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14 fevereiro 2024

Centro Interpretativo do Palito vai abrir em Lorvão

Museu da Ciência da UC cede peças ao novo Centro Interpretativo do Palito


O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra vai ceder cerca de quatro dezenas de peças ao município de Penacova para enriquecer o novo Centro Interpretativo do Palito, em Lorvão.

Os objetos, na grande maioria, relacionados com a temática dos palitos, vão fazer parte do espaço expositivo situado na Casa do Monte, no centro histórico de Lorvão.

O novo Centro Interpretativo, com abertura prevista para este ano, terá várias salas dedicadas à história dos palitos, desde a sua origem no secular mosteiro, à manufatura que se disseminou pela população, até ao aparecimento de várias empresas, sobretudo na freguesia de Lorvão.

Do conjunto de peças cedidas pelo Museu da Ciência fazem parte inúmeros paliteiros, de várias formas e materiais, peças de cestaria e outros utensílios utilizados no processo de manufatura do palito.

O protocolo de cedência das peças foi assinado pelo diretor do Museu da Ciência, Paulo Trincão e pelo presidente da Câmara de Penacova, Álvaro Coimbra. Na ocasião, o autarca sublinhou a importância deste acordo – “quero agradecer ao Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, na pessoa do seu diretor, Paulo Trincão a abertura demonstrada para a cedência deste conjunto de objetos que vai, sem sombra de dúvida, enriquecer a coleção do novo Centro Interpretativo do Palito.”

O novo núcleo museológico vai surgir na Casa do Monte, no centro histórico da vila de Lorvão, edifício do século XVIII que terá servido como casa de hóspedes do mosteiro. No seu interior vão surgir várias salas dedicadas à história do palito, desde o século XVII até, praticamente, aos nossos dias.

O investimento superior a duzentos mil euros foi financiado através de candidatura do município à AD ELO – Associação de Desenvolvimento Local da Bairrada e Mondego.

FONTE:

https://www.gazetarural.com/museu-da-ciencia-da-uc-cede-pecas-ao-novo-centro-interpretativo-do-palito/


09 fevereiro 2024

Dar (mais) vida a Lorvão: Recital no Mosteiro

Fotos: São Veiga


Realizou-se no dia 3 de Fevereiro, no Mosteiro de Lorvão, um Recital de Acordeão e Violino promovido pela Junta de Freguesia, em parceria com a Câmara Municipal, Paróquia de Lorvão e Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão. 

Rafael Nunes (Acordeão) interpretou Iduna (2°and.) de C. Duque,  Aztarnak  de R. Lazkano  e a Sinfonia N°1 de V. Bonakov  (Maestoso II - Adagio - Allegro III - Grave IV - Andantino Allegro non troppo)

Por sua vez, o duo Rafael Nunes e Bruna Sousa executou obras de Chain (S. Kaczorowski) e de M. Zimka (Sonata para violino e acordeão: I - Allegro Moderato,  II - Adagio Espressivo e III - Allegro Vivace.

O Duo Impromptu, constituído como se referiu, por Bruna Sousa no violino e Rafael Nunes no acordeão, é formado por antigos membros do Trio Voci, galardoado com o 1° Prémio na Categoria F - Música de Câmara Nível Superior, na décima sexta edição do Concurso Folefest. Este Duo surge no ano de 2023 na Escola Superior de Artes Aplicadas (ESART), no âmbito da disciplina de Música de Câmara sob orientação do professor Paulo Jorge Ferreira.

05 janeiro 2024

As Janeiras e os Reis das terras de Penacova, tal como se canta(va)m em Lorvão ...


A ADORAÇÃO DOS REIS MAGOS, GIOTTO


Ao Professor Doutor Nelson Correia Borges devemos muito do que hoje se conhece e se preserva da história e da cultura do nosso concelho, em particular de Lorvão. Além dos importantes estudos académicos que desenvolveu, Nelson Correia Borges foi ao longo de muitos anos profícuo colaborador da imprensa local. É dos inícios dos anos sessenta do século passado o texto que, nesta quadra natalícia prestes a terminar, achamos pertinente e oportuno recordar.

A crónica começa assim:

“Antigamente, pela Natividade, em muitas terras do país era uso cantar-se e bailar-se nos templos ao som da gaita de foles, mais o tambor e a caixa. Em Lorvão só há memória de se ter dançado na igreja pela festa da Trasladação das Santas Rainhas, além da Moirisca que era em louvor de S. João ou S. Sebastião.

O Cancioneiro de Natal consta das Loas ao Menino Jesus, das Janeiras e dos Reis. Falar de todas elas numa crónica só, seria tentar «meter o Rossio na Betesga», por isso deixaremos as Loas para outra altura.

Chega o Ano Novo. Aqui entra calmamente, sem os bulícios, gritarias e estrondos das cidades. A nota principal da noite são as Janeiras cantadas de porta em porta. Formam-se ranchos de homens, de qualquer idade, que vagueiam pelo escuro das ruas, por vezes com um toque acompanhante, parando às portas de cada casa, pedindo as Janeiras e cantando em louvor do Menino Deus. Mas isto era noutros tempos, pois este costume tão típico está em vias de desaparecimento. Hoje só se cantam os «vivas» aos da casa, de qualquer forma e jeito, na mira daquilo que lhes podem dar. A descrição do nascimento do Menino Jesus, e mai'la Virgem Maria, vai pouco a pouco caindo no olvido, pois os que cantam as Janeiras não as sabem, e os que as sabem não as cantam. Ou talvez os primeiros se não queiram dar a essa maçada...

Para que de todo se não percam, vamos nestas colunas arquivar as Janeiras de Lorvão.

Ao que nos consta, para os lados de Penacova, canta-se também a mesma letra, mas com música diferente. As Janeiras de Lorvão, são, por conseguinte regionais, isto é, versão do que se canta (ou cantava) pelo concelho de Penacova.

                                         Gravura publicada no NP pelo Natal de 1963
 
Reproduzimo-las tal qual as recebemos da tradição popular, sem qualquer artifício da nossa parte para as tornar mais coerentes:

Naquela noite ditosa
que ao mundo deu alegria,
nasceu o Divino Verbo
das entranhas de Maria.

Caminhando para Belém,
pra lá chegar com de dia;
quando ele lá chegou
já meia noite seria!
S. José foi buscar lume
pra aquecer a Virgem Maria,
quando S. José chegou,
já Jesus era nascido;
nasceu nuns pobres portais,
que nem uns paninhos tinha!

Lançou as mãos à cabeça.
Uma touca que trazia,
fê-la em quatro pedaços,
Menino de Deus cobria.
Veio um anjo do Céu à terra,
ricos panos lhe trazia:
uns eram bordados a oiro,
outros a cambraia fina!

Foi o anjo para o céu,
rezando uma Avé-Maria.
Lá no céu lhe perguntaram:
Como ficou lá Maria?
Maria lá ficou boa,
na sua sala recolhida,
que lhe fez o carpinteiro
com sua carpintaria,
mandado do Padre Eterno
para sempre à Virgem Maria!

Glória seja a Deus Pai,
e a Deus Filho também;
Glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.

A música repete-se de dois em dois versos, repetindo-se por sua vez as três primeiras sílabas do se-gundo verso. Repare-se que a parte final respeitante à resposta do anjo é alheia ao motivo natalício. Quanto a nós deve pertencer a outro romance e ter sido aqui enxertada, Como sucedeu noutros.

