28 março 2024

Personalidades (3): Abel José Fernandes Ribeiro (1898-1962)


Abel José Fernandes Ribeiro nasceu no dia 23 de Novembro de 1898 em Arganil. Filho de José Ribeiro Mendes, industrial de marcenaria, e de Natalina de Jesus Fernandes, naturais e residentes na vila. Neto paterno de António Ribeiro Mendes e de Maria José Castanheira e materno de Manuel Fernandes e de Beatriz de Jesus Fernandes.

Fez o Curso Industrial em Coimbra no estabelecimento de ensino que a partir de 1951 adoptaria novas instalações e a designação de Escola Industrial e Comercial Brotero.

Quando já estava ligado à família da Estrela d’Alva (casara em 23 de Junho de 1919 com Maria da Natividade de Oliveira Coimbra, filha de Alípio Barbosa de Oliveira Coimbra), adquiriu conhecimentos na área da cerâmica e viajou pelo país e estrangeiro para conhecer melhor os meandros técnicos e comerciais daquela indústria.

A imprensa regional, designadamente A Comarca de Arganil, aquando do seu prematuro falecimento (contava apenas 63 anos), destacou as suas qualidades organizacionais, intelectuais e técnicas, numa palavra, predicados de um “óptimo empreendedor”.

Na fábrica da Estrela d’ Alva levou avante um conjunto relevante de reformas e na fábrica de Taveiro, de igual modo “mostrou com vigor aquelas capacidades.”

Foi Presidente da Câmara Municipal de Penacova “prestando relevantes serviços ao concelho” em especial no domínio da electrificação, extinguindo os Serviços Municipalizados e fazendo um contrato com a Companhia Eléctrica das Beiras.

A nomeação para a Presidência da Câmara ocorreu a 12 de Dezembro de 1945. A seu pedido, foi exonerado em 15 de Fevereiro de 1950. Sucedeu a Alberto Alçada, seu cunhado, que exercia o cargo desde 17 de Fevereiro de 1939. Refira-se ainda que quem se lhe seguiu naquela presidência foi Francisco Rodrigues Martins.

Abel Fernandes Ribeiro, que já tinha o seu nome na toponímia de Taveiro, vai igualmente dar o nome ao arruamento que serve a antiga fábrica de cerâmica da Estrela d’ Alva.

Retrato publicado no livro 
100 anos de História - Cerâmica Estrela d' Alva

Pai de Alípio Ribeiro Barbosa Coimbra (1920-2003) e de Álvaro Barbosa Ribeiro (1921-1999) que também foram presidentes da Câmara de Penacova e figuras de relevo nas empresas da família em S. Paio e Taveiro.

Abel José Fernandes Ribeiro, ”um dos mais importantes e conceituados industriais desta região e antigo presidente da Câmara de Penacova”, para citar o título de A Comarca de Arganil de 3 de Julho, faleceu na Estrela d’ Alva no dia 30 de Junho de 1962. No seu funeral incorporaram-se muitas centenas de pessoas. Os seus restos mortais repousam no cemitério das Ermidas (S. Paio) em jazigo de família.

11 março 2024

“Do Mondego: notas históricas e culturais”: um texto de Nelson Correia Borges


Recordamos a intervenção proferida pelo Professor Doutor Nelson Correia Borges no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” realizado em Penacova a 21-01-2012, quando se lutava contra a construção da Mini Hídrica na zona do Caneiro. Um dos muitos excelentes textos históricos e literários deste nosso insigne conterrâneo. 

“Do Mondego: notas históricas e culturais”

“O Mondego não é apenas o mais importante dos rios nascidos em Portugal. É também o mais português por ter sido cantado por quase todos os grandes poetas portugueses.

O lirismo de que impregna a paisagem mondeguina desperta em quem o contempla a vontade de ser poeta. Ninguém o pode ver sem com isso sentir prazer. A poesia portuguesa está cheia de páginas vibrantes e sentidas, gravadas de forma imorredoura por quantos o têm cantado desde Luís de Camões a António Nobre, desde Sá de Miranda a José Régio. Bernardim Ribeiro, António Ferreira, Almeida Garrett, João de Deus, Soares de Passos, Antero de Quental, Gonçalves Crespo, Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, Afonso Duarte, Campos de Figueiredo, Manuel da Silva Gaio, Fausto Guedes Teixeira, António Homem de Melo, Alberto de Serpa, Alberto de Oliveira, José Freire de Serpa, Miguel Torga, Manuel Alegre e tantos mais, celebraram cada um à sua maneira, as “doces e claras águas”, “entre choupais murmurando”, “os saudosos campos”, o “cristalino curso”, “os salgueiros a cantar”, as “falas mais tristes” do “lânguido Mondego”.

