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30 abril 2019

Afinal a Igreja caiu ou não caiu?


É voz corrente que o actual edifício da Igreja Matriz de S. Pedro de Alva é o resultado do “acrescentamento de uma mais pequena, do século XV, destruída pelo sismo de 1755.” Assim se pode ler no sítio web [1] da Junta de Freguesia.

Também o “Inventário Artístico de Portugal” [2], no volume dedicado ao distrito de Coimbra, da autoria de Virgílio Correia e A. Nogueira Gonçalves, refere que “o edifício actual pertence a duas épocas: a capela-mor ao segundo quartel do séc. XVI e o corpo da igreja à segunda metade do séc. XVIII, por ter desabado o da época quinhentista, com o terramoto de 1755”. Nogueira Gonçalves foi padre, professor e Conservador do Museu Machado de Castro, sucedendo a Virgílio Correia naquele cargo. O trabalho destes dois investigadores é reconhecido como sendo modelar. No entanto, contrariando estas afirmações, deparámo-nos, há tempos, com a existência de um documento datado de 1756 que poderá pôr em causa a tese da destruição parcial da igreja na sequência do terramoto.

No rescaldo do forte abalo sísmico ocorrido em 1755, D. José I - com a colaboração de Sebastião José de Carvalho e Melo - mandou fazer um inquérito para ser enviado a todos os párocos do reino. Essas INFORMAÇÕES DOS PÁROCOS DE DIVERSAS REGIÕES DO PAÍS RELATIVAS ÀS CONSEQUÊNCIAS DO TERRAMOTO DE 1755 encontram-se arquivadas na Torre do Tombo, em Lisboa. Nem todos os vigários responderam mas, naquele conjunto de documentos, encontra-se o relato do pároco de Farinha Podre onde, o mesmo, escreveu: “Não houve ruinas algumas ainda nos edifícios de maior grandeza, como esta Igreja (Padroado Real) que pelo levantado, e majestoso de seu arco cruzeiro e capela-mor excede as mais deste arcediagado, obra antiga, de que não há memória, e só tradição ser fundada pelos Templários.”

Mais à frente, reforça o facto de não ter havido danos materiais: “É esta freguesia povoada só de lugares ou aldeias em um sítio vulgarmente chamado Casconha e como o terramoto não causou mais abalo, que horror e espanto, não houve providência alguma imediata.”
 


O documento tem a data de 15 de Maio de 1756. Mais tarde, em 1758, foi lançado um novo questionário, onde, além de outras questões, se perguntava novamente se a freguesia havia “padecido” de alguma “ruina no terramoto de 1755” e, no caso de ter existido, em quê e se estavam reparados os danos. Ora, também neste documento, nada se refere quanto ao pretenso desabamento da Igreja, e nem sequer se responde à questão 26, que dizia respeito às consequências do terramoto.

Se tivesse havido tão significativo estrago na Igreja Matriz o que poderia ter levado o pároco a não o comunicar, passado apenas meio ano? Por outro lado, em que fontes se terão baseado os autores do Inventário Artístico? Ficam as perguntas.
______________
[1] http://www.uf-spaspm.pt/
[2] Inventário Artístico de Portugal-Distrito de Coimbra, de Vergílio Correia (reorganizado e completado por A. Nogueira Gonçalves publicado pela Academia Nacional de Belas Artes em 1952.

07 maio 2016

A terra tremeu em Carvalho

No dia 1 de Novembro de 1755 a terra tremeu em Portugal, com maior violência em Lisboa, mas por todo o país se verificaram inúmeros estragos com diversos níveis de gravidade.

Em Carvalho o abalo foi sentido seriam nove e meia da manhã. “Senti o primeiro tremor de terra, o qual durou meio quarto de hora, ou pouco mais, posto que com alguns muito pequenos intervalos”- escreveu o Prior Sebastião Soares D’ Eça. “O impulso foi como do centro da terra para o ar e não de um para outro lado.”- acrescenta.



