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30 agosto 2016

Umas Férias em Penacova (IV): o Castelo, a Srª da Guia, o Palácio Ducal e o casamento de Vasco da Gama nesta vila...

“Umas Férias em Penacova” – assim se intitulou um conjunto de crónicas que Alves Mendes publicou no Verão de 1857. No texto de hoje, somos confrontados com alguns dados históricos [recordados no jornal O Conimbricense há 160 anos] relativos a Penacova, alguns deles provavelmente desconhecidos da maioria dos penacovenses e perdidos na memória dos tempos… 

"Entretenhamo-nos por um pouco com dar a nossos leitores ainda que a largos traços uma notícia exacta de minha veneranda pátria.
A sua posição no cimo de um monte escarpado cujas costas se acham povoadas de gigantescas e copadas oliveiras, é sem dúvida de um aspecto admirável e penetrante, e o seu clima belo e excelente torna de duplo merecimento esta vila de remota antiguidade.
(…) Sobranceira a esta vila se acha o Monte Alto, que dela rouba o nome e que pelo airoso esmalte das árvores que o ornam acabam de completar este Éden terreal. Existem nesta vila os Paços do Duque de Cadaval, que em tempos antigos pertenciam aos Condes de Odemira, que deles eram donatários. Este excelente edifício tinha uma espaçosa capela onde com toda a devoção outrora se prestava culto à divindade e em que se veneravam ricas imagens, das quais hoje algumas pertencem à Paroquial e outras a pessoas devotas, que as souberam alcançar. Acha-se hoje plenamente arruinada, conservando-se apenas o altar-mor e as paredes colossais que ainda disputam aos séculos a sua duração e servindo o pavimento para usos profanos!
Ainda se discriminam, posto que com alguma dificuldade, os vestígios do antigo castelo que possuía, cujo lugar era num elevado oiteiro que lhe fica ao fundo, e que hoje é coroado com uma, ainda que pequena, contudo sumptuosa, capela dedicada à Senhora da Guia, donde não somente é dominada a vila, mas se goza da vista encantadora do tortuoso Mondego em mais de uma légua de distância. (…)
Tem Penacova uma igreja paroquial cuja padroeira é N. S. da Assumpção: é ela duma arquitectura simples, porém majestosa. (…) entre as muitas e milagrosas imagens deste templo é notavelmente conhecida a do Senhor dos Passos, que antigamente pertencia aos Paços do Duque de Cadaval.
(…) Também Penacova se vangloria de terem entrado no número dos seus Vereadores, D. Vasco da Gama com seu irmão Paulo da Gama, como muito bem se colige de suas assinaturas que hoje existem nos antigos documentos da Câmara. Quer enfim a tradição ensinar, que o célebre descobridor das Índias contraira nesta vila o seu casamento!
De resto nada há digno de menção."

Penacova, 2 de Setembro de 1857

António Alves Mendes da Silva Ribeiro
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Em notas de rodapé, Alves Mendes desenvolve neste texto a origem etimológica do topónimo Penacova. A propósito da capela da Srª da Guia fala da intenção que terá havido em tempos de se construir ali um templo dedicado a S. Pedro a expensas de um penacovense emigrado no Brasil. Avultada quantia terá mesmo sido entregue ao prior D. João da Cunha Souto Maior mas este acabou por apenas construir as paredes, tendo gasto o restante em obras de caridade. Só em 1783 o Pároco, Tomás Patrício dos Santos, decidiu construir no local um espaço mais modesto,  a capela da Sª da Guia de que hoje apenas resta a fachada.
A referência ao casamento de Vasco da Gama tem algum fundamento. É que, Catarina de Ataíde, sua mulher, era de facto filha de António de Ataíde, Senhor de Penacova

16 agosto 2016

Umas férias em Penacova (II): meditações de Alves Mendes

Publicámos há dias o excerto de uma crónica de Alves Mendes onde este grande vulto da cultura nacional nos falava de Penacova, da Quinta de Carrazedos e de todo o ambiente que a circunda.
O texto de hoje, mais centrado na reflexão filosófica, confirma aquilo que dissemos na postagem anterior: a sua propensão para o questionamento filosófico-teológico que viria a fazer dele um dos maiores Oradores Sagrados, reconhecido pelas mais altas instâncias culturais, literárias, políticas e sociais da segunda metade do século XIX. Um nome penacovense porventura muito mal conhecido na sua própria pátria, termo que utilizava para se referir à sua Penacova.

