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quarta-feira, janeiro 08, 2025

Os palitos de Lorvão num livro americano



O palito: tecnologia e cultura, no original em inglês The toothpick: technology and culture, é o nome de um dos muitos livros de Henry Petroski (1942-2023), autor do "best-seller" O Lápis e professor de engenharia civil e história na Universidade de Duke, Estados Unidos da América. Os seus ensaios "desmistificaram" a engenharia, analisando projectos e falhas de grandes estruturas, como edifícios e pontes, mas Petroski escreveu também sobre muitos artefactos do quotidiano, como o lápis e o palito de dentes.

Na obra The toothpick, publicada em 2007, em que se fala, por exemplo, da indústria americana de palitos, desenvolvida por Charles Forster, faz referência, no sexto capítulo, intitulado “Made in Portugal” à história dos palitos de Lorvão.

Aí podemos ler o seguinte:

Possivelmente, a mais antiga e orgulhosa tradição sobrevivente de palitos de dente de madeira artesanais, conhecida e admirada em todo o mundo, exista em Portugal, no distrito de Coimbra, por onde corre o Rio Mondego. Aqui, não muito longe [...] de Penacova, fica o pequeno lugar de Lorvão, onde fica o mosteiro de Lorvão. É um dos mais antigos mosteiros de Portugal, tendo sido fundado pelos beneditinos antes da invasão moura. No final do século XII foi ocupado pela Ordem de São Bernardo.

As freiras faziam "um doce especial, que evidentemente era pegajoso para os dedos e pegajoso para os dentes”. Foi assim que “no século XVI, as freiras tiveram a ideia de fazer palitos de dentes para pegar nas iguarias e para limpar os dentes depois de comer.

Refere-se de seguida que “os famosos palitos de dentes” passaram a ser manufacturados, enquanto “indústria caseira” pelos habitantes de Lorvão e terras vizinhas.

Salienta o autor que “esses palitos de dentes, lindamente cinzelados, eram considerados os melhores palitos de dentes feitos em qualquer parte do mundo".

Petrosky introduz agora uma nota que habitualmente não é referida e, quanto a nós, carece de confirmação. Diz ele que “no final do século XIX, os palitos de dentes portugueses continuavam a ser esculpidos à mão a partir de lascas de pau-laranjeira por camponesas, sendo a única ferramenta usada um canivete comum" sublinhando que “o palito português de dentes, de laranjeira, era o preferido pela aristocracia da Europa".

Mais à frente: 

“[..] A fabricação portuguesa de palitos de dentes continuou a florescer, à sua escala, e em meados do século XX havia cerca de nove mil pessoas ocupadas no comércio […] Argentina e Brasil eram os principais consumidores dos palitos portugueses artesanais" - podemos ler igualmente.

O livro fala ainda da história de um ”curador de um museu odontológico holandês que visitou Lorvão no final da década de 1970 para ver se os palitos de dentes ainda eram feitos da maneira tradicional” concluindo que “o processo havia mudado pouco ou nada, apesar dos caprichos dos mercados e tratados. Ele descobriu que os palitos de dentes portugueses simples também eram feitos de salgueiro e choupo, madeiras que crescem nas margens dos rios Mondego e Tejo. Na preparação para fazer palitos de dentes, os homens cortavam os troncos de árvores derrubadas em comprimentos de vinte polegadas, que eram então despojados de sua casca e divididos em pedaços triangulares, parecendo não muito diferentes de lenha. Os pedaços eram amarrados em feixes e etiquetados com um nome”. […]

Sendo “o trabalho de fazer palitos de dentes assumido por mulheres e crianças”, o referido curador registou a demonstração da manufactura, feita pela mulher de um dos "lenhadores":

Uma tira de cerca de 2 cm de largura e da espessura de um palito de dentes foi cortada do pedaço de madeira e três incisões paralelas foram feitas nela, chegando quase até o final. A mulher então colocou um cinto de couro no colo apertando-o com um pedaço de barbante sob seus pés. Com uma faca comum de descascar batatas, ela apontou as pontas das, agora quatro tiras paralelas, girando as tiras cerca de 30° para a direita e depois 30° para a esquerda, um lado de cada uma foi arredondado. As tiras foram então giradas em 180° e o processo foi repetido. Por um corte horizontal, quatro pedaços foram cortados da tira. Quatro palitos de dentes nasceram! A mulher repetiu o processo na tira encurtada até que estivesse terminada. Os palitos de dente assim esculpidos eram todos do mesmo comprimento e se encaixavam exatamente nas caixas que estavam ali à mão.”

Este excerto, tendo como autor F.E.R. de Maar, encontra-se no artigo “The Toothpick Carvers of Lorvão”, publicado no Bulletin of the History of Dentistry (Abril de 1980).

Prosseguindo com a leitura do capítulo VI:

Os paliteiros de Lorvão foram, em certa época, os únicos que produziam dessa forma os palitos comuns do dia a dia, geralmente chamados simplesmente de palitos, parecem semelhantes, mas são mais longos, mais largos e mais grossos - além de serem consideravelmente mais pontiagudos, mais irregulares e mais individuais - do que os palitos de dentes cónicos e planos feitos à máquina que podem ser comprados hoje em supermercados americanos.”

Henry Petrosky invoca mesmo um autor português, escrevendo que “os artesanais também são mais suaves e geralmente mais flexíveis e de cor mais clara. De acordo com o historiador odontológico José de Paiva Boleo, a escolha da madeira e o método de produção garantem a boa qualidade dos palitos. Eles são flexíveis, dão resistência suficiente, a madeira não tem gosto nem cheiro e o trabalho manual tem um alto grau de perfeição."

É também referido “outro tipo de palito de dentes português, que geralmente é mais longo e bem mais elaboradamente esculpido e decorado” que “não eram feitos em Lorvão, mas nas proximidades de Penacova e em Poiares, e também na ilha portuguesa da Madeira e em Laranja, Brasil. […] Esses palitos de dentes elaboradamente trabalhados eram considerados muito caros para o comércio comum, mas ocasionalmente pequenas quantidades deles eram importadas "para uso em banquetes notáveis". Fora de Portugal e do Brasil, eles são admirados como peças únicas de artesanato.“

[Tradução livre do original:  Penacova Online)