Seguem-se as quadras de elogio as da casa, das quais transcrevemos algumas:

Vivam os senhores desta casa,
mais os anos que desejam,
companhia de uma rosa,
que foram buscar à igreja!

Viva lá senhora Alice,
raminho de laranjeira;
cai-lhe a flor no regaço,
ai Jesus, que tão bem cheira!

Viva lá senhor José
quando põe o seu chapéu
e vem vindo. para a porta,
parece um anjo do céu!

Viva lá senhora Maria,
Raminho de alecrim:
é a flor mais bonita
que se criou no jardim!

Viva lá senhora Teresa,
raminho de salsa crua
na janela do seu quarto
bate o sol e bate a lua!

Depois há também as quadras pedinchonas. Pede-se salpicão ou chouriça, mas qualquer coisa se aceita, os da casa já sabem como é...

Viva lá senhor João
assentado na cortiça:
deite a faca ao fumeiro
e dê p’ra cá uma chouriça!

Viva lá o senhor António
assentado num esteirão:
deite a faca ao fumeiro,
dê pra cá um salpicão!

Passam a outra casa, depois de receberem, quando recebem, o prémio da cantoria, e voltam a repetir as mesmas quadras, mudando os nomes.. Geralmente o produto das Janeiras, ou dos Reis é consumido naquilo a que hoje chamamos «jantar de confraternização».

Nos Reis, ou melhor, Reises, como por aqui se diz, é aplicável tudo o que dissemos sobre as Janeiras. A mesma música e as mesmas quadras pedinchonas e elogiosas. Difere, como é lógico, a narrativa bíblica, que o povo parafraseou à sua maneira em quadras belas e ingénuas:

Nobre casa, honrada gente,
escutai, ouvi-lo-eis:
uma cantiga tão linda
que se canta pelos Reis!

São chegados os três reis
da parte do Oriente,
visitar a Deus Menino,
Alto Deus Omnipotente.

Foram a casa de Herodes,
por ser o maior reinado:
que lhes ensinasse o caminho
donde Jesus era nado.

Herodes com seu malvado,
com seu perverso maligno,
foi ensinar os reis,
às avessas o caminho.

Os três reis como eram santos,
a estrela os foi seguindo.
A estrelinha se foi pôr
em cima de uma cabana.

A cabana era pequena,
não cabiam todos três;
adoraram Deus Menino
cada um por sua vez.

Ofereceram ao Menino:
oiro, mirra e incenso;
não lhe ofereceram mais nada,
porque Ele era o Deus Imenso!

Glória seja a Deus Pai
e a Deus Filho também;
glória ao Espírito Santo,
para todo o sempre. Amen.

A festa da Natividade, tão querida do povo português, originou um Cancioneiro de Natal, do qual oferecemos aos nossos leitores as Janeiras e os Reis das terras de Penacova, tal como se cantam em Lorvão.

«Vamos adorar o Deus Menino em Belém, entre os pastores!”

10 de Dezembro de 1962

CORREIA BORGES






21 dezembro 2023

O Lagar do Pisão (re)visitado por Arménio Simões no seu “Trilho do Tempo”


Em 2015 ao visitar a Feira Cultural de Coimbra detive-me num dos espaços onde a par da exposição de gaitas artesanais de cana se encontrava um à venda um curioso livro sobre memórias etnográficas. Tudo da autoria de Arménio Simões, um engenheiro reformado, com quem estabelecemos uma pequena conversa.

Sobre o livro, de acordo com o prefácio, trata-se de “um vasto e rigoroso testemunho, no qual as crendices, as alfaias, os engenhos, os processos relativos à moagem, são tratados com enorme fidelidade.”

Analisando melhor a obra intitulada Trilho do tempo: etnografia do século XX ao redor de Almalaguês (2013) deparámo-nos com uma preciosa referência ao “Lagar do Pisão” (Lorvão) com fotografias extraordinárias e curiosas informações recolhidas junto do proprietário, Sr. Alípio Marques, que o autor oportunamente contactou. 

Ao falar dos lagares de azeite, escreve Arménio Simões: 

“Curiosamente, assim como o início do século XX coincidiu com o aparecimento do lagar movido por eletricidade e a morte lenta do de vara que se havia de prolongar até meados do século, o mesmo se havia de verificar na seguinte viragem com o aparecimento duma terceira geração de diferente tecnologia, diferindo pela morte súbita do lagar de prensas hidráulicas que até meados do século ainda manteve o tradicional sistema de separação do azeite por meio de tarefas onde se verificava que o azeite é como a verdade, vem sempre ao de cima, até quando substituído pelo sistema mecânico duma máquina centrifugadora.”

Depois de referir diversos exemplos da região de Almalaguês o autor faz uma incursão até à região de Penacova: 

“Em Lorvão, ano de 2011, no concelho de Penacova e por gentileza do Senhor Alípio, seu então proprietário, tivemos acesso a um exemplar de azenha e duas varas, ainda em razoável estado de conservação.



Tendo-o comprado como parte integrante dos terrenos que pertenceram ao mosteiro, e no culminar duma série de transmissões de propriedade que o levaram até ele, o Senhor Alípio começou por recuperá-lo e lhe dar uso durante algum tempo, e enquanto rentável, após o que se sucederam alguns anos de deteriorante inatividade até quando resolveu recuperá-lo como peça de estimativo valor museológico familiar, não obstante a própria longevidade de que anos o não impediam.

Conservando uma das duas grandes varas originais e feita de pinheiro manso, a outra, do lado esquerdo, mandou fazê-la em 1945, para o que usou um dos seus próprios eucaliptos com cerca de cinco toneladas e arrancado nas proximidades de onde demorou dois dias a percorrer uma distância de quinhentos metros, sobre dois eixos e puxado por duas juntas de bois, não obstante o acentuadamente favorável declive do terreno.” 

Estas informações, bem como o registo fotográfico (que será da primeira década deste século) vêm completar os elementos que nos aparecem em diversos escritos (por exemplo Patrimónios de Penacova, de Leitão Couto e David Almeida) e na página da Direcção Geral do Património Cultural / Sistema de Informação para o Património Arquitectónico).

É aí, sob o título “Conjunto Arquitectónico Rural de Pisão - Portugal, Coimbra, Penacova, Lorvão” que encontramos os dados oficiais sobre este património do nosso concelho, protegido legalmente (Portaria n.º 637/2010, DR, 2.ª série, n.º 164, de 24 de agosto 2010)  como CIP - Conjunto de Interesse Público.

O Lagar insere-se num conjunto mais alargado de arquitectura agrícola, que inclui também  um grupo de Azenhas, um  Forno de Cal e uma casa anexa de tipologia rural. 


Sublinha a DGPC “o particular significado a nível histórico-social e etno-tecnológico do conjunto”, dado que, à data ( 2011) o lagar de azeite conservava ainda “todo o equipamento essencial a um lagar de varas, sendo um exemplar tipológico que se salienta pela sua originalidade e raridade, assim como as azenhas, estando uma delas ainda em funcionamento.” Graças à sensibilidade cultural dos herdeiros do Sr. Alípio Marques o conjunto conhecido como Lagar do Pisão mantém ainda as características e o estado de conservação acima descrito.

