30 outubro 2016

A visitar: exposição temporária "Scriptorium Medieval" em Lorvão



O termo “Scriptorium” significa, literalmente, "local para escrever". Nos mosteiros medievais da Europa, o scriptorium era um complemento da bibliotecaA maior parte da escrita monástica era feita em pequenos espaços, em reentrâncias dos claustros ou nas celas dos próprios monges. Sabemos da existência de um importante scriptorium no Mosteiro de Lorvão, onde foram produzidas obras primas hoje consideradas Memória do Mundo pela UNESCO.
Para mostrar um pouco  do mobiliário , dos instrumentos e dos materiais, encontra-se em Lorvão, cedida pela Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, uma interessantíssima exposição que nos últimos anos tem corrido o país. Com assessoria científica da Prof.ª Doutora Maria José Azevedo Santos, esta exposição foi estruturada inicialmente no âmbito da exposição "Santa Cruz de Coimbra – A Cultura Portuguesa Aberta à Europa na Idade Média", no contexto das iniciativas Porto Capital Europeia da Cultura 2001.

Imagens da exposição patente em Lorvão

No desdobrável que acompanha a exposição podemos ler:

Entrou num scriptorium. Ou melhor, está num "palco" onde se pretende representar um centro de cópia de manuscritos, de um qualquer mosteiro ou catedral, da Idade Média, no Ocidente Europeu.
Aqui encontra e pode admirar o mobiliário, os instrumentos, os materiais e os utensílios indispensáveis à tarefa complexa e exigente de reproduzir um saltério, uma bíblia, um missal ou outro livro litúrgico.
Em espaços semelhantes a este, foram copiados, de Portugal à Itália, da Espanha à Suiça, milhares de códices.
Copistas, mas também correctores, iluminadores, encadernadores, e outros artesãos da arte de fazer códices, foram os principais responsáveis pela constituição de preciosas bibliotecas que nem a incúria dos homens nem a voragem do tempo conseguiram destruir.

Pelos scriptoria dos séculos VIII a XIII, e por todo o pessoal que citámos, na maior parte dos casos sem rosto e sem nome, mas, igualmente, pelo pergaminho, pelas penas e pelas tintas, passou inquestionavelmente, a divulgação da cultura monástica europeia.
Todavia, desta magnífica empresa de transcrever livros, deram os copistas, muitas vezes, no final das suas obras, um testemunho condoído e melancólico. A grande maioria daqueles homens considerava a cópia uma louvável mas muito penosa tarefa. É a referência à dor, à dor física, que domina os seus desabafos. Uma múltipla dor (dos dedos, da mão, das costas, dos olhos) causada por um trabalho que parecia não ter pressa de chegar ao fim. Como a ideologia cultural da escrita proclama: "Era preciso matar o corpo para que a escrita nascesse.”

O que podemos observar neste conjunto expositivo? (vamos seguir algumas das notas do referido desdobrável):

Mesa de trabalho horizontal (banca), própria para a elaboração de documentos avulsos
Pergaminho - pele de animal que, depois de preparada, proporciona uma superfície com dois lados (o do pêlo e o da carne) para nela se escrever.
Pele de peixe - utilizada para polir os pergaminhos na sua preparação.
Pedra-pomes - rocha vulcânica seca, porosa e leve. Serve para polir o pergaminho e até afiar o bico da pena.




Fac-simile do "Apocalipse de Lorvão" produzido
em finais do séc XII neste Mosteiro e assinado pelo
monge Egeas






