias que João Luís Fontes e Maria Filomena Andrade começaram, focando com mestria, em primeiro lugar, a renovada mensagem da espiritualidade mendicante, para se centrarem depois na ligação de Catarina de Eça e sua linhagem ao convento franciscano do Espírito Santo de Gouveia, panteão dos Eça.

Especificaram a extraordinária oferta que esta abadessa fez a essa casa mendicante de uma relíquia dos próprios proto-mártires de Marrocos bem como de um conjunto de alfaias que serviam para a celebração litúrgica da memória dos mártires que nos mostram como tal acto era significativo da estratégia de Catarina de Eça no sentido de exaltar o culto dos mártires associados à espiritualidade franciscanas e de reforçar a memória da sua própria linhagem onde muitos dos seus parentes mais próximos estavam sepultados.

Carla Varela Fernandes, ainda no mesmo contexto, centrou a sua intervenção na análise estilística e iconográfica, muito interrogativa, da arca relicário dos santos mártires de Marrocos que pertenceu ao mosteiro de Lorvão e que hoje se conserva no museu nacional Machado de Castro em Coimbra a qual constitui uma singular escultura medieval portuguesa sempre a desafiar as interpretações dos estudiosos.

Por sua vez, Manuel Pedro Ferreira apresentou os livros de Lorvão relevantes para a prática musical e comparou as características paleográficas da notação de um hino polifónico conservado nos mosteiros femininos de Lorvão e Arouca e de um antifonário oriundo de Alcobaça para chegar a importantes conclusões sobre a circulação de textos nas abadias cistercienses portuguesas.

A tarde foi dedicada ao património edificado de Lorvão e aos projectos em curso para valorizar e divulgar este mesmo património, louvando-se, desde logo, a criação do Centro Interpretativo de Lorvão que aqui nos foi apresentado por Fábio Nogueira, Centro esse a ser inaugurado dentro de breves dias.

Este projecto e os esforços empreendidos por Ana Pagará para a promoção de uma rota nacional dedicada ao património cisterciense, articulada com a rota europeia de abadias cistercienses, apresentam boas perspectivas para o desenvolvimento económico e cultural da vila de Lorvão e do concelho de Penacova.

A base de dados que nos foi apresentada pelos investigadores do projecto “Livros, rituais e espaço num mosteiro cisterciense feminino. Viver, ler e rezar em Lorvão (séc. XIII a XVI)”, para além de servir uma comunidade especialista de várias áreas do saber, desde a musicologia, a codicologia, a história, a história da arte, a heráldica, a sigilografia, a química, poderá contribuir igualmente para a divulgação de Lorvão e do seu património material que conservante essencialmente no arquivo nacional da Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Portugal não deixa igualmente de remeter para Lorvão e o seu mosteiro onde ainda hoje se guardam alguns códices manuscritos e impressos de que destacamos uma Regra do séc. XVI.

Este espaço monástico propicia de facto múltiplas perspectivas de abordagem. Uma delas, vimo-la ou sentimo-la por via de Miguel Metelo Seixas e com algumas achegas de Luís Repas e essa via será precisamente a descoberta das representações heráldicas que também contam uma história ou aliás contam várias histórias, a história da comunidade conventual e de quem viveu no mosteiro de Lorvão e a história de cada uma das suas religiosas ou doutras mulheres que passaram por Lorvão ou aqui viveram.

Creio que se tratou de um congresso da maior relevância científica e cultural, para além de se centrar numa cronologia extraordinariamente importante para a história de Portugal, por ser um tempo em que Portugal atinge todos os continentes e se abre em definitivo para o mundo,

proporcionou-se, em consentâneo, uma visão multifacetada da história através das diversas vertentes de análise que resultaram da aplicação das diferentes metodologias de investigação, própria das ciências e dos saberes que se cruzaram nestes dois dias.

Certo é que algumas das informações que aqui foram apresentadas já eram conhecidas por intermédio do trabalho desenvolvido, de muitos outros autores, mas permitam-me aqui destacar, mormente pelos estudos do Professor Nelson Correia Borges, meu ilustre colega e amigo e uma figura ímpar na historiografia de Lorvão.

Ainda assim, ao revisitar essas temáticas, agora os investigadores aqui presentes colocaram por certo novas questões, reformularam os ângulos de análise, diversificaram as fontes e as metodologias usadas, cruzaram os saberes e, desta forma, conseguiram avançar nas abordagens e nos resultados e, mesmo em alguns casos foi já evidente a utilização de fontes e de técnicas até agora absolutamente desconhecidas ou quase desconhecidas e pouco utilizadas que em boa hora estão a ser desenvolvidas e a ser dadas a conhecer a um público mais vasto.

Estão pois, reitero, de parabéns os organizadores, os parceiros e os oradores deste congresso internacional O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) ,

mas estão sobremaneira de parabéns a história, a cultura e o património de Lorvão, de Portugal e da Humanidade, articulados em saberes múltiplos, em amplas diacronias, em diversificadas espacialidades e potenciados por diálogos bidirecionais do local global e do global local que rompem fronteiras do conhecimento e apelam a uma revivificada e universal confraternidade cientifica, cultural e humana.

Muito obrigada.

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(Créditos das imagens: Instituto de Estudos Medievais e Município de Penacova)












21 abril 2023

Estudos medievais: Viver, ler e rezar no Mosteiro de Lorvão


O Instituto de Estudos Medievais da FCSH da Universidade Nova de Lisboa promoveu ao longo de 2022 um conjunto de dez videoconferências subordinadas ao tema “Viver, ler e rezar no Mosteiro de Lorvão (séc. XIII a XVI)”.

A abrir o ciclo, em Janeiro, Maria João Branco referiu o papel desempenhado por D. Sancho I, pelo bispo de Coimbra e pela Infanta D. Teresa no conflito com os monges de Lorvão que levou à sua expulsão e ao estabelecimento (em 1211) da primeira comunidade cisterciense feminina em Portugal.

Na segunda conferência Maria do Rosário Barbosa Morujão salientou a importância dos arquivos para a salvaguarda da memória das comunidades monásticas.

