A apresentar mensagens correspondentes à consulta livraria ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta livraria ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

terça-feira, dezembro 10, 2024

segunda-feira, junho 03, 2024

Estudo sobre Turismo em Penacova analisa práticas de gestão sustentável, potencialidades, infraestruturas, eventos...


Um estudo recente, publicado pela Escola Superior de Educação de Coimbra (1)  analisa das práticas de sustentabilidade sócio-ambiental no alojamento turístico do município de Penacova e identifica as principais barreiras à sua implementação.

O conceito de turismo sustentável foi definido pela Organização Mundial do Turismo, agência especializada das Nações Unidas, como aquele que é ecologicamente suportável no longo prazo, economicamente viável e ética e socialmente equitativo para as comunidades locais, implicando a integração ao meio ambiente natural, cultural e humano e o respeito pelo equilíbrio das áreas ambientalmente mais sensíveis.
 
Práticas de gestão sustentável nos alojamentos em Penacova

Esta investigação incidiu em oito unidades turísticas situadas nas freguesias de Friúmes, Penacova, São Pedro de Alva e Oliveira do Mondego. que “tendo em conta que a investigação foi baseada numa metodologia qualitativa, através da realização de oito entrevistas” não é possível garantir que as conclusões “se apliquem à generalidade dos alojamentos em Penacova e de outras regiões do país”, o que “limita um pouco a investigação” -alerta o autor deste trabalho académico. Salienta-se igualmente que “a maioria dos responsáveis dos alojamentos ainda não tem qualquer tipo de formação em sustentabilidade, não conhece os guias de boas práticas do turismo de Portugal e o alojamento não é a sua principal atividade” o que “dificulta a recolha e seleção da informação.”

De qualquer modo trata-se de um estudo pertinente e actual. De acordo com o mesmo “foi possível concluir que já são utilizadas algumas práticas de gestão sustentável nos alojamentos em Penacova, nomeadamente as que dependem de menos investimentos financeiros, sendo os empreendimentos turísticos o tipo de alojamento que mais práticas sustentáveis utiliza”. Verificou-se que todos os entrevistados se preocupam com a sustentabilidade, atribuindo, no entanto, maior importância ao consumo energético por questões orçamentais.

Todos utilizam lâmpadas led de baixo consumo, todos fazem a separação de resíduos para a reciclagem, todos os alojamentos ou edifícios têm isolamento térmico e todos utilizam e adquirem produtos locais.

A maior barreira com que os entrevistados se deparam para implementar práticas de sustentabilidade são os elevados custos na aquisição de equipamentos, eletrodomésticos e materiais mais sustentáveis. Todos afirmam que teriam como benefício para a sua atividade a redução de custos.

Em termos globais, consideram que a implementação destas práticas beneficiaria a poupança de recursos naturais. Todos consideram ser necessários mais apoios económicos para aquisição de equipamentos sustentáveis. Por sua vez, a maioria dos entrevistados destaca a importância de colocar ecopontos junto dos seus estabelecimentos para facilitar a separação de resíduos.

Alguns dos entrevistados consideram que a atribuição de prémios de desempenho ao alojamento seria um bom incentivo para implementar mais práticas sustentáveis.

Em síntese, “a gestão do consumo de energia é a principal preocupação dos responsáveis dos alojamentos, assim como a aquisição e divulgação de produtos locais. O principal obstáculo à implementação de novas práticas sustentáveis está relacionado com elevados custos na aquisição de equipamentos de baixo consumo.”

Características naturais, infraestruturas de apoio, eventos ... 

Reconhece o estudo que “o concelho de Penacova tem um “elevado potencial” de desenvolvimento turístico, já que “possui um conjunto de características naturais e de infraestruturas de apoio ao turismo que lhe permite desenvolver a atividade de forma sustentável” (…) possuindo “acessibilidades, infraestruturas, recursos e atrações que potenciam o desenvolvimento de atividades turísticas, nomeadamente de turismo de natureza, desportivo e gastronómico com a realização de diversos eventos nestas áreas.”