Facas - servem para cortar as peles, raspar o pergaminho, talhar as penas, corrigir os erros dos copistas.
Canivetes - instrumentos usados no talhe (dar forma à ponta da pena, geralmente fendida ao meio) das penas das aves.
Cornos - chifres de animal utilizados como tinteiros.
Penas - penas de ave que, depois de serem talhadas nas pontas servem para escrever.
Dedais - objectos para proteger os dedos quando se cose o pergaminho.
Compassos - servem para traçar círculos, medir, ou fazer a pautagem no pergaminho (ponta seca).
Espátula - instrumento de madeira utilizado para juntam as tintas moídas.
Sovelas - instrumentos constituídos por uma espécie de agulha, direita ou curva, com que se faziam os orifícios nas folhas de pergaminho para, unindo-os, estabelecer o pautado.
Caixa destinada a guardar os instrumentos necessários para escrever
Pena talhada - pena de ave, talhada. Com tinta serve para escrever.
Régua - instrumento de madeira utilizado no traçado das linhas rectas.
Tabuinhas enceradas com seu estilete - destinam-se a receber escritos.
Palmatória - castiçal em barro, para colocar velas, que serviam para iluminar.
Ampulheta - instrumento que serve para calcular o tempo (o tempo que a areia gasta em passar de um dos cones para o outro).
Tesouras - serviam para cortar os pergaminhos, os fios e as penas.
Novelos de fio - linha para coser rasgões no pergaminho.
Reprodução de iluminuras antigas - iluminura é um tipo de pintura decorativa aplicado às letras capitulares (letras maiúsculas que iniciam o capítulo). O termo também se aplica aos elementos decorativos e representações que surgem nos livros da Idade Média.
Armário destinado a guardar manuscritos e outras peças relativas à escrita
Almofarizes com seus pilões - serviam para machucar e macerar os bugalhos e gomas arábicas destinadas à preparação das tintas.
Goma arábica - resina produzida por diferentes árvores do género da Acácia. Ingrediente de receitas de tinta de escrever.
Sulfato de ferro - sal metálico utilizado na preparação das tintas deescrever. Associado a um agente tanino (noz de gralha) produz um precipitado castanho ou negro (tinta).
Agulhas - serviam para coser os pergaminhos.
Tábuas - placas de madeira destinadas à encadernação dos livros. Forravam-se com pele ou tecido
Vassouras.
Nozes de galha ou bugalhos - elemento principal na preparação das tintas negras de escrever, porque são ricas em tanino.
Móvel fixo com superfície inclinada. Adapta-se fundamentalmente à cópia de livros permitindo o emprego de folhas de formato grande
Frascos com tintas de escrever - líquidos vermelho e preto.
Candeia - objecto de metal com bico por onde sai a torcida. Deita-se-lhe azeite e acende-se para dar luz.
Penas de ave talhadas - compõe-se de duas partes: a haste e as barbas.

SOBRE ESTA TEMÁTICA VEJA: 

29 outubro 2016

Apocalipse de Lorvão na Memória do Mundo: um ano depois do reconhecimento da UNESCO


O colóquio comemorativo decorreu no Coro da Igreja
do Mosteiro de Lorvão
Assinalando o  1º aniversário da inscrição, pela UNESCO, dos manuscritos “Apocalipse do Lorvão” e “Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana”, do Mosteiro de Alcobaça, no Registo de Memória do Mundo, no âmbito da candidatura ibérica “Os manuscritos do Comentário ao Apocalipse (Beato de Liébana) na tradição ibérica” realizou-se hoje em Lorvão a segunda parte do colóquio sobre aquela temática, iniciado ontem em Alcobaça.
“O Mosteiro de Lorvão ao tempo da produção do Apocalipse de Lorvão” foi o primeiro tema a ser abordado, com a intervenção de Maria Alegria Marques, professora da Universidade de Coimbra. Seguiu-se “Sancho I e o Mosteiro de Lorvão: contornos de um alegado conflito”, assunto explanado por Maria João Branco, professora da Universidade Nova de Lisboa.
Fac-simile do Apocalipse
de Lorvão exposto em Lorvão
“O Apocalipse de Lorvão na Memória do Mundo. A motivação partilhada no desafio de uma candidatura” foi o tema desenvolvido por Inês Correia, Conservadora-Restauradora do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Por sua vez, Maria Adelaide Miranda e Maria João Melo, também professoras da Universidade Nova de Lisboa, abordaram “Celebrar a Luz, revelando as cores nos Beatus do Lorvão e Alcobaça. Sereno nutilat. Nubilo euanescit”. A terminar o conjunto de intervenções, Aires Augusto Nascimento,  da Academia das Ciências de Lisboa e Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, desenvolveu  o tema  “No Silêncio do Claustro: a escutar a voz que preenche a Alma”.
A concluir esta jornada cultural, Maria Alegria Marques apresentou o livro, editado pelo município,  “Os Antigos Códices de Lorvão: balanço de pesquisa e recuperação de tradições”, tendo como autor Aires Nascimento. Teve ainda lugar  um concerto de Órgão pelo organista João Henriques.
De referir que os participantes tiveram a oportunidade de admirar um Fac-simile do Códice Apocalipse do Lorvão (ficando a promessa de em breve poder ser visto aqui o verdadeiro exemplar que se encontra na Torre do Tombo)  e um espaço representativo de um  Scriptorium Medieval.

