30 junho 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (3): Terreiro (Largo Alberto Leitão)


 O "Terreiro", actual Largo Alberto Leitão, seria delimitado pela Igreja Matriz, pelo Passal e pelo Paço dos Duques de Cadaval. Onde hoje se situa a Câmara Municipal chegaram a crescer alguns eucaliptos e todo o largo não passaria de um amplo espaço de terra batida sem qualquer intervenção paisagística. 

Até aos inícios do século XIX pontificava naquela zona o palácio ducal. Este palácio entrou em ruinas e mais tarde acabou por ser devorado por um incêndio. Foi sobre essas ruinas e escombros que foi construído o edifício dos Paços do Concelho, onde também funcionou mais tarde a Cadeia e o Tribunal e algumas Repartições como as Conservatórias dos Registos  Civil e Predial.

Veio depois a Escola Conde de Ferreira que ainda se pode ver em fotografias antigas. Mais antigo seria o chafariz que existia não muito longe do local onde hoje é o Café Beirão. Só na primeira década de novecentos, por iniciativa de Augusto Leitão, falecido muito novo, foi construído aquele grande edifício que ainda hoje conhecemos. A esse empreendimento terá estado associado o seu cunhado, José Alves de Oliveira Coimbra, à época, comerciante, tanto que ali funcionou o primeiro centro comercial de Penacova, a “União Comercial”.  Nos anos 20 surge também aí o “Hotel Penacova”, propriedade de José Alves, que além de muitas ocupações também foi Farmacêutico encartado.

O arranjo urbanístico do Terreiro começou com a construção da Pérgola Raul Lino, inaugurada em 1918. As bases do actual edifício camarário só aparecem lá para os anos 30.  O edifício de origem  era para ser Casa do Povo. Os serviços da Câmara funcionavam no primeiro piso e o rés do chão era usado como centro de cultura e recreio. 

O coreto, outro ícone de toda aquela área, que existia ao cimo da rua de Santo António, acabou por ser demolido nos anos quarenta. Entendeu-se que se “afogava a bifurcação” do largo com aquele ramal.

Mais tarde, graças ao benemérito Abel Rodrigues da Costa e à orientação do Eng.º Rui Castro Pita, o Terreiro foi primorosamente ajardinado. Chegou a existir o típico canteiro com o Brasão do Concelho.

Refere a imprensa da época que o Terreiro se afirmava claramente como “sala de visitas”, como “salão de festas”, como “ jardim de Verão e Inverno”, no fim de contas como “ponto obrigatório de reunião”.  É curiosa a descrição que o pintor Martins da Costa faz, numa das suas crónicas (1987): “Antes de aqui me vir instalar, a recordação de infância que sempre tinha deste terreiro era a de um largo imenso com muitas árvores, um coreto e vultos de homens, geralmente dispersos, apáticos e de mãos nos bolsos”.

Até finais da década de noventa grande parte do Terreiro foi sendo transformado em parque de estacionamento, muitas vezes caótico, até que surgiram as polémicas obras de regeneração urbana que lhe conferiram uma nova feição. A primeira fase do projeto incluiu a reabilitação do largo Alberto Leitão e do largo de São João, tendo os automóveis que invadiam aquele Largo sido encaminhados para um novo Parque de Estacionamento, ali bem próximo na rua da Eirinha. Um novo quiosque e posto de turismo foram construídos e o busto de António José de Almeida, que se encontrava próximo da Pérgola, foi deslocado para o espaço fronteiro ao Café Beirão. 

Estão agora em curso as obras de requalificação dos antigos Paços do Concelho / Tribunal para dar lugar à Casa das Artes Martins da Costa. 

O Terreiro, este "centro do Centro da nossa Terra" é retratado no recente livro de Luís Pais Amante, "Penacova (In)temporal". Dois excertos do poema "Terreiro de Penacova":

Oh meu Terreiro bonito

Que ficas fronteiro ao Mondego

E olhas a direito pr’o seu vale catito

Ficando em desassossego

...

Oh Terreiro da minha mocidade

Das procissões, das fogueiras e das sardinhas a saltar

Das matanças a matar, dos magustos a magustar

E dos namoricos a condizer com a idade


19 junho 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (2): Chafariz do Porco




“Todos conhecemos esta fonte em Penacova, de onde jorra uma água fresquíssima, que corre para modesto tanque que se cobre de musgo e folhas verdes na Primavera, ou simplesmente de ouro e chocolate quando os ventos outonais vergastam as frondosas árvores que o cercam. Pois essa água puríssima que nos sacia a sede, molhando-nos a cara e as mãos, escorrega por um engenhoso tubo saído de uma bocarra animal, que muitos julgam ser cão, outros pensam ser lobo, mas que a generalidade do povo garante ser porco." 
in “A Casa Amarela” editado pela  Cooperativa Cultural Saudação em  2014.