Pormenor do documento existente no arquivo
nacional da Torre do Tombo



Recorde-se que a maior parte da informação acerca do sismo nos chegou através do inquérito realizado aos párocos das várias freguesias, cujas respostas foram compiladas no chamado Dicionário Geográfico de Portugal, elaborado pelo padre Luís Cardoso. O “interrogatório” compunha-se de três partes e pretendia saber as consequências do terramoto: a que horas principiou e o tempo que durou; se se percebeu que o impulso fosse maior do lado norte ou do lado sul; que número de casas arruinou em cada freguesia; se havia edifícios notáveis e o estado em que ficaram; que pessoas morreram e se alguma era distinta; que alterações se viram no mar, nas pontes e nos rios; se a terra abriu algumas bocas, o que nelas se notou e se surgiu alguma nova fonte; que providências se deram imediatamente em cada lugar pelo eclesiástico, militares e ministros; se aconteceram outros terramotos depois do acontecido no primeiro de Novembro; se havia memória de outros terramotos; que número de pessoas, de cada sexo, tinha cada freguesia; se houve falta de mantimentos; se houve incêndios, o tempo que duraram e os danos que fizeram.

Nesta freguesia “não houve ruína alguma total”, mas sabe-se que muitas casas apresentavam “notável ameaça de ruína” com “grandes brechas” e “falta de prumo”. De referir que das fontes saíram águas turvas. Diz ainda o Prior que “Nas paredes destas casas em que vivo” eram visíveis algumas “brechas quase da largura de dois dedos”. Em Carvalho “Não se experimentou falta de mantimentos, nem houve incêndio algum”.

Os abalos telúricos não se restringiram ao dia de Todos os Santos. “Aos quarenta/quarenta e um dias depois, pelas quatro horas depois da meia noite” ocorreu um segundo tremor de terra “que durou o espaço de doze minutos e com menos violência”. De treze para catorze de Janeiro sentiu-se um terceiro abalo “pela uma hora depois da meia noite, já com menos duração e força que o segundo”. É referido ainda um quarto, com “muito menos abalo” a 6 de Março pelas 8 horas da manhã.

À semelhança do que aconteceu por todo o país , também aqui se organizou uma “procissão pública”, e outros actos “penitênciais” como forma de “aplacar a Ira de Deus Senhor Nosso”. Recorde-se que a partir do dia 1 de Novembro, a Igreja Católica organizou uma série de procissões e também penitências para, precisamente, “aplacar a fúria divina”. O patriarcado de Lisboa terá mesmo criado uma oração dos terramotos que terminava com a seguinte prece: “(...) vos pedimos, que nos livreis dos tremores de terra, e nos conserveis sempre no verdadeiro temor e tremor do vosso santíssimo Nome, até à hora da nossa morte, Ámen”

O referido inquérito, mandado elaborar pelo Marquês de Pombal, tinha um prazo limite de resposta, sob pena de sanção para quem não o cumprisse ou decidisse não responder. Num texto distribuído na diocese de Coimbra, a pedido do Bispo, D. Miguel da Anunciação, dizia-se o seguinte:“ Fazemos saber que Sua Majestade é servido que Vossa mercê distintamente responda aos Interrogatórios seguintes e que nos mande a sua resposta, para nós a pormos na Sua Real presença, o que Vossa mercê fará dentro do espaço de um mês, aproveitando-se desse tempo para conferir os pontos duvidosos com pessoas inteligentes e peritas, que comuniquem a Vossa mercê a luz necessária para o acerto”





Carvalho, 28 de Abril de 1756
O Prior Sebastião Soares D'eça


No texto remetido em resposta, refere-se também existirem 325 indivíduos do sexo masculino e 359 do sexo feminino. Tem a data de 28 de Abril de 1756 e está assinado, como referimos, pelo Prior Sebastião Soares D’ Eça.

OBS: Nem de todas as freguesias do concelho de Penacova existem as respostas ao referido inquérito, no entanto as que se conservam e que foram por nós consultadas permitem extrair elementos não só curiosos como de valor histórico..