Aires Nascimento usando da palavra
Na sessão de encerramento esteve presente a Directora Regional de Cultura do Centro, em representação do Ministro da Cultura, que se mostrou preocupada com a sustentabilidade financeira do conjunto monumental que é o Mosteiro de Lorvão, pois os recursos estatais são insuficientes. Quanto ao destino a dar ao espaço que fora ocupado pelo Hospital Psiquiátrico, apesar de reconhecer que existem já algumas ideias, acrescentou mais uma: a criação de um Museu da Língua Portuguesa, que não existe em Portugal. Terminou apelando à participação de todos na resolução desta preocupante questão.



Bibliografia sobre Penacova e Lorvão mais enriquecida com livro apresentado hoje

Foi hoje apresentada a obra “Os antigos códices de Lorvão: balanço de pesquisa e recuperação de tradições”, da autoria de Aires Augusto do Nascimento, professor catedrático jubilado (2008) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Padre da Sociedade Missionária da Boa Nova. Entre 1990 e 1991 exerceu as funções de presidente do Instituto Português dos Arquivos. De 1994 e 2008 dirigiu o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa. Grande parte do conteúdo deste livro, agora editado pela Câmara Municipal, já fora publicado em Florença (2014), traduzindo assim a importância dos Códices Lorvanenses, nomeadamente do “Apocalipse de Lorvão” e do “Livro das Aves”, no conjunto das investigações sobre a Idade Média.   A apresentação esteve a cargo da Professora da Universidade de Coimbra, Maria Alegria Marques, também ela autora de estudos sobre aquele cenóbio penacovense.
O currículo de Aires Nascimento conta com  uma extensa bibliografia, inclusivamente sobre Lorvão (1). Participou no processo de candidatura para inscrever o chamado Apocalipse de Lorvão no Património Cultural da Humanidade. Tarefa coroada de êxito pois, a UNESCO, faz agora um ano, incluiu precisamente no Registo de Memória do Mundo aquela obra, integrada na candidatura ibérica designada por “Os manuscritos do Comentário do Apocalipse (Beato de Lièbana) na tradição ibérica”.
Este estudo do Professor Aires Nascimento vem enriquecer o conjunto de publicações que a Câmara Municipal tem vindo a patrocinar nos últimos anos. Apesar de revestir um carácter acentuadamente erudito, não deixa de ser acessível ao público em geral e tal como escreve o autor no prefácio “se o conhecimento contagiar outros, tanto melhor para apreciarem o que é de muitos e deve servir para chegar a muitos: assim haverá cultura mais ampla”.
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 (1) - O "Comentário ao Apocalipse" de Beato de Liébana: entre gramática e escatologia- In: Euphrosyne Ser. NS, vol. 28 (2000)
Adicionar legenda
- Um novo testemunho do passionário hispànico: un códice lorvanense da primeira metade do século XII ( Lisboa, ANTT, Lorvao, C. F. Livr. 16).Sub luce Florentis Calami: homenaje a Manuel C. Díaz y Díaz / coord. por Manuela Domínguez García, 2002
- Ao encontro do quotidiano: mecanismos para o estudo da expressão latinomedieval através do Liber Testamentorum do mosteiro de Lorvao. (2007) - In: Monarquía y sociedad en el Reino de León. De Alfonso III a Alfonso VII Pt. 1
-  Liber testamentorum Coenobii Laurbanensis / [presentación de Aires A. Nascimento y José Ma Fernandez Catón] / León : Centro de estudios e investigación "San Isidoro" , 2008
- Edição do Cartulário de Lorvão: para a valorizaçao de Património arquivístico comum. (2011) - In: Quando Portugal era Reino de Leão.
- Codices antigos de Lorvão: um manuscrito perdido, mas referenciado. (2014) - In: Wisigothica. After M. C. Díaz y Díaz 

