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14 novembro 2021

Memórias de Paradela da Cortiça: o livro, a lenda da terra e o fascínio pelo passado



Só agora nos chegou às mãos este livro publicado em 2012. Agradeço à Dr. Arménia Coimbra a oferta desta obra, por intermédio do amigo José Eduardo Almeida Correia. Falo de “Memórias de Paradela da Cortiça” de Maria de Lourdes Pereira Morgado.

São cerca de 120 páginas que nos falam da “vida sã e simples de quem nasceu, cresceu e morreu, dedicando parte de si ao torrão natal” e nos transmitem “algo que vem sendo contado de geração, em geração” - escreve a autora logo na primeira página.

Conta-nos mais adiante que “do convívio com as pessoas da aldeia” lhe ficou “o fascínio pelo passado” que agora “recorda com saudade”.

Trata-se de um registo importante da histórica e tradições de Paradela, que evoca monumentos, lendas, tradições, dias festivos, profissões, habitação, gastronomia, vida escolar, agricultura, vida social, individualidades, pessoas típicas e estórias curiosas.

É com um olhar poético que Maria de Lourdes Morgado parte para nos transmitir este seu saber e a grande afeição pela sua terra: “A nossa Paradela, com as suas casas brancas e telhados vermelhos, a Igreja com a sua torre simples, os nossos canteiros e as nossas flores… Olhamos o azul do céu e contemplamos o mais belo quadro que jamais algum pintor conseguiu pintar sem ser o Criador.”

Ao longo do livro as memórias jorram de página em página, por vezes de um modo quase caótico, não esperando por uma qualquer lógica de espaço e de tempo (que poderia até prejudicar esta torrente de recordações). E no tempo se perde a Lenda de Paradela.

O livro de Lourdes Morgado não podia deixar de a registar. Façamos um resumo com base no seu texto:

Paradela seria uma pequena aldeia situada num lugar chamado Casal, perto das Poeiras. Nesses tempos, o cemitério era no sítio da Cabeça dos Finados, junto à Cumeada.

A dada altura, a terra foi assolada por uma grande “febre” e alguns habitantes da aldeia morreram por ela vitimados.

Ali viviam três irmãos piedosos que logo se entregaram à oração, pedindo ajuda divina para tão grande calamidade. Certa noite tiveram um sonho no qual uma voz lhes disse para irem a determinado sítio onde encontrariam, escondido nuns escombros, um nicho com uma imagem. Deveriam trazer a imagem para a aldeia e aí construírem uma igreja onde a venerariam. E mais: a voz dissera também para mudarem o povoado para o lado do sol.

Acordaram perturbados e aperceberam-se que todos tinham tido o mesmo sonho. No dia seguinte lá partiram seguindo o destino que em sonho lhes havia sido indicado. Ao fim de algum tempo encontraram a imagem, que era de S. Sebastião, e envoltos naquele mistério, regressaram à sua terra, “radiantes e cheios de fé”, aquela fé que “ainda hoje perdura nos paradelenses”.

Mudaram a localização do povoado e, apesar de a igreja ter demorado alguns anos a ser construída, desde logo começaram a venerar a santa imagem.

Assim, S. Sebastião passou a ser o protector da aldeia. Vieram muitas epidemias, como a cólera do século XIX e a pneumónica de 1918, e Paradela sempre foi salva da “peste”, não morrendo ninguém. Também nas guerras os soldados de Paradela sempre sobreviveram aos combates e nunca sofreram qualquer mutilação.

Por tudo isso “o nosso São Sebastião é bem digno da nossa devoção” – conclui Maria de Lourdes Morgado.

“Memórias de Paradela da Cortiça”, um livrinho que nos fala-nos das “tradições perdidas” que muitas vezes “só existem nas nossas memórias”, mas que agora, muitas delas, ao ficarem registadas em letra de forma, perdurarão, certamente, por mais uns longos anos se, para tanto, este precioso livro for devidamente divulgado e estimado por todos os naturais e residentes em Paradela.