Luís Filipe Oliveira proferiu a terceira conferência deste Ciclo abordando a presença de textos normativos das Ordens Militares nos códices de mosteiros cistercienses portugueses. Referiu-se, em especial, a um códice que pertenceu à biblioteca do Mosteiro de Lorvão, do qual fazem parte as Definições da Ordem de Calatrava (finais do século XIII).

A quarta sessão, desenvolvida por Eduardo Carrero Santamaría e intitulada “Espaço e liturgia nos mosteiros cistercienses femininos de Leão, Castela e Aragão”, incidiu na estreita relação entre o espaço monástico e a prática da liturgia cisterciense.

A sessão que decorreu em Maio contou com a participação de Ana Suárez González, que abordou a questão dos livros litúrgicos, nomeadamente dos livros da biblioteca do Mosteiro de Las Huelgas, em Burgos.

Versando sobre o monaquismo feminino cisterciense nos reinos de Castela e Aragão, a sexta videoconferência foi da responsabilidade de Ghislain Baury, que destacou a dinâmica das fundações, entre os séculos XII e XIV.

A sessão número sete (Setembro) foi da responsabilidade de Maria Amélia Álvaro de Campos e Luís Miguel Rêpas. As suas intervenções versaram sobre o direito de padroado que o Mosteiro de Lorvão detinha nas igrejas de São Bartolomeu e São Pedro, em Coimbra.

Mercedes Pérez Vidal apresentou a oitava sessão que versou sobre a comemoração da Paixão de Cristo no Mosteiro de Lorvão. Esta conferência contribuiu para melhor se entender como algumas celebrações litúrgicas se processavam no espaço monástico e igualmente compreender a devoção das monjas e das abadessas lorvanenses.

A nona - e penúltima sessão – a cargo de Luís Miguel Rêpas e Catarina Fernandes Barreira - abordou as temáticas do espaço e da prática da liturgia no Mosteiro de Lorvão (séc. XV e XVI) a partir do cruzamento das informações registadas na documentação produzida no âmbito das visitações aí realizadas com outros dados recolhidos nos códices litúrgicos da época.

A última sessão contou com Miguel Metelo de Seixas para desenvolver a questão do uso da heráldica em contexto monástico e, no caso de Lorvão, enquanto auto-representação de abadessas e de monjas.

Refira-se que este conjunto de comunicações foi coordenado cientificamente por Luís Miguel Rêpas e teve como objetivo principal estudar os códices litúrgicos iluminados que fizeram parte da biblioteca do Mosteiro de Lorvão, a primeira casa cisterciense feminina em Portugal.

14 dezembro 2021

Lorvão: do Museu de 1921 ao Centro Interpretativo de 2021




Acabamos de ler na página do Facebook do Município de Penacova que "a ideia de criação de um espaço museológico que permita divulgar o riquíssimo acervo patrimonial do Mosteiro faz precisamente cem anos, tendo tido origem na Junta de Freguesia de Lorvão."

Viajando um pouco na história, concluímos que, de facto, a criação de um museu de arte em Lorvão foi anunciada em Maio de 1921, sob a responsabilidade da Junta de Paróquia local.

O museu ficaria instalado numa sala do edifício do Mosteiro integrando o valioso património que ainda existia e que fora confiado àquela Junta. Património diminuto, comparado com o que um século antes existira. Depois da extinção das ordens religiosas muitos bens foram ou transferidos para organismos do Estado ou leiloados, beneficiando a maior parte das vezes interesses particulares. Outros foram, literalmente, roubados.

As boas intenções das gentes de Lorvão no sentido da conservação do próprio Mosteiro e da salvaguarda do seu acervo foram, desde o início, alvo de acesa polémica. O Conselho de Arte e Arqueologia tentou mesmo, por via legal, impedir a sua concretização. Também o director do Museu Machado de Castro não escondia, à época,  a intenção de incorporar nos museus nacionais os bens das ordens religiosas extintas.

Recorde-se que por volta de 1920 o sacristão da igreja foi subtraindo, durante mais de um ano, uma valiosa coleção de objectos de arte religiosa que ia vendendo a particulares e colocando nas casas de penhores da cidade de Coimbra. Descoberto e preso o seu autor em finais de 1920 a polícia conseguiu recuperar a maior parte do acervo desaparecido. Foi nesse contexto que, entretanto, a Junta de Paróquia requereu que lhe fossem entregues os objectos roubados.

Conta-se que toda a região "desde Penacova ao Dianteiro, era um perfeito alfobre de antiguidades (...) sendo visitada com frequência por colecionadores e intermediários". O saque já vinha muito de trás. Escrevia "O Despertar" em 1920: "desde a extinção dos frades (1834) até à morte da última freira (1887) o Convento de Lorvão não deixou de ser saqueado pelos gatunos de todas as categorias, pelos próprios capelão e serventuário do convento e da igreja, eclesiásticos e seculares".

A entrada em Lorvão dos objectos recuperados ocorreu no dia 12 de Maio de 1921, com grande pompa, sendo expostos ao público no Domingo seguinte. O júbilo tinha a ver com a recuperação dos bens roubados, em geral, mas também com a luta vitoriosa travada pelo povo de Lorvão no sentido do regresso à origem daquelas preciosidades, contra aqueles que defendiam a sua cedência ao Museu Machado de Castro.

Finalmente, em 10 de Julho do mesmo ano, foi aberto ao público o Museu de Lorvão. Não deixando de se reconhecer que muitos objectos já estavam irremediavelmente na posse de museus de Coimbra e de Lisboa, esperava-se, mesmo assim, que o número de visitantes ao mosteiro aumentasse significativamente. A criação oficial do "Museu Regional e Paroquial de Lorvão" só se concretizou no dia 1 de Julho de 1923.

O Museu foi sobrevivendo, mas as aspirações de conservação e salvaguarda e de atração turística foram ficando pelo caminho. Sem meios técnicos, sem uma rede de estruturas de apoio, acabou por definhar, à semelhança do que aconteceu com a maioria dos museus locais em Portugal.