Orlado de encostas verdejantes e campos férteis, de frondosos laranjais com pomos de ouro e olivedos verde cinza, de salgueiros pendentes e choupos buliçosos, as suas águas, ao passar, murmuram desde há séculos a canção da beleza que não passa.

O grego Estrabão já se lhe refere, designando-o por Muliades. Munda ou Monda lhe chamaram os romanos, enquanto o árabe Edrisi descreve o rio que banhava Colimbria, dando-lhe o nome poético e sonhador de Mondik. E já num documento de 946 do Mosteiro de Lorvão surge a forma Mondeco, bem próxima da atual. Mas, nem uns nem outros foram os padrinhos, pois que a raiz da palavra (Mond-) é seguramente pré-romana.

O Mondego, esse rio que dessedentou celtas, romanos, godos e mouros, foi também a linha fronteiriça entre a cruz e o crescente, ao tempo da reconquista, a linha estrema, pontilhada de fortalezas – Seia, Penacova, Coimbra, Montemor-o-Velho -, onde Afonso Henriques veio estabelecer a capital do seu jovem reino. Castelos roqueiros, de pedraria talhada, como o de Penacova, dominando altaneiro os meandros do rio desde as Fragas de Entre Penedos às lonjuras da Rebordosa e de Louredo. Castros de pedra seca e terra batida alinhados na margem esquerda, eram sentinelas vigilantes do tráfego fluvial e de fossados e razias feitos por gente da moirama. Dois deles são referidos na demarcação dos limites feita em 1105 entre os monges de Lorvão e os homens do castelo de Penacova: o Castro de Cima de Louredo e o Castro Retundo em frente do Caneiro. Foram refúgio de camponeses e marcas dominiais, juntamente com outras rústicas fortificações ao longo deste nosso rio, de que apenas restam topónimos como Cabeço da Pedra, Castelo Viegas, ou vestígios arruinados como Torre de Bera.

Pachorrento e remansoso, o poético Mondego, afirmou-se a razão de ser e vida de toda a região, no passado. Não admira que por aqui tivessem florescido povos luso romanos nas terras que são hoje Penacova, Lorvão, Cheira, Chelo e tantas outras… O peixe abundava e povoava as suas ribeiras. Lembremos que as monjas de Lorvão tinham o privilégio da exclusividade da captura de trutas na sua ribeira e recebiam lampreias como pagamento de foros pelo povo da Rebordosa.

Impetuoso e brutal nas cheias súbitas de outros tempos, semeou muitos desesperos por entre esperanças geradas em torno de si. Quem não se lembra dele, engolindo as casas baixas da Rebordosa, dominando as várzeas marginais, transportando no seu dorso tudo quanto encontrava pela frente, subindo às laranjeiras e roubando-lhes os frutos dourados, ou transformando a baixa de Coimbra numa cidade lacustre?

Quantas memórias carrega consigo este rio, hoje domesticado e quase ignorado, das populações ribeirinhas, da cidade que lhe deve quase tudo e hoje praticamente lhe vira as costas !?

Mas o Mondego é um dom de Deus, um espetáculo da natureza. No concelho de Penacova tem talvez a sua página mais bela. Logo a jusante da confluência com o Alva surge a garganta de Entre Penedos, a Livraria do Mondego, muralha silúrica que do Buçaco se prolonga para a Atalhada e que o Mondego cortou – e o IP3 quase destruiu. Então alarga-se o vale, até aí mais angustiado. O rio está na sua plenitude iniciando a ação de depósito: são as férteis várzeas de Penacova, cujo vetusto morro do castelo e as águas sussurrantes contornam. Carvoeira, Ronqueira, Rebordosa, Caneiro, são pitorescos povoados que devem a sua existência e o nome à faina fluvial. Raiva, Ronqueira, têm a ver com a torrente caudalosa em épocas de invernia. Carvoeira, com a matéria-prima que daqui enchia as carvoarias de Coimbra, transportada nas barcas serranas. Rebordosa e Louredo são nomes ligados à flora das suas margens… Caneiro, a paliçada que os monges de Lorvão mandaram colocar no rio para apanha de peixe.

