03 maio 2020

Deixa, deixa, oh barqueiro, ir o barco lentamente...


Escreveu Carolina Michaelis (1902), in “A Arte e a Natureza em Portugal”, a respeito da vida amorosa dos barqueiros: “Uma curva lancha vae rio abaixo, tão devagar como se o homem que a move à vara, obedecesse às raparigas que o provocam, cantando estâncias quinhentistas: ir-me quero, madre, com o marinheiro…” ou “Deixa, deixa, oh barqueiro / ir o barco lentamente!/ Deixa, deixa! que a saudade/ ir mais longe não consente.”

Sobre esta importante profissão de outros tempos, transcrevemos o que o Grupo “Barqueiros do Mondego” de Miro, pela mão de Manuel Nogueira, publicou em 2004. O texto é acompanhado da foto que agora publicamos:

O rio Mondego era preferencialmente usado, dando emprego a muita gente das suas proximidades, sendo uma grande percentagem da população de Penacova. O Mondego foi a única via de comunicação importante que a região teve até princípios do século XX, dedicando-se sempre à barcagem e actividades ligadas ao rio: Barqueiros, Calafetes, Carreiros, Estanqueiros, etc.


O Barqueiro do Mondego, tinha como função conduzir a Barca serrana, no transporte de lenha, carqueja e carvão para Coimbra ou Figueira da Foz. No sentido inverso, era possível receber mercadorias por mar e embarca-las rio acima: além de peixe (seco ou salgado), sal, louça de Coimbra, vinho, etc.

Paralelamente com o transporte de mercadorias, também transportavam lentes e estudantes da Universidade de Coimbra, que iam passar férias às suas terras.

O Barqueiro do Mondego, provocava a deslocação da Barca serrana, com ajuda de remos, da vela, da corrente do rio e por vezes das varas ( quando havia menos água), espetando-as no fundo do rio e andando pelo bordo, apoiando a vara contra o lado do peito, virados para a ré. Tinham que colocar um pano grosso, para protegerem o peito, mas mesmo assim fazia "mossa".
O traje do Barqueiro do Mondego era composto por ceroulas até aos joelhos, uma camisola de lã, um colete, um garroço para o frio e os pés descalços ou com alpercatas de pano.

Para dormir, as barcas serranas, ou barcos, possuíam na proa ou na ré, umas cavidades "leito", onde os barqueiros dormiam, sendo o colchão de esteiras de palha, colocados por cima do estrado, e tendo como cobertores, a vela ou sacos, e dormiam com os pés para o bico.

Muitos eram os portos importantes ao longo do Rio Mondego, para carregarem e descarregarem mercadoria. Dos quais destacamos o Porto da Raiva, como sendo o mais importante, e considerado um dos maiores do país, até meados do séc. XIX. Porto este que diz a tradição se situava na Foz do Rio Alva.

Aqui chegados, as mercadorias eram descarregadas, e depositadas em locais apropriados, e depois eram levadas em carros de bois, pelos  "carreiros", e distribuídas pelos concelhos de Penacova, Arganil, Tábua, Mortágua e Oliveira do Hospital.

Nos portos de Coimbra, os barqueiros quando procediam ao carregamento ou descarregamento das barcas, tinham de calçar as alpercatas de pano porque se fossem apanhados descalços pelos guarda rios, eram multados. Se porventura andassem com um pé calçado e outro descalço, pagavam metade da multa!

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