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05 outubro 2017

Desterritorialização e filiação ao lugar: Aldeia da Luz, Vilarinho das Furnas, Foz do Dão…

Ana Maria Cortez Vaz dos Santos Oliveira apresentou em 2011 à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra uma Dissertação de mestrado em Geografia Humana (Ordenamento do Território e Desenvolvimento), onde estuda os processos de desterritorialização e filiação ao lugar. O seu estudo incide na Aldeia da Luz (Alqueva) mas dedica também um capítulo à Foz do Dão.

Escreve esta investigadora na introdução que “a problemática do processo de desterritorialização é pertinente e actual. “ Salienta também que “o vínculo, a filiação, o apego, o laço que nos une a determinado território está sujeito a riscos que podem ter origem em múltiplos factores e circunstâncias como, entre outros, a guerra, a crise económica, o desemprego, qualquer tipo de confinamento espacial, cheias, sismos, movimentos de vertente ou, como no caso que se analisará neste trabalho, a construção de grandes infra-estruturas, como barragens."
Referindo-se à Aldeia da Luz, afirma que “apesar da velha aldeia ter desaparecido na paisagem, esta continua presente na memória e na identidade das populações.”

O mesmo poderíamos dizer da aldeia da Foz do Dão. Nesse sentido, transcrevemos um excerto, aconselhando a leitura integral e o estudo deste trabalho académico.

“A aldeia de Foz do Dão pertencia à freguesia da Óvoa, município de Santa Comba Dão e foi submersa aquando a construção da barragem da Aguieira. Com Foz do Dão, também as localidades de Breda, Senhora da Ribeira e Barra da Asna ficaram submersas pela albufeira da barragem da Aguieira.
A aldeia de Foz do Dão marcava, como o próprio nome indica, o local onde o rio Dão desaguava no rio Mondego. A sua população tinha como principais actividades a agricultura de subsistência, a extracção de areia e a pesca, principalmente de lampreia e sável.
A barragem da Aguieira fechou as comportas em Junho de 1980, dando-se início ao enchimento da respectiva albufeira e posterior submersão das aldeias.
Figura 16- Foz do Dão, aquando a visita do Professor António Salazar à aldeia.
De salientar que a única infra-estrutura que não foi destruída para a submersão da aldeia foi a ponte.
Fonte: fozdodao.blogspot.com, consultado em Maio de 2010.
[Gravura publicada na  pág. 54 desta Dissertação de Mestrado]
Este processo de quebra da topofilia ocorre na década de (19)80, num período politico bastante diferente do vivido no processo de desterritorialização da população de Vilarinho da Furna, embora ambos se caracterizem por serem ex-situ, colectivos e totais. Isto é, os processos implicaram a deslocação da população, atingiram a comunidade, a sociedade das aldeias, e em ambos os casos, houve uma quebra total do vínculo com o território, dado que as aldeias ficaram submersas. No entanto, também não se registaram intervenções de cariz psicológico ou de auxílio e assistência social às populações desterritorializadas.
Uma nota importante e de bastante valor para as populações sujeitas a processos de desterritorialização é a transladação dos corpos que se encontram nos cemitérios destas povoações que serão submersas. Enquanto que em Vilarinho da Furna não houve transladação do cemitério, em Foz do Dão foi autorizado que os indivíduos que quisessem transladar os corpos dos seus entes para cemitérios mais próximos, o poderiam fazer. Houve assim uma mudança também dos territórios simbólicos.

A população que residia em Foz do Dão procurou assim novos territórios e a reterritorialização passou pelos concelhos vizinhos de Penacova, Mortágua e outras localidades no município de Santa Comba Dão. Foi criado entretanto o Bairro Nova Foz do Dão, em Óvoa, que será o lugar com maior concentração de pessoas naturais e antigos residentes de Foz do Dão.
Ao contrário de Vilarinho da Furna, sobretudo da divulgação através das obras de Jorge Dias e de Miguel Torga, Foz do Dão não serviu de representação para escritores ou realizadores, daí que a informação sobre a aldeia, que está submersa seja muito escassa."

 Aceda à obra integral através do link:

04 julho 2017

Penacova, a Barca Serrana e a Navegação Comercial no Mondego

Mostra de actividades ligadas ao rio e ao barqueiro:
 "Festa do Barqueiro" - Miro  2/7/2017

A navegação comercial no Mondego, que remonta a séculos anteriores, atingiu no século  XVIII um grande desenvolvimento. Prosperidade que se manteve até finais do século XIX quando se iniciou uma fase de decadência, que acabou por levar à sua completa extinção em meados do século XX.

Sobre este tema existe um estudo de Maria Adelina de Jesus Nogueira Seco, apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1965, enquanto Dissertação de Licenciatura em Ciências Históricas: “A Região de Penacova e a Navegação Comercial no Mondego: subsídios para a história desta navegação”.

Tem como base de investigação um livro de registo de termos de compromisso dos indivíduos que transportavam mercadorias da região de Penacova, passados pelo escrivão desta mesma vila (1773-74), isto é, um conjunto de “termos de fiança das fazendas que levarem guias dos Portos secos da villa de Penacova para qualquer outra Terra do Reyno”. A este conjunto de documentos atribuiu a autora a designação de “Livro de Penacova”.

