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04 outubro 2019

5 de Outubro de 1919: António José de Almeida toma posse como PR

Páginas da "Ilustração Portuguesa"

No dia 5 de Outubro de 1919, por volta das 14 horas, depois de encerrada a sessão, o Presidente do Congresso, da varanda central do Palácio, anunciou que o Presidente da República, depois de haver prestado perante o congresso o compromisso de honra, estava investido no seu alto cargo.

Refere a Acta da Aclamação que “esta comunicação foi recebida com entusiásticos e longos aplausos da parte do povo e das pessoas que tinham tomado lugar na varanda bem como nas outras janelas do palácio.”

Então, António José de Almeida, “em voz clara e forte” dirigiu-se às pessoas que o aguardavam, dizendo:

“Venho de afirmar pela minha honra, lá dentro, na Casa do Congresso, que hei de servir com dedicação e amor a República Portuguesa, respeitando integralmente a sua Constituição.
Agora, pela minha honra também, afirmo ao povo de Lisboa e, por seu intermédio, a todo o Povo Português que, através dos maiores sacrifícios e vicissitudes, hei de cumprir os deveres sagrados a que me comprometo
Nasci do Povo e toda a minha vida o tenho servido e amado. Não me esquecerei jamais dele. E, mais do que nunca, todas as energias da minha vida vão ser postas ao serviço incondicional da Pátria e da República. Viva a República! “

Publicamos de seguida o discurso proferido por António José de Almeida na tomada de posse, nesse dia em que se completavam 9 anos após a Revolução de Outubro.