E o Mondego lá segue em meandros, a contornar as atalaias poderosas dos montes marginais, por entre vertentes de pinheiros, eucaliptos e oliveiras, entremeados de urzes, tojo, giestas e rosmaninho, hoje em vias de desaparecer das nossas encostas… Aqui e ali recebe idílicas ribeiras, talvez as musas inspiradoras das Ribeiras do Mondego, do poeta seiscentista Elói de Sá Sotto Maior – Abarqueira, Lorvão, Arcos, Vale Bom -, ou riachos que no inverno chuvoso se despenham em rugidoras torrentes…

Mas o Mondego foi, principalmente, desde tempos imemoriais, uma importante via de comunicação. Por ele circularam pessoas, mercadorias, obras de arte, coisas simples, novidades, ideias… Nas suas águas, passaram jangadas de madeiras para construção. Assim foi com os imensos troncos de castanho vindos da Mata da Margaraça em carros de bois até ao Porto da Raiva, daí seguindo a estrada fluvial até Coimbra para serem esculpidos nas monumentais colunas barrocas do retábulo-mor da Sé Nova. Assim foi também com os toros de castanho vindos da mesma Mata da Margaraça para construir o dormitório do Mosteiro de Lorvão e com muitos outros lenhos necessários à vida do grande complexo monástico. Poderia este mosteiro ter alcançado a grandeza que teve sem o Rio Mondego? Talvez. Mas lá que ajudou, não há dúvida. As grandes obras, como as grades do coro, os toros de pau-preto para o cadeiral, a pedra de Ançã para as capelas do claustro, vieram em barcas até ao porto da Granja do Rio, donde seguiram para o recôndito vale, e muitas outras teriam feito o mesmo percurso.

O assoreamento progressivo foi reduzindo as possibilidades de navegação, exigindo barcos de pequeno porte: as barcas serranas, para as cargas, e as bateiras ou barcos do lavrador, mais móveis e utilitários.

Se o Sado, o Tejo, o Lima, o Douro ou a Ria de Aveiro acolheram as embarcações que se tornaram uma imagem de marca, o Mondego não lhes ficou atrás com as barcas serranas que ainda há mais de meio século lhe sulcavam as águas, com as suas largas velas dilatadas pelo vento. Eram barcos compridos e estreitos, de fundo chato, como uma grande canoa primitiva, desenvolvida e aperfeiçoada. Quando não havia vento, ou este era contrário, a navegação fazia-se à vara e muitas vezes à sirga, mas a complementação destes processos era frequentemente comum.

Outrora o trânsito no Mondego era intenso. Todo o sal e grande parte do peixe consumido no interior das Beiras eram transportados desde as salinas de Lavos e da barra de Buarcos até ao Porto da Raiva ou à Foz do Dão, donde os almocreves os levavam. Na descida do rio as barcas serranas traziam vinhos, batatas, frutos, madeiras, carvão, carqueja e os mais diversos produtos, como a roupa das lavadeiras ou os palitos, que se destinavam a Coimbra ou à exportação pelo porto da Figueira.

Passageiros aproveitavam as barcas para se deslocarem, sobretudo para a beira-mar durante a época estival.

Até a Bairrada tirava enorme proveito do tráfego fluvial, fazendo exportar os seus produtos agrícolas, principalmente os afamados vinhos, pelo Porto do Rol, na Vala de Ançã. Por aqui saíram também, em bruto, toneladas de pedras de Ançã, que chegaram tão longe quanto Santiago de Compostela.

No Verão todo o rio se agitava de vitalidade. Aqui e além eram as noras a chiar, vazando os alcatruzes para a rega das ínsuas. Os caneiros ou paliçadas de estacaria, que desviavam a água para elas, interrompiam por vezes a navegação, pelo que os barqueiros, ao aproximar-se, vinham gritando de longe: Ó da roda!..., para que lhes abrissem a passagem. Por todo o lado, as lavadeiras tagarelavam e pintalgavam as areias, de roupa estendida a corar. Às vezes metiam-se com os barqueiros, chacoteando-os com a dificuldade da passagem na Pedra Aguda. Mais além um pescador solitário concentrava as suas energias na captura de peixe em que o rio era fértil, com destaque para a apreciada lampreia. Acolá era uma azenha temporária, montada durante a estiagem, quando a água era pouca nas ribeiras e levadas.