Em 1981, o Dr. Henrique Coutinho Gouveia defendeu que "a eventual revitalização do Museu [de Lorvão] terá de precedida de uma profunda reestruturação que, ampliando-o, acabe por promover o aproveitamento museológico do próprio Mosteiro, assinalando-lhe como um dos principais objectivos o de vir a proporcionar a compreensão da sua influência na história local e das profundas relações que se estabeleceram com o povoado vizinho. Viria a assumir então um papel de espelho da região, passando a actuar eficazmente na preservação e divulgação do respectivo património e fazendo-se inclusive eco dos seus principais problemas e aspirações (...). "

Adianta a referida página do Facebook que "o executivo municipal deu luz verde ao projeto que permitirá criar o Centro Interpretativo do Mosteiro cisterciense de Lorvão, uma obra inacabada há muitos anos."

25 setembro 2021

Bibliografia sobre Lorvão conta com mais um estudo de Maria Alegria F. Marques

 


No dia 18 de Setembro teve lugar, no Mosteiro de Lorvão, a apresentação do livro Memória de um Mosteiro: Lorvão, séculos IX-XII. História de uma comunidade masculina, de Maria Alegria Fernandes Marques, professora catedrática jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A obra, editada pela Câmara Municipal de Penacova, foi apresentada por Maria José Azevedo Santos, também ela professora catedrática da referida Universidade.

De acordo com a autora, este livro tenta preencher algum vazio ainda existente sobre a acção organizativa e até orientadora do Mosteiro, na fase em que foi ocupado pelos monges.  Por outras palavras, perceber melhor “o papel que o mosteiro teve na organização e desenvolvimento de boa área da bacia do Mondego, pelos seus responsáveis, enquanto foi uma comunidade de monges de fronteira.”

O livro começa por fazer em traços largos a evolução histórica desta região, desde a ocupação muçulmana em 715 até à consolidação da fronteira do Mondego em 1147. Passa depois à história do mosteiro, desde a comunidade primitiva até ao “momento funesto do seu fim” nos inícios do século XIII. 

Este estudo insere-se no conjunto de outros que a autora tem vindo ao longo de alguns anos a publicar: Inocêncio III e a passagem do Mosteiro de Lorvão para a Ordem de Cister; Vida e morte de um mosteiro beneditino: o caso de Lorvão, e  O Mosteiro de Lorvão: ainda a saída dos monges e a entrada das freiras.

Um livro - segundo a autora - que apesar do rigor histórico e científico pretende ser de leitura acessível ao “cidadão comum interessado na sua terra, no seu passado, nas suas raízes e nos seus símbolos” isto é, a todos os penacovenses que se revejam, “com orgulho, numa instituição que levou longe o nome da sua terra. “

 


 

 

11 setembro 2021

As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (IV)


RELAÇÃO DO QUE SE PASSOU NESTE MOSTEIRO DE LORVÃO DESDE A INVASÂO DOS FRANCESES ATÉ QUE FORAM EXPULSOS DO REINO, A TERCEIRA VEZ EM ABRIL DE 1811por  Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro


[Conclusão]

Sabendo as seis religiosas no dia seis que os franceses tinham saído de Coimbra, resolveram recolher no dia 7, que era Domingo, no dia de N. S.ª do Rosário, com mais quatro outras dos sítios vizinhos, que se lhes juntaram.
Vieram ouvir missa a este mosteiro, onde com mediação de poucos dias se chegou a aumentar o número de 25.

Continuaram logo as súplicas a Deus a quem davam graças por se verem outra vez no seu mosteiro livres dos insultos bárbaros de um exército tão desenfreado; pois que apenas em S. Mamede encontraram duas religiosas que foram a madre D. Paula Micaela, já muito decrépita, e a madre D. Joaquina Cândida, demente, a quem não trataram como costumavam, satisfazendo-se com roubarem os móveis de outras religiosas, que para lá os tinham mandado.

Assim mesmo logo começaram a rezar em coro regularmente do modo possível em uma comunidade tão pequena e em conjunturas tão calamitosas, porque além de serem muitas as empregadas nas oficinas do mosteiro, outras andavam de contínuo no exercício de fazerem manifestar os remédios temporais e espirituais a a um grande número de criadas enfermas da malina que então grassou dentro do mosteiro, da qual morreram vinte e uma, e nenhuma religiosa foi atacada nem o médico deste mosteiro o Dr. António Xavier Pereira da Silva que logo recolheu e constantemente assistiu às enfermas com todo o desvelo assim como alguns religiosos do colégio da Estrela e Pedreira, os quais lhes assistiam e sepultavam e diziam as missas à comunidade, porque dos religiosos da casa apenas nos fins de Novembro apareceu e se conservou assistindo aqui o padre cartorário Fr. António Montenegro.

O susto contínuo de voltarem os franceses da província da Estremadura moveu algumas religiosas que se achavam no mosteiro a procurarem a casa dos seus parentes e outras a nossa quinta da Esgueira para onde logo no princípio tinham partido algumas religiosas e depois em os fins ou princípio de Dezembro se lhes juntou a actual prelada a Ex. ma Srª D. Ana Luísa de Vasconcelos Coutinho que até então andou pela sua terra de Soure e vizinhanças, chegando a ajuntar-se ali dezoito religiosas.

Apesar dos contínuos sustos em que estávamos da volta do inimigo e pelos reforços que lhe entravam que faziam as suas costumadas atrocidades por onde passavam, como era pelas terras de <poiares e outras, sempre continuaram a permanecer religiosas neste mosteiro, as quais intimamente , no dia 13 de março de 1811 foram obrigadas a sair rapidamente para as vizinhanças do Buçaco ficando ainda neste mosteiro a madre D. Maria Arcângela de Melo, a madre D. Leonor Joana de Albuquerque, a madre D. Grácia Perpétua Beltrão, e mais cinco religiosas que não se tinham ainda podido retirar, mas nesse dia chegou ao mosteiro aviso do general Trant que lhes mandou dizer que os franceses tinham desistido do empenho de entrarem em Coimbra e que por Foz de Arouce se retiravam perseguidos do nosso exército, o que sabido pelas religiosas fugidas fez com que se recolhessem todas com as comodidades possíveis, que todas lhes tinham faltado na saída.