Contracapa: pensamos ser um retrato da autora








20 agosto 2020

À Sombra amena da Pérgola... (I) O CASTELO DE PENACOVA

Nos anos 30 do século passado, o "Notícias de Penacova" publicou um conjunto de crónicas assinadas com o pseudónimo "Carochinha", versando temas de história da vila. Sabemos que se tratava do Dr. José Albino Ferreira (1864-1940), padre e notário, detentor de uma vasta cultura e erudição. A partir de hoje, recordaremos alguns desses textos, que transcreveremos na íntegra. 

O CASTELO E A VILA DE PENACOVA

"Começarei hoje a dizer o pouco que sei do edifício do Castelo e da História de Penacova, após a completa expulsão dos Mouros de todo o território que constituiu o reino de Portugal.


A vila de Penacova comprime-se sobre o estreito dorso de um monte que é contraforte do Penedo do Castro e se prolonga de poente para nascente, vindo a acabar sob forma arredondada e quase abruptamente sobre o rio Mondego.

Castelo de Penacova (reconstituição)
No extremo oriental deste monte, a rocha eleva-se formando um outeiro do cimo do qual se avista para todos os lados um panorama de rara beleza. Foi a coroar este pequeno outeiro que os cristãos guerreiros, e porventura também poetas, construíram o Castelo que durante alguns séculos demarcou nesta região a fronteira dos domínios cristãos e sarraceno.

Terminada a guerra entre mouros e cristãos, parece que poderia considerar-se terminada também a função guerreira do castelo, mas não aconteceu assim. Em Portugal abundam notavelmente os castelos. Terras antigas de alguma importância, todas tiveram o seu castelo. Hoje não resta, de muitos deles,mais que  a tradição; mas desempenharam notável papel na consolidação da independência do reino, perante a aspiração constante dos espanhóis que sonhavam (e não sei se sonham) com a anexação de Portugal, formando-se um império de toda a península ibérica. Quando os espanhóis faziam sobre Portugal as incursões guerreiras, esbarravam por toda a parte no "cedeiro" de fortalezas mais ou menos importantes, acabando sempre por se retirarem corridos. Foi na batalha de Aljubarrota que sofreram vergonhosa derrota e muito mais tarde após o domínio de 60 anos em que os Filipes governaram Portugal, a revolução do Primeiro de Dezembro de 1640 reconquistou definitivamente Portugal a sua independência.

Os castelos desempenharam ainda, por vezes, papel importante na manutenção da ordem pública e do respeito pela autoridade local, representada pelo Senhor da Terra e seus delegados.

Do castelo de Penacova só resta a tradição mas é ainda viva Maria Martins, viúva do antigo oficial de diligências da Administração, Joaquim Cabral, que todo o concelho de Penacova conhecia e denominava o "Cabral do Castelo". Fez ele a casa da sua habitação encostada à muralha do Castelo, no sítio em que hoje assenta o Hospital da Santa Casa da Misericórdia.

Em outro dia direi como o Castelo foi caindo aos pedaços, até de todo desaparecer. "

08 abril 2013

Retrato de Penacova num Almanaque de 1913

Já lá vão precisamente 100 anos. Carcomido pelo tempo, encontrámos num velho sótão um "almanach" (como na época se escrevia) de 1913 que faz uma descrição, relativamente detalhada, do nosso concelho, ou melhor da sede - a vila de Penacova. Um documento com algum valor para quem se interessa pela história local.
Para uma leitura mais facilitada, passamos a transcrever o seu conteúdo:


Penacova

População – 18 881 habitantes

Villa – Cabeça de concelho e de comarca, districto de Coimbra

A 22 kilometros de Coimbra


Administração do concelho
Administrador: Amândio dos Santos Cabral. Secretário: António Casimiro Pessoa Júnior.  Amanuense: Armando Alberto Pimentel. Oficial de diligências: Joaquim Cabral Júnior.