E havia o prazer de gozar o rio, com tudo o que ele tinha para dar. Assim surgiram as praias fluviais de Coimbra, pelos anos 20 a 40 do século passado, sofisticadas, com passadiços, toldos, chapéus e piscina. À noite, deixaram memória as serenatas no Mondego, em barcas serranas, feitas por tricanas e futricas, que os estudantes, esses de há muito cantavam pelas suas margens fados e baladas, ao desafio com rouxinóis. Este costume das serenatas mondeguinas estendeu-se também a Penacova, já que as ligações à cidade eram imensas e naturais.

Hoje, reduzido à sua função primitiva, invadido pela vegetação marginal, disciplinado para bem da agricultura, mas muitas vezes ignorado pelos que se deviam preocupar com o desenvolvimento das suas potencialidades, e agora na eminência de sofrer mais uma agressão que o desfigurará, o Mondego continua a ter os seus amigos e fiéis admiradores, que continuam presos dos seus encantos e outros que durante o Verão o continuam a desfrutar.

E enquanto os povos das suas margens cantarem canções tradicionais, ele continuará a ser lembrado e vivido, pois em quase todas ele está presente, como elemento fundamental de uma cultura.”

“Do Mondego: notas históricas e culturais” 
Prof. Doutor Nelson Correia Borges intervenção proferida 
no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” Penacova, 21-01-2012

08 março 2024

Poetas penacovenses (XII): "Tanto caminho..." - Poema de Luís Pais Amante


ANA PAULA CAMPOS
"Tanto caminho por percorrer". Acrílico sobre tela  40x50 . Coleção Incompletude

Tanto caminho…

Só vejo pela frente

Um caminho longo

Que me põe dormente

Caminho feito à mão

E na medida da dor

O Espaço é pequeno

E gira sereno

Nas perspectivas da vida

As pedras a sobressaírem

Dificultando a caminhada

As árvores refilando

Por lhes não darem nada

E eu

A olhar pra mim sem esperança

Carregada de problemas demais

De circunstâncias reais

Pensando:

“Tanto caminho por percorrer”

Tanta distância pra Liberdade

De me ter


Luís Pais Amante

Telheiras Residence | 23Set23; 10h45 
A olhar para uma pintura em acrílico sobre tela, da Minha Amiga Ana Paula Campos.

02 março 2024

Soou o alarme: Por que deixaram de entrar as lampreias nos nossos rios?



Organizado pelo Município de Penacova, Confraria da Lampreia de Penacova e Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Évora, realizou-se no dia 24 de Fevereiro um colóquio que procurou responder à interrogação “Por que há menos lampreias nos nossos rios?”.

Poucos dias antes a Câmara Municipal noticiara que o Festival da Lampreia de Penacova, que se vinha realizando há 25 anos, tinha sido cancelado.

“Devido à escassez de lampreia, município e restaurantes decidiram cancelar o evento previsto para esta altura. Foi uma decisão ponderada por todos. Com as atuais condições de escassez de lampreia e preços elevadíssimos era impossível satisfazer todos os apreciadores deste prato”- informam as páginas oficiais do município.

O referido colóquio “juntou a comunidade científica, associações de pescadores de vários pontos do país, autarcas, empresários da restauração e autoridades marítimas.”

Associação de Pescadores Profissionais do rio Minho, Associação dos Pescadores Profissionais da Figueira da Foz, Associação de Pesca de Aveiro, Empresa Irmãos Norinho, alguns Restaurantes de Penacova, Restaurante O Gaveto (Matosinhos), Emílio Torrão (Presidente da CIM-), Raposo de Almeida (da Universidade de Évora), Carlos Fonseca (Biólogo), Fábio Nogueira (Mordomo-Mor da Confraria da Lampreia) e, naturalmente, Álvaro Coimbra (Presidente da Câmara Municipal), foram algumas das individualidades e instituições presentes.