Cabeça de lobo, cão, porco? Também há quem fale em javali...

Situado ao cimo da Costa do Sol, o Chafariz do Porco apresenta uma data, já pouco legível... será 1713, será 1753 ? 

Ao fazer também uma descrição daquela encosta, em 1857,  Alves Mendes refere uma fonte de água férrea que será provavelmente esta nascente: 

“É denominada esta bela extensão de terra de Terra de Carrazedos (…) Observa-se no cimo desta chanzada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos, donde em grossos jorros sobem levadas de água límpida e fresca, que vai regar todo o terreno até à margem do Mondego. Também há, a dois mil passos em distância desta, uma fonte férrea, que presentemente é bem concorrida.”

Sobre a natureza férrea da água do Chafariz do Porco existe uma lenda que diz que em tempos antigos houve uma contenda sangrenta entre os monges de Lorvão e os habitantes do Castelo. O sangue que escorreu pelas encostas entranhou-se de tal modo no subsolo que deu a cor avermelhada à água daquela nascente…

Numa crónica publicada no “Notícias de Penacova” em 1 de Novembro de 1952 fazia-se referência ao “Chafariz da Costa do Sol”, de onde jorrava “água puríssima e fresca”.

Ali muito próximo se situa a Casa do Pintor Martins da Costa "no meio das oliveiras e dos bandos de passarada”, como ele próprio escreveu, debruçada sobre o Vale do Mondego.


02 junho 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (1): Livraria do Mondego

 


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca. Este "geomonumento", para usar a designação proposta por Galopim de Carvalho,  é constituído por quartzito ordovícico (Arenigiano, com 480 a 490 milhões de anos) e faz parte da grande falha tardi-hercínia que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova).


Neste local de manifesto interesse geológico foi encontrada em 1915, quando decorriam obras na estrada de Entre Penedos, uma formação rochosa que o “Jornal de Penacova” designou, em título, por “Pedra Curiosa”.[1]

O director do então Museu Geológico da Universidade de Coimbra, Anselmo Ferraz de Carvalho, depois de vir ao local, decidiu salvaguardar aquele achado, enviando-o para o museu que dirigia.




Esta laje quartzítica, com uma superfície de cerca de 3m2 constitui o maior exemplar de “Cruziana” em museus portugueses. Encontra-se em Coimbra, emparedado no átrio da galeria de Mineralogia do Museu da Ciência, com a indicação de proveniência “Vila Nova – Penacova”.

Sabe-se que, nas recuadas eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pela água de um mar pouco profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um mar de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat viviam as Trilobites. Os rastos de locomoção destes artrópodes são designados por bilobites ou cruzianas. Só a partir do século XX começou a haver algum consenso entre paleontólogos quanto à interpretação destes registos enquanto marcas da locomoção (icnofósseis) daqueles animais marinhos.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem popular ou erudita. Já no séc. XIX foi referenciada por António Feliciano de Castilho, no prefácio “Conversação Preambular” ao livro de Tomás Ribeiro, “D. Jayme ou a dominação de Castela.” Castilho nasceu em 1800. Sendo assim, aquela viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando estudava Direito na Lusa Atenas.

Uma observação: não será viável dispormos, “in situ”, de uma réplica da “Bilobite de Vila Nova”, num futuro Centro de Interpretação localizado na zona?

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[1] "BILOBITES DA LIVRARIA DO MONDEGO - Designados popularmente por Bilobites, os icnofósseis de Cruziana são testemunhos de atividade de artrópodes marinhos há muito extintos, as Trilobites.

Os icnofósseis permitem interpretar o comportamento dos organismos do passado. Em muitos casos sendo enigmática a relação entre espécie produtora e as marcas deixadas. Da locomoção na procura de alimento das Trilobites nos fundos marinhos resultaram sulcos onde se observam padrões de marcas de arranhamento produzidas pelos apêndices. As estruturas preenchidas em dois lóbulos resultaram em moldes naturais que permitem observar detalhes da atividade e até indicar o sentido do deslocamento.

Este espécime [ver foto] forma parte de um conjunto de registos trazidos da Livraria do Mondego (Penacova), um local de interesse geológico onde o rio Mondego corta os estratos verticais de quartzito formados no Ordovícico (há 475 milhões de anos).

In Museu da Ciência, Universidade de Coimbra.