Este periódico, em vésperas do 25 de Abril poucas notícias locais publicava, possivelmente por falta de colaboradores.
Começando a analisar em Janeiro de 1974, encontramos, por exemplo, a defesa da política ultramarina e da guerra colonial. Em Fevereiro ressalta uma crítica muito grande à ONU, associando-a a “uma feira de vaidades” ao mesmo tempo que censura as “políticas onusinas”. Ainda neste mesmo mês, é feita especial referência a discursos de Marcelo Caetano nos quais refere as “atoardas e calúnias” de “certa imprensa”. Sobre o regime, o mesmo afirma no jornal de 9 de Março que “a experiência Corporativa” é “um êxito” evidente. No jornal de 18 de Abril, meia dúzia de dias antes do 25 de Abril, é noticiada a visita de Américo Tomás às obras da Barragem da Aguieira.
A 23 de Março, citando-se um discurso do Ministro Moreira Baptista, salienta-se que os Governadores Civis devem evitar que “alguns eclesiásticos se façam eco de críticas destrutivas que com má-fé são postas a circular para combater a acção governativa, esquecendo-se que a sua missão na Terra deve ser somente evangélica e não política”. Neste particular, apesar de não ter sido notícia no jornal, como é evidente, dizia-se que o Padre António Veiga, pároco de Travanca, Oliveira e Almaça, com grandes preocupações sociais e culturais, chegara a ter informadores da PIDE a escutar as suas homilias.
Estranhamente (ou talvez não) o jornal que tem a data de 27 de Abril alheia-se por completo dos acontecimentos que estão na ordem do dia. Só a edição de 4 de Maio faz eco da Revolução, publicando fotografias de Costa Gomes e de António de Spínola. O editorial, intitulado “Mudança de Rumo” apresenta-se ainda muito cauteloso e desconfiado, indo rebuscar as convulsões da I República e apresentando o 28 de Maio de 1926 como o início de uma fase que “não obstante os naturais defeitos, manteve a paz e o sossego durante meio século e transformou completamente a fisionomia da Nação.” O autor do artigo duvida muito que os portugueses saibam usar a Liberdade e teme, mesmo, que “a emenda seja pior que o soneto.”
Nesta data, dá-se realce ao Manifesto do Movimento das Forças Armadas. O jornal seguinte virá a ser publicado só passados quinze dias, a 18 de Maio, dado que a edição do dia 11 não se publicou, por motivos logísticos, conforme foi comunicado. Neste 18 de Maio já não consta o nome de Joaquim de Oliveira Marques como director. Agora, é o Pároco de Penacova, João da Cruz Conceição, que assume a direcção. Joaquim de Oliveira Marques escreverá em 13 de Julho na pequena nota intitulada “Palavra de Despedida”, que saía porque “a vontade de no máximo 2% por cento da população do concelho” (…) elegera “novas autoridades“ que impuseram a sua saída.”
O 1º de Maio de 74 foi, também em Penacova, o dia em que o Povo “saiu à rua” de uma forma mais visível. A notícia de um ou outro episódio só virá a público no dia 18, como vimos. Relata o jornal que “muitas pessoas se concentraram no Terreiro (…) realizando-se em seguida uma sessão pública no Salão dos Paços do Concelho. Muitos democratas tomaram a palavra para enaltecer o Movimento de Libertação”.
Nesta sessão foi eleita “uma comissão para gerir os interesses do Município”. Comissão que integrava os seguintes nomes: “Fernando Ribeiro Dias, tesoureiro da Fazenda Pública, Manuel Ribeiro dos Santos (comerciante), Rui Castro Pita (engenheiro civil), Joaquim Manuel Sales Guedes Leitão (notário), José Marques de Sousa (proprietário ), Teófilo Luís Alves Marques da Silva ( professor liceal), Américo Simões (industrial ), Adelaide Simões (farmacêutica ), Artur José do Amaral (estudante de Direito ), Artur Manuel Sales Guedes Coimbra (médico), António Coimbra Soares (professor e comerciante) e António de Sousa (electricista).
