Mostrar mensagens com a etiqueta nelson correia Borges. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta nelson correia Borges. Mostrar todas as mensagens

11 março 2024

“Do Mondego: notas históricas e culturais”: um texto de Nelson Correia Borges


Recordamos a intervenção proferida pelo Professor Doutor Nelson Correia Borges no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” realizado em Penacova a 21-01-2012, quando se lutava contra a construção da Mini Hídrica na zona do Caneiro. Um dos muitos excelentes textos históricos e literários deste nosso insigne conterrâneo. 

“Do Mondego: notas históricas e culturais”

“O Mondego não é apenas o mais importante dos rios nascidos em Portugal. É também o mais português por ter sido cantado por quase todos os grandes poetas portugueses.

O lirismo de que impregna a paisagem mondeguina desperta em quem o contempla a vontade de ser poeta. Ninguém o pode ver sem com isso sentir prazer. A poesia portuguesa está cheia de páginas vibrantes e sentidas, gravadas de forma imorredoura por quantos o têm cantado desde Luís de Camões a António Nobre, desde Sá de Miranda a José Régio. Bernardim Ribeiro, António Ferreira, Almeida Garrett, João de Deus, Soares de Passos, Antero de Quental, Gonçalves Crespo, Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, Afonso Duarte, Campos de Figueiredo, Manuel da Silva Gaio, Fausto Guedes Teixeira, António Homem de Melo, Alberto de Serpa, Alberto de Oliveira, José Freire de Serpa, Miguel Torga, Manuel Alegre e tantos mais, celebraram cada um à sua maneira, as “doces e claras águas”, “entre choupais murmurando”, “os saudosos campos”, o “cristalino curso”, “os salgueiros a cantar”, as “falas mais tristes” do “lânguido Mondego”.

Orlado de encostas verdejantes e campos férteis, de frondosos laranjais com pomos de ouro e olivedos verde cinza, de salgueiros pendentes e choupos buliçosos, as suas águas, ao passar, murmuram desde há séculos a canção da beleza que não passa.

O grego Estrabão já se lhe refere, designando-o por Muliades. Munda ou Monda lhe chamaram os romanos, enquanto o árabe Edrisi descreve o rio que banhava Colimbria, dando-lhe o nome poético e sonhador de Mondik. E já num documento de 946 do Mosteiro de Lorvão surge a forma Mondeco, bem próxima da atual. Mas, nem uns nem outros foram os padrinhos, pois que a raiz da palavra (Mond-) é seguramente pré-romana.

O Mondego, esse rio que dessedentou celtas, romanos, godos e mouros, foi também a linha fronteiriça entre a cruz e o crescente, ao tempo da reconquista, a linha estrema, pontilhada de fortalezas – Seia, Penacova, Coimbra, Montemor-o-Velho -, onde Afonso Henriques veio estabelecer a capital do seu jovem reino. Castelos roqueiros, de pedraria talhada, como o de Penacova, dominando altaneiro os meandros do rio desde as Fragas de Entre Penedos às lonjuras da Rebordosa e de Louredo. Castros de pedra seca e terra batida alinhados na margem esquerda, eram sentinelas vigilantes do tráfego fluvial e de fossados e razias feitos por gente da moirama. Dois deles são referidos na demarcação dos limites feita em 1105 entre os monges de Lorvão e os homens do castelo de Penacova: o Castro de Cima de Louredo e o Castro Retundo em frente do Caneiro. Foram refúgio de camponeses e marcas dominiais, juntamente com outras rústicas fortificações ao longo deste nosso rio, de que apenas restam topónimos como Cabeço da Pedra, Castelo Viegas, ou vestígios arruinados como Torre de Bera.

Pachorrento e remansoso, o poético Mondego, afirmou-se a razão de ser e vida de toda a região, no passado. Não admira que por aqui tivessem florescido povos luso romanos nas terras que são hoje Penacova, Lorvão, Cheira, Chelo e tantas outras… O peixe abundava e povoava as suas ribeiras. Lembremos que as monjas de Lorvão tinham o privilégio da exclusividade da captura de trutas na sua ribeira e recebiam lampreias como pagamento de foros pelo povo da Rebordosa.

Impetuoso e brutal nas cheias súbitas de outros tempos, semeou muitos desesperos por entre esperanças geradas em torno de si. Quem não se lembra dele, engolindo as casas baixas da Rebordosa, dominando as várzeas marginais, transportando no seu dorso tudo quanto encontrava pela frente, subindo às laranjeiras e roubando-lhes os frutos dourados, ou transformando a baixa de Coimbra numa cidade lacustre?

Quantas memórias carrega consigo este rio, hoje domesticado e quase ignorado, das populações ribeirinhas, da cidade que lhe deve quase tudo e hoje praticamente lhe vira as costas !?

Mas o Mondego é um dom de Deus, um espetáculo da natureza. No concelho de Penacova tem talvez a sua página mais bela. Logo a jusante da confluência com o Alva surge a garganta de Entre Penedos, a Livraria do Mondego, muralha silúrica que do Buçaco se prolonga para a Atalhada e que o Mondego cortou – e o IP3 quase destruiu. Então alarga-se o vale, até aí mais angustiado. O rio está na sua plenitude iniciando a ação de depósito: são as férteis várzeas de Penacova, cujo vetusto morro do castelo e as águas sussurrantes contornam. Carvoeira, Ronqueira, Rebordosa, Caneiro, são pitorescos povoados que devem a sua existência e o nome à faina fluvial. Raiva, Ronqueira, têm a ver com a torrente caudalosa em épocas de invernia. Carvoeira, com a matéria-prima que daqui enchia as carvoarias de Coimbra, transportada nas barcas serranas. Rebordosa e Louredo são nomes ligados à flora das suas margens… Caneiro, a paliçada que os monges de Lorvão mandaram colocar no rio para apanha de peixe.