Este espaço rural rural, situado num vale a Norte do Lorvão, tem uma “envolvente paisagística de grande beleza panorâmica” onde predominam “o riacho, que corre ao lado do lagar de azeite e azenha de menores dimensões, a casa frente à azenha destacada com forno de cal na encosta.” 

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Fontes:http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=2663; Arménio Simões, Trilho do tempo: etnografia do século XX ao redor de Almalaguês

03 julho 2023

Nelson Correia Borges homenageado pela Câmara e pela Faculdade de Letras






O Município de Penacova homenageou o investigador e professor universitário Nelson Correia Borges, no decorrer da cerimónia de encerramento do congresso internacional “O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521”, que se realizou nos dias 29 e 30 de Junho no Mosteiro de Lorvão, promovido pelo Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e Câmara Municipal de Penacova. 

Na sessão de homenagem, usaram da palavra o Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Álvaro Coimbra, o Director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Albano Figueiredo e Joana Antunes, docente da Secção de História da Arte daquela faculdade.


Começou por dizer Álvaro Coimbra: "Quero falar de alguém que tem dado um contributo inestimável em defesa deste mosteiro. Um trabalho de décadas, exaustivo, incansável e de grande reconhecimento académico, visível em várias obras publicadas em áreas do saber como a arqueologia, a antropologia e a etnografia, na Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão que fundou em 1982 e no amor sem limites que tem dedicado a esta causa." Salientou igualmente, de seguida, que "ao longo de quatro décadas foi defensor acérrimo desta causa. Foi uma das vozes que se levantaram contra os anos em que o mosteiro esteve privado do seu órgão de tubos exemplar único neste país e que durante anos a fio esteve desmontado e sem destino. Indignou-se com a indiferença do Estado em relação à degradação deste monumento e com a total ausência de medidas de salvaguarda do seu património. Afirmou alto e bom som na imprensa, há vinte anos, “se este mosteiro estivesse localizado em Coimbra, Lisboa ou Porto as coisas não estariam assim!” Felizmente a sua voz fez-se ouvir e contribuiu para uma mudança de atitude dos responsáveis políticos."

O Presidente da Câmara afirmou também que "uma das suas grandes reivindicações foi a criação de um museu que guardasse os tesouros de Lorvão. O que considerou o caso mais escandaloso está a poucos dias de ser uma realidade. Perfeccionista e exigente em todos os projectos e causas em que se envolveu procurou a autenticidade e o respeito pelas origens e pela história. Ao Professor Doutor Nelson Correia Borges agradecemos uma vida dedicada à sua terra Lorvão, ao Mosteiro. Senhor Professor Nelson Correia Borges: em nome do Município de Penacova, Muito obrigado por tudo o que tem feito por Lorvão e pelo Mosteiro!"




Por sua vez, o Director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Professor Doutor Albano Figueiredo, proferiu as seguintes palavras:


Excelentíssimo Senhor Professor Nelson Correia Borges:

Começo naturalmente por neste final de tarde, magnífico, a todas e a todos cumprimentar com uma saudação institucional em nome da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e com um agradecimento em particular a Penacova, às suas gentes, mas sobretudo a toda a comunidade aqui reunida, pela belíssima ideia de celebrar científica e culturalmente este espaço com o todo o significado que ele tem numa saudação pela qualidade elevada que sei que marcou todo o trabalho aqui desenvolvido nestes dois dias e que termina com um momento a que a Faculdade de Letras quer, naturalmente, associar-se.

Permita-me Senhor Professor que aqui diga algumas palavras em nome da sua, da nossa Faculdade, e que nunca serão tantas como aquilo que efectivamente a Faculdade de Letras e a Universidade de Coimbra lhe devem.

O Senhor Professor Doutor Nelson Correia Borges está intrinsecamente ligado a este local pelas suas origens, pelo seu trabalho, pelo amor à cultura, investigação e ensino.

Licenciado em História por meados dos anos setenta, tornou-se, a partir do final dessa década docente do então Instituto de História, hoje Secção de História da Arte.

Foi director deste mesmo Instituto durante alguns anos, nomeadamente no final dos anos noventa.

Doutorou-se em 1993 na Universidade de Coimbra com uma brilhante dissertação intitulada “Arte Monástica em Lorvão: Sombras e realidade: Das origens a 1737” que viria a ser editada, já no inicio do séc. XXI, pela Fundação Calouste Gulbenkian em mais um reconhecimento da elevadíssima qualidade da investigação que o Senhor Professor sempre produziu e que está bem patente na sua dissertação que continua actual.

A sua carreira ficou marcada pela dedicação e sobretudo pela elevada qualidade dos trabalho publicados e por aquilo que deu à sua Universidade, à sua Faculdade e que seria recordado em vários momentos e sobretudo quando se torna vogal correspondente da Academia Nacional de Belas Artes, a partir de 1995.

Não serei eu, que sou professor de Literatura Portuguesa, a melhor pessoa para com todo o cuidado e pormenor falar do Senhor Professor enquanto especialista em arte moderna e perdoe-me Senhor Professor essa ousadia.

Todos o sabem aqui que tem como áreas de investigação privilegiada, teve e tem, a arte monástica em Portugal, desde o séc. XVI, particularmente até ao séc. XIX, a Arquitectura e Talha em Coimbra, o Rococó em Portugal e a Região e a Cultura e Arte Popular a que toda a região de Coimbra, não só Penacova, mas a toda a região de Coimbra e todas as gentes da zona de Coimbra tanto devem precisamente pela sua belíssima actividade científica em todos estes domínios enquanto especialista.

Mas sobressai de forma indiscutível - e peço perdão de repetir o que já foi aqui dito - o seu labor como pessoa que se dedicou ao Mosteiro de Lorvão, lugar que marca toda a história da sua terra natal e a que dedicou sempre uma atenção absolutamente central.

Dizem-me que o Senhor Professor com as suas próprias mãos - e não e mito é realidade - aqui produziu muito trabalho e muitos aqui o sabem, por exemplo a propósito duma magnífica grade e muitas outras benfeitorias que por sua intervenção directa ou indirecta se foram fazendo neste local.

É por mais uma homenagem justíssima que hoje lhe é devida que nos reunimos também aqui.

A qualidade cientifica da sua investigação alia-se a um momento muito importante porque estamos aqui, hoje, no local a que o Senhor Professor dedicou muita da sua imensa atenção do ponto de vista da investigação e do seu labor profissional. Não poderia certamente haver outro local tão bom e tão bem escolhido para hoje fazermos esta homenagem ao Senhor Professor. Para além da sua brilhante dissertação de doutoramento muitos outros trabalhos terão sido certamente nestes dois dias novamente aqui citados e trabalhados.

Permitam-me que, muito brevemerente, recorde os trabalhos que dedicou ao órgão do mosteiro de Lorvão, às origens do mosteiro de Lorvão, as relações, por exemplo, estabelecidas entre - ou não – Lorvão e Arouca a que dedicou também grande parte do seu labor ou, por exemplo, ainda aqui a propósito do mosteiro, um importante trabalho com o titulo “As intervenções de Mateus Vicente de Oliveira no Mosteiro de Lorvão”. Igualmente a propósito de Arouca e Lorvão “A exaltação de Cister em Arouca e Lorvão, no século XVIII”, entre muitas outras obras que aqui podiam ser recordadas. "

É, por isso, desnecessário fazer aqui outra referência àquilo que foi o magistério do Senhor Professor na Faculdade de Letras, a sua casa, a nossa casa, uma casa de artes, uma casa de humanidades, uma casa de ciências sociais e que, como há pouco dizia, quer como professor quer como investigador, quer como pensador, quer como critico, a Universidade e a Faculdade de Letras tanto lhe devem.

