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31 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (VI) "Tais são as considerações que submetemos à alta e ilustrada apreciação de V. Ex.ª


“Para o melhor aproveitamento agrícola e industrial das Águas dos Rios Mondego e Alva convirá, talvez, considerar-se o Mondego inavegável nos meses de Verão, do Porto de Gondelim para cima, afim de serem dispensados os proprietários das condições onerosas com que actualmente lhes são concedidas as licenças para construção e aproveitamento dos caneiros, visto ser de importância nula, naquela época, a navegação.”
Com este parágrafo terminámos o excerto anterior, relativo - como é do conhecimento dos nossos leitores habituais - ao Relatório elaborado pela Câmara Municipal no longínquo ano de 1898.
Vamos concluir a publicação desse documento que traça uma radiografia dos problemas sentidos no concelho e revela o modo como os poderes públicos locais reagiam e avançavam até com algumas propostas de melhoria e de resolução para os mesmos.
“Convirá também dispensar igualmente as formalidades e despesas de licença para as obras provisórias que para o mesmo fim hajam de fazer-se. Não devemos esquecer que é raro o agricultor que sabe fazer um requerimento.
A fim de facilitar o crédito rural , entendemos que bastará que as nossas leis sobre o assunto se inspirem noutro pensamento que não o de aumentar o rendimento do selo.
Assim, não devem subsistir algumas taxas da lei do selo incidindo sobre as escrituras de mútuo e fiança do mesmo contrato; e, sobretudo, deve modificar-se o artº 798 do código de processo civil, considerando títulos particulares de mútuo pelo menos até à quantia de 50$000 réis.
Os capitalistas, naturalmente tímidos, mais do que usuários, só emprestam os seus capitais com as garantias que julgam suficientes. Por isso convém que se facilite a cobrança coerciva desses capitais, tornando-a o menos dispendiosa possível, para que o credor tenha o capital seguro com uma hipoteca de pouco maior valor. Nas circunstâncias actuais, quem tenha apenas 50$ ou 60$000 réis em propriedade não acha quem lhe empreste um vintém, porque a cobrança coerciva dele absorvia em selos e custas todo o valor da hipoteca.”
Mudando de assunto e retomando alguns aspectos já abordados, continua o relatório:
“Não há neste concelho grandes indústrias (apesar de poderem aproveitar-se para isso as óptimas quedas de água do Alva e Mondego) nem pode desenvolver-se o comércio e as pequenas indústrias já existentes enquanto não estiverem abertas as estradas real nº 48, desde Penacova até à Raiva, e a distrital nº 73, desde Penacova até à estação do Luso. Aquela liga com Penacova e Coimbra, por caminho curto, seis freguesias deste concelho que se acham separadas por serras quase intransitáveis, e grande parte dos concelhos de Tábua e Arganil. Esta, já construída em parte, atravessando as freguesias de Penacova e Sazes, serve povos de uma região muito fértil, que actualmente tem péssimas estradas, e permite a exploração das pedreiras de mármore de Sazes e de cal de Penacova e Sazes, que se encontram precisamente ao longo do trajecto projectado da mesma estrada.
Sem estas duas construções não é possível fazer prosperar neste concelho a agricultura, comércio e indústria, por causa da enorme dificuldade de transportes.
Ainda julgamos dever chamar a atenção de v. ex.ª para outro assunto de grande importância neste e em muitos concelhos do país. Durante os últimos anos foi grande a emigração para o Brasil, saindo muitos indivíduos sem passaporte legal.
A emigração clandestina acabou quase completamente depois das medidas repressivas que foram tomadas, mas acham-se no Brasil milhares de portugueses que aqui estão considerados como desertores e sujeitos a penas graves por não haverem cumprido os preceitos da lei do recrutamento, resultando deste estado de coisas, que os que se acham naquelas circunstâncias não regressam nem mandam capitais, com grande prejuízo para eles e para o país.
Deve pois estudar-se o modo de remediar tais inconvenientes por forma equitativa.
Tais são as considerações que submetemos à alta e ilustrada apreciação de v. exª. “
Deste modo termina o Relatório. Para conhecimento e apreciação dos leitores mais interessados pelo passado de Penacova, entendemos fazer a sua transcrição integral, que agora fica disponível para quem se interessar em fazer a sua análise crítica.


 [FINAL DO RELATÓRIO]


28 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (V)

Depois de, no excerto anterior, se ter falado da instrução primária e da sua importância também para a actividade agro-florestal, salienta-se no texto de hoje  a necessidade de criar mais “postos de trabalho” como hoje se diria. Recordamos que temos vindo a transcrever na íntegra o conteúdo de um Relatório da Câmara dirigido ao Governo em 1898, o qual reflecte os problemas e as preocupações dos responsáveis político-administrativos de então.