Conservou-se na quinta da Esgueira a prelada com as religiosas acima mencionadas, acompanhadas pelo padre capelão deste mosteiro, Fr. João do Amaral, até à semana antes ada Páscoa, princípios de Abril, que recolheram juntas pela igreja, onde se cantou o Te Deum laudamus e assim mesmo se continuaram a recolher as outras religiosas que faltavam e os padres confessor e feitor.

Em 5 de Novembro de 1811 o prelado veio fazer eleição de nova prelada que foi a Ex.ma Srª D. Maria Tomásia de Albuquerque, e por recomendação do mesmo prelado a mim, D. Joana Delfina de Albuquerque, cartorária deste mosteiro, para se fazer assento do que se passou, assim o executo com a possível individuação, por ser uma das que primeiro se recolheram a este mosteiro."






07 setembro 2021

As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (III)

 por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro

[continuação]


Em dezanove e vinte de Setembro esteve alojado no hospício dos religiosos deste mosteiro o general Lord Wellington com todo o seu estado maior
, sustentando-se à sua custa, sem que do mosteiro fosse mais que algumas cousas para o serviço e um mimo de doce, que ele agradeceu muito à Prelada, tratando-a com a maior civilidade, assim como a toda esta comunidade e lhes disse que não estávamos aqui bem e nos devíamos retira, para o que ele concorreria em caso de precisão.

Logo no dia 22 de manhã começaram a sair deste mosteiro algumas religiosas, mesmo a pé, consternadas e atemorizadas por verem aproximar-se o inimigo e que já os padres confessor e feitor se tinham ausentado de noite sem o publicarem.

De tarde saíram muitas mais religiosas e a prelada, da forma que se puderam arranjar, e a maior parte sem parentes; não tendo antes a prelada proporcionado meios alguns para isto, pela impossibilidade em que estava o mosteiro por falta de dinheiros.

Desde esse dia até o último de Setembro foi saindo a comunidade acomodando-se algumas religiosas mais velhas e das terras mais remotas, com muitas criadas, no lugar de S. Mamede.

Em o primeiro de Outubro por fim da tarde acabaram de sair as 6 únicas religiosas que ainda aqui existiam, para o sítio de Vale do Fojo, como foram a madre ex-abadessa D. Maria Arcângela e a madre ex-abadessa D. Maria Tomásia de Albuquerque e as madres D. Antónia Gertrudes de Albuquerque, D. Ana Bárbara, D. Maria Delfina. D. Joana Ferraz, e D. Maria Cândida, onde se conservaram até domingo 7 do dito mês de Outubro, amparadas pelo caritativo, zeloso e inteligente escrivão deste mosteiro José Alves Cardoso, que não só dirigia tudo o que respeitava à subsistência e cómodo possível das religiosas e grande número de criadas, mas a que o mosteiro onde tinham ficado quatro criadas muito velhas, não fosse roubado pela gente deste povo, como pretenderam e ele muito bem soube atalhar.

Sabendo as seis religiosas no dia seis que os franceses tinham saído de Coimbra, resolveram recolher no dia 7, que era Domingo, no dia de N. S.ª do Rosário, com mais quatro outras dos sítios vizinhos, que se lhes juntaram.

Vieram ouvir missa a este mosteiro, onde com mediação de poucos dias se chegou a aumentar o número de 25. [...]
[continua]

06 setembro 2021

As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (II)

 por 

Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro


(Continuação)

“Poucos meses passámos que não nos víssemos em novos sustos e precisadas a redobrarmos as preces e devoções, dirigindo ao Céu as nossas súplicas pela salvação do reino, de perto ameaçado por outro exército que projectava nova invasão.

Realizou-se esta segunda invasão dos franceses comandados pelo general Soult, entrando por Chaves nos fins de março de 1809 e passando por Braga conseguiu entrar no Porto em quarta feira de trevas 29 de Março, o que logo se soube aqui e causou uma grande aflição, obrigando algumas religiosas a saírem da clausura com o fim de escaparem ao perigo, que se receava, de chegarem a este mosteiro os franceses por estarem ameaçando o rio Vouga.

Não passaram adiante porque em o princípio de Maio entrou em Coimbra o exército inglês e português comandado pelo general Lord Wellington, que no dia 12 fez a sua entrada no Porto, que desamparou o exército francês retirando-se pela mesma estrada por onde tinha vindo, com muita perda e geral alegria das gentes, de que participou esta aflita comunidade a que logo se vieram unir as religiosas que tinham saído a todas juntamente agradecemos a deus este grande benefício.

Tinha precedido a este acontecimento terem-se tomado todas as medidas possíveis de acautelar-se ao saque furioso de tão bárbaros inimigos os preciosos tesouros dos corpos das nossa Santas Rainhas, trazendo-os dos seus altares para dentro do mosteiro, escondendo-se com a maior cautela e possível decência, o assim mesmo o santuário e resto das alfaias e preciosidades da igreja; conservando-se tudo desta maneira na terceira invasão do maior exército francês comandado pelos general Massena que entrou no reino e se fez senhor da praça de Almeida em 22 de Agosto de 1810. Em 19 e 20 de Setembro esteve alojado no hospício dos religiosos deste mosteiro o general Lord Wellington com todo o seu Estado Maior (…)

CONTINUA


18 março 2021

Lorvão vai ter unidade hoteleira


Vai hoje ser assinado o contrato de concessão do Mosteiro do Lorvão para instalação de uma unidade hoteleira. A reabilitação e exploração do Mosteiro foi adjudicada à empresa Soft Time, de Luís Sérgio Aleixo Pita.

Saiba + sobre a Soft Time:
e sobre a notícia:

Depois de tanto impasse, oxalá seja desta que que aquele majestoso espaço "REVIVA" efectivamente, para bem do nosso concelho e da nossa região.