Afirmou Álvaro Coimbra que há “evidências mais do que suficientes para constatar que se trata de um problema muito sério que afeta todo o país e para o qual é necessário agir de imediato.” De acordo com dados oficiais em 2014 atravessaram a passagem para peixes na Ponte Açude de Coimbra 21 967 lampreias, ao passo que no ano 2023 aquele número decresceu drasticamente para 1508 indivíduos, recordou o autarca.


Perante esta realidade, observou Álvaro Coimbra que o que é mais preocupante é “o declínio da espécie”. Há pois que “perceber as razões que conduziram a este estado de coisas e sobretudo ajudar a encontrar respostas”, salientou, afirmando igualmente que ”não podemos continuar a assistir passivamente ao desaparecimento gradual da lampreia nos nossos rios. Chegou o momento de ouvir os especialistas e propor medidas para a sua protecção [...] Penacova tem essa responsabilidade e é essa a razão de estarmos aqui.”

“Este colóquio – explicitou - surge com o propósito de “dar um sinal de alerta, traçar um quadro real do actual estado da espécie, diagnosticar problemas ouvindo os especialistas, os pescadores, os empresários da restauração, os autarcas, as autoridades com responsabilidade neste tema, e encontrar caminhos que conduzam a uma salvaguarda da lampreia.”

Por sua vez, Emílio Torrão, Presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (e Presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho), manifestou-se “solidário com os Presidentes de Câmara que têm a coragem e ousadia de tomar decisões difíceis e muito sensíveis.” Referiu ainda, a dado momento da sua intervenção, que “o problema da lampreia não é só o de perdemos um produto endógeno da gastronomia”, pois ”a lampreia tem muito mais valor que o valor gastronómico.”


“A lampreia não é só uma espécie que tem um valor gastronómico incrível, que é um fenómeno, mas é uma espécie que tem um importante papel a desempenhar […] no habitat, na saúde e na sobrevivência do próprio ecossistema, nos moldes em que ele se desenvolveu”- precisou.

Durante o período de debate, referindo-se aos pescadores, o Presidente da CIM sublinhou que estes “têm que querer fazer parte da solução” e que “o facto de se fechar a pesca comercial nos rios não quer dizer que deixam de ter rendimento”, dando o exemplo da “transumância” que é possível fazer também neste campo. “Sois os maiores vigilantes dos rios” – destacou. Além disso, frisando a importância dos profissionais, foi peremptório, afirmando que “os free lancers tem que acabar!”


O Mordomo-Mor da Confraria da Lampreia, Arquiteto Fábio Nogueira, usou da palavra a terminar o encontro, para, além de outros aspectos, sublinhar que uma confraria como a Confraria da Lampreia “para além defender o prato, tem o dever de ir mais além, deve salvaguardar e defender o ecossistema do Rio Mondego, em particular a Lampreia, sendo uma voz activa na sua defesa”, recordando que “desde a sua fundação está envolvida na promoção e conservação da natureza e da biodiversidade”, tendo-se afirmado sempre como “uma voz activa na defesa do Rio Mondego, estando presente em várias iniciativas.”

Prosseguiu, anunciando que a Direcção da Confraria da Lampreia decidira propor na Assembleia Geral de 1 de Março que a realização do Capítulo apesar de decorrer “nos moldes normais dos anos anteriores” apresente uma “ressalva”: a lampreia não ser incluída no almoço deste ano. Esta posição entronca na necessidade de “salvaguardar” a espécie “que está na génese fundadora” da Confraria.

“Não podemos ficar indiferentes à agenda da ecologia e defesa ambiental” e, nessa medida, nos próximos anos o habitual Capítulo da Confraria “terá de ser repensado”- acentuou.


O Professor Catedrático (Biologia) da Universidade de Évora, Pedro Raposo de Almeida, apresentou uma comunicação rica de informação, plena de sensibilização, mas também de crítica. Começou por afirmar que “ao contrário de outros problemas […] nós sabemos o que é que temos que fazer. A única coisa que temos que concordar é estarmos todos orientados para o mesmo objectivo.”

“É um problema que leva 8 a 10 anos a resolver – prosseguiu - se não houver surpresas. E estas vêm ou da nossa administração (quem tem responsabilidade na gestão dos recursos das nossas bacias hidrográficas) ou (e isso nós não podemos controlar de maneira nenhuma) daquilo que são as vicissitudes da natureza.”