“Assim preparada a população laboriosa, preciso é que lhe não falte o campo onde exerça a sua actividade.
Neste sentido deve prover-se ao melhor aproveitamento das terras tornando a agricultura não só mais intensa mas também mais extensa. A propriedade tende a pulverizar-se por sucessivas divisões.
É conveniente estabelecer para o futuro a indivisão das propriedades que não tenham um certo valor ou rendimento; permitir a expropriação dos pequenos prédios encravados; dar, em caso de venda, o direito de preferência aos proprietários confinantes desde que o prédio a vender não tenha um certo valor.
Também neste concelho como em muitos outros , em que o solo é muito irregular e montanhoso e a propriedade excessivamente dividida, os pequenos prédios se acham depreciados, umas vezes por não terem servidão legalmente constituída sobre os prédios vizinhos  e carecerem dela, outras por se acharem onerados com servidões desnecessárias. É da máxima conveniência que a constituição, mudança e cessação de servidões sejam  feitas, em regra, no juizo conciliatório, dispondo-se que as custas no juizo de direito sejam pagas pela parte que não quis conciliar-se, todas as vezes que na sentença final seja atendida a petição do autor dentro das bases da proposta conciliatória ou na proporção em que o for.
Deve igualmente simplificar-se o processo para se efectuar o despejo nos prédios rústicos.
Pode alargar-se muito mais a área da cultura neste concelho, já promovendo o aproveitamento dos areais nos rios Mondego e Alva, facilitando o alinhamento e licença para as obras necessarias já  dando aos municípios mais liberdade na administaraçao dos baldios, permitindo às câmaras municipais a demarcação deles e o seu arendamento, aforamento ou venda, conforme se julgar mais conveniente; e quando os baldios devam ser aproveitados para plantações ou sementeiras de árvores poderem as câmaras chamar os povos vizinhos à sementeira ou plantação das matas comuns, dando  cada fogo um ou dois dias de serviço por ano, e podendo ser divididos pelos mesmos povos os estrumes  e as árvores cortadas para desbaste.
Para o melhor aproveitamento agrícola e industrial das Águas dos Rios Mondego e Alva convirá, talvez, considerar-se o Mondego inavegável nos meses de Verão, do Porto de Gondelim para cima, afim de serem dispensados os proprietários das condições onerosas com que actualmente lhes são concedidas as licenças para construção e aproveitamento dos caneiros, visto ser de importância nula, naquela época, a navegação.


CONTINUA

15 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (IV)

Publicamos mais um excerto do relatório que a Câmara redigiu e enviou ao Governo chefiado pelo progressista Luciano de Castro, em 1898. O tema de hoje gravita em torno da importância da instrução primária, da enumeração das carências existentes e das propostas de melhoria.
Uma escola primária da época (Mafra)

Refere o relatório:
“Mas, desembaraçada a actividade dos que trabalham de inuteis dispêndios do tempo, é preciso dirigi-la por forma que a produção aumente em quantidade, perfeição de trabalho e valorização. Para o conseguir, são precisas duas condições - a instrução técnica e a facilidade de comunicações.
O trabalho inteligente produz mais e com mais produção. Julgamos por isso de urgente necessidade que se restabeleçam os antigos exames elementares e complementares  nas sedes dos concelhos e as escolas complementares nas mesmas sedes; que se organizem programas adequados a cada concelho para a respectiva escola complementar ; que se promova a frequência das escolas, chamando de preferência ao serviço militar os mancebos que não fizeram exame elementar e chamando na falta destes os que obtiveram aquela habilitação; que se tornem obrigatórios para certos empregos os exames elementares e complementares; que se divulguem, quando possível, os conhecimentos elementares de agricultura por meio de manuais práticos distribuidos aos alunos das escolas, etc.
Os decretos de 6 de Maio de 1892 e 22 de Dezembro de 1894 foram verdadeiramente ruinosos para a instrução primária. O número das aprovações nos exames elementares  neste concelho foi, respectivamente, nos anos de 1889 a 1891, de 28, 45 e 46.
Nos três anos seguintes o número de aprovações baixou, por virtude do decreto de 6 de Maio, respectivamente a 23, 27 e 24.
No ano de 1891, único em que houve neste concelho exames complementares por ter sido pouco antes criada a respectiva escola, foram aprovados nestes exames 7 alunos. Pois, com a supressão destes exames, nos anos de 1896, 1897 e 1898, foram aprovados no exame de instrução primária  elementar do 2º grau, respectivamente, 5, 6 e 3 alunos!
Estes números parecem-nos por demais elucidativos. Viu-se que não só os professores se estimulavam procurando cada um apresentar os seus alunos muito bem habilitados, mas os próprios alunos e seus pais se não poupavam a trabalhos e despesas a fim de que o resultado daquelas provas públicas os honrasse no seu pequeno meio.
As escolas complementares nas sedes do concelho podiam habilitar os filhos dos lavradores e industriais de mediana formatura e adquirir com pequena despesa, além da instrução geral, grande cópia de conhecimentos profissionais sem contrairem os há- bitos de luxo a que ficam sujeitos saindo para fora do concelho.
Os programas destas escolas devia variar segundo a necessidade dos concelhos; assim nos concelhos essencialmente agrícolas, como este, se ensinassem melhores processos de preparação de estrumes e adubos, a escolha destes segundo a diversidade dos terrenos e sementeiras, as vantagens da irrigação e drenagem das terras, as vantagens da arborização das encostas, da escolha das castas e enxertia e da criação de gados, etc.
A iniciação dos alunos a estes estudos dispo-los-ia a continuar neles depois de sairem da escola, levando-os a abandonar os processos rotineiros que seus pais geralmente seguem e prepararia em breve uma geração bem orientada. Noutros concelhos teria preferência o estudo da escrituração comercial, do desenho industrial, etc.”

