Ainda há poucos dias celebrámos a Imaculada Conceição (8 de Dezembro). Em 2024, esteve patente ao público, no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, uma exposição subordinada ao título Machado de Castro (1731-1822): das origens à consagração, coordenada cientificamente por Sandra Costa Saldanha.
Entre as peças expostas, destacou-se a escultura “Imaculada Conceição”, originária do Mosteiro de Lorvão e actualmente à guarda daquele Museu. Trata-se de uma obra da Oficina de Lisboa, 1775-1785, em madeira estofada, dourada e policromada (54,2 x 17,9 x 16 cm).
Sobre esta imagem escreveu Diogo Lemos (1):
(...) A sua incorporação no MNMC inscreve-se no (longo) contexto de desamortização dos bens patrimoniais dos cenóbios portugueses, ao abrigo do decreto da extinção das ordens religiosas, promulgado a 30 de maio de 1834.
(…)
Iniciado apenas em 1877, o processo de gestão do espólio do Mosteiro de Lorvão delegou-se ao então Bispo Conde de Coimbra, D. Manuel Correia de Bastos Pinto (1830-1913), sendo as peças de maior valor remetidas para o Museu Nacional da Academia de Belas Artes e Arqueologia de Lisboa e para o Museu de Arqueologia do Instituto de Coimbra (Assumpção, 1899: 169).
(…)
No que à escultura da Imaculada Conceição diz respeito, sabemos, com base nos registos de entradas de peças no MNMC1, que “a pequena imagem de madeira” foi “trazida de Lorvão para o Museu de Arte Sacra [de Coimbra] pelo Dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos” (1860-1941):
(…)
A encomenda da imagem da Imaculada Conceição deverá, com grande probabilidade, situar-se durante o triénio de D. Madalena Maria Joana Caldeira (1783-1786). Patrona de um extraordinário conjunto de obras de arte, D. Madalena custeou, a título de exemplo, a execução do órgão da igreja, a gradaria de ferro com aplicações de bronze do coro e os arcazes da sacristia. Para além destas preciosas obras, a abadessa contribuiu com 1:540$000 réis para os “ornamentos e frontaes para todos os altares” (Assumpção, 1899: 114), não se verificando nos triénios adjacentes registos de despesas com outros altares – excetuando os das rainhas D. Sancha e D. Teresa, de Nossa Senhora da Vida, de São João e do Santíssimo Sacramento, custeados por D. Maria Catarina Xavier de Mendonça durante o triénio de 1780-1783 (Assumpção, 1899: 113-114). (…) A encomenda da imagem da Imaculada Conceição a uma oficina do círculo de Machado de Castro é, portanto, natural.
(…)
Obra que se assume como um modelo herdeiro de fontes iconográficas exaustivamente reproduzidas no contexto da imaginária devocional portuguesa, filia-se em três obras distintas: as célebres pinturas da Virgem de Guido Reni (1575-1642), a saber a de Nossa Senhora da Conceição, executada em 1627 e atualmente à guarda do Metropolitan Museum of Art, e a Mater Amirabilis, proveniente da coleção Bolognetti (Bolonha), executada em cerca de 1635; e a afamada Imaculada de Carlo Maratta (1625-1713), encomendada em cerca de 1660 para a capela do português Rui Lopes da Silva, na igreja de Santo Isidoro a Capo, em Roma.
(…)
Para além da posição das mãos, a imagem do mosteiro de Lorvão singulariza-se, ainda, pelo tratamento das vestes, diferenciando-se da Imaculada de Reni à guarda do Metropolitan Museum of Art. Detalhe que poderia ser entendido como mera derivação artística, assume-se como uma expressão do fenómeno da fusão de fontes iconográficas, por vezes de autorias distintas e até extemporâneas, para a criação da (nova) obra de arte.
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(1) Diogo Lemos é doutorando em História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Professor assistente convidado nesta Faculdade e editor assistente da coleção “Os Mundos da História”, dinamizada pelo Centro de História da Sociedade de da Cultura. Dedica a sua atividade científica à investigação da arte portuguesa da Época Moderna. Desenvolve atividade no campo da inventariação, conservação, planeamento e gestão do património da Universidade de Coimbra.


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