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03 abril 2020

A pneumónica no distrito de Coimbra (1918/19)

Em Penacova, o mês de Outubro e a primeira quinzena de Novembro foram muito duros, com dezenas de casos fatais, quase diários. Sem entrar por agora em mais pormenores, basta verificar que o número anual dos registos de óbitos no concelho rondaria (ente 1911 e 1926) os 320, neste ano de 1918 atingiu 739! 


Também conhecida por gripe espanhola, terá tido origem numa base militar americana e chegado à Europa precisamente através de soldados que vindos daquele continente propagaram o vírus que adquiriu um grau de agressividade fora do comum e resultara da mutação do vírus H1N1.

Entrou na Europa entre Abril e Maio de 1918 e apresentou 3 fases. A disseminação foi muito rápida. Na fase inicial apresentava alguma benignidade mas, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, revelou-se extremamente agressiva. Nos inícios de 1919 ainda se verificou um terceiro surto, menos crítico. Em Portugal, entrou vinda de Espanha, trazida por trabalhadores alentejanos que ganhavam a jorna no país vizinho.

Dada a feição benigna da 1ª vaga epidémica as autoridades não lhe prestaram a atenção devida. Em 13 de Junho ainda se achava que sendo “excessivamente contagiosa” não era, contudo, grave. A própria imprensa, ocupada com a guerra, com a agitação política, com as greves e os levantamentos populares, não valorizou a situação e considerou que se tratava de “uma gripe epidémica ligeira”.

No distrito de Coimbra (1) terá começado na Serra da Boa Viagem (Figueira da Foz) a 9 de Julho e a partir de Setembro a situação agravou-se consideravelmente. Em 24 de Setembro já Góis registava alguns casos e, passados dois dias apenas, o concelho já desesperava com falta de médicos e escassez de açúcar e arroz para os tratamentos. A 27 é também Penela, onde, no Espinhal, o médico foi o primeiro a adoecer, tendo valido um médico militar que ali estava de férias, apesar de acabar também por ser contagiado. Por sua vez, Tábua é atingida a 28 e no final do mês é também Cantanhede que é afectado severamente.

Em Penacova, o mês de Outubro e a primeira quinzena de Novembro foram muito duros, com muitas dezenas de casos fatais. Sem entrar por agora em mais pormenores, basta verificar que o número anual dos registos de óbitos no concelho rondaria (ente 1911 e 1926) os 320, neste ano de 1918 atingiu 739!

Na Pampilhosa da Serra não havia médico e ninguém queria o lugar de facultativo. Na Carapinheira (Montemor) havia médicos que faziam 60 quilómetros de bicicleta para assistir os doentes. A sua falta foi, de facto, um dos principais problemas. Além de outras causas, esta fase crítica coincidiu com a mobilização de muitos deles para as frentes da Grande Guerra. Muitos acabaram por adoecer, como foi o caso de Ângelo da Fonseca que teve de ficar de quarentena na Figueira. Nesta cidade morreu, na casa dos 30 anos, o conhecido músico David de Sousa (recorde-se que os pastorinhos Jacinta e Francisco foram outras das vítimas, bem como jovens artistas portugueses, como o pintor Amadeu de Souza-Cardoso e o pianista António Fragoso, entre outros). Em Penacova, o único facultativo (médico pago pela Câmara) tinha a seu cargo os 3 partidos médicos do concelho.

A agravar a falta de assistência, não havia medicamentos suficientes nem substâncias medicamentosas (por exemplo açúcar, linhaça e mostarda) e e a carestia de vida era uma dura realidade.Por todo o distrito a pneumónica “caiu que nem um vendaval que tudo destrói”.

Em Figueiró do Campo o Pároco, desesperado, de madrugada, escreve ao Bispo pedindo ajuda, na hora em que perante os seus olhos morriam quatro pessoas em simultâneo. Dormia apenas 3 horas para poder administrar os sacramentos aos doentes, muitas vezes já moribundos. As confissões não tinham privacidade pois quantas vezes na mesma cama se encontravam várias pessoas. E não havia sequer tempo para lavrar os assentos de óbito. Para não aumentar o medo e a angústia os sinos deixaram de tocar a finados e, por exemplo, na Benfeita (Arganil) retomaram-se os enterros no antigo cemitério do adro da igreja.

As escolas foram encerradas e nelas foram instalados hospitais provisórios, como foi o caso de S. Pedro de Alva. Na Universidade de Coimbra o arranque das aulas foi adiado.

Em finais de Setembro, Ricardo Jorge havia proibido feiras, romarias e festas religiosas. No entanto, elas iam sendo feitas, ora para pedir clemência divina, ora em acção de graças por determinada terra ter sido poupada em vítimas mortais. Conta-se que, por exemplo, ter-se-á realizado na mesma uma festa na Cheira, o que gerou indignação, conforme se lê na imprensa local.

As vítimas mortais em Portugal terão sido, segundo os números oficiais da época, cerca de 50 mil, mas há quem aponte para um número que ronda os 135 mil. Terá infectado entre um quinto e um terço dos cerca de seis milhões que então compunham a população residente, ou seja, entre 1,2 e 2 milhões de pessoas, com a particularidade de ter atingido especialmente a população em idade activa, entre os 20 e os 40 anos. O seu impacto na economia, no trabalho, na demografia e na organização social em geral, foi extremamente grave. Em meio ano a epidemia causou dez vezes mais mortos do que os soldados que tombaram nos quatro anos que a I Grande Guerra guerra durou.

A nível mundial, a epidemia teve impactos dramáticos: o número oficial remete para um impensável número de cinquenta milhões…

(1)  Para a elaboração do texto, consultámos, além de outros, um artigo de Ana Maria D. Correia, aquando do Centenário da Gripe Pneumónica, bem como os jornais Gazeta de Coimbra, Jornal de Penacova, Ecos de S. Pedro de Alva e Comarca de Arganil.