E o Mondego lá segue em meandros, a contornar as atalaias poderosas dos montes marginais, por entre vertentes de pinheiros, eucaliptos e oliveiras, entremeados de urzes, tojo, giestas e rosmaninho, hoje em vias de desaparecer das nossas encostas… Aqui e ali recebe idílicas ribeiras, talvez as musas inspiradoras das Ribeiras do Mondego, do poeta seiscentista Elói de Sá Sotto Maior – Abarqueira, Lorvão, Arcos, Vale Bom -, ou riachos que no inverno chuvoso se despenham em rugidoras torrentes…

Mas o Mondego foi, principalmente, desde tempos imemoriais, uma importante via de comunicação. Por ele circularam pessoas, mercadorias, obras de arte, coisas simples, novidades, ideias… Nas suas águas, passaram jangadas de madeiras para construção. Assim foi com os imensos troncos de castanho vindos da Mata da Margaraça em carros de bois até ao Porto da Raiva, daí seguindo a estrada fluvial até Coimbra para serem esculpidos nas monumentais colunas barrocas do retábulo-mor da Sé Nova. Assim foi também com os toros de castanho vindos da mesma Mata da Margaraça para construir o dormitório do Mosteiro de Lorvão e com muitos outros lenhos necessários à vida do grande complexo monástico. Poderia este mosteiro ter alcançado a grandeza que teve sem o Rio Mondego? Talvez. Mas lá que ajudou, não há dúvida. As grandes obras, como as grades do coro, os toros de pau-preto para o cadeiral, a pedra de Ançã para as capelas do claustro, vieram em barcas até ao porto da Granja do Rio, donde seguiram para o recôndito vale, e muitas outras teriam feito o mesmo percurso.

O assoreamento progressivo foi reduzindo as possibilidades de navegação, exigindo barcos de pequeno porte: as barcas serranas, para as cargas, e as bateiras ou barcos do lavrador, mais móveis e utilitários.

Se o Sado, o Tejo, o Lima, o Douro ou a Ria de Aveiro acolheram as embarcações que se tornaram uma imagem de marca, o Mondego não lhes ficou atrás com as barcas serranas que ainda há mais de meio século lhe sulcavam as águas, com as suas largas velas dilatadas pelo vento. Eram barcos compridos e estreitos, de fundo chato, como uma grande canoa primitiva, desenvolvida e aperfeiçoada. Quando não havia vento, ou este era contrário, a navegação fazia-se à vara e muitas vezes à sirga, mas a complementação destes processos era frequentemente comum.

Outrora o trânsito no Mondego era intenso. Todo o sal e grande parte do peixe consumido no interior das Beiras eram transportados desde as salinas de Lavos e da barra de Buarcos até ao Porto da Raiva ou à Foz do Dão, donde os almocreves os levavam. Na descida do rio as barcas serranas traziam vinhos, batatas, frutos, madeiras, carvão, carqueja e os mais diversos produtos, como a roupa das lavadeiras ou os palitos, que se destinavam a Coimbra ou à exportação pelo porto da Figueira.

Passageiros aproveitavam as barcas para se deslocarem, sobretudo para a beira-mar durante a época estival.

Até a Bairrada tirava enorme proveito do tráfego fluvial, fazendo exportar os seus produtos agrícolas, principalmente os afamados vinhos, pelo Porto do Rol, na Vala de Ançã. Por aqui saíram também, em bruto, toneladas de pedras de Ançã, que chegaram tão longe quanto Santiago de Compostela.

No Verão todo o rio se agitava de vitalidade. Aqui e além eram as noras a chiar, vazando os alcatruzes para a rega das ínsuas. Os caneiros ou paliçadas de estacaria, que desviavam a água para elas, interrompiam por vezes a navegação, pelo que os barqueiros, ao aproximar-se, vinham gritando de longe: Ó da roda!..., para que lhes abrissem a passagem. Por todo o lado, as lavadeiras tagarelavam e pintalgavam as areias, de roupa estendida a corar. Às vezes metiam-se com os barqueiros, chacoteando-os com a dificuldade da passagem na Pedra Aguda. Mais além um pescador solitário concentrava as suas energias na captura de peixe em que o rio era fértil, com destaque para a apreciada lampreia. Acolá era uma azenha temporária, montada durante a estiagem, quando a água era pouca nas ribeiras e levadas.

E havia o prazer de gozar o rio, com tudo o que ele tinha para dar. Assim surgiram as praias fluviais de Coimbra, pelos anos 20 a 40 do século passado, sofisticadas, com passadiços, toldos, chapéus e piscina. À noite, deixaram memória as serenatas no Mondego, em barcas serranas, feitas por tricanas e futricas, que os estudantes, esses de há muito cantavam pelas suas margens fados e baladas, ao desafio com rouxinóis. Este costume das serenatas mondeguinas estendeu-se também a Penacova, já que as ligações à cidade eram imensas e naturais.

Hoje, reduzido à sua função primitiva, invadido pela vegetação marginal, disciplinado para bem da agricultura, mas muitas vezes ignorado pelos que se deviam preocupar com o desenvolvimento das suas potencialidades, e agora na eminência de sofrer mais uma agressão que o desfigurará, o Mondego continua a ter os seus amigos e fiéis admiradores, que continuam presos dos seus encantos e outros que durante o Verão o continuam a desfrutar.

E enquanto os povos das suas margens cantarem canções tradicionais, ele continuará a ser lembrado e vivido, pois em quase todas ele está presente, como elemento fundamental de uma cultura.”

“Do Mondego: notas históricas e culturais” 
Prof. Doutor Nelson Correia Borges intervenção proferida 
no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” Penacova, 21-01-2012

05 janeiro 2024

As Janeiras e os Reis das terras de Penacova, tal como se canta(va)m em Lorvão ...


A ADORAÇÃO DOS REIS MAGOS, GIOTTO


Ao Professor Doutor Nelson Correia Borges devemos muito do que hoje se conhece e se preserva da história e da cultura do nosso concelho, em particular de Lorvão. Além dos importantes estudos académicos que desenvolveu, Nelson Correia Borges foi ao longo de muitos anos profícuo colaborador da imprensa local. É dos inícios dos anos sessenta do século passado o texto que, nesta quadra natalícia prestes a terminar, achamos pertinente e oportuno recordar.

A crónica começa assim:

“Antigamente, pela Natividade, em muitas terras do país era uso cantar-se e bailar-se nos templos ao som da gaita de foles, mais o tambor e a caixa. Em Lorvão só há memória de se ter dançado na igreja pela festa da Trasladação das Santas Rainhas, além da Moirisca que era em louvor de S. João ou S. Sebastião.

O Cancioneiro de Natal consta das Loas ao Menino Jesus, das Janeiras e dos Reis. Falar de todas elas numa crónica só, seria tentar «meter o Rossio na Betesga», por isso deixaremos as Loas para outra altura.