                                              
                                         O DISCURSO DE TOMADA DE POSSE

"Agradeço ao Congresso da República Portuguesa a alta honra que me dispensou, elegendo-me Chefe do Estado.
Sou um homem simples e modesto, sem qualidades que o distingam nem predicados que o imponham. E se fui elevado ao alto cargo que me encontro, a dignidade que me concederam só pode ser atribuída à benevolência de quem me elegeu e porventura ainda à circunstância de o Congresso querer mostrar que não se esquecia da minha dedicação à causa pública, e da persistência convicta, inalterável e tenaz com que, nesta casa do Parlamento, defendi, sem um desfalecimento, e nas condições mais variadas, a legítima causa dos Aliados, a que sempre considerei indissoluvelmente ligada à nossa sorte de povo livre.
E, procedendo assim, o Congresso quis significar, sem dúvida, que, perante aquelas razões fundamentais, não prevaleciam razões de ordem secundária, que, todavia, anteriormente, exerceram influência na vida e marcha do Estado. De facto, eu mantive-me, até à última hora, na política activa, exercendo uma acção combativa na imprensa e na tribuna parlamentar e popular. Até à ultima hora estive à frente dum bravo e generoso partido, que, embora ligado por fortes laços de camaradagem patriótica aos outros agrupamentos políticos, tinha a sua doutrina peculiar e adoptava processos que acentuadamente lhe pertenciam.
Apesar disso, o Congresso deliberou escolher-me para, numa República parlamentar, em que o Chefe do Estado se deve conservar alheio a todas as lutas e paixões, presidir aos destinos da Nação, a que se condicionam todos os destinos partidários. Este facto, que não deve ser olvidado, significa que a República Portuguesa está na resolução de pôr acima dos interesses de grupo, os interesses genéricos da Pátria, e que só passageira e superficialmente se deixará impressionar pela modalidade técnica da política dos homens, para apenas ter em conta a superior expressão do seu patriotismo, contanto que eles sejam merecedores, pela sua lealdade, da confiança com que os honrem.
Mais ainda do que o galardão que me conferiu, eu agradeço ao Congresso a segurança que atribuiu ao meu carácter e a certeza antecipada que se criou de que eu, no alto cargo a que ascendo, serei imparcial e sereno, sem outra paixão que não seja a do engrandecimento da Pátria e sem outro sentimento que não seja o do amor à República.
Não se há-de iludir o Congresso. Aqui cheguei sem qualquer espécie de tergiversação ou doblez. A nenhuma convenção ou pacto anterior tenho de subordinar os meus intuitos, a não ser àquele pacto fundamental que regula toda a vida da Pátria: a Constituição. Essa, sim, respeitá-la-ei sempre, servindo-a ao mesmo tempo com consciência e amor, e de maneira tal que eu, zelando-a, a engrandeça, e, engrandecendo-a, não deixe de a zelar, até mesmo naquilo que são atribuições minhas, das quais não cederei jamais, na compreensão de que, se seria um atentado invadir a esfera dos outros, seria uma defecção consentir que os outros apoucassem ou deprimissem os direitos que me pertencem.
Tomei o meu compromisso há pouco. Aqui o formulei em voz bem alta, dando-lhe a garantia da minha honra e aí fica ele escrito sob a responsabilidade do meu nome. Saberei cumpri-lo.
É bem difícil o momento em que assumo a Presidência da República. O mundo, abalado nos seus fundamentos pela Grande Guerra, durante muito tempo procurará debalde a fórmula do seu equilíbrio. Portugal que, cavalheirosamente, se envolveu na luta, ressente-se dos estragos que a furiosa devastação produziu nas suas finanças e na sua economia. Estamos num momento agudo da nossa história, e, porventura, esse momento é decisivo. Mas não devemos preocupar-nos além daqueles limites em que são legítimos a prevenção e o receio, como estímulo de energias adormecidas.
O país tem condições de vida que são suficiente garantia do seu futuro. Com trabalho ordeiro e disciplinado e com uma economia severa, pautada pelas mais austeras normas de moralidade administrativa, triunfaremos de todas as dificuldades. Tenhamos essa fé, essa certeza. Qualquer palavra de desânimo será criminosa. Erradamente se costuma dizer que o país é pequeno, parecendo ignorar-se que somos a terceira nação colonial, com imensos tractos de terreno virgem, onde se acumulam as mais extraordinárias riquezas. E quando os defectistas dizem que a raça é indolente, eles fingem ignorar as provas de vigor que ela tem dado sempre e ainda agora está manifestando, na ânsia indomável com que deseja acompanhar o movimento de renovação que vai pelo mundo.
Mas, para que o país possa desenvolver-se com intensidade e harmonia, é preciso que gozemos duma paz sem sofismas, e essa só é possível numa atmosfera de ordem, fecunda e acolhedora.
Para que essa atmosfera se crie pela solidariedade de todos, empregarei os melhores esforços e farei os melhores sacrifícios. Conto com o êxito. Acalmando as paixões, apaziguando as cóleras, moderando as ambições dos homens e estimulando as suas energias, o seu amor ao trabalho, o seu poder de iniciativa, conseguirei, pela concórdia e persuasão, aquilo que afinal tem sido o lema político de toda a minha vida: a Paz.
Alheio às lutas políticas, só nelas intervirei com o fim de as acalmar e aproveitando sempre o estímulo patriótico que delas derive. Respeitador de todas as ideias políticas e religiosas dos portugueses, como é próprio da minha tradição e do lugar que vou ocupar, só combaterei, segundo os ditames da Constituição, quem atentar contra a República, e, então, não defenderei só o Estado republicano, mas defenderei, como me cumpre, a própria doutrina republicana.
O âmbito da minha acção política é — eu o sei — pequeno. E não sou eu homem que em caso algum o ultrapasse. Mas a esfera da minha influência moral pode ser vasta, enorme. E é precisamente essa grande e por vezes dominadora influência que eu vou empregar na missão elevada de conciliar os cidadãos portugueses.
Respeitador, por índole e dever, da Soberania Nacional, a minha acção de Chefe de Estado vai cifrar-se na palavra Fraternidade.
Só assim poderei dalguma forma merecer a liberalidade com que me haveis honrado, elegendo-me, e só dessa maneira eu serei digno da satisfação, por tantos modos revelada, com que a Nação aplaudiu esse acto.
Fui o presidente do Governo da União Sagrada. Esse facto impõe-me obrigações que corajosamente aceito, e aponta-me um caminho que intrepidamente seguirei. Na minha fé sagrada, apesar da perturbante emoção que então senti, não tive um momento de hesitação ou desalento quando se tratou de sujeitar o país às provas dolorosas duma guerra atroz. Servindo a Pátria nos seus altos destinos e obedecendo às vozes da Raça, contribuí para que Portugal, graças ao heroísmo do seu exército e da sua marinha, assegurasse, com a integridade do seu território, a prosperidade e benefícios duma honrada independência.
Agora, com devoção igual me dedicarei inteiramente à missão pacifica de harmonizar os meus compatriotas, trabalhando pela Paz com o mesmo afã patriótico com que empreguei todas as minhas energias nas horas angustiosas da guerra.
Só assim corresponderei ao vosso mandato e só assim não serei amaldiçoado pela memória daqueles que dormem o glorioso sono sob a terra em que, defendendo a Pátria, caíram prostrados.
Que a vossa benevolência e o vosso autorizado conselho me não faltem, Senhores Congressistas. Que me não falte o agasalho fraternal do Povo. Que não me falte, em suma, a confiança generosa da Nação. E contanto com esse amparo, que é ao mesmo tempo estímulo e fortaleza, deste lugar, onde imerecidamente cheguei, saúdo todos os Portugueses sem excluir ninguém, na sentida aspiração de ver a Pátria engrandecida — a Pátria a cujas virtudes, a cujo prestígio, e a cuja glória rendo, neste momento, uma suprema homenagem, vitoriando-a no seu símbolo supremo:
Viva a República Portuguesa!

