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14 julho 2019

Penacova viu passar o comboio


Fotomontagem: quem sabe, a estação de Penacova teria sido semelhante a esta,
se o projecto tivesse avançado.

Os estudos foram realizados e na Câmara dos Deputados[1] o assunto foi exaustivamente discutido. Mas não passou do papel. Na época colocavam-se várias hipóteses para o traçado da Linha da Beira Alta: pelo sul do Mondego (Coimbra, Miranda do Corvo, Arganil, Seia, Celorico, Vilar Formoso) e a norte do mesmo rio. O traçado norte propunha três soluções quanto ao local de entroncamento com a linha do Norte: Coimbra, Pampilhosa ou Mogofores. Estas últimas não eram muito diferentes pois, a partir de Trezói, o traçado seria o mesmo. Já a primeira implicava um desenho completamente diferente.

Proposta por Boaventura José Vieira[2] em 1874, partia de Coimbra B, subia o Vale de Coselhas, passava entre o Tovim e Santo António e rumava na direcção das Torres do Mondego, percorrendo diversos túneis. Daí, contornando sempre a margem direita do Mondego, dirigia-se a Penacova, seguia para a zona da Foz do Dão e, pela margem esquerda do Dão, atingia Santa Comba. Esta proposta não foi avante, por diversos motivos, que não apenas financeiros.

As estações localizar-se-iam, além de Coimbra, em Penacova, Almaça e Santa Comba Dão. Seriam construídas nove  casas de guarda, de cinco em cinco  quilómetros. Imagine-se, pois, como a história económica e social de Penacova e a fisionomia do concelho seriam hoje muito diferentes. Teria o caminho de ferro feito concorrência à navegação comercial do Mondego? Ou, pelo contrário,  ficaria comprometida a viabilidade da exploração da linha férrea face ao transporte fluvial? Não sabemos, mas o certo é que o comboio acabou por vencer a embarcação. A  abertura da linha da Beira Alta em 1882 foi uma das causas que conduziram  à decadência do pujante movimento de pessoas e mercadorias, que assegurava  o intercâmbio da Beira Alta com Coimbra e  Figueira da Foz.

Já deixámos as Torres e as ribeiras de Valbom, Silveira e Caneiro para trás. Pontes, viadutos, obedecendo às voltas e voltas que o rio impõe. Ao Km 17, na Ribeira da Peneirada, surge-nos um túnel de 600 metros. Já um outro, a seguir à Ribeira de Lorvão, tem apenas 100. E atingimos Penacova, ao Km 22. Aqui, mais dois túneis. Um de 60 metros e outro, por baixo da vila, com 190 metros. Agora, um viaduto sobre o Vale das Laranjeiras. Para transpor a massa quartzítica de “Entre Penedos” foi necessário construir grandes muros de suporte e cortes de 12 a 15 metros na rocha. O comboio avança na direcção da Raiva. Ao Km 25, mais um viaduto de 30 metros e na Raiva um túnel com 250 metros para passar  à encosta de Gondelim. Outros viadutos sobre a Ribeira de Gondelim e do Penso, para chegar ao Cunhedo, ao km 31.

Foge a luz do dia ao entrar no túnel do Cunhedo. São 225 metros debaixo da terra. Segue-se um viaduto, de 150 metros de extensão e 20 de alto,  que nos leva à estação de Almaça. Gentes de S. Pedro de Alva e Mortágua apanham aqui o comboio. Vale de Porcas, mais um viaduto. Do lado de lá do túnel irá aparecer o vale do Dão. Mais pontes, mais viadutos, mais túneis. Agora, na margem esquerda do Dão, há que transpor cinco viadutos, alguns com 35 m de alto, para chegar a Santa Comba. Contámos as curvas de Coimbra até aqui: 75, o que corresponde a 49% do percurso. Viadutos: 22, com média de altura de 31 metros. Pontes: 15 (mais duas para passagens inferiores). Em 45 quilómetros!

Voltemos ao séc. XXI. Não admira, pois, que se tenha abandonado esta solução, podemos pensar. Mas, feitas as comparações, por exemplo entre a proposta Mogofores e a proposta Vale do Mondego, conclui-se que só quanto aos viadutos aquela leva vantagem. O trajecto por Penacova implicaria 10 túneis, com 2300 metros. Mas, argumentou-se na Câmara dos Deputados, que era preferível  abrir dez pequenos túneis do que um túnel de 1840 metros, com maiores custos de construção e exploração. O traçado pelos Vales do Mondego e Dão implicava 19 pontes. O de Mogofores, 25. Outro argumento esgrimido foi o facto de no Vale do Mondego, o rio ser “um grande auxílio” pois, “todos os materiais de construção podem ser levados de barco” a todos os pontos do trajecto. O custo total da obra (Coimbra-Penacova-Santa Comba)  estava orçado em 2 556 712$620 réis.

 A construção da Linha da Beira Alta *, de Pampilhosa a Vilar Formoso,  foi iniciada em Outubro de 1878 e concluída em Junho de 1882. A sua inauguração ocorreu em 3 de Agosto de 1882, com a presença do rei D. Luís e da Família Real que fez a viagem Figueira da Foz-Vilar Formoso.

E Penacova ficou a ver passar...



[1] Veja-se, por exemplo, a intervenção de António José Teixeira, em Março de 1875.
[2] Coronel Boaventura José Vieira – Militar; Político; Deputado; Governador Civil de Viana do Castelo; Vogal da Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas; Engenheiro responsável pela construção das Linhas Ferroviárias do Algarve, do Minho e do Douro – nasceu em Ponte de Lima, em 8 de Novembro de 1825, e morreu em 9 de Agosto de 1887. Engenheiro responsável pela construção das Linhas do Algarve, do Minho e do Douro.
*Manuel Emídio da Silva (1858-1936), técnico ferroviário, trabalhou na Companhia.dos Caminhos de Ferro da Beira Alta e noutras.  Mais tarde , foi presidente do Conselho de Administração da Companhia de Caminhos de Ferro Portugueses. Publicista com vasta colaboração jornalística no «Diário de Notícias». Foi Presidente da Direcção do Jardim Zoológico (1911-36).