Judicial
Juiz: Dr. A. César Raposo. Delegado: Adelino Pais da Silva. Contador: Henrique F. de Oliveira Garcez. Regedor: Urbano Ferreira da Natividade. Escrivães Notários: Américo Pinto Guedes, José Augusto Monteiro Júnior e José Maria Pimentel. Advogados: Daniel da Silva, José Albino Ferreira e Alfredo Gil.
 
Agência de Bancos
Portugal: Joaquim Pita d’Eça Aguiar.

De Vapores
Companhia Alemã, Francesa e Inglesa: Joaquim Pita d’Eça Aguiar.
De Seguros

Companhia Fidelidade: António Casimiro Pessoa Júnior.
Câmara Municipal

Secretário: Alípio de Sousa Correia Leitão. Tesoureiro: José Alves Marques. Amanuense: Alípio d’Oliveira Silva Cardoso.
Centros

Dr. António José d’Almeida.

Conservatória
Conservador: Daniel da Silva

Correio e Telégrafo
Encarregada: Berta Maria Rodrigues Moreira

Jornal
Jornal de Penacova

Médico
Rodolfo Pedro da Silva

Negociantes e Comerciantes
Alípio Seco, Alves Coimbra & Cª, António Alves de Oliveira, Amândio dos Santos Cabral, Fernando Miguel Rodrigues, José Pedro Henriques.

Palitos
Fabricantes: é indústria caseira em que em geral se empregam os naturais do concelho. Negociantes exportadores: Alípio Seco de Gouveia e Francisco da Silva.

Pároco
José António Marques da Cruz. Arcipreste pároco apresentado: José Maria da Conceição Leite.

Professores
António Maria Ferreira Soares. Ajudante: Francisco Rodrigues Ferreira dos Santos, Atalyba Duarte de Sousa, na Carvoeira; Beatriz da Piedade Costa e Brito, José Júlio de Sousa Henriques, em Gondelim.

Recebedoria
Recebedor: Daniel Pessoa Guedes.

Registo Civil
Oficial: Dr. Alfredo Mendes Gil

Repartição de Fazenda
Escrivão: Manuel Maria Ferreira
2ºs Aspirantes: Albino Maria da Silva Pena e António Pinto.

Saúde Pública
Sub-delegado: Rodolfo Pedro da Silva

Tipografia
Penacovense; Proprietário: Amândio dos Santos Cabral

Singer (máquinas)
Cobrador: Manuel da Costa Rosa

Freguesias:
Carvalho, Figueira de Lorvão, Friúmes, Lorvão (comerciantes: Joaquim Maria da Silva Rosa), Oliveira de Cunhedo, Paradela, S. Paio de Farinha Podre, S. Pedro de Alva (Singer – máquinas: comissionado: Eduardo P. da Silva), Sazes de Lorvão e Travanca.



12 junho 2012

Apontamento sobre Penacova no séc. XIX

in Corografia Portuguesa, 1868
(repare-se no lapso na data do foral que na realidade é de Dezembro de 1192)
[clicar para ampliar]

18 setembro 2011

Turistas, aristas e excursionistas

O triângulo Coimbra-Penacova-Bussaco foi, nos primórdios do turismo no nosso país, um dos circuitos mais divulgados pela Sociedade de Propaganda de Portugal. A conclusão da estrada que liga Penacova ao Luso, a "estrada dos Emídios", assim designada porque à história da sua construção ficaram ligados quer Emídio Navarro, quer Emídio da Silva, permitiu que a Penacova afluissem muitos mais visitantes, vindos de "trem" ou de automóvel.