(…) Era numa dessas manhãs deestio, quando a natureza, adornada de todos os seus esmaltes encantadores, convidou a minha alma triste e melancólica à sua insondável contemplação.
Apenas o relógio da minha pátria [Penacova] acabava de bater com som pousado as três da manhã, já um variado e nobre canto do rouxinol ressoava majestosamente pela janela entreaberta do meu quarto. Acordei a esta melodia e um invencível impulso me agitou a aplicar-lhe mais de perto o ouvido. Oh! Misteriosa cena era a visão do firmamento! Já não era o gorjeio do rouxinol que me prendia a atenção: cousa mais nobre e sublime comovia o meu pensar.
Saio repentinamente e vou ver se, no silêncio melancólico da aurora que ia despontando,  encontro com que saciar um não sei quê de prodigioso que me embriagava os seios indecifráveis da alma.
O ar estava límpido e sereno: as estrelas raras e desmaiadas ainda esmaltavam o azul firmamento-e a lua quase a esconder na imensa superfície do oceano acabava de lançar os seus pálidos raios sobre as sombras da natureza. Toda enfim, toda essa fábrica grandiosa do universo dava o meu espírito lugar para a meditação.
Deus! Grande Deus! (dizia eu a sós comigo) concede-me que fite os olhos n’essa massa extraordinária, obra admirável do teu poder!
Deixa-me percorrer com espanto por todos esses mundos que giram no grande espaço! Deixa-me admirar a tua omnipotência!...
Mas...não, não quero tanto...assaz me contento com a terra que me sustenta! Essa só será objecto de meus pensamentos!
Terra, oh terra?! Mas que, nada fala! Tudo é silêncio, tudo mistério!...cinco horas não tem passado depois que me rodeavam tantos mortais, mas agora, agora nada vejo! Os vales, que me circundam estão sepultados no sono da eternidade, e só serras e mais serras orlam com toda a graça o oriente...
Então só eu vivo? Só eu existo?!...
Oh! sim eu! Quem sou eu! Mísero pó animado! Ludíbrio de minhas próprias reflexões! Reflicto sobre mim e que acho?! Acho sombras, acho sei que...Mas não, ainda outra vez, não sou eu só que povoo o universo, não sou eu só que existo, não...não...Este silêncio acaba, esta tranquilidade vai em pouco ter fim...os enfraquecidos membros do agrícola ainda não estão alentados: mas que disse? Pois só o agrícola vive? Não, de certo, não...
E o filósofo, o comerciante, e o...Ah! a maior parte destes estão velando certamente... esta é a hora empregada pelo sábio na meditação no seio do gabinete.... Oh! quantos, quantos estarão neste momento decifrando problemas, aprofundando mistérios, e formulando leis capazes de reger o mundo inteiro?! Quantos oh! Quantos se estarão entretendo à luz moribunda do candeeiro em pensar talvez no mesmo, do que me ocupo? Quantos oh! E quantos entregues a loucos divertimentos, a prazeres estúpidos e insípidos estarão desprezando as graças do Eterno, ou, não direi tanto, um sono seguro e tranquilo?!
Em fim é mundo! Tudo forma um contraste...uns pensam, outros dormem, uns riem, outros choram, uns mendigam outros enriquecem, uns se pervertem, outros louvam o criador...!
Então, uma vez só, para que vive o homem? Para que vivo eu? Para que existe o universo?...
Ah! Meditação, meditação, e nunca acaba a meditação...Existe o homem, existe o universo! Existe quem medite, existe em que meditar... (…)
António Alves Mendes, 1857