Mas tomando também aqui o caminho do Sr. Presidente da Câmara, permita me Senhor Professor, mais esta ousadia, a de recordar que a Universidade, a Região, as pessoas, lhe devem também, para além da sua qualidade como investigador e docente o trabalho em torno da defesa do património. Pessoa ligada ao Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, pessoa ligada à Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão, de que foi presidente, à Confraria dos Sabores de Coimbra e ao Grupo Folclórico de Coimbra, que também liderou.

Permita-me Senhor Professor que lhe dê um testemunho aqui mais pessoal. Nunca tive o gosto de o poder conhecer mais de perto. A primeira vez que o vi e que associei o nome que conhecia de algumas coisas que já tinha lido e ouvido do Senhor Professor, dizendo bem, foi precisamente quando o vi ligado às tradições folclóricas na cidade de Coimbra. Não me leve a mal que aqui o refira. É preciso que todos e todas saibam que um universitário é uma pessoa, e não é, seguramente , um universitário completo aquele que se fecha no casulo da academia e não tem preocupação de valorização de tudo o que o rodeia.

O Senhor Professor soube sempre privilegiar o seu trabalho académico mas ao mesmo tempo compaginá-lo com um legado e um labor que desenvolveu paralelamente no âmbito da cultura, das artes populares, da revivificação de tradições, daquilo que foi a recuperação rigorosa dessas mesmas tradições no campo musical, no campo da dança, no fundo, no campo do património e das artes. O Senhor Professor é claramente um cientista das artes e um homem das artes. Homem rigoroso, correcto, exemplar, exigente, e que soube dosear esses elementos que colocou à disposição dos seus estudantes e da sua faculdade, precisamente, com abertura ao mundo, permitindo que toda a nossa região, também a esse nível, possa ainda hoje beneficiar daquele que foi o seu trabalho.

Termino por lhe agradecer genuinamente tudo o que fez pela sua, pela nossa Faculdade de Letras, pelo seu, pelo nosso, Instituto da História da Arte, pelos seus estudantes, pelos seus colegas, pela história, pela arte, pela cultura, em Coimbra, em Portugal, dentro e fora da Academia.

É uma justíssima homenagem que todos lhe devíamos, lhe devemos, e que em boa hora os organizadores deste congresso e o Sr. Presidente da Câmara decidiram levar por diante.

Muito obrigado Senhor Professor por tudo o que lhe devemos. Muito obrigado pela sua dedicação. Muito obrigado e Parabéns Senhor Professor!

Notas: 1 - O texto publicado foi extraído do vídeo publicado pela organização do Congresso.
            2 - Créditos das imagens seguintes: Município de Penacova











NOTA BIOGRÁFICA

Natural de Lorvão (1942), Nelson Correia Borges desde cedo se interessou pela história do mosteiro em torno do qual a povoação se desenvolvera, nomeadamente a partir do momento em que se decidiu, pelos meados da década de 70, a fazer o curso de História na Faculdade de Letras de Coimbra. No âmbito da cadeira de Epigrafia, no ano lectivo de 1975-1976, estudou a única inscrição romana daí proveniente, estudo que viria a publicar-se na revista Conimbriga (XV 1976 117-125), sob o título «Nova leitura da inscrição CIL II 6275a (Penacova)», e também no jornal Notícias de Penacova (2-9-1977, p. 2: «A inscrição romana de Lorvão»). 

Pouco tempo depois, deu à estampa os resultados da investigação que tivera como um dos pontos de partida a identificação de uma pedra visigótica «ornada de vide ondeada com cachos de uvas e gavinhas» que teria pertencido ao «primitivo templo» (p. 16), datável da época do bispo Lucêncio, a 2ª metade do século VI («Lucêncio, bispo de Conímbriga, e as origens do Mosteiro do Lorvão», Conimbriga XXIII 1984 143-158). 

Tendo ingressado como docente na área de História da Arte, a sua dissertação de doutoramento, em 1992, foi, naturalmente, sobre Arte Monástica em Lorvão: sombras e realidade, obra que viria a ser publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2001.

Fonte: José d’Encarnação | Universidade de Coimbra 
in Recensão ao livro de NCB,  Doçaria Conventual de Lorvão.

Reportagem: Congresso "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)"


Nos dias 29 e 30 de junho, decorreu no Mosteiro de Lorvão o Congresso Internacional "O Mosteiro de Lorvão no tempo de Catarina de Eça (1471-1521)", uma parceria entre o Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e o Município de Penacova.

A sessão de abertura contou com a presença e uso da palavra de Álvaro Coimbra, Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Catarina Tente, Directora do Instituto de Estudos Medievais, Catarina Fernandes Barreira, do projecto “Books, Rituals and Space in a Cistercian Nunnery - Lorvão” e de Hilda Gonçalves, Diretora do Centro de Formação da Associação de Escolas Minerva.


Com um programa muito intenso o Encontro distribuiu-se por 8 sessões: a 1ª e 2º sessões foram dedicadas ao tema "O Mosteiro de Lorvão, Portugal e o Mundo ". Seguiu-se a 3ª sessão, que teve como assunto "Catarina de Eça: arte e representações", tendo a 4ª sessão sido afectada ao tema "Sons e representações". A quinta sessão teve como tema geral “Espaço, liturgia e materialidade” e a sexta “O culto dos santos em Lorvão: São Bernardo e Mártires de Marrocos”. As duas últimas sessões foram dedicadas aos temas “ Projetos sobre e para o Mosteiro de Lorvão: o futuro da memória” e “O espaço monástico”. A terminar o evento foi prestada uma homenagem ao Prof. Doutor Nelson Correia Borges no fim da qual actuou o Coral Divo Canto.

O colóquio, tal como o nome sugere, pretendeu destacar e estudar a figura de Catarina de Eça que teve um longo abadessado (1471-1521) à frente da comunidade lorbanense, “numa fase de profundas transformações na própria vida religiosa e política do reino”.

“Conhecemos hoje melhor a sucessão de importantes mulheres que, durante os séculos medievais, governaram os principais e mais ricos mosteiros cistercienses portugueses, com particular enfoque para os de Arouca e Lorvão”. Catarina de Eça emerge como uma figura revestida de uma particular autoridade, logrando impor uma verdadeira “dinastia” no governo deste importante mosteiro e desenvolvendo toda uma estratégia de prestígio e afirmação da sua família e do mosteiro, desde logo testemunhada pelas empresas artísticas por ela promovidas: a construção de novos edifícios e a renovação de outros já existentes; os investimentos na arquitetura, na escultura e na pintura, ou ainda a encomenda de imagens devocionais e de equipamentos litúrgicos, como alfaias, paramentos e códices manuscritos” – salientam os investigadores do Instituto de Estudos Medievais.

Para os leitores do Penacova Online, transcrevemos, a partir da visualização de vídeos publicados pela organização, a excelente síntese que Maria Helena da Cruz Coelho fez no encerramento deste Congresso em que estivemos presentes e que muito nos agradou e enriqueceu.