Chega o Ano Novo. Aqui entra calmamente, sem os bulícios, gritarias e estrondos das cidades. A nota principal da noite são as Janeiras cantadas de porta em porta. Formam-se ranchos de homens, de qualquer idade, que vagueiam pelo escuro das ruas, por vezes com um toque acompanhante, parando às portas de cada casa, pedindo as Janeiras e cantando em louvor do Menino Deus. Mas isto era noutros tempos, pois este costume tão típico está em vias de desaparecimento. Hoje só se cantam os «vivas» aos da casa, de qualquer forma e jeito, na mira daquilo que lhes podem dar. A descrição do nascimento do Menino Jesus, e mai'la Virgem Maria, vai pouco a pouco caindo no olvido, pois os que cantam as Janeiras não as sabem, e os que as sabem não as cantam. Ou talvez os primeiros se não queiram dar a essa maçada...

Para que de todo se não percam, vamos nestas colunas arquivar as Janeiras de Lorvão.

Ao que nos consta, para os lados de Penacova, canta-se também a mesma letra, mas com música diferente. As Janeiras de Lorvão, são, por conseguinte regionais, isto é, versão do que se canta (ou cantava) pelo concelho de Penacova.

                                         Gravura publicada no NP pelo Natal de 1963
 
Reproduzimo-las tal qual as recebemos da tradição popular, sem qualquer artifício da nossa parte para as tornar mais coerentes:

Naquela noite ditosa
que ao mundo deu alegria,
nasceu o Divino Verbo
das entranhas de Maria.

Caminhando para Belém,
pra lá chegar com de dia;
quando ele lá chegou
já meia noite seria!
S. José foi buscar lume
pra aquecer a Virgem Maria,
quando S. José chegou,
já Jesus era nascido;
nasceu nuns pobres portais,
que nem uns paninhos tinha!

Lançou as mãos à cabeça.
Uma touca que trazia,
fê-la em quatro pedaços,
Menino de Deus cobria.
Veio um anjo do Céu à terra,
ricos panos lhe trazia:
uns eram bordados a oiro,
outros a cambraia fina!

Foi o anjo para o céu,
rezando uma Avé-Maria.
Lá no céu lhe perguntaram:
Como ficou lá Maria?
Maria lá ficou boa,
na sua sala recolhida,
que lhe fez o carpinteiro
com sua carpintaria,
mandado do Padre Eterno
para sempre à Virgem Maria!

Glória seja a Deus Pai,
e a Deus Filho também;
Glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.

A música repete-se de dois em dois versos, repetindo-se por sua vez as três primeiras sílabas do se-gundo verso. Repare-se que a parte final respeitante à resposta do anjo é alheia ao motivo natalício. Quanto a nós deve pertencer a outro romance e ter sido aqui enxertada, Como sucedeu noutros.

Seguem-se as quadras de elogio as da casa, das quais transcrevemos algumas:

Vivam os senhores desta casa,
mais os anos que desejam,
companhia de uma rosa,
que foram buscar à igreja!

Viva lá senhora Alice,
raminho de laranjeira;
cai-lhe a flor no regaço,
ai Jesus, que tão bem cheira!

Viva lá senhor José
quando põe o seu chapéu
e vem vindo. para a porta,
parece um anjo do céu!

Viva lá senhora Maria,
Raminho de alecrim:
é a flor mais bonita
que se criou no jardim!

Viva lá senhora Teresa,
raminho de salsa crua
na janela do seu quarto
bate o sol e bate a lua!

Depois há também as quadras pedinchonas. Pede-se salpicão ou chouriça, mas qualquer coisa se aceita, os da casa já sabem como é...

Viva lá senhor João
assentado na cortiça:
deite a faca ao fumeiro
e dê p’ra cá uma chouriça!

Viva lá o senhor António
assentado num esteirão:
deite a faca ao fumeiro,
dê pra cá um salpicão!

Passam a outra casa, depois de receberem, quando recebem, o prémio da cantoria, e voltam a repetir as mesmas quadras, mudando os nomes.. Geralmente o produto das Janeiras, ou dos Reis é consumido naquilo a que hoje chamamos «jantar de confraternização».

Nos Reis, ou melhor, Reises, como por aqui se diz, é aplicável tudo o que dissemos sobre as Janeiras. A mesma música e as mesmas quadras pedinchonas e elogiosas. Difere, como é lógico, a narrativa bíblica, que o povo parafraseou à sua maneira em quadras belas e ingénuas:

Nobre casa, honrada gente,
escutai, ouvi-lo-eis:
uma cantiga tão linda
que se canta pelos Reis!

São chegados os três reis
da parte do Oriente,
visitar a Deus Menino,
Alto Deus Omnipotente.

Foram a casa de Herodes,
por ser o maior reinado:
que lhes ensinasse o caminho
donde Jesus era nado.

Herodes com seu malvado,
com seu perverso maligno,
foi ensinar os reis,
às avessas o caminho.

Os três reis como eram santos,
a estrela os foi seguindo.
A estrelinha se foi pôr
em cima de uma cabana.

A cabana era pequena,
não cabiam todos três;
adoraram Deus Menino
cada um por sua vez.

Ofereceram ao Menino:
oiro, mirra e incenso;
não lhe ofereceram mais nada,
porque Ele era o Deus Imenso!

Glória seja a Deus Pai
e a Deus Filho também;
glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.

A festa da Natividade, tão querida do povo português, originou um Cancioneiro de Natal, do qual oferecemos aos nossos leitores as Janeiras e os Reis das terras de Penacova, tal como se cantam em Lorvão.

«Vamos adorar o Deus Menino em Belém, entre os pastores!”

10 de Dezembro de 1962

CORREIA BORGES






03 julho 2023

Nelson Correia Borges homenageado pela Câmara e pela Faculdade de Letras






O Município de Penacova homenageou o investigador e professor universitário Nelson Correia Borges, no decorrer da cerimónia de encerramento do congresso internacional “O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521”, que se realizou nos dias 29 e 30 de Junho no Mosteiro de Lorvão, promovido pelo Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e Câmara Municipal de Penacova. 

Na sessão de homenagem, usaram da palavra o Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Álvaro Coimbra, o Director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Albano Figueiredo e Joana Antunes, docente da Secção de História da Arte daquela faculdade.


