29 junho 2023

S. João, o padrinho caloteiro...

 


O jornal A Lanterna (1901-1935) foi o principal representante do movimento anticlerical brasileiro e teve larga divulgação neste país no século XX. O anticlericalismo Brasileiro neste órgão da imprensa, foi muito mais de cunho religioso do que político, atacando principalmente os clérigos nos aspectos morais e dogmáticos.

Entre nós, o Jornal de Penacova, nos anos que precederam a implantação da Repúbica e principalmente durante os tempos agitados da aplicação da Lei da Separação, também foi veículo dessa crítica, muitas vezes implacável e não raro enxovalhadora dos padres que estavam à frente das paróquias.

Terá sido neste contexto, que naquele jornal brasileiro apareceu um pequeno artigo intitulado “Lanterna Mágica: Padrinho Caloteiro” e que, anedota ou não, dizia o seguinte:

“Segundo conta o Jornal de Penacova (Portugal) na igreja duma das freguesias daquele concelho procedeu-se ao baptismo de um rosado pimpolho, com a solenidade exigida pelo ritual respectivo.

A alturas tantas, o sacerdote pergunta ao padrinho se era casado e, tendo este respondido afirmativamente, indaga ainda se tinha casado civil ou catolicamente.
- Civilmente, respondeu de pronto o interrogado.
- Nesse caso não pode ser padrinho da criança…
- Não haja dúvida. O pior é que a criança tem de ser baptizada hoje e não há facilidade em encontrar outro padrinho, por toda a gente andar agora na azáfama dos campos…
- Tudo se remedeia, diz o padre, conciliador. Está ali S. João, que nada tem que fazer e que da melhor vontade se prestará a apadrinhar a criatura.
- Pois seja assim!

E assim foi.

Realizada a cerimónia, todos se preparam para sair, quando o padre pergunta:
- Então quem paga o baptizado?
- Quem paga ?! O padrinho, como é costume...
- Mas o padrinho…foi o S. João. Peça-lhe o dinheiro, Sr. Prior, que ele tem obrigação de lhe pagar…

Calculem a cara de... esperto com que o padre ficou... “




26 junho 2023

Quem conta um conto aumenta um ponto


Um dia desses, pesquisando um assunto no Google, por acaso deparei-me com uma publicação de abril/2016 no blog Penacova Online, na qual David de Almeida ao escrever sobre Gondelim e a Lenda da Senhora da Moita, se referiu a um texto meu, no qual eu dizia terem os moradores enterrado os sagrados objetos quando da invasão moura.

Com a minha revisita ao texto publicado pude ler dois comentários. Um de 2021, onde no um leitor anônimo apontava erros na minha narrativa, pois que os escondidos haviam sido encontrados no oco de um carvalho, e não que estivessem enterrados. No comentário de 2022, do próprio bloguista, defendeu-me ele dizendo ter sido minha narrativa romanceada. Comentário que encerra perguntando: E quem sabe afinal?

Do que se tem de mais antigo registrado, e creio ser de onde se retira todo o contexto histórico, está corretíssimo o leitor anônimo: melhor teria sido se tivesse eu escrito simplesmente que esconderam a imagem, sem florear muito.

Frei Agostinho de Santa Maria, em sua obra Santuário Mariano e Histórias das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora, publicada em 1721, no Tomo VII, Livro IV, Título XXIX, página 467, na busca de informações, sobre a imagem, esteve em Gondelim, lugar então com não mais que trinta vizinhos.

Deve ter podido conversar com todos. Falando sobre o que escutara dos moradores, registrou:

“…cujas notícias confesso as tive por frívolas, mas como não pude descobrir quem me
desse mais exatas, me acomodei a descrever o que pude achar”.
“… não é possível averiguar, que quando o bárbaro Almansor destruiu a Província de
Beira, no ano de 983, os cristãos de Gondelim, temerosos do diabólico furor,
despojaram a igreja de todas as coisas sagradas”.
“... esconderam a imagem e o sino em um bosque ou mata fechada”
“… passado aquele furioso tormento…esta fé dilatou por tantos anos, que mortos os
pais e filhos espalhados por lugares, se perderam a lembrança do escondido tesouro,
de sorte que os novos moradores de Gondelim já não tinham dela notícia, que aos
mouros havia sido ocultada e não permitiu tantos anos fosse achada”.

Escondida que fora em 983, com os mouros expulsos em 1492, se deduz ter sido mantida escondida por mais de 500 anos.

Quanto ao encontro extraordinário o frei escreveu:

“…nessa pois tradição os naturais, referida de pais para filhos que fora escondida
e achada milagrosamente, a imagem de Nossa Senhora da Moita metida em um
cavernoso tronco de carvalho...”.

Em 1712, o mesmo autor, de modo mais conciso, escrevera no Tomo IV, Livro 2, Título XCII, página 645:

“Os princípios e a origem dessa Santa Imagem se referem mais por tradição do que
escrituras…dizem os moradores e velhos daquele lugar, que os princípios dessa
imagem são de tempo imemoriais”.
“… porque dizem que assim ouviram dos seus antepassados, e a tradição conservam”.
“ …havia uma mata onde fora achada a Santa Imagem metida no tronco de
um carvalho…”.

Dessas obras extraí a passagem para o prefácio do meu romance, ainda não publicado. Para melhor deixá-lo, na revisão optarei pelos verbos utilizado pelo Frei Agostinho. 

Assim a imagem teria sido escondida e depois achada no tronco oco. Sem querer ferir suscetibilidades religiosas, até porque católico sou, o círio que não incluí entre os sagrados escondidos, caso o faça, ao serem encontrados, eu o manterei apagado, porque esse detalhe me parece um ponto que alguém aumentou ao contar o conto.

P.T.JUVENAL SANTOS

https://archive.org/details/santuariomariano07sant_0

https://archive.org/details/santuariomariano04sant_0