Esta Comissão alargada, que tomou posse em 2 de Maio, elegeu por sua vez o Presidente e o Vice-Presidente, respectivamente, Teófilo Luís Alves Marques da Silva e António de Sousa. Esta tomada de posse contou com a presença do Presidente e Vice- Presidente cessantes, Álvaro Barbosa Ribeiro e Francisco José Azougado da Mata. Os mesmos declararam ter solicitado e obtido a exoneração dos seus cargos junto do Comandante da Região Militar de Coimbra”. Álvaro Barbosa Ribeiro, à época Deputado, acabaria por passados alguns dias ser detido e preso em Lisboa e Coimbra, acabando o processo por ser arquivado por falta de provas.
Ainda sobre este 1º de Maio no concelho de Penacova lê-se numa local de Lorvão que se tratou de “um dia inesquecível em que todo o povo saiu em massa à rua e com ele a Filarmónica, entoando o Hino Nacional.”
No dia 5 de Maio, domingo, foram em diversas freguesias escolhidos os elementos para presidirem às respectivas Juntas. Em Penacova e Lorvão tal acto teve lugar no dia 12. Em Penacova também neste dia foi eleita nova direcção da Casa do Povo. Por sua vez em Lorvão, realizou-se uma sessão pública na sede da Associação Recreativa Lorvanense com a presença de membros da Comissão Administrativa concelhia e de um representante do Movimento Democrático de Coimbra. Foi notória a presença de um grande número de pessoas, sublinhando o articulista que predominavam as mulheres da povoação de Lorvão que “por mais de uma vez interromperam a sessão”. De Friúmes chega a notícia que ali se deslocara uma sub-comissão da Câmara Municipal para numa “grandiosa reunião sondar se era da vontade do povo continuar a mesma Junta, o que acabou por suceder.”
Sabe-se que em S. Pedro de Alva igual procedimento se fez e com os mesmos resultados: manutenção da Junta.
Com a finalidade de “instruir o povo, esse povo unido, esse povo honesto” para ser “pormenorizadamente instruído acerca da nossa política nacional actual – escreve o correspondente do NP em Friúmes – havia sido marcada uma reunião para o dia 9 de Junho. Recorde-se que estas sessões de esclarecimento e dinamização cultural, assim designadas e geralmente orientadas por elementos do MFA, no nosso caso, por militares da Região Militar de Coimbra, tiveram lugar na maioria das freguesias. Por exemplo, em Penacova a 17 de Fevereiro de 1975, as ovações ao MFA ( O povo está com o MFA) estenderam-se até cerca das 3 horas da madrugada! Ainda na vila, a 18 de Maio, teve lugar durante a tarde mais uma sessão de “Dinamização Cultural” com a presença das Filarmónicas do Concelho, da Orquestra Típica Infantil de Penacova e a Banda de Música do Regimento de Serviços de Saúde. Houve também uma sessão de cinema na Casa do Povo, dado que devido à chuva o programa não pôde ser feito no exterior como estava previsto. Refere o jornal que a dinamização da população em ordem à participação do povo neste programa fora feita pelos 1ºos sargentos penacovenses, José Alvarinhas e José Alberto. Penacova, Friúmes, mas também Chelo. Aqui, no dia 8 de Maio, no Ginásio Recreativo, teve lugar uma “sessão de esclarecimento pelas Forças Armadas”.
