No passado mês de julho, nas terras galesas, realizou-se o “Llangollen International Eisteddfod”, considerado o maior festival cultural da Europa, com
início em 1947. Curiosamente, nesse mesmo ano -e pela única vez - a
organização convidou emigrantes portugueses a participar. Um grupo de pessoas
do Porto alugou uma carrinha e viajou até àquele local para se juntar ao
evento. Este festival tem levado à cidade centenas de milhares de
pessoas ao longo das décadas, reunindo culturas e idiomas diferentes.
Em 2025, assinalou-se o 80.º aniversário das Nações Unidas
e, como sempre, Llangollen celebrou a criatividade e a diversidade dos povos,
mantendo-se firme na defesa da paz mundial.
É através da dança, do canto, da poesia e das artes
criativas que as mensagens de fraternidade são transmitidas, tanto no palco
principal como nos palcos secundários espalhados pelo recinto.
As apresentações foram memoráveis: grupos de crianças,
jovens e adultos mostraram, em cada encenação, a importância da união e da paz
entre os povos. Demonstraram que a paz mundial começa dentro de cada um de nós.
Foram quatro dias inspiradores e emocionantes, rodeados de
homens e mulheres de diferentes cores, trajes garridos e idiomas próprios,
todos unidos por um mesmo propósito: Deixem-nos viver em paz! Quem dera que
todos os líderes mundiais assistissem a este festival, absorvessem estas
mensagens e as pusessem em prática. Afinal, se fossem picados os 4.000
participantes, o sangue correria sempre da mesma cor.
O desfile pela cidade, onde 35 países mostraram a sua
identidade através das suas bandeiras, fez-me perceber como Portugal continua a
ser pequeno. Recordei as palavras da minha professora de inglês, no liceu, que
dizia que, em Inglaterra, Portugal era apenas conhecido pela Amália e pelo
Eusébio.
Ao gritar “Portugal!”, percebi que as pessoas
associavam o nome ao Cristiano Ronaldo. Houve euforia e aplausos que me tocaram
profundamente: senti-me pequenina no meio daquela imensidão, mas orgulhosamente
portuguesa “à beira-mar plantada”.
Um dos momentos altos foi a atuação do Divo Canto, um grupo
de 30 coralistas amadores de várias idades, que sacrificam horas de descanso
semanais para aprender e ensaiar. Tiveram a ousadia de subir a um palco onde já
cantaram Luciano Pavarotti (durante 30 anos consecutivos) e tantos outros
músicos e compositores de renome.
Foi uma sensação enternecedora. Senti o peso da
responsabilidade: tinha de dar o meu melhor depois de meses de ensaios, alguns
deles realizados junto a antigas campas, com mosquitos a incomodar e a entrar
pela boca sempre que a abria para cantar.
No imponente palco, diante de uma plateia de várias
nacionalidades, a minha missão era cantar, transmitir paz e alegria e
representar Portugal em sintonia com as vozes dos meus colegas.
De repente, vi uma bandeira portuguesa erguida pela
comunidade lusa de Wrexham. Vieram apoiar-nos e gritar “Viva Portugal!”. As
lágrimas caíram-me de alegria, pois ali estavam representados a minha família,
marido, filhos, netos e todos os portugueses espalhados pelo mundo.
À boa maneira portuguesa, os nossos conterrâneos de Wrexham
ainda prepararam e levaram um delicioso caldo verde, servido no recinto para
nos aquecer o estômago. Gesto solidário e cheio de carinho! Também nos
mostraram a sua cidade e organizaram surpresas, incluindo uma bela refeição no
restaurante Vasco da Gama.
Tivemos ainda a honra de ser convidados a cantar no
encerramento do festival, numa celebração dominical na igreja medieval de St.
Collen’s Church, onde se agradeceu a Deus pelos compositores e músicos que
transformam vidas através da união e da paz. A viúva de Luciano Pavarotti e o
diretor do festival também marcaram presença.
Passados 78 anos, um grupo português voltou a pisar aquele
palco. Isso só foi possível graças à coragem e dedicação de pessoas que se
entregam de corpo e alma, abdicando de muito das suas vidas para concretizar
momentos assim. O Divo Canto é privilegiado por ter quem o dirija, tanto na
vertente artística como na organização.
O maestro Pedro Rodrigues, jovem trabalhador noutra área
profissional, dedica os seus tempos livres à paixão pela música. Com calma e
persistência, vai colocando partituras e melodias nas cabeças dos coralistas
... tarefa nada fácil!
Destaco também o presidente Eduardo Ferreira, homem de
causas, que trabalha incansavelmente para atingir os objetivos do grupo, muitas
vezes à custa da própria saúde.
Assim, o Divo Canto vai abrindo caminhos em terras
distantes, experimentando outras culturas e formas de ver o mundo.
Importa sublinhar que todos os coralistas, direção e maestro
pagam as suas próprias despesas de alimentação, estadia e viagem. Recebem
alguns apoios, subsídios pontuais e verbas das vendas em festas, mas estão
longe de cobrir os custos.
E que fique claro: isto não é um lamento, mas sim uma
informação para os mais distraídos.
Saudade Lopes