Começou por dizer Álvaro Coimbra: "Quero falar de alguém que tem dado um contributo inestimável em defesa deste mosteiro. Um trabalho de décadas, exaustivo, incansável e de grande reconhecimento académico, visível em várias obras publicadas em áreas do saber como a arqueologia, a antropologia e a etnografia, na Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão que fundou em 1982 e no amor sem limites que tem dedicado a esta causa." Salientou igualmente, de seguida, que "ao longo de quatro décadas foi defensor acérrimo desta causa. Foi uma das vozes que se levantaram contra os anos em que o mosteiro esteve privado do seu órgão de tubos exemplar único neste país e que durante anos a fio esteve desmontado e sem destino. Indignou-se com a indiferença do Estado em relação à degradação deste monumento e com a total ausência de medidas de salvaguarda do seu património. Afirmou alto e bom som na imprensa, há vinte anos, “se este mosteiro estivesse localizado em Coimbra, Lisboa ou Porto as coisas não estariam assim!” Felizmente a sua voz fez-se ouvir e contribuiu para uma mudança de atitude dos responsáveis políticos."

O Presidente da Câmara afirmou também que "uma das suas grandes reivindicações foi a criação de um museu que guardasse os tesouros de Lorvão. O que considerou o caso mais escandaloso está a poucos dias de ser uma realidade. Perfeccionista e exigente em todos os projectos e causas em que se envolveu procurou a autenticidade e o respeito pelas origens e pela história. Ao Professor Doutor Nelson Correia Borges agradecemos uma vida dedicada à sua terra Lorvão, ao Mosteiro. Senhor Professor Nelson Correia Borges: em nome do Município de Penacova, Muito obrigado por tudo o que tem feito por Lorvão e pelo Mosteiro!"




Por sua vez, o Director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Professor Doutor Albano Figueiredo, proferiu as seguintes palavras:


Excelentíssimo Senhor Professor Nelson Correia Borges:

Começo naturalmente por neste final de tarde, magnífico, a todas e a todos cumprimentar com uma saudação institucional em nome da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e com um agradecimento em particular a Penacova, às suas gentes, mas sobretudo a toda a comunidade aqui reunida, pela belíssima ideia de celebrar científica e culturalmente este espaço com o todo o significado que ele tem numa saudação pela qualidade elevada que sei que marcou todo o trabalho aqui desenvolvido nestes dois dias e que termina com um momento a que a Faculdade de Letras quer, naturalmente, associar-se.

Permita-me Senhor Professor que aqui diga algumas palavras em nome da sua, da nossa Faculdade, e que nunca serão tantas como aquilo que efectivamente a Faculdade de Letras e a Universidade de Coimbra lhe devem.

O Senhor Professor Doutor Nelson Correia Borges está intrinsecamente ligado a este local pelas suas origens, pelo seu trabalho, pelo amor à cultura, investigação e ensino.

Licenciado em História por meados dos anos setenta, tornou-se, a partir do final dessa década docente do então Instituto de História, hoje Secção de História da Arte.

Foi director deste mesmo Instituto durante alguns anos, nomeadamente no final dos anos noventa.

Doutorou-se em 1993 na Universidade de Coimbra com uma brilhante dissertação intitulada “Arte Monástica em Lorvão: Sombras e realidade: Das origens a 1737” que viria a ser editada, já no inicio do séc. XXI, pela Fundação Calouste Gulbenkian em mais um reconhecimento da elevadíssima qualidade da investigação que o Senhor Professor sempre produziu e que está bem patente na sua dissertação que continua actual.

A sua carreira ficou marcada pela dedicação e sobretudo pela elevada qualidade dos trabalho publicados e por aquilo que deu à sua Universidade, à sua Faculdade e que seria recordado em vários momentos e sobretudo quando se torna vogal correspondente da Academia Nacional de Belas Artes, a partir de 1995.

Não serei eu, que sou professor de Literatura Portuguesa, a melhor pessoa para com todo o cuidado e pormenor falar do Senhor Professor enquanto especialista em arte moderna e perdoe-me Senhor Professor essa ousadia.

Todos o sabem aqui que tem como áreas de investigação privilegiada, teve e tem, a arte monástica em Portugal, desde o séc. XVI, particularmente até ao séc. XIX, a Arquitectura e Talha em Coimbra, o Rococó em Portugal e a Região e a Cultura e Arte Popular a que toda a região de Coimbra, não só Penacova, mas a toda a região de Coimbra e todas as gentes da zona de Coimbra tanto devem precisamente pela sua belíssima actividade científica em todos estes domínios enquanto especialista.

Mas sobressai de forma indiscutível - e peço perdão de repetir o que já foi aqui dito - o seu labor como pessoa que se dedicou ao Mosteiro de Lorvão, lugar que marca toda a história da sua terra natal e a que dedicou sempre uma atenção absolutamente central.

Dizem-me que o Senhor Professor com as suas próprias mãos - e não e mito é realidade - aqui produziu muito trabalho e muitos aqui o sabem, por exemplo a propósito duma magnífica grade e muitas outras benfeitorias que por sua intervenção directa ou indirecta se foram fazendo neste local.

É por mais uma homenagem justíssima que hoje lhe é devida que nos reunimos também aqui.

A qualidade cientifica da sua investigação alia-se a um momento muito importante porque estamos aqui, hoje, no local a que o Senhor Professor dedicou muita da sua imensa atenção do ponto de vista da investigação e do seu labor profissional. Não poderia certamente haver outro local tão bom e tão bem escolhido para hoje fazermos esta homenagem ao Senhor Professor. Para além da sua brilhante dissertação de doutoramento muitos outros trabalhos terão sido certamente nestes dois dias novamente aqui citados e trabalhados.

Permitam-me que, muito brevemerente, recorde os trabalhos que dedicou ao órgão do mosteiro de Lorvão, às origens do mosteiro de Lorvão, as relações, por exemplo, estabelecidas entre - ou não – Lorvão e Arouca a que dedicou também grande parte do seu labor ou, por exemplo, ainda aqui a propósito do mosteiro, um importante trabalho com o titulo “As intervenções de Mateus Vicente de Oliveira no Mosteiro de Lorvão”. Igualmente a propósito de Arouca e Lorvão “A exaltação de Cister em Arouca e Lorvão, no século XVIII”, entre muitas outras obras que aqui podiam ser recordadas. "

É, por isso, desnecessário fazer aqui outra referência àquilo que foi o magistério do Senhor Professor na Faculdade de Letras, a sua casa, a nossa casa, uma casa de artes, uma casa de humanidades, uma casa de ciências sociais e que, como há pouco dizia, quer como professor quer como investigador, quer como pensador, quer como critico, a Universidade e a Faculdade de Letras tanto lhe devem.