[Proferido na Câmara dos Deputados do Palácio de São Bento, a 5 de Outubro de 1919. Conforme transcrito no Diário do Congresso, Sessão N.º 8 (5 de Outubro de 1919).]





23 junho 2019

No centenário da eleição presidencial de António José d'Almeida: [1] A visita a Coimbra


A reportagem fotográfica na "Ilustração Portuguesa"

O ano de 1919 ficou marcado pela eleição de António José de Almeida para a Presidência da República. Penacova celebra, assim, neste ano de 2019, o Centenário da sua Eleição Presidencial.

A eleição teve lugar em 6 de Agosto de 1919, reunido o Congresso[1] em sessão especial das duas câmaras, Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores. No 3.º escrutínio, António José de Almeida obteve 123 votos (73,7%), seguido de Manuel Teixeira Gomes com 31 votos e 13 listas em branco. Tomou posse em 5 de Outubro de 1919, em sessão solene preparada para a ocasião.

António José de Almeida sucedeu a João do Canto e Castro. Foi o primeiro Presidente da República eleito que cumpriu o seu mandato por inteiro. Mandato que terminou  em 5 de Outubro de 1923, sucedendo-lhe  Manuel Teixeira Gomes.

No final de Novembro e início de Dezembro de 1919, efectuou uma Visita Presidencial a Coimbra. No dia 1, presidiu à sessão solene inaugural do ano lectivo na Universidade, tendo sido a Oração de Sapiência proferida pelo Lente de Medicina João Duarte de Oliveira que  abordou a questão da autonomia universitária.

A visita a esta cidade revestiu-se de grande imponência. Fora recebido, no dia 29 de Novembro, na Estação Nova, vindo de Lisboa de comboio e também nos Paços do Concelho a que se seguiu a visita ao Paço das Escolas. À noite teve lugar um banquete de Gala nos Paços do Concelho oferecido pela Câmara Municipal (servido pelo Coimbra Hotel). No dia 30 visitou o Quartel de Infantaria nº 23 e na Ínsua dos Bentos passou em revista o Batalhão Expedicionário de Infantaria 23. De tarde visitou a Universidade e à noite assistiu a uma récita de gala no Teatro Avenida onde a Companhia do Teatro Nacional apresentou “A Morgadinha de Vale Flor”. O regresso a Lisboa aconteceu no dia 2 de Dezembro, onde à tarde, iria assistir à abertura do Parlamento.


Refere a Gazeta de Coimbra que na terça-feira, dia 2, veio a Penacova o Ministro do Comércio e Comunicações, Ernesto Júlio Navarro, acompanhado do Director de Obras Públicas, para se inteirarem das obras da estrada Penacova-Lousã. De passeio, terão vindo também o Ministro da Guerra (Hélder Ribeiro) e o Presidente da Câmara dos Deputados (Domingos Pereira).

Escreve o mesmo jornal que “a  cidade de Coimbra, vestindo-se de galas, cobrindo-se de flores, de bandeiras, soube prestar-lhe as honras que se devem a quem, pela Pátria, tem trabalhado incansavelmente.” E mais adiante: “A figura do Sr. Presidente da República foi saudada carinhosamente. A alma popular via nela ainda, como nos tempos da propaganda revolucionária, aquele orador arrebatador, transcendental, demosténico, que sabia fazer vibrar intensamente a escala das emoções humanas.”

No discurso proferido na Universidade, considerou a cidade de Coimbra “como a terra natal do seu espírito” dizendo que, ao entrar na Sala dos Capelos, depois da sua ascensão à presidência da República, sentira “na sua alma recordações inolvidáveis duma mocidade distante”.

António José de Almeida ao chegar a Coimbra
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A tomada de posse em 5 de Outubro de 1919

[1] Nos termos da Constituição Política da República Portuguesa de 1911 que então vigorava, o Presidente da República era eleito através de sufrágio indirecto, requerendo pelo menos dois terços dos votos das duas Câmaras do Congresso da República (Deputados e Senado) reunidas em sessão conjunta. As eleições tiveram lugar a 6 de Agosto de 1919, e decidiram-se ao fim do terceiro escrutínio, tendo António José de Almeida obtido 73,7% dos votos, contra os 18,6% do segundo candidato mais votado, Manuel Teixeira Gomes. O Presidente da Republica eleito tomou posse em 5 de Outubro de 1919.