Conclusões do Congresso

(Professora Doutora Maria Helena da Cruz Coelho)


O congresso intitulado O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) , que decorreu em dois intensos dias de frutuosíssimo trabalho cientifico e excelente convívio humano, abriu com uma conferência que nos rasgava horizontes. Saindo do mosteiro, situado em Lorvão, no concelho de Penacova e no Reino de Portugal, projectou-nos por terras de África e da Ásia, dando-nos a conhecer o alcance político do império português. Roger Lee abriu-nos os caminhos levando-nos do Golfo da Guiné, onde chegavam os portugueses quando Catarina de Eça assumia o cargo de abadessa em 1471, passando pela Índia e pelo Brasil, até alcançar as Molucas, que já eram conhecidas em 1521, no ano da sua morte.

Em seguida, a organização do Congresso, que calorosamente felicitamos, estabeleceu seis eixos condutores no desenvolvimento dos estudos, mais contextualizadores ou mais específicos, da realidade monástica, em particular a Lorbanense. axializados em torno: o Mosteiro de Lorvão e a sua integracão em Portugal e, de uma forma mais lata, no espaço peninsular no âmbito de uma pertença à Ordem de Cister; Catarina de Eça, a arte, a música e as representações; espaço, liturgia e materialidade; o culto dos santos em Lorvão, S. Bernardo e os Santos Mártires de Marrocos; projectos sobre e para o mosteiro de Lorvão; o futuro de uma memória e, por fim, o espaço monástico.

Após o afastamento dos monges beneditinos que habitavam o mosteiro de Lorvão as monjas que aí se instalaram observaram os costumes cistercienses de acordo com a decisão do papa em 1211. A incorporação na Ordem de Cister implicava a pertença a uma estrutura supranacional que se estendia a toda a cristandade através das centenas de mosteiros que então se fundavam um pouco por toda a Europa.

O mosteiro de Lorvão estava, assim, sujeito às decisões emanadas da cúpula da ordem de Cister - Capítulo Geral - que se reuniu em Cister todos os anos e onde tinham assento todos os abades dos mosteiros das Ordens.

Extraordinariamente preocupados com as questões da unanimidade litúrgica e do cumprimento da normativa, usaram as visitações para regular e corrigir a forma como as diferentes comunidades cistercienses punham em prática as determinações emanadas do Capítulo Geral.

É neste contexto que Ghislain Baury nos traça o programa de reforma dos mosteiros cistercienses peninsulares, mas convocando para além dos visitadores da ordem, outros agentes nela empenhados como a Realeza, a Congregação de Castela e o Papado.

Da espacialidade peninsular fomos conduzidos pela palavra de Saúl Gomes para o território de Portugal, percebendo o estado das abadias cistercienses nos finais do séc. XV e nos alvores do séc. XVI, as quais, tendo Alcobaça por cabeça, se nos revelaram em grande diversidade sócio- económica, cultural e religiosa, havendo casas arruinadas e pobres, outras apresentando bons rendimentos, vários privilégios e significativo património material e cultural, umas seguindo as boas normativas de Cister e noutras reinando costumes relaxados.

E continuando a aproximar a lente de focagem do objecto a captar, Luís Rêpas centrou a sua comunicação na reconstituição da linhagem de Catarina de Eça, mostrando a sua ascendência régia, a forma como tal ascendência poderá ter sido determinante na sua escolha para ascender ao cargo máximo do mosteiro e articulando o exercício do poder no mosteiro como o de Lorvão, com o que isso poderia representar para o reforço do seu prestígio pessoal e da sua família.

Tal estratégia passou, como ficou óbvio, pela sua acção mecenática que foi desenvolvia no eixo temático seguinte em que se desvendou a Abadessa Catarina de Eça pela arte e pelas representações.

Joana Antunes analisou com mestria e deu-nos a conhecer o perfil comitente, altamente qualificado, de Catarina de Eça, concretizado no que mandou realizar em Lorvão, em Botão e em Gouveia.

Por sua vez, Mercedes Perez Vidal focou as encomendas artísticas da referida abadessa, nomeadamente as de uso litúrgico, perspectivando-as como uma forma de reforçar e exercer a sua “auctoritas” bem como, obviamente, de construir uma memória que perdurasse e que fosse lembrada e celebrada pela comunidade conventual ao longo de múltiplas gerações.

Para tal, contribuía, de uma forma clara, a utilização recorrente da sua representação heráldica que foi amplamente analisada e contextualizada por Miguel Metelo Seixas que, mostrando várias manifestações heráldicas de Catarina de Eça que ainda hoje subsistem e aludindo a outras que entretanto se perderam mas das quais felizmente se conservou um precioso registo, descodificou o simbolismo das suas diversas componentes iconográficas para vir a concluir como nele se lê uma vontade pessoal de imperativo linhagístico de mimetismo da emblemática régia.

Também no campo das representações, Rosário Morujão conduziu-nos pelo belíssimo e falante mundo da sigilografia, traçando um quadro geral sobre o uso dos selos, sobretudo em contexto monástico, para depois nos mostrar e analisar os espécimes sigilares conventuais usados no mosteiro de Lorvão num período lato que chegou mesmo ao abadessado de Catarina de Eça.

Igualmente no campo das representações e das formas de validação documental, Maria José Azevedo Santos fez-nos uma interessantíssima incursão pela literacia das mulheres nestes séculos mais recuados, um tema cada vez mais actual, através dos estudos das assinaturas autógrafas de várias religiosas da família Eça, nomeadamente, da de Catarina de Eça.

E concluímos o primeiro dia com música pela mão de Joel Machado e Alberto Medina de Seixas que apresentaram os estudo que realizaram a partir dos manuscritos musicais do mosteiro de Lorvão em particular da colecção de 15 livros de coro, de grande e media dimensões que incluem as melodias cistercienses para a missa e o oficio divino, copiadas nas primeiras décadas do séc. XVI, deixando claro o plano de Catarina de Eça no sentido de dotar a comunidade com um conjunto de novos livros para as celebrações litúrgicas do mosteiro.

O segundo dia dos trabalhos iniciou-se com uma interpelante sessão inteiramente dedicada à biblioteca do mosteiro de Lorvão sobre diferentes perspectivas de análise.

Catarina Barreira centrou-se se nos livros, na sua origem, na sua adaptação, e digo na sua origem desde os que aqui existiam e outros vindos de Alcobaça, na sua adaptação às monjas cistercienses e na sua importância para o viver quotidiano da comunidade na prática diária da liturgia cisterciense.

Conceição Casanova e Catarina Tibúrcio concentraram a sua atenção e a sua análise nas encadernações dos códices manuscritos para perceber as intervenções que a este nível foram sendo realizadas no mosteiro ao longo de séculos, mas particularmente em tempos de Catarina de Eça, num esforço para conservar a sua biblioteca em bom estado.

E, por fim, Catarina Miguel dedicou-se ao estudo da cor em três manuscritos de Lorvão a partir da análise com métodos não invasivos de tintas usadas na produção das iluminuras, mostrando como a química poderá trazer excelentes contributos à construção do conhecimento histórico.

Igualmente de vivo interesse científico foi a sessão que se organizou em torno do culto dos santos em Lorvão incidindo particularmente, como não podia deixar de ser, em S. Bernardo, uma referência maior entre os cistercienses, e nos mártires de Marrocos, em virtude da presença antiga de relíquias desses santos no mosteiro de Lorvão.