25 outubro 2016

Importante evento cultural vai ter lugar em Lorvão no próximo sábado


No próximo sábado vai realizar-se em Lorvão  um colóquio comemorativo do 1º aniversário da inscrição dos manuscritos “Apocalipse do Lorvão” e “Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana” do Mosteiro de Alcobaça no Registo de Memória do Mundo pela UNESCO, no âmbito da candidatura ibérica “Os manuscritos do Comentário ao Apocalipse (Beato de Liébana) na tradição ibérica”. O programa começa já na sexta-feira no Mosteiro de Alcobaça.
No dia 29, no Mosteiro de Lorvão, pelas 17H00, será apresentado pela Professora Doutora Maria Alegria Marques, o livro “Os Antigos Códices de Lorvão: balanço de pesquisa e recuperação de tradições”, do Professor Doutor Aires Augusto Nascimento Trata-se de uma edição da Câmara Municipal de Penacova.
Às 18H00, terá lugar um Concerto no Órgão Histórico por João Henriques.
Patentes ao público estarão o Fac-simile do Códice Apocalipse do Lorvão (ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Lorvão, códice 44), produzido no Scriptorium do Mosteiro de Lorvão (séc. XII), cortesia da Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e o Scriptorium Medieval, cortesia da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra.

PROGRAMA 

28 de outubro MOSTEIRO DE ALCOBAÇA | Sala do Capítulo

15h00 Sessão de abertura Directora-Geral do Património Cultural Director-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas Directora-Geral da Biblioteca Nacional de Portugal Presidente da Câmara Municipal de Penacova Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça Presidente da Comissão Nacional da UNESCO (a confirmar)
Moderação: Mestre Ana Pagará  – Directora do Mosteiro de Alcobaça

15h30 “O Arquivo Nacional da Torre do Tombo e o Registo Memória do Mundo, da UNESCO” Dr. Silvestre Lacerda – Director-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas

16h00 “Memória com significado para o Mundo: experiência e incentivo com o Registo da UNESCO” Doutora Maria Inês Cordeiro – Directora-Geral da Biblioteca Nacional de Portugal Dr.ª Ana Cristina Santana Silva – Biblioteca Nacional de Portugal

Coffebreak

16h45 “Um exemplo de colaboração internacional em matéria cultural: o processo de elaboração da candidatura ao Registo de Memória do Mundo da UNESCO dos Comentários sobre o Apocalipse (Beatus) na tradição ibérica. Os manuscritos espanhóis.” Dr. Severiano Hernández Vicente – Subdirector-Geral dos Arquivos Estatais de Espanha

EXPOSIÇÃO OS MANUSCRITOS PORTUGUESES INSCRITOS NO REGISTO DE MEMÓRIA DO MUNDO DA UNESCO, no âmbito da candidatura “Os Manuscritos do Comentário ao Apocalipse (Beatus de Liébana) na tradição ibérica” (2015):
Fac-simile do Códice Apocalipse do Lorvão [ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Lorvão, códice 44], produzido no Scriptorium do Mosteiro de Lorvão (Século XII) [Cortesia: Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas]
Códice de Alcobaça: Comentário ao Apocalipse do Beato de Liébana [BNP/ ALC. 247], produzido no Scriptorium do Mosteiro de Alcobaça (Século XIII) [Cortesia: Biblioteca Nacional de Portugal]

29 de outubro MOSTEIRO DE LORVÃO | Coro da igreja

11h00 Sessão de abertura
Presidente da Câmara Municipal de Penacova, Director-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, Directora-Geral da Biblioteca Nacional de Portugal, Directora Regional de Cultura do Centro, Directora do Mosteiro de Alcobaça, Presidente da Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão.
Moderação: Dr.ª Paula Silva – Directora da Biblioteca Municipal de Penacova / Centro Cultural

11h30 “O Mosteiro de Lorvão ao tempo da produção do Apocalipse de Lorvão” Professora Doutora Maria Alegria Marques – Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

12h00 “Sancho I e o Mosteiro de Lorvão: contornos de um alegado conflito” Professora Doutora Maria João Branco – Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

13h00 | Pausa para almoço

15h00 “O Apocalipse de Lorvão na Memória do Mundo. A motivação partilhada no desafio de uma candidatura” Doutora Inês Correia – Conservadora-Restauradora, Arquivo Nacional Torre do Tombo

15h30 “Celebrar a Luz, revelando as cores nos Beatus do Lorvão e Alcobaça. Sereno nutilat. Nubilo euanescit” Professora Doutora Maria Adelaide Miranda – Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Professora Doutora Maria João Melo – Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

Coffebreak

16h30 “No Silêncio do Claustro: a escutar a voz que preenche a Alma” Professor Doutor Aires Augusto Nascimento – Academia das Ciências de Lisboa e Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa

17h00 APRESENTAÇÃO DO LIVRO “Os antigos códices de Lorvão: balanço de pesquisa e recuperação de tradições”, da autoria do Professor Doutor Aires Augusto Nascimento, pela Professora Doutora Maria Alegria Marques.