É com base no excelente trabalho desta penacovense, já falecida, natural do Casal de Santo Amaro, que iremos tecer algumas considerações.

Termo 85: 24 de Agosto de 1773
 Manuel Antunes do lugar do Salão, termo de Arganil,
22 alqueires de sal, “em direitura a vila de Selurico” no valor de 2500 réis.
As mercadorias que das terras mais distantes do litoral se destinavam ao interior das Beiras, eram transportadas pelo Mondego até ao Porto da Foz do Alva (estamos a falar de finais do século XVIII) e daqui por carreiros ao seu destino. Se pelo contrário a origem era o interior, as mercadorias seguiam o mesmo trajecto, mas agora em sentido inverso. O Mondego era a grande estrada comercial.

Os produtos que chegavam à região de Penacova eram essencialmente sal, louça, peixe, azeite e linho. Por sua vez, vinho, milho, fruta, legumes, carvão, castanha e vinagre eram os produtos mais “exportados”.

O sal era, sem dúvida, o mais transacionado. “Na verdade, enquanto outros produtos existiam em maior ou menor quantidade no interior, o sal só poderia ir do litoral, neste caso das salinas da Figueira.” - escreve Maria Adelina Nogueira Seco. “Em 12 de Agosto de 1773 foram carregados no Porto da Foz do Alva 19 carros e no dia 19 dezassete carros. Muito sal num só dia.” - acrescenta.

Além do sal, encontramos o peixe, sobretudo seco, já que o fresco era difícil de chegar às regiões mais longínquas em boas condições, devido à morosidade dos transportes. Há registos de carregamentos de cavala seca a partir do porto da Foz do Alva com destino a várias partes da província da Beira e também do transporte de carros de sardinha para a feira de Viseu.

A louça, sendo Coimbra um importante núcleo dessa indústria, também ocupava um lugar de destaque no conjunto dos produtos comercializados.

Podemos concluir que o produto mais “importado” era o sal. O mais “exportado” era o vinho, com destino a Coimbra, Baixo Mondego e Figueira. Vinho que seria, na sua maioria, produzido na Beira Alta. No entanto, também havia vinho produzido em terras de Penacova. Da leitura da obra em apreço podemos concluir que em 16 de Dezembro de 1773, José Ribeiro, do lugar de Paradela, termo de Penacova, transportou 2 pipas de vinho - “cujo vinho hé do seu labrado”. Vinho que chegou a ser conhecido por vinho da Figueira, dado que era exportado para o estrangeiro através deste porto. Outros produtos que partiam da região de Penacova com destino a Coimbra e Figueira eram o feijão, a castanha e a fruta da época.

Sabe-se o Porto da Raiva dispunha de verdadeiros armazéns, dos quais nos anos 60 do séc. XX ainda existiam ruínas. Os carreiros que se encarregavam dos transportes eram sobretudo das regiões de Penacova, Coja e Arganil.

Mas não só de mercadorias se fazia a navegação comercial. “As próprias pessoas não só da região mas também as que de cavalo ou de carros de bois chegavam da Beira tomavam aqui as barcas em direcção a Coimbra e a outras terras ao longo do rio.” Por exemplo os estudantes que se dirigiam a Coimbra e pessoas que iam até Buarcos nas férias de Verão.

“A Raiva – afirma Adelina Nogueira Seco - ainda em meados do séc. XIX era considerado o porto mais importante de todo o curso navegável do Mondego” e ”durante o séc. XIX e 1ª metade do séc. XX desempenhou o papel de grande entreposto ligando o litoral com a região beirã.” Remonta a esse tempo o Ramal (Estrada Distrital nº 105) que fazia a ligação, na Catraia dos Poços, à Estrada Real nº 12.

Os documentos (séc. XVIII) estudados por Maria Adelina Seco, apontam para o “Porto da Foz do Alva”. Será que no séc. XVIII a Raiva e Porto da Foz do Alva eram a mesma coisa? Não se sabe exactamente. Outro porto, que não pertencia a Penacova, mas fazia parte de toda a dinâmica comercial da época era o Porto da Foz do Dão. Quando o caudal o permitia desempenhava também um papel importante. O “Livro de Penacova” regista que José Gomes, criado de João Silva, afiançou, em Fevereiro de 1774, uma pipa de vinho que “remete de sua caza (Vale da Vinha) para o porto da fós dão, termo de Ovoa.”

Os barqueiros são também na sua maioria naturais das diversas povoações do concelho. Ainda no principio do século XX a vida de muitos habitantes das povoações ribeirinhas estava ligada ao rio. Já o “Livro de Penacova” referia com frequência pessoas de Oliveira do Cunhedo, Penacova, Carvoeira, Miro, Vila Nova, Raiva…

A abertura do Caminho de Ferro da Beira Alta, em 1882, terá sido a causa principal da decadência da navegação comercial (o caminho de ferro, mas também o assoreamento do rio, entre Coimbra e Figueira, a beneficiação das estradas e o aparecimento de empresas de camionagem). A mesma foi morrendo e nos últimos tempos de atividade só a lenha, a madeira e a carqueja eram transportadas sobretudo para Coimbra e “mesmo estas porque seria mais económico que a camionagem”. Havia (na Raiva) um cais para as pilhas de lenha e da madeira e mesmo “uma construção destinada a cubicagem dessa madeira.”