21 fevereiro 2021

Lorvão: páginas cinzentas da sua história


Escreveu Hipólito Raposo (1885-1953):

“As monjas para quem Alexandre Herculano pediu esmola, já não existem. Infinita crueldade seria que a morte as não tivesse poupado ao destino de ver as celas da penitência convertidas em lares onde duas dúzias de famílias foram procurar uma ilusão de abrigo.

Agora, aqueles que no amor ou curiosidade das coisas mortas, se aventuram a transpor os montes que muralham o vale até ao céu, sombriamente, impressiona-os de surpresa a majestade do edifício que o roçar dos séculos tornou venerando.

A cúpula rebrilhante ergue-se no ar sereno, e quando o sol volta, deixa projectar na encosta, a sombra alongada por sobre a ramaria verde-negra dos pinheirais. E toda a face do mosteiro tem no aspecto contrafeito uma opulência decaída, aquela melancólica saudade dos solares de província, abandonados para sempre à vida simples dos abegões.

No Páteo relvoso em que virgens em flor apeando das liteiras no braço dos pais, voltavam os olhos chorosos para dizer adeus ao mundo, vendo apenas ao alto um recorte de céu azul, nesse Páteo dançam agora as moças aos domingos, danças profanas que ultrajam a santidade do lugar e escandalizariam as freiras como um pecado vivo.

Lá dentro, guarda o órgão um silêncio doloroso: das harmonias que derramavam clarões de divindade na alma das noviças, só as paredes e os altares vibram, como outrora na solenidade fúnebre das profissões.

Virgens imateriais quase, erguem na sombra os vultos brancos, entre círios que rodeiam o sacrifício da carne estéril, a chorar pela Vida para gloria de Deus. Toda a visão se ilumina, revive o velho Cenóbio a sua grandeza, cheira a incenso, vozes esvoaçara aflitivamente pelas naves, como suspiros de saudades do céu ...

Em túmulos de prata, dormem há séculos duas filhas de Sancho I e pasma a gente de ver que lhes tenham respeitado a paz, ao lado de oleografias e alfaias milagrosamente salvas à mesma cobiça sacrílega que desnudou a igreja e o convento.

Olhando ao fundo o coro, sumptuoso lavor, luz fria entristecendo a face das coisas e como uma súplica sem esperança, alevanta-se o vulto anguloso da estante do ofício, suportando ainda o velho antifonário coberto de poeira sagrada.

Mal resistindo à deterioração de toda a hora, o cadeirado glorioso alonga a todo o comprimento a graça das decorações, todas animadas da celeste espiritualidade que resplandecem cada figura tutelar.

Pelas altas arcarias, emparedadas aqui e além de fragmentos de capiteis e colunas, vai-se escoando o fumo dos lares que tendo bafejado torpemente os azulejos dos corredores, anda a denegrir os ornatos do coro, da mais preciosa talha de este país, porque o Governo para cobrir o deficit e matar a dívida, arrendou a míseros paliteiros, por uma centena de mil réis, as celas das freiras de Lorvão.

Se cada convento em Portugal é uma página de vergonha para a história contemporânea, creio que em nenhum haverá tão numerosos exemplos de ladroagem e desleixo como neste que tendo sido poupado pelo vandalismo francês, é destruído e roubado em proveito dos liberais do presente e em nome do interesse público.

Aqui, no alto da cúpula, a vista sobe a encosta, pela extensão da verdura até ao céu, torna a descer o declive e pára no fundo do vale, nas trepadeiras e heras da cerca, enlaçando ruínas musgosas, entre silvas e alecrim, a romper vigorosamente dos entulhos onde erram perfumes de cravos do outono e cintilações de azulejos migados ao sol.

Dos três claustros, ainda de pé, alguns arcos, alternando com fustes brancos de colunas mutiladas e inertes. Debaixo das arcarias abatidas movem-se crianças famintas, olhos vermelhos do fumo, fugindo das celas para a agonia dos corredores onde o ar é opaco e a friagem passa rudemente, ululando rumores de morte, sem a resistência das portas já moídas do temporal.

Mulheres de andrajos cruzam-se na faina, outras espreitam dos buracos e encontram ainda um sorriso de motejo pelos que lhes devassam o martírio que nem o sacrifício da Arte lhes abranda a existência, ao menos.

Nas ruas, mocinhas de rosto seráfico e olhar tímido, paradas de curiosidade, duvidam que alguém possa ter interesse em peregrinar àquela ruinaria com que entestam a toda a hora, desde que nasceram.

E assim, entre o desdém de um povo que desejaria aniquilar um monumento que lhes humilha a pobreza dos casebres e o fisco faminto, amolecendo mais a indiferença de um Conselho de Monumentos Nacionais, é que se extinguirá até aos alicerces, o que ainda resta do mais histórico mosteiro de Portugal.

Velhas Crónicas falam gravemente de estes frades da cogula negra, cultivadores de terras bravias nos primeiros séculos, em doações alargadas mais tarde e mantidas pelos próprios moiros já dominando em Coimbra, até que em tempo de cristãos eles cederam casa e senhorio à virtude das netas do primeiro Rei de Portugal.

Toda a tragédia das Rainhas Teresa e Sancha, com a dedicação de nobres damas que nos votos acompanharam o infortúnio daquela - eu a revivo entre matagais agrestes lá no fundo da Idade Média portuguesa, o irmão feroz usurpando-lhes os castelos e a triste Infanta Beringela, deserdada, na Dinamarca cinzenta, chorando com saudades do sol e da terra que perdera.

Casa de penitência agora, viveiro de bastardos, quatro séculos depois, no governo de Filipa d'Eça, quando as monjas ricas e protegidas, resistiam com tantos abusos pelo prestígio da sua beleza, ao intuito reformador de D. João III.

Sob estes claustros se exaltou o misticismo de Joana de Albuquerque, discípula de Santa Teresa, que na alucinação histérica de cada hora, tinha colóquios de amor com Jesus, de novo ressuscitado para a sua paixão ardente, com beijos, ciúmes e amuos, como no mais trivial namoro português, segundo a sua própria narrativa.