Sobre a extinção da lampreia (neste caso, da lampreia marinha) reconhece que, de facto, “pode desaparecer de algumas bacias hidrográficas, pode rarear aqui no Mondego, mas ela (que tem quase 300 milhões de evolução) não se vai extinguir. Aquilo que se vai extinguir é toda a actividade cultural e comercial à volta da espécie.”

A intervenção de Raposo de Almeida foi acompanhada de diversas imagens e infografias deveras elucidativas. Falou do ciclo de vida da lampreia marinha que tem a particularidade de ter uma fase em água doce e outra no mar, assumindo pelo meio um período em que faz uma metamorfose.

“As larvas vivem enterradas nos sedimentos dos rios, nas areias, durante cinco anos – explicou. Não é móvel, permanece nos mesmos locais, formando os leitos de amocetes. Fica extremamente vulnerável a qualquer intervenção que se faça no leito do rio.”

Neste sentido teceu contundentes críticas ao que “aconteceu no ano passado, aqui no Mondego, com aquela intervenção feita pela APA. Fizeram uma regularização, aqui a jusante de Penacova e junto ao Ceira, onde havia grandes leitos de amocetes. Basicamente, entraram e limparam tudo! […] Cada vez que se faz isso, digo aqui olhos nos olhos, recuamos dez anos!”

“Por que não entram nos nossos rios [as lampreias]? Por que não estão no mar? Porque não saíram! Não há larvas, não há adultos! Não há adultos, não há larvas!”

Sobre a escassez generalizada na Europa, referiu que não há lampreia em Portugal, mas também não há em Espanha e de igual modo não há em França! É convicção sua que a proibição da pesca na região de Bordéus é sinal claro que existe uma grave crise, pois “quando se fecha a pesca significa que temos um problema muito sério!”

Uma das muitas causas é a mortalidade por pesca. Ora, em Portugal “temos que reduzir a mortalidade por pesca.[…] E é já para o ano! […] Na minha opinião este ano já a devíamos ter fechado.”- não hesitou em afirmar.

A intervenção do Professor Raposo de Almeida foi bastante completa e assertiva. No sentido de deixar um pouco mais de informação aos leitores, transcrevemos alguns dos conteúdos dos diapositivos que foram apresentados e devidamente comentados.

Causas para o declínio populacional

Mar

a) Aumento da mortalidade natural (escassez de presas, alteração padrão das presas preferenciais, predação). A este nível muito pouco se sabe, alguns estudos estão em curso. OBS: Neste colóquio foi também apresentado em síntese o Projecto DiadSea- Cooperação transnacional para melhorar a gestão e conservação dos peixes diádromos no mar, coordenado pela Universidade de Évora.


Estuários e rios

- Mortalidade por pesca e captura ilegal
- Deterioração da qualidade do habitat ( por ex. regularização do leito do Mondego, incêndios)
- Perda do habitat ( e.g. Ponte Açude, Rio Novo do Príncipe ( Vouga))
- Efeitos sub-letais (e.g. osmorregulação, migração, sucesso reprodutor, provocado por poluentes emergentes
- Doenças
- Predação por espécies exóticas (e.g. Peixe gato europeu no Tejo).

Soluções para a recuperação da população de lampreia marinha

Mar

- Colmatar as lacunas de conhecimento relativamente a esta fase do ciclo de vida da lampreia

Estuários e rios

- Reduzir a mortalidade por pesca (paragem total em sistema rotativo entre rios, durante os próximos 10 anos; proibição total no Guadiana)
- Implementar um programa de monitorização robusto
- Generalizar o uso do selo de origem
- Banir a captura ilegal (reforço da fiscalização, controlo restaurantes /ASAE)
- Restaurar habitat (e.g. eliminar barreiras obsoletas – por ex. açude Louredo, construção de passagens para peixes, evitar regularizações destrutivas)
- Implementar programa de translocação de lampreias adultas
- Avaliar a existência de efeitos sub-letais (e.g. osmorregulação, migração, fecundidade) provocado por poluentes emergentes
- Despistar a existência de doenças
- Controlo de espécies exóticas (e.g. peixe gato europeu no Tejo)