Mas tomando também aqui o caminho do Sr. Presidente da Câmara, permita me Senhor Professor, mais esta ousadia, a de recordar que a Universidade, a Região, as pessoas, lhe devem também, para além da sua qualidade como investigador e docente o trabalho em torno da defesa do património. Pessoa ligada ao Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, pessoa ligada à Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão, de que foi presidente, à Confraria dos Sabores de Coimbra e ao Grupo Folclórico de Coimbra, que também liderou.

Permita-me Senhor Professor que lhe dê um testemunho aqui mais pessoal. Nunca tive o gosto de o poder conhecer mais de perto. A primeira vez que o vi e que associei o nome que conhecia de algumas coisas que já tinha lido e ouvido do Senhor Professor, dizendo bem, foi precisamente quando o vi ligado às tradições folclóricas na cidade de Coimbra. Não me leve a mal que aqui o refira. É preciso que todos e todas saibam que um universitário é uma pessoa, e não é, seguramente , um universitário completo aquele que se fecha no casulo da academia e não tem preocupação de valorização de tudo o que o rodeia.

O Senhor Professor soube sempre privilegiar o seu trabalho académico mas ao mesmo tempo compaginá-lo com um legado e um labor que desenvolveu paralelamente no âmbito da cultura, das artes populares, da revivificação de tradições, daquilo que foi a recuperação rigorosa dessas mesmas tradições no campo musical, no campo da dança, no fundo, no campo do património e das artes. O Senhor Professor é claramente um cientista das artes e um homem das artes. Homem rigoroso, correcto, exemplar, exigente, e que soube dosear esses elementos que colocou à disposição dos seus estudantes e da sua faculdade, precisamente, com abertura ao mundo, permitindo que toda a nossa região, também a esse nível, possa ainda hoje beneficiar daquele que foi o seu trabalho.

Termino por lhe agradecer genuinamente tudo o que fez pela sua, pela nossa Faculdade de Letras, pelo seu, pelo nosso, Instituto da História da Arte, pelos seus estudantes, pelos seus colegas, pela história, pela arte, pela cultura, em Coimbra, em Portugal, dentro e fora da Academia.

É uma justíssima homenagem que todos lhe devíamos, lhe devemos, e que em boa hora os organizadores deste congresso e o Sr. Presidente da Câmara decidiram levar por diante.

Muito obrigado Senhor Professor por tudo o que lhe devemos. Muito obrigado pela sua dedicação. Muito obrigado e Parabéns Senhor Professor!

Notas: 1 - O texto publicado foi extraído do vídeo publicado pela organização do Congresso.
            2 - Créditos das imagens seguintes: Município de Penacova











NOTA BIOGRÁFICA

Natural de Lorvão (1942), Nelson Correia Borges desde cedo se interessou pela história do mosteiro em torno do qual a povoação se desenvolvera, nomeadamente a partir do momento em que se decidiu, pelos meados da década de 70, a fazer o curso de História na Faculdade de Letras de Coimbra. No âmbito da cadeira de Epigrafia, no ano lectivo de 1975-1976, estudou a única inscrição romana daí proveniente, estudo que viria a publicar-se na revista Conimbriga (XV 1976 117-125), sob o título «Nova leitura da inscrição CIL II 6275a (Penacova)», e também no jornal Notícias de Penacova (2-9-1977, p. 2: «A inscrição romana de Lorvão»). 

Pouco tempo depois, deu à estampa os resultados da investigação que tivera como um dos pontos de partida a identificação de uma pedra visigótica «ornada de vide ondeada com cachos de uvas e gavinhas» que teria pertencido ao «primitivo templo» (p. 16), datável da época do bispo Lucêncio, a 2ª metade do século VI («Lucêncio, bispo de Conímbriga, e as origens do Mosteiro do Lorvão», Conimbriga XXIII 1984 143-158). 

Tendo ingressado como docente na área de História da Arte, a sua dissertação de doutoramento, em 1992, foi, naturalmente, sobre Arte Monástica em Lorvão: sombras e realidade, obra que viria a ser publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2001.

Fonte: José d’Encarnação | Universidade de Coimbra 
in Recensão ao livro de NCB,  Doçaria Conventual de Lorvão.

Reportagem: Congresso "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)"


Nos dias 29 e 30 de junho, decorreu no Mosteiro de Lorvão o Congresso Internacional "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)", uma parceria entre o Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e o Município de Penacova.

A sessão de abertura contou com a presença e uso da palavra de Álvaro Coimbra, Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Catarina Tente, Directora do Instituto de Estudos Medievais, Catarina Fernandes Barreira, do projecto “Books, Rituals and Space in a Cistercian Nunnery - Lorvão” e de Hilda Gonçalves, Diretora do Centro de Formação da Associação de Escolas Minerva.


Com um programa muito intenso o Encontro distribuiu-se por 8 sessões: a 1ª e 2º sessões foram dedicadas ao tema "O Mosteiro de Lorvão, Portugal e o Mundo ". Seguiu-se a 3ª sessão, que teve como assunto "Catarina de Eça: arte e representações", tendo a 4ª sessão sido afectada ao tema "Sons e representações". A quinta sessão teve como tema geral “Espaço, liturgia e materialidade” e a sexta “O culto dos santos em Lorvão: São Bernardo e Mártires de Marrocos”. As duas últimas sessões foram dedicadas aos temas “ Projetos sobre e para o Mosteiro de Lorvão: o futuro da memória” e “O espaço monástico”. A terminar o evento foi prestada uma homenagem ao Prof. Doutor Nelson Correia Borges no fim da qual actuou o Coral Divo Canto.

O colóquio, tal como o nome sugere, pretendeu destacar e estudar a figura de Catarina de Eça que teve um longo abadessado (1471-1521) à frente da comunidade lorbanense, “numa fase de profundas transformações na própria vida religiosa e política do reino”.