CONTINUA

06 janeiro 2016

Penacova 1898: um retrato (III)

Prosseguimos com a publicação do relatório que em 1898 a Câmara apresentou ao Ministro das Obras Públicas, Elvino de Brito. Na primeira parte aqui transcrita, fazia-se a caracterização geográfica e sócio - económica do concelho; no segundo texto, dava-se conta da situação da indústria, incluindo a extractiva. Concluía-se que, não fora a emigração para o Brasil, Penacova atravessaria na altura uma situação ainda mais grave. No excerto de hoje, que poderíamos intitular de "Economia do Tempo", adiantam-se algumas soluções para muitos dos "constrangimentos" existentes.

Vejamos:

“Diversas medidas legislativas podem, no nosso entender, animar esta regeneração nascente e promover neste concelho uma prosperidade de que ele nunca gozou.
Desde que só pelo trabalho inteligente do homem se aproveita e valoriza a feracidade natural do solo, a primeira coisa que se deve procurar é a economia do tempo; e a este respeito, alguma coisa há a fazer, simplificando muitos serviços.
Por exemplo: pela actual lei do recrutamento estão quase todos os mancebos , maiores de 20 anos, sujeitos ao serviço militar da 2ª reserva, e, em virtude do disposto no regulamento dos serviços de reservas, não podem os reservistas ausentar-se do seu concelho por mais de trinta dias sem participarem, na respectiva administração do concelho, aquele para onde vão residir – um dia perdido; depois, deve o reservista apresentar-se na administração do concelho para onde vai residir dentro de 30 dias – outro dia perdido.
Se novamente regressar ao seu concelho passados dois ou três meses terá de perder outros dois dias.


Mas ainda o pior é que em muitos casos (e aqui dá-se isso com os sarreiros, ceifeiros, corticeiros, negociantes de palitos, etc) os reservistas passam na época própria do ano a exercer a sua profissão por grande parte do país, não se fixando em determinado concelho; estes têm que optar pela transgressão do regulamento, suspeitando-se as consequências, ou pela miséria proveniente da falta de trabalho. Melhor seria exigir apenas a mudança de domicílio quando os reservistas fossem para outro concelho com ânimo de fixar nele a sua residência, tanto mais que podem ser prevenidos pela imprensa periódica ou pelas famílias do seu chamamento ao serviço ou à revista.
Os serviços administrativos nos concelhos e paróquias têm uma ordenação de tal forma complicada que é muitas vezes impossível encontrar pessoal com as suficientes habilitações para bem desempenhar os diversos cargos; e a iniciativa local é entorpecida e esterilizada, especialmente nas corporações de fraca receita, como são muitas câmaras municipais e quase todas as juntas de paróquia, pelas excessivas formalidades que as leis exigem sem vantagem de fiscalização que compense.
Deve dar-se mais liberdade às corporações locais e tudo o que se fizer neste sentido merecerá agradecimento dos povos.”