Foi precisamente pelo culto dos mártires de Marrocos e das suas relíquias que João Luís Fontes e Maria Filomena Andrade começaram, focando com mestria, em primeiro lugar, a renovada mensagem da espiritualidade mendicante, para se centrarem depois na ligação de Catarina de Eça e sua linhagem ao convento franciscano do Espírito Santo de Gouveia, panteão dos Eça.

Especificaram a extraordinária oferta que esta abadessa fez a essa casa mendicante de uma relíquia dos próprios proto-mártires de Marrocos bem como de um conjunto de alfaias que serviam para a celebração litúrgica da memória dos mártires que nos mostram como tal acto era significativo da estratégia de Catarina de Eça no sentido de exaltar o culto dos mártires associados à espiritualidade franciscanas e de reforçar a memória da sua própria linhagem onde muitos dos seus parentes mais próximos estavam sepultados.

Carla Varela Fernandes, ainda no mesmo contexto, centrou a sua intervenção na análise estilística e iconográfica, muito interrogativa, da arca relicário dos santos mártires de Marrocos que pertenceu ao mosteiro de Lorvão e que hoje se conserva no museu nacional Machado de Castro em Coimbra a qual constitui uma singular escultura medieval portuguesa sempre a desafiar as interpretações dos estudiosos.

Por sua vez, Manuel Pedro Ferreira apresentou os livros de Lorvão relevantes para a prática musical e comparou as características paleográficas da notação de um hino polifónico conservado nos mosteiros femininos de Lorvão e Arouca e de um antifonário oriundo de Alcobaça para chegar a importantes conclusões sobre a circulação de textos nas abadias cistercienses portuguesas.

A tarde foi dedicada ao património edificado de Lorvão e aos projectos em curso para valorizar e divulgar este mesmo património, louvando-se, desde logo, a criação do Centro Interpretativo de Lorvão que aqui nos foi apresentado por Fábio Nogueira, Centro esse a ser inaugurado dentro de breves dias.

Este projecto e os esforços empreendidos por Ana Pagará para a promoção de uma rota nacional dedicada ao património cisterciense, articulada com a rota europeia de abadias cistercienses, apresentam boas perspectivas para o desenvolvimento económico e cultural da vila de Lorvão e do concelho de Penacova.

A base de dados que nos foi apresentada pelos investigadores do projecto “Livros, rituais e espaço num mosteiro cisterciense feminino. Viver, ler e rezar em Lorvão (séc. XIII a XVI)”, para além de servir uma comunidade especialista de várias áreas do saber, desde a musicologia, a codicologia, a história, a história da arte, a heráldica, a sigilografia, a química, poderá contribuir igualmente para a divulgação de Lorvão e do seu património material que conservante essencialmente no arquivo nacional da Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Portugal não deixa igualmente de remeter para Lorvão e o seu mosteiro onde ainda hoje se guardam alguns códices manuscritos e impressos de que destacamos uma Regra do séc. XVI.

Este espaço monástico propicia de facto múltiplas perspectivas de abordagem. Uma delas, vimo-la ou sentimo-la por via de Miguel Metelo Seixas e com algumas achegas de Luís Repas e essa via será precisamente a descoberta das representações heráldicas que também contam uma história ou aliás contam várias histórias, a história da comunidade conventual e de quem viveu no mosteiro de Lorvão e a história de cada uma das suas religiosas ou doutras mulheres que passaram por Lorvão ou aqui viveram.

Creio que se tratou de um congresso da maior relevância científica e cultural, para além de se centrar numa cronologia extraordinariamente importante para a história de Portugal, por ser um tempo em que Portugal atinge todos os continentes e se abre em definitivo para o mundo,

proporcionou-se, em consentâneo, uma visão multifacetada da história através das diversas vertentes de análise que resultaram da aplicação das diferentes metodologias de investigação, própria das ciências e dos saberes que se cruzaram nestes dois dias.

Certo é que algumas das informações que aqui foram apresentadas já eram conhecidas por intermédio do trabalho desenvolvido, de muitos outros autores, mas permitam-me aqui destacar, mormente pelos estudos do Professor Nelson Correia Borges, meu ilustre colega e amigo e uma figura ímpar na historiografia de Lorvão.

Ainda assim, ao revisitar essas temáticas, agora os investigadores aqui presentes colocaram por certo novas questões, reformularam os ângulos de análise, diversificaram as fontes e as metodologias usadas, cruzaram os saberes e, desta forma, conseguiram avançar nas abordagens e nos resultados e, mesmo em alguns casos foi já evidente a utilização de fontes e de técnicas até agora absolutamente desconhecidas ou quase desconhecidas e pouco utilizadas que em boa hora estão a ser desenvolvidas e a ser dadas a conhecer a um público mais vasto.

Estão pois, reitero, de parabéns os organizadores, os parceiros e os oradores deste congresso internacional O MOSTEIRO DE LORVÃO NO TEMPO DE CATARINA DE EÇA (1471-1521) ,

mas estão sobremaneira de parabéns a história, a cultura e o património de Lorvão, de Portugal e da Humanidade, articulados em saberes múltiplos, em amplas diacronias, em diversificadas espacialidades e potenciados por diálogos bidirecionais do local global e do global local que rompem fronteiras do conhecimento e apelam a uma revivificada e universal confraternidade cientifica, cultural e humana.

Muito obrigada.

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(Créditos das imagens: Instituto de Estudos Medievais e Município de Penacova)












09 outubro 2022

Lorvão: o olhar de Joaquim de Vasconcelos no dealbar do séc. XX






"Um passeio ao convento de Lorvão entrava no programa das excursões favoritas que ainda há trinta para quarenta anos faziam os estudantes de Coimbra. A inauguração sucessiva de diferentes linhas férreas desviou a atenção da Academia para pontos mais distantes, onde vão por preço modico gastar os dias feriados no seio de suas famílias.

O caminhante seguia então o curso do Mondego ou atravessava a serra do Dianteiro por uma sofrível estrada. Descendo o monte de Santo António dos Olivais passava-se o formoso vale de S. Romão e numa subida bastante íngreme alcançava-se o alto, chamado Espinhaço de Cão, onde um panorama esplêndido convidava o romeiro a descansar. Uma grande parte do valle do Mondego, semeado de vilas e aldeias, a capital da província com os seus monumentos históricos, o oceano rolando as suas ondas sobre a areia fulva e, alguns passos mais adiante, as cumeadas do Bussaco, enfim toda a Bairrada com a sua opulenta vegetação constata um cenário digno de ocupar uma geração de pintores. Caminhava-se então devagar, a pé, num terreno formado de xistos, apalpando as veredas numa descida vagarosa; e dobrando a montanha avistava-se de súbito o profundo vale de Lorvão.

A povoação é pobre; conta uns quinhentos fogos e vive hoje quase exclusivamente da pequena lavoura e de uma indústria caseira: a dos palitos, que apenas vegeta, mesquinhamente explorada por uma usura cruel. A primeira impressão antes de descer ao apertado vale, cortado por um mesquinho regato, era e é ainda hoje a de espanto perante o contraste dos dois elementos: o sagrado e o profano. A enorme construção que a estampa não abrange ainda assim completamente, caindo em ruínas, os dormitórios desabando, os celeiros nus, as cozinhas, os pátios e claustros desertos, mas ainda grandiosos, contrastando com a pobreza do casario da pobríssima aldeia.