“Conhecemos hoje melhor a sucessão de importantes mulheres que, durante os séculos medievais, governaram os principais e mais ricos mosteiros cistercienses portugueses, com particular enfoque para os de Arouca e Lorvão”. Catarina de Eça emerge como uma figura revestida de uma particular autoridade, logrando impor uma verdadeira “dinastia” no governo deste importante mosteiro e desenvolvendo toda uma estratégia de prestígio e afirmação da sua família e do mosteiro, desde logo testemunhada pelas empresas artísticas por ela promovidas: a construção de novos edifícios e a renovação de outros já existentes; os investimentos na arquitetura, na escultura e na pintura, ou ainda a encomenda de imagens devocionais e de equipamentos litúrgicos, como alfaias, paramentos e códices manuscritos” – salientam os investigadores do Instituto de Estudos Medievais.

Para os leitores do Penacova Online, transcrevemos, a partir da visualização de vídeos publicados pela organização, a excelente síntese que Maria Helena da Cruz Coelho fez no encerramento deste Congresso em que estivemos presentes e que muito nos agradou e enriqueceu.

Conclusões do Congresso

(Professora Doutora Maria Helena da Cruz Coelho)


O congresso intitulado O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) , que decorreu em dois intensos dias de frutuosíssimo trabalho cientifico e excelente convívio humano, abriu com uma conferência que nos rasgava horizontes. Saindo do mosteiro, situado em Lorvão, no concelho de Penacova e no Reino de Portugal, projectou-nos por terras de África e da Ásia, dando-nos a conhecer o alcance político do império português. Roger Lee abriu-nos os caminhos levando-nos do Golfo da Guiné, onde chegavam os portugueses quando Catarina de Eça assumia o cargo de abadessa em 1471, passando pela Índia e pelo Brasil, até alcançar as Molucas, que já eram conhecidas em 1521, no ano da sua morte.

Em seguida, a organização do Congresso, que calorosamente felicitamos, estabeleceu seis eixos condutores no desenvolvimento dos estudos, mais contextualizadores ou mais específicos, da realidade monástica, em particular a Lorbanense. axializados em torno: o Mosteiro de Lorvão e a sua integracão em Portugal e, de uma forma mais lata, no espaço peninsular no âmbito de uma pertença à Ordem de Cister; Catarina de Eça, a arte, a música e as representações; espaço, liturgia e materialidade; o culto dos santos em Lorvão, S. Bernardo e os Santos Mártires de Marrocos; projectos sobre e para o mosteiro de Lorvão; o futuro de uma memória e, por fim, o espaço monástico.

Após o afastamento dos monges beneditinos que habitavam o mosteiro de Lorvão as monjas que aí se instalaram observaram os costumes cistercienses de acordo com a decisão do papa em 1211. A incorporação na Ordem de Cister implicava a pertença a uma estrutura supranacional que se estendia a toda a cristandade através das centenas de mosteiros que então se fundavam um pouco por toda a Europa.

O mosteiro de Lorvão estava, assim, sujeito às decisões emanadas da cúpula da ordem de Cister - Capítulo Geral - que se reuniu em Cister todos os anos e onde tinham assento todos os abades dos mosteiros das Ordens.

Extraordinariamente preocupados com as questões da unanimidade litúrgica e do cumprimento da normativa, usaram as visitações para regular e corrigir a forma como as diferentes comunidades cistercienses punham em prática as determinações emanadas do Capítulo Geral.

É neste contexto que Ghislain Baury nos traça o programa de reforma dos mosteiros cistercienses peninsulares, mas convocando para além dos visitadores da ordem, outros agentes nela empenhados como a Realeza, a Congregação de Castela e o Papado.

Da espacialidade peninsular fomos conduzidos pela palavra de Saúl Gomes para o território de Portugal, percebendo o estado das abadias cistercienses nos finais do séc. XV e nos alvores do séc. XVI, as quais, tendo Alcobaça por cabeça, se nos revelaram em grande diversidade sócio- económica, cultural e religiosa, havendo casas arruinadas e pobres, outras apresentando bons rendimentos, vários privilégios e significativo património material e cultural, umas seguindo as boas normativas de Cister e noutras reinando costumes relaxados.

E continuando a aproximar a lente de focagem do objecto a captar, Luís Rêpas centrou a sua comunicação na reconstituição da linhagem de Catarina de Eça, mostrando a sua ascendência régia, a forma como tal ascendência poderá ter sido determinante na sua escolha para ascender ao cargo máximo do mosteiro e articulando o exercício do poder no mosteiro como o de Lorvão, com o que isso poderia representar para o reforço do seu prestígio pessoal e da sua família.

Tal estratégia passou, como ficou óbvio, pela sua acção mecenática que foi desenvolvia no eixo temático seguinte em que se desvendou a Abadessa Catarina de Eça pela arte e pelas representações.

Joana Antunes analisou com mestria e deu-nos a conhecer o perfil comitente, altamente qualificado, de Catarina de Eça, concretizado no que mandou realizar em Lorvão, em Botão e em Gouveia.

Por sua vez, Mercedes Perez Vidal focou as encomendas artísticas da referida abadessa, nomeadamente as de uso litúrgico, perspectivando-as como uma forma de reforçar e exercer a sua “auctoritas” bem como, obviamente, de construir uma memória que perdurasse e que fosse lembrada e celebrada pela comunidade conventual ao longo de múltiplas gerações.

Para tal, contribuía, de uma forma clara, a utilização recorrente da sua representação heráldica que foi amplamente analisada e contextualizada por Miguel Metelo Seixas que, mostrando várias manifestações heráldicas de Catarina de Eça que ainda hoje subsistem e aludindo a outras que entretanto se perderam mas das quais felizmente se conservou um precioso registo, descodificou o simbolismo das suas diversas componentes iconográficas para vir a concluir como nele se lê uma vontade pessoal de imperativo linhagístico de mimetismo da emblemática régia.

Também no campo das representações, Rosário Morujão conduziu-nos pelo belíssimo e falante mundo da sigilografia, traçando um quadro geral sobre o uso dos selos, sobretudo em contexto monástico, para depois nos mostrar e analisar os espécimes sigilares conventuais usados no mosteiro de Lorvão num período lato que chegou mesmo ao abadessado de Catarina de Eça.