17h30 Sessão de encerramento Presidente da Câmara Municipal de Penacova Directora Regional de Cultura do Centro, em representação de Sua Excelência o Senhor Ministro da Cultura

18h00 CONCERTO DE ÓRGÃO pelo organista João Henriques
Programa
Preludio com Fuga, LV 121 Johann Gottfried Walther (1684-1748)
Sinfonia 11, BWV 797 Johann Sebastian Bach (1685-1750)
Toccata in G, BuxWV 165 Dieterich Buxtehude (1637-1707)
Lied, op. 31, no.17 Louis Vierne (1870-1937)
Festive Trumpet Tune David German (1954)

EXPOSIÇÃO
Fac-simile do Códice Apocalipse do Lorvão [ANTT, Ordem de Cister, Mosteiro de Lorvão, códice 44], produzido no Scriptorium do Mosteiro de Lorvão (Século XII) [Cortesia: Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas] e Scriptorium Medieval [Cortesia: Santa Casa da Misericórdia de Coimbra]

08 outubro 2016

Cartas brasileiras: estrela decadente

Nos últimos treze anos, conduzidos por uma estrela então de esperança, muitos brasileiros com seus votos ajudaram a pintar o mapa do Brasil com a cor vermelha do Partido dos Trabalhadores, a agremiação política do ex-presidente Lula e da recém afastada Dilma.

Vieram as eleições de outubro de 2016, para prefeitos e vereadores; como pano de fundo:
1) as denúncias da Operação Lava Jato, detonadas pelo caso Petrolão (escandalosa corrupção na Petrobras) se alastrou. Mesmo estando ainda apenas no meio do caminho, redundou na prisão de empreiteiros, marqueteiro do PT, políticos, proeminentes dirigentes petistas, ex-presidentes e tesoureiros. E uma constatação: praticamente os mesmos dirigentes envolvidos no caso “Mensalão” o ocorrido no Governo de Lula, do qual o presidente se manteve ileso.
2) O impeachment da presidente Dilma por crime de responsabilidade, depois de o pedido ter sido acatado pela maioria absoluta dos deputados, levado ao Senado, submetido a uma maratona de reuniões, testemunhas na Comissão do Impeachment, teve o relatório aprovado e em seguida aprovado pela maioria absoluta dos senadores.

Outubro de 2016: apurados os votos constatou-se a acachapante do Partido dos Trabalhadores, o povo respondeu com um sonoro “não”, foi como um basta, um repúdio tão grande que ex-presidente não teve prestígio até para ajudar o filho se eleger como vereador na cidade símbolo do petismo: São Bernardo do Campo. No Rio de Janeiro e em Porto Alegre, as candidatas apoiadas por Dilma tiveram desempenho pífio.
Pela primeira vez, a eleição para prefeito de São Paulo, a mais importante cidade do Brasil, foi decidida no primeiro turno; o candidato petista, e atual prefeito (Haddad), mesmo com o apoio pessoal de Lula, conseguiu pouco mais de 16% dos votos (967.190), enquanto Dória (PSDB), sem nunca ter ocupado qualquer cargo político, obteve mais de 53% (3.085.187).

O vermelho, praticamente, sumiu dos nossos mapas; o resultado das eleições é visto como uma prévia do que acontecerá em 2018: eleição presidencial.

Não há como não lamentar o quase fim do que um dia representou, para muitos, a estrela da esperança tornar-se uma estrela decadente.




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05 outubro 2016

O 5 de Outubro de 1976 em Penacova: sons, imagens e textos que quatro décadas não apagaram

OUÇA EM 
https://www.youtube.com/watch?v=mt-lf3UKW60

Celebravam-se então 66 anos da Implantação da República. No dia 5 de Outubro de 1976 Penacova prestava homenagem a António José de Almeida inaugurando no centro da vila um busto daquele estadista natural de Penacova.
 