Na época de maior esplendor, isto é, no meado do século XVIII, contava Lorvão para cima de cem religiosas, além das noviças e das serventes, e dispunha de um rendimento superior a oitenta mil cruzados. Os dotes que durante o século XVII orçavam por mil cruzados, foram no começo do século XVIII elevados a oitocentos mil reis. Viveu-se entre esses muros com opulência, com certo gosto e amor da arte; e não raras vezes com uma liberdade que provocava escândalos.

Por fim entrou ali o rigor da lei. Extintas as ordens religiosas em 1834, o governo de D. Pedro mandou liquidar as contas. Os monges bernardos que administravam a casa, saíram dali, deixando tudo empenhado; uma divida de cerca de oito contos de reis, destruídas as matas, vendidas as madeiras, e a caixa do dinheiro vazia. Sobreveio o fisco e reclamou vinte e cinco contos de décimas relaxadas, que os venerandos administradores tinham dado como satisfeitas! Daí em diante a situação das religiosas piorou rapidamente. Os foreiros, inquilinos e outros devedores, reconhecendo que os privilégios históricos haviam perdido a sua força, cerceavam ou negavam pagamentos. Procuradores e advogados armaram questões intermináveis, mas rendosas para eles. E contudo, a abadessa de Lorvão ainda era e foi durante anos a mãe dos pobres até 1851. Passados dois anos, porém, alguém pedia uma esmola para ela. Foi Alexandre Herculano.

«Escrevo-lhe do fundo do estreito vale de Lorvão, defronte do mosteiro onde repousam as filhas de Sancho I; deste mosteiro melancólico e mal assombrado como as montanhas abruptas que o rodeiam por todos os lados: escrevo-lhe com o coração apertado de dó e repassado de indignação.

Descendo a examinar o arquivo das pobres cistercienses, penetrei no claustro por ordem da autoridade eclesiástica. Lá dentro, nesses corredores húmidos e sombrios, vi passar ao pé de mim muitos vultos, cujas faces eram pálidas, cujos cabelos eram brancos. Esses cabelos nem todos os destingiu o decurso dos amos: a amargura embranqueceu os mais deles. Quase todas essas faces tem-nas empalidecido a fome. Morrem aqui lentamente umas poucas de mulheres, fechadas numa tumba de pedra e ferro.

Estas mulheres ouvem de lá, do seu túmulo, o ruído do burgo apinhado na encosta fronteira, e dividido do mosteiro apenas por um riacho. Naquelas casas de telha vã, negras, gretadas, desaprumadas, com o aspecto miserável da maior parte das aldeias da Beira, vive uma população laboriosa, que até certo ponto se pode chamar abastada, e a que, pelo menos, não falta o pão nem a alegria.

No mosteiro sumptuoso, vasto, alvejante, com um aspecto exterior quase indicando opulência, é que não há pão, mas só lágrimas... aqui vê-se, por entre as grades de ferro, a luz do céu, a árvore que dá os frutos, a seara que dá o pão, e tudo isto vê-se para se ter mais fome... Imagine, meu amigo, uma noite de inverno, no fundo desta espécie de poço perdido no meio da turba de montes que o rodeiam: imagine dezoito ou vinte mulheres idosas, metidas entre “quatro paredes húmidas e regeladas, sem agasalho, sem lume para se aquecerem, sem pão para se alimentarem, sem energia na alma, e sem forças no corpo, comparando o passado, sentindo o presente e antevendo o futuro. Imagine o vento que ruge, a chuva ou a neve fustigando as poucas vidraças que ainda restam no edifício; imagine essas orgias tempestuosas da natureza que passam por cima das lágrimas silenciosas das pobres cistercienses, e as horas eternas que batem na torre...

Há poucos dias passou-se em Lorvão uma cena tremenda. Num acesso de desesperação, parte destas desgraçadas queriam tumultuariamente romper a clausura; queriam ir pedir pão pelas cercanias. Custou muito contê-las. Tinha-se apoderado delas uma grande ambição; aspiravam à felicidade do mendigo, que pode apelar para a compaixão humana, que pode fazer-se escutar de porta em porta. Era uma vantagem enorme que obtinham. A sua voz é demasiado frac e os muros de Lorvão demasiado espessos. Gemidos, brados, prantos, tudo é devorado por esse túmulo de vivos.» (Herculano, Opúsculos, vol. 1, pág. 195 e seg.)

A eloquente carta do grande escritor, publicada então pela imprensa, despertou o governo e produziu algum benefício, o que é muito para louvar, porque o martírio poderia haver-se prolongado por muito tempo.

Só passados vinte e quatro anos é que expirou a ultima freira professa D. Luiza Magdalena Tudella (3 de Julho de 1877). E durante esse longo período de um quarto de século tiveram as freiras à sua disposição, para as empenharem ou venderem, alfaias, quadros, peças de ourivesaria, móveis antigos, louças, azulejos, etc., enfim: objectos de considerável valor de que apareceram restos ainda importantes na Exposição de Arte Ornamental de 1882. Apesar de tudo, as senhoras religiosas resistiram à tentação de se pagarem por suas mãos; apenas nos derradeiros anos da última freira se cometeram abusos a coberto da sua incapacidade mental.

O actual sr. Bispo-Conde, apesar das suas enérgicas providências, encarregando uma comissão de fazer inventario minucioso (Junho de 1877), não conseguiu reaver certas preciosidades, por exemplo, uns relicários medievos de marfim, vendidos para fora do reino por quantias consideráveis.

Emquanto as freiras de Lorvão morriam lentamente à fome em 1853, havia mosteiros cujas habitadoras viviam na opulência e onde o supérfluo se desbaratava de um modo escandaloso. Herculano, que os conhecia bem, porque fôra encarregado de examinar oficialmente os arquivos eclesiásticos do país, declara na mesma carta, já citada: «Na secretaria da justiça encontram-se as provas de que a renda dos bens que ainda possuem os conventos do sexo feminino em Portugal excede a 200 000$000 reis, e todavia há centenares de freiras que morrem à mingua. São dois factos que não carecem de comentário. É a manifestação mais eloquente de que não há governo nesta terra.» (Loc. cit, pag. 203).

O convento de Lorvão pouco valor tem como obra de arte. As reconstruções alteraram todas as suas feições antigas. Durante a segunda metade do século XVII e todo o século imediato não houve descanso; uma febre de modas e feitios novos apoderou-se das freiras. Pelos anos de 1688 foi sacrificado o claustro velho que, a julgarmos por alguns fragmentos de escultura existentes no Museu do Instituto de Coimbra, devia ainda abrigar restos valiosos de lavores mediévicos.

O claustro novo é banal, pesado, sem graça, se descontarmos umas três capelas em estilo da Renascença que escaparam : S. João Baptista -1602, Nossa Senhora de Nazareth -1603 e a do Calvário – 1644.

A casa do Capitulo, refeitório, dormitórios e outras serventias nada apresentam de notável. O frontispício da igreja, que existiu algum dia, desapareceu sem vestígio! No interior uma grande nave, ampla, de estilo pseudo-clássico do fim do século XVIII, iluminada por uma formosa cúpula na intersecção do cruzeiro com a nave. Belas cantarias, finamente rendilhadas num lavor rococó, muito discreto, que respeitou e pôs em relevo proporções arquitetónicas bem estudadas.