CONTINUA




30 dezembro 2015

Penacova 1898: um retrato (II)

Em finais do século XIX o governo solicitou às “camaras municipaes do paiz” um relatório sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades e aspirações, conforme se referiu anteriormente.
Continuamos a publicar o documento que a Câmara de Penacova remeteu ao Governo chefiado por Luciano de Castro em 1898:

“No reino mineral são dignas de menção as pedreiras de mármore de Sazes e de calcário das freguesias de Sazes e Penacova de que se extrai cal preta de primeira qualidade, e as de granito, para cantaria e mós, das freguesias de Penacova e Friúmes.

Não há neste concelho minas em exploração, não obstante ser carbonífero o terreno ao sul da serra do Bussaco. Estão registadas nesta comarca, no corrente ano, em favor de Carlos Leuschner e outros, dez minas de metais preciosos, carvão, ferro, chumbo e outros metais.

Não há indústrias dignas de serem especialmente mencionadas a não ser as de madeira, lenha, cal e palitos.

Dadas as condições naturais do solo a persistente actividade da população deste concelho, devia a sua riqueza ser muito maior e o bem estar mais geral. 
Este facto é devido a causas várias, que vamos apontar, algumas das quais são gerais e outras privativas deste concelho.

Começou a crise neste concelho com a abertura da linha férrea da Beira Alta, afectando toda a população das margens do Mondego pela supressão, quase completa, da indústria de barcagem que se fazia entre a Figueira e a Foz do Dão.

Logo a seguir a filoxera devastou as vinhas e outras moléstias secaram grande parte dos olivedos e castanhais, ficando, por estes motivos, muitos braços sem trabalho e muitas famílias sem suficientes meios de subsistência. 

Mas nem se organizaram bandos precatórios [ peditórios na via pública] nem a propriedade foi menos respeitada; desenvolveu-se a emigração extraordinariamente, o que determinou a afluência de capitais, vindos principalmente do Brasil, com que se sustentam muitas famílias e se procura restaurar a cultura da vinha e melhorar todas as outras.”


CONTINUA

20 dezembro 2015

Penacova 1898: um retrato


Quase a terminar o século XIX, durante a vigência de um governo presidido por Luciano de Castro, foi solicitado às “camaras municipaes do paiz” um relatório sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades e aspirações . Deveriam também ser apresentados alguns “meios de remediar ou atenuar o mal presente e preparar a prosperidade futura”.
Assim, a Câmara de Penacova enviou em 11 de Outubro de 1898, ao então ministro das Obras Públicas, conselheiro Elvino de Brito,  um documento que, passados quase 120 anos, nos poderá ajudar a perceber melhor alguns dos problemas com que Penacova ainda hoje se debate.
Dada a sua extensão, começaremos hoje por publicar a parte inicial do relatório que depois de uma breve caracterização geográfica, tece algumas considerações sobre a situação da agricultura.

“ O concelho de Penacova está situado a nordeste de Coimbra e confina pelo norte com os de Mealhada e de Mortágua; pelo nascente com os de Tábua e Arganil e pelo Sul com o de Poiares. A sua superfície é de 160 km2 aproximadamente; a população é de 18 382 habitantes, isto é, cerca de 114 habitantes por quilómetro quadrado.
O clima é frio e salubre, o solo muito irregular e montanhoso, mas fértil.  Por todo ele se cultivam cereais, especialmente o milho e centeio, havendo também cultura de trigo, cevada e aveia. É considerável a sementeira de batata e feijão. As vinhas davam-se optimamente antes da invasão filoxórica, sendo o vinho de boa qualidade; hoje estão sendo renovadas pela cepa americana, que vegeta excelentemente.
A produção de azeite era ainda há poucos anos muito avultada mas tem decrescido muito, devido à moléstia que seca as oliveiras.
Os castanheiros vegetaram optimamente mas estão igualmente quase extintos pla moléstia que os afecta com grande prejuízo para este concelho.
Há em geral bastantes árvores de fruto Das diversas espécies, que se desenvolvem e frutificam bem e os frutos são saborosos, segundo a sua qualidade.
 Nos terrenos mais fracos das encostas dá-se bem o pinheiro, sendo grande a extensão desta sementeira e grande o seu rendimento em madeira e lenha.
As terras cultivadas dão boas pastagens.
Não há terrenos desaproveitados, a não serem, nas serras, os baldios que são extensos e apenas servem para pastagens de gados, e nas margens dos rios Mondego e Alva os areais em que se pode alargar muito  cultura do milho e feijão pela notável fertilidade dos terrenos marginais, enquanto são inundados pelas enchentes.
A riqueza não está acumulada, mas a propriedade, em geral, excessivamente dividida. As terras amanhadas são na sua maior parte regadas com a água das fontes e nascentes que há muitas, ou com a das ribeiras e rios (Mondego e Alva) geralmente abundantes."


(CONTINUA)