Logo pela manhã, uma salva de 21 morteiros anunciou “o dia festivo que se ia viver” - escreveu o Notícias de Penacova. Às nove e meia teve lugar uma romagem ao Cemitério da Eirinha, em homenagem aos republicanos cujos restos mortais ali repousam. Pelas 12 horas, nos Paços do Concelho, foi içada a bandeira nacional com guarda de honra dos Bombeiros Voluntários. O Gestor Municipal, José Alberto Rodrigues Costa, numa breve alocução, sublinhou o significado do 5 de Outubro e recordou o modo como foi aclamada a República em Penacova. A parte da tarde viria a ser preenchida com o principal ponto do programa: a homenagem a António José de Almeida.


Edição de 9 de Outubro de 1976
do Notícias de Penacova

A vila estava em festa. Música executada pelas Filarmónicas do concelho: dos Bombeiros, Boa Vontade Lorvanense e Casa do Povo de São Pedro de Alva. Estralejar de foguetes no ar. Satisfação “resplandecendo nos rostos do povo (...) porque desde há muito tempo que este dia não era festejado com alegria, já que, durante quase meio século, o 5 de Outubro marcava uma data de oposição a um governo rejeitado pela maioria, oposição essa que veio a ter o seu terminus na madrugada de 25 de Abril de 1974” - escreveu aquele periódico local, rematando - “agora sim, agora o 5 de Outubro é dia festivo para o Povo que quer ser Livre.”
 
Pelas 16 horas procedeu-se ao descerramento do Busto (da autoria do escultor José Maria Cabral Antunes) que se encontrava coberto com a ”genuína” bandeira verde-rubra que foi içada na Rotunda no dia da Revolução vitoriosa.
 
O Governador Civil de Coimbra, Fernando Vale (que havia tomado posse na véspera) abriu a sessão, fazendo um breve referência à figura de António José de Almeida e ao alto significado daquele acto.

Seguiu-se Romero de Magalhães, Secretário de Estado da Orientação Pedagógica, em representação do Governo. Em breves, "mas vigorosas palavras", não só se referiu à justíssima homenagem como ainda à figura de António José de Almeida, terminando por lembrar o verdadeiro significado do que é a Liberdade e a República.


Romero de Magalhães no uso da palavra,
vendo-se também na foto Fernando Vale


Intervenção de José Alberto Costa, Gestor Municipal
(Arquivo pessoal de J.A.Costa)

Usou depois da palavra o Gestor municipal, José Alberto Costa, que “em seu nome pessoal e do povo do concelho deu as boas vindas a todos quantos quiseram honrar com a sua presença tão solene homenagem”. Seguiu-se a intervenção de Eduardo Ralha. Diz o Notícias de Penacova, cujas páginas temos vindo a seguir de perto – “Este orador, com aquela clarividência que lhe é peculiar, vivendo intensamente o momento nacional que foi o 5 de Outubro de 1910” fez uma explanação longa sobre o assunto e destacou o facto da personalidade de António José de Almeida “não ser apenas motivo de honra e legítimo orgulho para o concelho, mas também porque se trata mesmo de uma gloria nacional.” Terminou dizendo: “Quando assim se der sentido à trilogia: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, seremos dignos continuadores da geração de António José de Almeida e estaremos então a prestar-lhe a mais significativa das homenagens”.



Seguiu-se a intervenção do genro do homenageado, Júlio Abreu, que em representação dos familiares agradeceu “comovidamente” a homenagem que se estava a prestar e fez uma “breve resenha do que foi a vida e obra António José de Almeida, essa figura nacional que desde os seus tempos de estudante se deu de alma e coração à causa republicana, à democracia e à elevação do bom nome da Pátria Portuguesa.” Estava também presente a filha do homenageado, Maria Teresa de Almeida Queiroga de Abreu.
 
A finalizar, o Chefe da Secretaria da Câmara procedeu à leitura do Auto, lavrado em livro especial e que, no final, foi assinado pelas entidades presentes e pelo povo que o quis fazer. Foram ainda lidas algumas mensagens de "familiares ausentes e de um republicano", após o que foi guardado um minuto de silêncio por todos quantos lutaram para que a República Portuguesa fosse uma realidade viva.



“Estava assim terminada uma das mais brilhantes cerimónias realizadas no concelho” – conclui o jornal – “que desta forma prestou homenagem a um dos seus filhos que soube honrar a sua terra e Portugal.”