O Mosteiro de Lorvão - “antre serras onde o sol não era visto” - a saudade de Crisfal o rememora a todo o coração enamorado; as lembranças tristes das freiras que resolviam morrer à fome para não quebrarem a clausura, a mendigar nos caminhos, hão de sepultar-se nas últimas ruinas que impressionando-nos com respeito, ainda mais nos indignam pelo testemunho de uma execranda malvadez."

In Livro de Horas de Hipólito Raposo. Coimbra. França Amado Editor. 1913

[José Hipólito Vaz Raposo (São Vicente da Beira, 13 de Fevereiro de 1885 — Lisboa, 26 de Agosto de 1953), mais conhecido por Hipólito Raposo, foi um advogado, escritor, historiador e político monárquico, que se notabilizou como um dos mais destacados dirigentes do Integralismo Lusitano.]

09 agosto 2019

Impressões de uma viagem a Chelo, Lorvão e Paradela em 1914

[A Firma Barbosa, Fernandes & C.ª,  o Mosteiro de Lorvão e o Prof. Manuel Joaquim da Silva]


O Mosteiro de Lorvão em 1910

Envolto no escuro humedecido do ambiente pesado, Chelo de Penacova adejava-nos, hospitaleiro, com os braços abertos. Foi aí que pudemos tomar conhecimento do estado adiantado da nossa indústria paliteira. A Firma «Barbosa, Fernandes & C.ª" cumulando-nos de gentilezas e satisfazendo-nos as importunas curiosidades, não duvidou patentear-nos os seus aperfeiçoados mecanismos para a confecção das caixas em que apresenta, no mercado, todo o stock de palitos entrado nos seus armazéns.
Como outrora em Roma e ainda hoje nalgumas populações menos cultas, também em Chelo se prescinde, muitas vezes, da moeda para as transacções comerciais. Os palitos-moeda correm ali, entre comerciantes e consumidores, sem grande risco de falsificações. E tem largo curso no estrangeiro. . . 

A pensar em tudo isso, passámos nós momentos descuidados, como descuidada foi a noite, levada dum sono só. Nos tímpanos conservamos, ainda, os últimos sons da Portuguesa, executada com alma por um Zé Pereira de fama, á nossa chegada! Pareceu-nos que era a Portuguesa … 

Percorridos três quilómetros desde Penacova, surge-nos o velho convento «no meio de umas serras mui ásperas», — como diria Bernardo de Brito,— altivo, ainda, apesar dos séculos, com a sua cúpula altaneira e firme, desafiando o porvir com denodo e sobranceria. A sua fundação, em época não fixada exactamente, da qual o autor da Crónica de Cister, apenas, nos diz que o mosteiro é em sua fábrica antiquíssimo », não obstante pretender-se localiza-la na época do seu patrono. 

O convívio dos frades de S. Bento com os mouros tolerantes; o engrandecimento dos monges á custa da sua hábil política em detrimento dos mauritanos, apesar da brandura destes; a decadência moral dos opulentos beneditinos e a sua expulsão dali em 1200, pelo monarca D. Sancho I que entregou o convento a sua filha D. Tereza, rainha de Leão, onde ela professou segundo as regras da ordem de Cister; a transladação em 1715 dos restos mortais de D. Tereza e de sua irmã D. Sancha, fundadora do convento de Celas,canonizadas em 1705, para as urnas de prata que a abadessa do convento de Lorvão, D. Bernarda Teles de Menezes, mandara fazer ao artista portuense Manuel Carneiro da Silva; a extinção do convento, com a morte da sua última freira, no reinado de D. Luiz, e todos os vandalismos cometidos nos seus claustros, mobiliário e ornamentações — tudo isso nos parecia transpirar dos muros envelhecidos do grande monumento, recordando, quiçá com saudade, o seu esplendor, riqueza e vida dos tempos que passaram e não voltam. 

Entramos. E, devemos confessá-lo, experimentamos aqueles sentimentos de admiração e respeito que António Seco, no século passado, dizia serem comuns a quantos transpunham os limiares desse belo monumento. 

Ainda hoje, apesar dos estragos, inspira esses sentimentos. É toda uma preciosidade que o seu interior encerra, maravilhando os detalhes dos seus motivos decorativos. Lino de Assunção não duvidou escrever: «aspecto geral de grandiosidade, opulência, delicadeza e gosto”. 

O seu coro cadeiral, com graciosas talhas de efeito e duas ordens de artísticos assentos, está ao nível do pavimento da igreja, como, no dizer do autor de As Freiras de Lorvão, usavam os cistercienses, sendo separado da capela-mor por um gradeado de bronze, obra de subido valor feita, ao que parece, em 1784. 

Mas, tendo percorrido a única nave do templo, com o seu ar clássico de grandeza, pudemos saciar uma grande parte da nossa curiosidade, observando os seus retábulos e capitéis, os túmulos das filhas de D. Sancho I e os quadros agradáveis de Pascoal Parente, as suas particularidades interessantes e o seu conjunto admirável. 

Subidos 125 degraus que nos conduzem ao circuito da cúpula, descobrimos em volta os restos mutilados do claustro e outras dependências que a incúria, ou a barbárie, dos encarregados da sua conservação deixou vandalizar há uns 10 ou 15 anos. Belas pechinchas o compadrio ali minou. Mas, para que recordar isso cujo remédio é já impossível? Todavia, um facto existe ainda que não abona demasiado o amor pela arte — o estarem arrendadas algumas celas do convento donde irradia com abundância o fumo suficiente para inundar toda a nave do velho convento! 

Foi isso que todos íamos dizendo quando, com saudade, abandonávamos Lorvão e, pela tarde serena e desanuviada, nos dispusemos a fazer o percurso até Paradela. 

Aqui, noite caída já, encontrámos um espírito original, em múltiplos ramos de aptidão artística, alimentando todos os ócios da sua situação de professor aposentado em variados motivos de reconhecida utilidade. Com agrado passamos algumas horas admirando-lhe os recursos de verdadeiro artista. Instrumentos de corda, moveis domésticos, manifestações diversas de talha, assuntos mecânicos, etc., são os. entreténs favoritos do sr. Manuel Joaquim da Silva. 