É celebre o côro com as suas majestosas cadeiras de pau santo e nogueira. Neste estilo, não há em todo o reino trabalho superior para documentar a suma perícia de uma escola de entalhadores bem portuguesa. Tinha grande semelhança com este o cadeiral do convento de freiras de S. Bento do Porto (Ave-Maria) há pouco demolido, talvez obra da mesma oficina.

A entrada do côro é vedada por uma grade monumental de ferro forjado e bronze que representa outra obra de arte muito notável. Foi executada em 1784 e custou 7 200$000 réis. Temos visto e comparado os artefactos mais notáveis dos nossos antigos serralheiros dos séculos XVI, XVII e XVIII em repetidas e demoradas excursões, há mais de trinta anos, mas confessamos que esta grade de Lorvão não tem par em Portugal.

Merecia uma estampa especial, assim como as duas urnas de prata lavrada, que guardam os restos das infantas portuguesas D. Teresa e D. Sancha.

São antes dois cofres de grandes dimensões, com o feitio de urnas, forrados de veludo carmesim, cobertos de lavores de prata, recortada em arabescos, guarnecidos de pedras de varias cores. O ourives Manuel Carneiro da Silva, natural do Porto, traçou as duas obras num estilo semelhante, largo, com um grande efeito decorativo, que não exclui primorosos detalhes de buril e cinzel nos desenhos heráldicos e arabescos menores, porque os grandes lavores são batidos a martelo ou repuxados. Custaram ambos perto de oito mil cruzados.

Havendo sido feita a trasladação dos antigos túmulos de pedra para estes cofres em 1715, é de presumir que o trabalho do ourives não seja muito anterior.

Foi uma grande festa que custou grossa quantia, excedida só pela que as religiosas pagaram pela beatificação da infanta D. Teresa (Bula de Clemente XI a 23 de Dezembro de 1705). Esta senhora, cujo casamento com Afonso IX de Leão fôra anulado por impedimento de parentesco, entrou para Lorvão na véspera de Natal de 1200; e para ali fez trasladar os restos de sua irmã D. Sancha (também beatificada) que falecera no mosteiro de Celas (1229), perto de Coimbra, fundação sua.

As lutas destas princesas e ainda de uma terceira irmã D. Mafalda (fundadora do célebre mosteiro de Arouca) com el-rei D. Afonso II, o Gordo, por causa da herança paterna, redundaram em proveito das ordens religiosas que as três ilustres senhoras favoreceram. Ter uma irmã em Lorvão ou Arouca correspondia quase a um título de nobreza. Em Lorvão figurou ainda outra princesa, a infanta D. Branca, filha de D. Afonso III, heroína do famoso poema de Garrett; e ali enclausuraram a célebre inspiradora da écloga Crisfal, do nosso ilustre escritor Cristóvão Falcão, delineada de 1525/30. D. Maria Brandão, filha do opulento Contador da Fazenda do Porto, João Brandão e de D. Brites Pereira, pagou a audácia do seu casamento clandestino com o poeta, entre os muros do cenóbio: «escondida entre serras onde o sol não era visto»... Falcão, transportado em sonho à serra de Lorvão, aí se encontra com a esposa amada:

«a vista no chão pregada,
com o seu cantar pensoso,
e passadas esquecidas
ao tom dele medidas,
vestida de arenoso,
as mãos nas mangas metidas»
                                                     (Estrofe 69)

Iríamos longe se fôssemos à resumir somente os casos mais memoráveis da cronica da ilustre casa que ainda teve a honra de hospedar Wellington e o seu estado-maior. Depois a fortuna declina rapidamente, como vimos. E hoje, se não fôra a generosa e esclarecida proteção do actual sr. Bispo-Conde, já o cadeiral do côro teria sido arrancado, fundida a esplêndida grade e os cofres de prata reduzidos a bons... patacos, mesmo sem o auxilio de franceses.


Joaquimde Vasconcelos, “Lorvão” in A arte e a natureza em Portugal: album de photografias com descripções, clichés originaes, copias em phototypia inalteravel, monumentos, obras d'arte, costumes e paisagens / Directores F. Brüt [e] Cunha Moraes. - Porto : Emilio Biel, 1902-1908 (Porto : Typ. de António José da Silva Teixeira). - 8 v. : il. ; 30x40 cm + Catálogo manuscrito





30 setembro 2022

Lorvão 1900: "população depauperada ...rebanho sem pastor"



Nos inícios do séc. XX foram publicados 8 volumes de uma obra intitulada A ARTE E A NATUREZA EM PORTUGAL - Album de photographias com descripções; clichés originais; copias em phototypia inalterável; monumentos, obras d’arte, costumes, paisagens.

Lorvão está aí bem representado. Temos um texto assinado por Joaquim [António da Fonseca] de Vasconcelos (1849 -1936) que foi um historiador e crítico de arte e foi casado com Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Há também 4 interessantes fotografias: vista geral do Mosteiro, interior da Igreja, vista do Cadeiral e Órgão e grupo de Paliteiras.

Além da descrição do conjunto arquitetónico e artístico, é também feita uma referência especial à indústria dos palitos. Escreve J. Vasconcelos:

“A indústria dos palitos é antiga na localidade. Tanto as freiras como os frades sabiam apreciar as vantagens de tão úteis acessórios (eles principalmente).

Como mosteiro cisterciense, Lorvão dependia dos monges brancos. Cinco frades Bernardos administravam as grossas rendas da casa. Refere-se que certa vez, não sabendo explicar plausivelmente o dispêndio de uma verba de 600$000 reis, escreveram numas contas irrisórias, que mostravam anualmente à abadessa: Palitos - 6004000 reis (Herculano, Opúsculos, pág. 200).

O pobre operário da aldeia não engorda, porém, com semelhante industria caseira; basta olhar para esses rostos tristes, resignados. E contudo são mãos hábeis, dedos subtis os que desencantam das varas do salgueiro (salix alba) os palitos finos, chamados marquezinhos, e entalham os frisados, os de flor ou os bordados, porque, conquanto seja mínimo o proveito, nem por isso se cansam nos seus primores.

Calcula-se o número de operários, incluindo grande número de mulheres, em uns mil, distribuídos por Coimbra (cidade), Lorvão e Penacova; a produção em uma dúzia de contos. O material de que o fabricante se serve é o mais modesto possível; consiste numa navalha afiada, na coura, isto é, um pedaço de cabedal, que protege o joelho, e ao qual está ligado um pedaço de chifre sobre o qual se trabalham as varas do salgueiro |.

É triste, profundamente triste, escrevíamos nós há mais de vinte anos (1879), que as singulares aptidões naturais de tanta, tão boa e tão modesta gente, como as dos concelhos citados, esteja reduzida a fabricar palitos mais ou menos frisados! [sublinhado nosso]

Pois não se está vendo que desse mesmo grupo saem os violeiros de Coimbra, entalhadores consumados noutra industria tradicional, os cesteiros e canastreiros da região aludida.

... Estas coincidências serão um acaso? Cada especialidade poderia render dezenas de contos, e fixar uma população depauperada - rebanho sem pastor - que vai entregar-se nas mãos dos engajadores de emigrantes... [sublinhado nosso]

Por fortuna, a atenção de alguns espíritos esclarecidos vai-se concentrando há anos nas questões que interessam a vida intima, tradicional do povo português. As indústrias caseiras constituíam uma parte da poesia do seu lar e por certo a melhor escola que alimentava a sua arte.

Mas não será tardio já, esse auxilio?"

Joaquim de Vasconcellos