De vários pontos do país, de Lisboa, de Coimbra, chegavam excursionistas que aqui faziam uma paragem e seguiam depois para o Luso-Bussaco. Por vezes as excursões eram recebidas ao som de música e tinham direito a uma recepção oficial. A título de exemplo, recorde-se o passeio do Grupo Musical Recreativo de Coimbra que, ao chegar a Penacova em 1932, transportado em  cinco "camionetas", é surpreendido pela Filarmónica dos Bombeiros e recebido nos Paços do Concelho pelo Secretário da Câmara, António Casimiro Guedes Pessoa. É este ambiente que leva os jornais locais a escrever que "são numerosos os que de passagem para o Luso e Bussaco, vêm apreciar este pequeno retalho da Suiça, que os deixa enamorados por mais demorada visita."
Hemetério Arantes (1854-1932), jornalista, escritor e conferencista de renome, um "arista ocasional" como ele próprio se designa, ao escrever no Notícias de Penacova um artigo intitulado "Turismo e Arismo", distingue o turista do arista. O turista seria aquele que passa "na volta consuetudinária Coimbra-Penacova-Luso" e que desce do veículo, defronte da Pérgola, do Mirante, dos "terraços do Preventório", fica deslumbrado por instantes…mas segue viagem. Pelo contrário, o arista é aquele que "procura, na delícia do ambiente, a estância de repouso, propícia à restauração dos corações cansados e nervos gastos". O primeiro é de sua natureza, efémero, "passa como um meteoro". O segundo, vem para ficar e procura alojamento com "uma cama macia num quarto arejado, alimentação sóbria e saudável".
Sobre a questão do passar e do ficar, Emídio da Silva dirá também, pela mesma altura naquele periódico (inícios da década de trinta) que de nada valem as estradas boas se as "hospedarias" forem más, pois o excursionista passa "como o Ahasverus da lenda, sempre a correr.".
Entretanto, a partir daí, Penacova terá melhorado muita coisa e, de facto, o número de aristas começou a crescer. A imprensa local escreve que Penacova "regurgita de aristas" vindos de Lisboa, Porto e de outros pontos do país, "acossados pelo calor das cidades" para "oxigenarem os seus pulmões e tonificarem os nervos com este magnífico ambiente de verdadeiro sanatório e carinhosa hospitalidade". As três pensões (à época) já são insuficientes e começam a ser alugadas muitas casas particulares.
O termo está na moda e até as notícias de S. Pedro de Alva dão conta de muitos aristas que "vêm aproveitar, no seu repouso, as águas puras e as belezas panorâmicas". Nesta localidade permaneciam também, durante os meses de Verão, quer grupos significativos de jovens da JOC, quer "gaiatos" do Padre Américo.
Não é apenas a imprensa local que procura noticiar todo este fervilhar. Também a Gazeta de Coimbra, em Setembro de 1932, escrevia: "Penacova tem sido este ano muito concorrida por famílias que ali foram passar a época calmosa, sendo também numerosas as excursões que têm vindo à Sintra do Mondego". A completar a informação refere que " a maior parte das famílias que ali têm feito vilegiatura são de Lisboa e, em geral, divertem-se pescando no Mondego, realizando pic-nics, passeando em barcos, reunindo-se na Pérgola e organizando bailes no Club."
O Grupo Musical Recreativo de Coimbra, aquando da memorável visita a Penacova escreveu: Eis ao longe Penacova… / P'ra lá vai o pensamento / É formosa e sempre nova / E terra de encantamento // D'aquele Mirante altivo / E de tamanha grandeza / Fica nosso olhar cativo / De tanta, tanta beleza …
Ecos de tempos distantes em que os "excursionistas" tinham recepções especiais na vila e retribuiam através da poesia. Tempos em os "aristas" escolhiam Penacova para fazer "vilegiatura", outro termo caído em desuso mas que significa muito simplesmente a temporada que se passa fora das grandes cidades, no campo ou na praia. De banhistas não tem Penacova histórias para contar…mas de aristas e excursionistas muitas marcas ficaram nesta " terra de encantamento"
David Almeida
in jornal Frontal
2 Set 2011