Os Comentários ao
Apocalipse constituem um conjunto de cópias de um texto elaborado por Beatus
(séc. VIII) um monge do mosteiro de Liébana
(província de Santander-Espanha) nos Montes Cantábricos.
Representação da mesma cena no Apocalipse de Lorvão (esq.) e no Apocalipse da Catedral de Burgo de Osma |
Mais tarde, já depois da sua morte, o facto de esta data ter passado sem que o mundo tivesse
acabado levou outros autores com a mesma mentalidade a fazerem novos cálculos. Um
novo recrudescimento da expectativa apocalíptica ocorreu nas vésperas do ano 1
000, que se prolongou ainda depois durante algumas décadas. Convencido que o
Mundo iria acabar em breve, o monge de Liébana fez um comentário ao Livro do
Apocalipse (um dos Livros da Bíblia), o qual teve um enorme sucesso durante vários séculos,
mas sobretudo até meados do século XI, suscitando
a proliferação de cópias diversas, “profusamente”
ilustradas (ou “iluminadas”). Através da imagem se mostravam as convulsões e
catástrofes que iriam anteceder o regresso de Cristo no fim dos tempos, que
estaria para breve, assim se pensava. Estes desenhos inspiraram novas
representações, “que proliferaram com as suas variantes, qual delas mais
dramática e impressionante, como que para, na sua materialização dos monstros,
da crueldade e da violência, se libertarem catarticamente do medo da morte.”
Impressionam, de
facto, as suas cores berrantes, a estilização dos gestos, a firmeza do desenho
e sobretudo o tipo de cenas que exprimem o mundo sobrenatural. A preferência
dos iluministas vai para a representação de uma solene liturgia em torno de
Cristo, vista à imagem e semelhança das grandes festas do calendário cristão
ou das cerimónias da corte régia, as cenas de
batalhas cheias de cadáveres, de sangue e de crueldade, o espectáculo dos
julgamentos, com os tormentos aos acusados e as condenações à morte, os
monstros, que exprimem o absurdo da violência e da destruição.
O que mais abundam
são estas cenas dramáticas. Nalgumas, porém, elas contrastam com cenas da vida
quotidiana, para a representação da qual se escolhe de preferência, a ceifa do
trigo, a vindima, o trabalho do lagar e, nalguns casos, a tarefa dos escribas
numa biblioteca monástica, e também o homem, a mulher ou o casal a dormirem na
sua cama. O terror espreitava o homem em qualquer situação. Os iluministas
ímaginavam a perturbação e o medo de quem trabalhava ou dormia tranquilamente e
era surpreendido pela vinda repentina do
inimigo. Embora o pretexto das representações gráficas do terror seja a
antevisão do fim do Mundo, é
evidente que se trata nos “apocalipses” de representar uma ameaça
constante. Não tanto o medo da morte individual mas da morte colectiva, como,
de resto, acontece no próprio texto do Apocalipse.
A vida quotidiana estava
ameaçada pela catástrofe. Os anjos exterminadores, com as suas foices afiadas,
vindimam as uvas maduras da vinha terrena. (Cf. Apocalipse,14:14-20) Os
camponeses trabalhavam tranquilamente na vindima, na ceifa e no lagar, sem
saberem que seriam em breve, surpreendidos pela morte. As iluminuras aí estavam
para os lembrar que, conforme a insistente pregação da época, a iminência da morte
era uma pesada ameaça.
A representação da
vindima, da ceifa, do lagar, é muito frequente. Por exemplo, no Apocalipse da
Catedral de Burgo de Osma, com data
de 1086, encontramos uma cena muito semelhante à que o Apocalipse de Lorvão
apresenta. Vários estudos
têm vindo a fazer essa análise, em particular, bem como toda a carga histórica
e cultural que este documento transporta. Não é, pois, por acaso, que o
exemplar feito em Lorvão foi recentemente declarado Memória do Mundo pela Organização
das Nações Unidas para a Eucação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconhecendo-o
como um dos "mais belos documentos da civilização medieval
ocidental".
.
Fonte principal deste
texto: História de Portugal (1 volume
- Antes de Portugal), Dir. de José
Mattoso, Círculo de Leitores.
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