Igualmente no campo das representações e das formas de validação documental, Maria José Azevedo Santos fez-nos uma interessantíssima incursão pela literacia das mulheres nestes séculos mais recuados, um tema cada vez mais actual, através dos estudos das assinaturas autógrafas de várias religiosas da família Eça, nomeadamente, da de Catarina de Eça.

E concluímos o primeiro dia com música pela mão de Joel Machado e Alberto Medina de Seixas que apresentaram os estudo que realizaram a partir dos manuscritos musicais do mosteiro de Lorvão em particular da colecção de 15 livros de coro, de grande e media dimensões que incluem as melodias cistercienses para a missa e o oficio divino, copiadas nas primeiras décadas do séc. XVI, deixando claro o plano de Catarina de Eça no sentido de dotar a comunidade com um conjunto de novos livros para as celebrações litúrgicas do mosteiro.

O segundo dia dos trabalhos iniciou-se com uma interpelante sessão inteiramente dedicada à biblioteca do mosteiro de Lorvão sobre diferentes perspectivas de análise.

Catarina Barreira centrou-se se nos livros, na sua origem, na sua adaptação, e digo na sua origem desde os que aqui existiam e outros vindos de Alcobaça, na sua adaptação às monjas cistercienses e na sua importância para o viver quotidiano da comunidade na prática diária da liturgia cisterciense.

Conceição Casanova e Catarina Tibúrcio concentraram a sua atenção e a sua análise nas encadernações dos códices manuscritos para perceber as intervenções que a este nível foram sendo realizadas no mosteiro ao longo de séculos, mas particularmente em tempos de Catarina de Eça, num esforço para conservar a sua biblioteca em bom estado.

E, por fim, Catarina Miguel dedicou-se ao estudo da cor em três manuscritos de Lorvão a partir da análise com métodos não invasivos de tintas usadas na produção das iluminuras, mostrando como a química poderá trazer excelentes contributos à construção do conhecimento histórico.

Igualmente de vivo interesse científico foi a sessão que se organizou em torno do culto dos santos em Lorvão incidindo particularmente, como não podia deixar de ser, em S. Bernardo, uma referência maior entre os cistercienses, e nos mártires de Marrocos, em virtude da presença antiga de relíquias desses santos no mosteiro de Lorvão.

Foi precisamente pelo culto dos mártires de Marrocos e das suas relíquias que João Luís Fontes e Maria Filomena Andrade começaram, focando com mestria, em primeiro lugar, a renovada mensagem da espiritualidade mendicante, para se centrarem depois na ligação de Catarina de Eça e sua linhagem ao convento franciscano do Espírito Santo de Gouveia, panteão dos Eça.

Especificaram a extraordinária oferta que esta abadessa fez a essa casa mendicante de uma relíquia dos próprios proto-mártires de Marrocos bem como de um conjunto de alfaias que serviam para a celebração litúrgica da memória dos mártires que nos mostram como tal acto era significativo da estratégia de Catarina de Eça no sentido de exaltar o culto dos mártires associados à espiritualidade franciscanas e de reforçar a memória da sua própria linhagem onde muitos dos seus parentes mais próximos estavam sepultados.

Carla Varela Fernandes, ainda no mesmo contexto, centrou a sua intervenção na análise estilística e iconográfica, muito interrogativa, da arca relicário dos santos mártires de Marrocos que pertenceu ao mosteiro de Lorvão e que hoje se conserva no museu nacional Machado de Castro em Coimbra a qual constitui uma singular escultura medieval portuguesa sempre a desafiar as interpretações dos estudiosos.

Por sua vez, Manuel Pedro Ferreira apresentou os livros de Lorvão relevantes para a prática musical e comparou as características paleográficas da notação de um hino polifónico conservado nos mosteiros femininos de Lorvão e Arouca e de um antifonário oriundo de Alcobaça para chegar a importantes conclusões sobre a circulação de textos nas abadias cistercienses portuguesas.

A tarde foi dedicada ao património edificado de Lorvão e aos projectos em curso para valorizar e divulgar este mesmo património, louvando-se, desde logo, a criação do Centro Interpretativo de Lorvão que aqui nos foi apresentado por Fábio Nogueira, Centro esse a ser inaugurado dentro de breves dias.

Este projecto e os esforços empreendidos por Ana Pagará para a promoção de uma rota nacional dedicada ao património cisterciense, articulada com a rota europeia de abadias cistercienses, apresentam boas perspectivas para o desenvolvimento económico e cultural da vila de Lorvão e do concelho de Penacova.

A base de dados que nos foi apresentada pelos investigadores do projecto “Livros, rituais e espaço num mosteiro cisterciense feminino. Viver, ler e rezar em Lorvão (séc. XIII a XVI)”, para além de servir uma comunidade especialista de várias áreas do saber, desde a musicologia, a codicologia, a história, a história da arte, a heráldica, a sigilografia, a química, poderá contribuir igualmente para a divulgação de Lorvão e do seu património material que conservante essencialmente no arquivo nacional da Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Portugal não deixa igualmente de remeter para Lorvão e o seu mosteiro onde ainda hoje se guardam alguns códices manuscritos e impressos de que destacamos uma Regra do séc. XVI.

Este espaço monástico propicia de facto múltiplas perspectivas de abordagem. Uma delas, vimo-la ou sentimo-la por via de Miguel Metelo Seixas e com algumas achegas de Luís Repas e essa via será precisamente a descoberta das representações heráldicas que também contam uma história ou aliás contam várias histórias, a história da comunidade conventual e de quem viveu no mosteiro de Lorvão e a história de cada uma das suas religiosas ou doutras mulheres que passaram por Lorvão ou aqui viveram.

Creio que se tratou de um congresso da maior relevância científica e cultural, para além de se centrar numa cronologia extraordinariamente importante para a história de Portugal, por ser um tempo em que Portugal atinge todos os continentes e se abre em definitivo para o mundo,

proporcionou-se, em consentâneo, uma visão multifacetada da história através das diversas vertentes de análise que resultaram da aplicação das diferentes metodologias de investigação, própria das ciências e dos saberes que se cruzaram nestes dois dias.

Certo é que algumas das informações que aqui foram apresentadas já eram conhecidas por intermédio do trabalho desenvolvido, de muitos outros autores, mas permitam-me aqui destacar, mormente pelos estudos do Professor Nelson Correia Borges, meu ilustre colega e amigo e uma figura ímpar na historiografia de Lorvão.