Mas, ninguém se prestara, naqueles sítios, a manufacturar palitos, à nossa vista, com aquela rapidez e perfeição que se tornou proverbial. Era domingo, dia "de descanso”. Alguém, porem, segreda-nos de lado que, sendo um fraco distante, poderíamos no dia seguinte voltar a Lorvão para satisfazer a nossa curiosidade, pois que, com à maior fatalidade, deveríamos gostar. Era curioso o informador. Declinamos o convite depois de ter agradecido. E, fazendo-nos de abalada, lua clara e amiga seduzindo-nos lá de cima com o seu brilhar de languidez poética, regressámos à cidade das luzes onde nos esperava um sono reparador. A lição foi longa, mas proveitosa.

A. A. DA CAPELA E SILVA
In Gazeta de Coimbra, 1914


02 março 2019

O machado de pedra polida encontrado em Lorvão em 1973



A Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão acaba de publicar na sua página no Facebook informação mais pormenorizada sobre o fragmento de machado de pedra polida encontrado em 1973. O Prof. Doutor Nelson Correia Borges defende que ”a história do local de Lorvão pode, provavelmente, estender-se ao período eneolítico."

"Encontrado no Alfandaque, não in situ, mas guardado sob o lar de um forno de cozer boroa. Já não se encontra completo, pois está partido pela parte do encabamento, medindo no maior comprimento 0,112 m e na largura máxima 0,053 m. O peso é de 480 gramas. Tem o gume ligeiramente curvo e os lados convexos. O gume encontra-se já um pouco embotado, devido ao uso. A ligação ao cabo devia fazer-se directamente, pois não há vestígios de quaisquer sulcos. É de crer que medisse de comprimento, quando completo, cerca de 20 cm. Todavia trata-se de um belo exemplar, apesar de fragmentado. O material empregado é uma pedra alheia à nossa região, que julgamos ser diorite e que dá óptimo polimento.
É muito difícil estabelecer-lhe uma cronologia que tanto pode ir do Neolítico até à Idade do Ferro. Em números, tanto poderá ser do quarto milénio a.C. como do século VIII a.C. Talvez seja do período eneolítico, aí entre 2.500 a 1.500 a.C. Na Antiguidade e na Idade Média acreditava-se que estes machados, a que por vezes se chamava "pedras de raio", traziam fortuna e felicidade ao seu proprietário, sendo protectores da casa e muitas vezes se colocavam sob o lar dos fornos ou das lareiras.
Ora este machado, encontrado sob o lar de um forno, em Lorvão, além de colocar a hipótese da terra ter sido povoada em eras remotas, comprova a sobrevivência de uma tradição com muitos séculos.
Do povoamento que, a ter-se dado no Eneolítico, seria, certamente, de pastores restam na região alguns indícios, embora os vestígios materiais faltem.
Assim, no topónimo PENACOVA, temos o prefixo celta PEN, que significa monte. Nota-se que ainda hoje uma parte da população denuncia origem céltica, igualmente. Querem alguns etnólogos que o característico surriar carnavalesco seja também de origem céltica, pois teria origem no imitar do relincho do cavalo, animal sagrado para aquele povo indo-europeu.
Mas os Celtas chegaram ao nosso território em diversas vagas iniciadas no século VIII a.C. e situam-se na Idade do Ferro e da cultura castreja. O nosso machado será, certamente, anterior."

27 fevereiro 2019

Mosteiro de Lorvão: processo de musealização tarda em avançar



A Deputada do PCP Ana Mesquita, acompanhada por membros da Comissão concelhia de Penacova, da direcção Regional de Coimbra do PCP e de eleitos da CDU reuniram com a Associação Pró-Defesa do Mosteiro do Lorvão para acompanhar os desenvolvimentos referentes ao processo de musealização previsto para parte do monumento.


Da  Direcção da Organização Regional de Coimbra do PCP recebemos a seguinte Nota:
“De acordo com as informações prestadas, o projecto de musealização encontra-se concluído há cerca de um ano e meio e, desde então, não se têm registado avanços. Segundo a Direcção da Associação, o problema prende-se agora com o plano de segurança contra incêndios, que necessita de ser adaptado a exigências legais que não terão sido acauteladas no planeamento e execução da obra realizada.
De relembrar que as obras de requalificação dos claustros do Mosteiro de Lorvão terminaram em 2014, tendo o Estado, através da Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC) investido 1,7 milhões de euros para requalificar e adaptar parte do Mosteiro com vista a receber e tornar visitável espólio de arte sacra. O PCP desde sempre exigiu que o Governo avançasse com o investimento e as diligências necessárias à rápida abertura do Museu, tendo, para esse efeito, apresentado o Projecto de Resolução 534/XIII - Musealização e pleno funcionamento do Museu do Mosteiro do Lorvão.
A verdade é que o tempo passa e o espaço ainda continua vazio, tendo sido tomadas opções no sentido de desresponsabilização do Governo e da Administração Central pela concretização do espaço museológico. Assim, acaba por ser assinado, em Outubro de 2016, um protocolo entre a Direcção Regional de Cultura do Centro e a Câmara Municipal de Penacova (CMP), para que esta última passasse a assegurar o projecto.
De acordo com informações vindas a público pela comunicação social, a candidatura a fundos comunitários para a musealização do espaço foi feita há um ano, tendo a CMP de assegurar 15% de contrapartida nacional de cerca de 380 mil euros. No entanto, a Associação Pró-Defesa do Mosteiro do Lorvão refere uma verba mais elevada, que rondará 600 mil euros, a que deverão acrescer cerca de 34 mil euros, assegurados pela autarquia, para adaptações referentes a acessibilidades.
Além dos problemas com o plano de segurança contra incêndios, a Associação alerta para a possibilidade de existirem equipamentos que podem nem sequer estar a funcionar devidamente, como é o caso do elevador e do sistema de AVAC, pois nunca terá sido ligada e testada por falta de energia trifásica.
Mais ainda, está ainda por resolver uma questão relativa a telas com necessidade de realização de intervenções de conservação e restauro, que terão sido adjudicadas pela DRCC/DGPC à empresa Memoriae Tradere. A empresa terá conhecido dificuldades de gestão e, eventualmente, entrado em processo de insolvência, pelo que se colocam dúvidas sobre a conclusão dos trabalhos de recuperação e salvaguarda das telas em curso, sendo que uma das obras se encontra em condições de grande fragilidade após ter estado depositada no chão e sujeita a incidência de luz e humidade durante quatro anos.
O PCP considera que o Governo não se pode desresponsabilizar pelo Património Cultural e que tem de tomar medidas para garantir o pleno funcionamento do espaço museológico do Mosteiro do Lorvão e, por isso, vai enviar ao Ministério da Cultura uma pergunta regimental questionando que intervenção vai ser tomada para rápida resolução dos problemas relatados.
Este é um processo que não pode deixar de fazer reflectir também sobre o futuro que aguarda o Património se a transferência de competências na Cultura se concretizar nos moldes anunciados pelo Governo PS, comportando severos riscos para o património  e os interesses das populações e significando simplesmente um ónus e uma transferência de encargos para as autarquias locais.”
Refere a mesma nota que o PCP visitou ainda o Grupo de Solidariedade Social, Desportivo, Cultural e Recreativo de Miro.
VER NOTÍCIA AQUI:

19 junho 2017

Uma viagem ao Mosteiro do Vale do Silêncio


Integrado no programa da Feira de Tradições que decorreu em Lorvão de 14 a 18 de Junho, foi apresentado, no dia 17 à tarde, o livro “No Mosteiro do Vale do Silêncio” da autoria de Sónia Marques Carvão, editado pelo Município de Penacova. Na sessão de lançamento esteve presente Humberto Oliveira, Presidente da Câmara, Fernanda Veiga, Vereadora da Cultura, Rui Baptista, Presidente da Junta de Lorvão e José Pisco, Guia do Mosteiro.
Depois de muita bibliografia de carácter historiográfico sobre Lorvão, surge agora “este pequeno romance” que “pretende dar a conhecer a presença dos beneditinos nesta região e despertar interesse pelo conhecimento da sua história em todos os âmbitos da sua expulsão”, “sensibilizando para uma época e para um Mosteiro “, conforme se pode ler nas páginas introdutórias. “Sem entrar em detalhes de actos históricos, mas recorrendo a alguns deles para desenvolver o romance – que é disso que se trata - foram lidas algumas obras para nos inteirarmos de alguns aspectos importantes” – salienta também a autora.


O romance tem como personagens principais um jovem monge, Bernardo, a jovem Clara, uma rapariga do “povoamento” e o Abade Lucas. Trata-se de uma viagem no tempo. Viagem ao passado, envolta numa dinâmica de regresso ao futuro. É que, depois de muitos séculos, o Mosteiro de Lorvão, vê regressar os Beneditinos, dando assim, vida e dinâmica aos espaços que, com a saída do hospital psiquiátrico, se encontravam à espera de uma utilização condigna.
“Um clarão como se fosse um relâmpago bateu no grupo e no círculo ao mesmo tempo. Alguns bordados de algumas aves foram transformados em penas no momento em que a viragem para o futuro se deu. Todos juntos chegaram ao cimo das escadas do mosteiro actual.”
Claro que todo este processo gerou alguma perplexidade na pacata vila.
“Vem ali outra pessoa! - exclamou o monge Antão quando um rapaz se dirigiu à porta da igreja do mosteiro.
- Boa tarde! – sou o guia deste mosteiro, quem são vocês pelo vosso traje? – perguntou o guia do mosteiro um pouco espantado.
- Somos os beneditinos deste mosteiro – respondeu o Abade Lucas. (…)
- Mas os beneditinos que estiveram neste mosteiro estiveram no século XII. Não podem ser vocês! – exclamou o guia.
- Nós somos os beneditinos que estiveram neste mosteiro no passado, só que fizemos uma viagem ao futuro. Estamos aqui porque estávamos no passado que era nosso presente e quisemos viajar ao seu presente, para nós era futuro que agora também é presente. Íamos ser expulsos. -disse o monge Bernardo…”
No entanto o fulcro do romance é a relação amorosa entre Bernardo e Clara (que nessa viagem ao futuro acabam por casar em 2016 na igreja de Lorvão). Mas voltando aos tempos medievais, tudo começou quando o monge e a jovem aldeã deram o primeiro beijo:
“Nesse momento, Clara não esperou por mais nada e beijou-o. O jovem monge esqueceu-se que era monge e aquele momento configurou-lhe o mundo como uma corrente que corre no leito profundo.”
E mais adiante, encontramos a seguinte passagem:
“- Vou copiar o códice do livro das Aves o mais rápido possível, tenho algo em mente. [diz Bernardo]
- O que tens em mente?- perguntou Clara.
- Direi, mas não hoje. – respondeu e foi para a sua tarefa.
Enquanto isso, os irmãos perguntaram:
- Que relação tens com o jovem monge, Clara?”
Como lidar com tudo isto?
O romance tenta explicar, e prepare-se o leitor para uma leitura mais demorada pois vai encontrar passagens como esta:
“Como poderia existir sensorialidade sem materialidade? Para os beneditinos a sensorialidade podia ser o avesso que seria o direito. Noutro sentido, e esta sensibilidade era levada pela transcendência, a fim de ser visto o invisível ou aquilo que está naquilo que o outro não vê, poderia existir sensorialidade sem materialidade …”
O livro tece também longas considerações sobre a regra de S. Bento, aborda Teologia e Filosofia. A dado passo, imagine-se, Clara recebe uma lição de filosofia:
“Nem um nem outro responderam e o jovem monge preferiu explicar a Clara o que era a dialética de Pedro Abelardo…”.

Uma obra que certamente vai cumprir os seus objectivos: cativar (e desafiar) o leitor, promover um maior conhecimento e sensibilidade sobre o Mosteiro de Lorvão, cuja história, não se escreve apenas no feminino, mas nos remete também para a acção dos monges negros, isto é, dos monges beneditinos que estiveram na origem do cenóbio laurbanense.