02 outubro 2016

Sazes: no 118º ano de existência, Irmandade do S.S. e N.S. do Rosário afirma vitalidade



O Bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, esteve hoje em Sazes. Inaugurou as obras de restauro e ampliação da Casa Paroquial, culminando assim, dum modo solene, o meritório trabalho do Conselho Económico da Paróquia, reconhecido que é também o empenhamento de toda a freguesia.
A Irmandade do Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora do Rosário esteve igualmente em destaque, dado que foi benzido o novo estandarte desta secular instituição que tem como membros da Mesa, Horácio Neves (Juíz), Sílvio Costa (Tesoureiro) e Inácio Ferreira (Escrivão).

Alvará de 1898, publicado no caderno
 que em 1907 divulgou
 o Compromisso da Irmandade
Recordemos um pouco do percurso desta Irmandade:
Até 1898 existiam em Sazes duas Irmandades: a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Senhora do Rosário. Nesse ano, fundiram-se e o respectivo Compromisso (Estatutos) foi aprovado pelo Governo Civil de Coimbra em 13 de Julho daquele ano.
Existem referências (anotações constantes dos Orçamentos que se encontram no Arquivo da Universidade de Coimbra) que atestam que a Irmandade de N.S. do Rosário se regia por Estatutos aprovados pelo Ordinário (Bispo) em 1799 (provisão de 8 de Junho). Quanto à Irmandade do S.S. não dispomos dessa informação. No entanto, Vitor Simões Alves, historiador, natural de Sazes,  refere na Bibliografia de um  seu trabalho sobre esta freguesia (cuja leitura recomendamos) a existência de Estatutos da Confraria do Santíssimo com data de 1750 e também da Confraria de N. Sª do Rosário com data de 1699. Seja como for, a sua antiguidade é um facto.
Com o advento da República, esta Irmandade, erecta em 1898,  viu-se obrigada a reformular os seus estatutos. Curiosamente o alvará que aprova esse aditamento está assinado por um penacovense, na altura (1915) Governador Civil, o Juíz de Direito, Luís Duarte Sereno. Não dispomos desses estatutos, mas tudo leva a supor que vêm na sequência da Lei de Separação e das convulsões político-religiosas que se viveram em Portugal.
Vejamos um pouco da história geral das Irmandades em Portugal:
Foi no Concílio de Trento (1545-1563) que foram definidas as competências das confrarias, que entretanto se estavam a difundir pelo mundo católico. O culto eucarístico, foi então incrementado com a reforma católica deste concílio Tridentino, influenciando a expansão das




confrarias do Santíssimo Sacramento.O modelo, aprovado pelo Papa Paulo III em 1537, promovia o culto eucarístico, zelo pelos sacrários, visita aos enfermos, acompanhamento do sagrado Viático, realização da festa em honra do Santíssimo, celebração de missas por intenção dos irmãos, fomento da oração diária. Entretanto existiam já outras Irmandades: das Almas, de Nossa Senhora do Rosário…
Com o advento da Época Moderna, o poder real começou  a exercer um maior controlo sobre as irmandades: aprovando os seus estatutos e fiscalizando as suas contas; estas instituições dependiam ainda de autorização superior para o pedido de empréstimos ou aceitação de legados pios.
 Após a mudança política em Portugal operada com a revolução liberal, a autoridade da coroa sobre as irmandades continuou a ser exercida praticamente nos mesmos termos.
Com a implantação da República, as irmandades sentiram dificuldades em assegurar o seu dinamismo e a situação política vivida, condicionou fortemente a ação pastoral do clero e dos fiéis. O novo regime avançou com o plano de substituir as Irmandades por associações cultuais, cujos preceitos organizativos eram impostos pelo poder político. No mínimo, a esses novos poderes ficaram, diríamos, completamente submetidas.
Algumas harmonizaram os estatutos, ao abrigo do artigo 17º da Lei da Separação, transformando-se em associações cultuais. Outras reformaram os seus compromissos ao abrigo do artigo 38º da mesma lei.  Entretanto, com o esbater dos anos e com as alterações políticas, ainda ao longo da I República, a situação tendeu a normalizar-se.
Oportunamente voltaremos ao assunto para desenvolver mais alguns pontos do historial e da orgânica desta Irmandade do Santíssimo e Nossa Senhora do Rosário de Sazes: pessoas, orçamentos da segunda metade do século XIX, normas do Compromisso, e outros pormenores.

Estatutos de 1898, impressos
 num pequeno livro com data de 1907

Diploma em formato A3