Ainda assim, ao revisitar essas temáticas, agora os investigadores aqui presentes colocaram por certo novas questões, reformularam os ângulos de análise, diversificaram as fontes e as metodologias usadas, cruzaram os saberes e, desta forma, conseguiram avançar nas abordagens e nos resultados e, mesmo em alguns casos foi já evidente a utilização de fontes e de técnicas até agora absolutamente desconhecidas ou quase desconhecidas e pouco utilizadas que em boa hora estão a ser desenvolvidas e a ser dadas a conhecer a um público mais vasto.

Estão pois, reitero, de parabéns os organizadores, os parceiros e os oradores deste congresso internacional O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) ,

mas estão sobremaneira de parabéns a história, a cultura e o património de Lorvão, de Portugal e da Humanidade, articulados em saberes múltiplos, em amplas diacronias, em diversificadas espacialidades e potenciados por diálogos bidirecionais do local global e do global local que rompem fronteiras do conhecimento e apelam a uma revivificada e universal confraternidade cientifica, cultural e humana.

Muito obrigada.

_____________

(Créditos das imagens: Instituto de Estudos Medievais e Município de Penacova)












08 setembro 2016

A Senhora do Mont'Alto e as Pedras Milagrosas

Capela do Mont'Alto - Penacova
[PenacovaOnline_2016]
Houve mesmo quem defendesse que o feriado municipal deveria ser no dia 8 de Setembro dada a importância que a romaria do Mont'Alto assume para as gentes de Penacova. Tal pretensão não vingou mas isso não impede que muitos continuem a subir o monte sobranceiro à vila,  onde apesar de escondida pela invasão dos eucaliptos se encontra a muito antiga capela que acolhe a imagem de Nossa Senhora da Natividade.
Muitos autores têm vindo, ao longo dos tempos, a escrever sobre este santuário mariano. Em 1711, Frei Agostinho de Santa Maria e, mais perto de nós, o Professor Nelson Correia Borges. Do livro Coimbra e Região (Novos Guias de Portugal, da Editorial Presença):

“A capelinha é um encanto na sua singeleza de ermidinha bem portuguesa. Antecede-a um alpendre de seis colunas toscanas do século XVII e em toda a volta tem um banco corrido, para os romeiros se sentarem a saborear os farnéis.” 

De acordo com as informações paroquiais de 1721, nesse tempo «os moradores da Vila de Botão e os de S. João de Figueira vinham todos os anos em procissão à Senhora do Mont’Alto em cumprimento de um voto antiquíssimo, trazendo as suas ofertas em tabuleiros à cabeça de donzelas."

Diz-nos ainda este historiador penacovense que, nos referidos documentos de 1721, podemos ler o seguinte:

  “ao pé do monte, contam os naturais, nascem umas pedras redondas como seixos, as quais partidas, se lhe acha dentro outra pedrinha do tamanho e redondeza de uma noz, que com pouca violência se desfaz em pó, e este aplicado à enfermidade da asma é singular remédio e tanto que por singular é único de muitas partes deste Reino são procuradas, e como se fossem milagrosas saram os asmáticos e ficam de novo livres." 

Como se aplicava o pó não o diz o Padre informador…mas quem subir ao santuário pelos caminhos tortuosos pode encontrar ainda alguns dos tais seixos…” - escrevia Nelson Correia Borges em 1987 na referida obra, acrescentando:

“Hoje a festa continua a realizar-se (…) mas os romeiros já não vêm de longe, nem cantam no terreiro da capela as modas de outros tempos:


A Senhora do Mont’Alto
Mandou-me agora chamar.
Que tinha o seu manto roto,
Quer que eu lho vá remendar!

A senhora do Mont’Alto
Lá vai pelo monte acima,
Leva a cestinha no braço
Para fazer a vindima.

Ó Senhora do Mont’Alto,
eu não volto à vossa festa,
Que me tirais a merenda
E mai-la hora da sesta!



12 fevereiro 2016

Doçaria Conventual de Lorvão em livro de Nelson Correia Borges




Os Claustros do Mosteiro de Lorvão acolheram no dia 17 de Julho de 2013 o lançamento deste livro que muitos penacovenses já conhecem. Uma obra valiosíssima para a preservação e divulgação do nosso património e que, por isso, nunca é de mais referir. 


A apresentação deste livro do Professor da Universidade de Coimbra, Nelson Correia Borges, esteve a cargo da Professora da Faculdade de Letras, Maria José Azevedo Santos. Também se encontra-se disponível em linha (clique AQUI para aceder) uma recensão sobre esta obra, por si assinada e que nos oferece uma excelente síntese do livro. Desse texto destacamos o seguinte:
(...) o livro ora em apreço insere-se numa contínua linha de investigação, que tem dado os melhores frutos. Na verdade, dotado de fina sensibilidade estética, exímio burilador da palavra, investigador probo e deveras exigente consigo próprio, o doutor Nelson Correia Borges brindou-nos agora com uma obra que não hesitarei em classificar de preciosa: pelo rigor da escrita, pela densidade e oportunidade do conteúdo, pela invulgar beleza do conjunto em que, inclusive, as ilustrações cumprem o que sempre lhes é pedido mas raramente se consegue – ilustram, documentam, embevecem! E a escolha do vocábulo «embevecer» resulta – perdoe-se-me! – do real prazer que advém do simples manusear do volume, até!
(...)
Num momento em que o património gastronómico se assume como património imaterial a proteger (a urgência das certificações, por exemplo) e a divulgar (vejam-se as determinações da Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2000, de 26 de Julho, que «considera a gastronomia portuguesa como um bem imaterial integrante do património cultural de Portugal»); em que a palavra «sabores» surge a cada esquina e em todas as épocas do ano e sob os mais diversos pretextos (Sabores do Mar, em Peniche; Sabores da Tapada Real, em Mafra; Sabores do Caldeirão, em S. Brás de Alportel… e tantos outros!); em que ao turista se faz questão em servir não apenas sol e mar ou monumentos de pedra e cal mas também esses saborosos «monumentos» fruto de ancestral labor – justifica-se que possamos qualificar de bem oportuna a edição deste volume.(...)
------
Convidamos também os nossos leitores a visitar o blogue de uma investigadora da Universidade do Minho, no qual se faz detalhada referência a este livro de Nelson Correia Borges.
Clique AQUI para aceder ao mesmo.