Ilustrativo do ambiente que se viveu por estes tempos, recordemos o “assalto” à Casa das Enfermeiras em Lorvão, edifício do antigo Hospício e que agora apenas tinha duas pessoas a residir. Em Agosto de 75, depois de várias reuniões inconclusivas e manifestações populares como aquela que uns tempos antes reunira mais de mil pessoas e onde falaram diversos oradores, entre os quais um representante do MRPP, em defesa da ocupação do edifício para Casa do Povo, que funcionava em condições muito precárias. Neste Agosto o povo decide avançar, pôr os móveis na rua e tomar conta das instalações. Sobre este episódio, António Simões, ex-cozinheiro do hospital, recordará mais tarde, a 30 de Abril de 1998 ao jornal penacovense Nova Esperança, essa “manifestação popular onde o povo é que mais ordenou”. A Comissão Instaladora do Hospital reconheceu, resignada, que “o povo entusiasmado com o que ouvia na rádio e lia nos jornais, resolveu tomar uma atitude sem o seu consentimento”. No fim de contas “O Povo é quem mais ordena!”
Outros episódios poderiam ser recordados. Vamos referir por agora o célebre “Dia de Trabalho pela Nação”. Foi a 6 de outubro de 1974 que, sob proposta de Vasco Gonçalves e tendo a dispensa da Conferência Episcopal, foi pedido que as pessoas dedicassem um dia de trabalho voluntário a favor do País. Referiremos o caso de Travanca, Rebordosa, Chelo e Lorvão. Em Travanca a Junta de Freguesia lançou o apelo e muitas pessoas, incluindo o Pároco, lançaram mãos à obra e procederam ao arranjo do caminho que ligava o ramal da Igreja ao Cemitério. Na Rebordosa, a Juventude (dos 12 aos 23) deixou “as ruas num mimo”. Em Chelo, um grupo “constituído por pessoas que normalmente não pegam na enxada e na picareta “deu início às escavações para a construção de um fontenário”. Por fim, em Lorvão os jovens estudantes reuniram em grupos de trabalho e (…) limparam as ruas da povoação. Mas Lorvão não se ficou por aqui. As paliteiras juntaram-se em grupos fazendo o seu dia de trabalho. Como resultado da venda de palitos (…) recolheram, juntamente com ofertas de voluntários a quantia de 2.485 escudos, que entregaram para os Deficientes-Mutilados das Forças Armadas.
Como sabemos, foi Teófilo Luís Alves Marques da Silva, que desde 1971 era professor de História e Director do Ciclo Preparatório, que assumiu a presidência da Comissão Administrativa Provisória. Em entrevista ao Jornal de Penacova de 15/12/2002 dirá que “tal como um pouco por todo o país a revolução dos cravos foi recebida em Penacova com grande júbilo, pelo menos pelas pessoas com quem contactava no café, na pensão e nas ruas.” Recordará entre outros aspectos a falta gritante de estruturas e de verbas. Por vezes eram uns cerca de 1000 contos feitos na venda de madeira que conseguiam tapar os buracos maiores. Com mágoa recordará, igualmente, quando certo dia um grupo de pessoas quis invadir a Câmara e como nesse dia não estava, agrediram à bofetada o Eng. Castro Pita,”um homem de 60 anos que tanto deu à sua terra”. “Achavam que eu era um indivíduo perigoso, que tinha levado a Câmara à falência, etc… Por estas e por outras acabou por pedir a demissão. Em Agosto de 1975 a comissão fica demissionária. Vai-se manter até Abril de 76. Nesta data dá-se a demissão, agora em bloco. Perante isso foi nomeado para assegurar a presidência da Câmara até às primeiras eleições autárquicas de Dezembro de 76 , como gestor municipal, José Alberto Rodrigues Costa.
Para terminar detenhamo-nos na legenda que acompanhava um foto de Penacova oferecido ao jornal pelo sr. LuísCunha Menezes e publicada na edição de 18 de Maio de 1974:
“Que à pureza dos ares que invadem a nossa região se possam assemelhar os ventos da libertação que sacudiu o país a partir do 25 de Abril. Que a caminhada de Paz e a Liberdade iniciada pelas Forças Armadas, de mãos dadas com o povo, não se detenha até alcançar toda a terra portuguesa.”
David Almeida
(Comunicação apresentada hoje na sessão solene das comemorações do 25 de Abril em Penacova)
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