Esta investigação conclui que, em termos de alojamento, “Penacova já possui uma oferta variada com capacidade para alojar 354 hóspedes nas diversas unidades de alojamento local, sendo a modalidade de moradia a que mais se destaca.” Verifica-se igualmente que “em termos de empreendimentos turísticos tem capacidade para albergar 436 campistas nos dois parques de campismo existentes e 78 hóspedes nos cinco empreendimentos turísticos registados.”

Ficamos também a saber que “apesar da estada média em Penacova ser ligeiramente inferior à média da região centro, verifica-se que cresceu em dormidas e em receitas”. No entanto, tendo em conta os dados apresentados, não vai ao encontro ao estabelecido na ET2027, onde se pretende crescer mais em receitas que em dormidas.

A leitura desta dissertação de Mestrado conduz-nos também a um levantamento actualizado de algumas características naturais e de infraestruturas de apoio na medida em que se afirma que “Penacova possui um território muito diversificado a nível turístico, nomeadamente para o turismo de natureza, pois possui vales, serras, rios e paisagens que podem ser vistas dos penedos e miradouros, possui também moinhos e azenhas e outros recursos naturais que atraem turistas de todo o país.

Tendo como fonte o site do Município, salienta o autor que:

- “as suas praias fluviais atraem muitos visitantes no Verão, mas Penacova possui ainda outros recursos de elevado potencial turístico, como as tradições das suas gentes, a sua história, mosteiros, museus, igrejas, entre outros;

- que “o concelho de Penacova proporciona ainda enriquecedoras experiências na descoberta da sua fauna e flora, onde se destacam ao nível da fauna Árvores de Interesse Público, classificadas pelo ICNF, como a Sequoia e a Glicínia. Ao nível da flora destacam-se a rola, javali, perdiz, as trutas e a lampreia; que “em Penacova existem seis praias fluviais, sendo as mais conhecidas a do Vimieiro e a do Reconquinho ambas galardoadas com a bandeira azul;

- que “ao longo do rio Mondego existem também a livraria, um recurso turístico natural que marca a paisagem. Este monumento está classificado como Geomonumento ao Nível do Afloramento, pelas suas caraterísticas e constituindo-se como um dos mais singulares monumentos naturais de Portugal”;

- que “o miradouro Emydgio da Silva, a Pérgula Raúl Lino e o Penedo do Castro são os mais emblemáticos, onde visitantes e residentes se podem deliciar com a vista sobre o rio Mondego e as encostas da serra da Atalhada com paredes quartzíticas propicias à prática de escalada e rappel”.

Ainda de acordo com fontes do Município consultadas para este trabalho, é sublinhado que, em termos de recursos culturais, se destaca ”o Museu do Moinho Vitorino Nemésio e um dos maiores núcleos molinológicos do país espalhado pelas serras da Atalhada, Aveleira, Gavinhos e Portela de Oliveira com imensos moinhos de vento em atividade ou em condições de funcionar.

Recorda-se que “Penacova possui ainda dezoito azenhas espalhadas pelas ribeiras e vinte e três fornos de cal no concelho”.

Salienta-se também que “em termos de artesanato contam-se ainda quinze artesãos a trabalhar as diversas áreas onde se destacam a produção de palitos de madeira”.

Em relação a edifícios com valor histórico-patrimonial “destaca-se o Mosteiro de Lorvão que integrou a lista original dos primeiros edifícios classificados como Monumento Nacional em Portugal e o Núcleo Museológico dos Cabouqueiros e dos Carpinteiros.“

A nível gastronómico, “Penacova faz um excelente aproveitamento do rio com a confeção de seis pratos típicos à base de peixe e três de carne. Destacam-se também trinta e dois doces conventuais e onze produtos típicos como azeite, mel ou castanha.”

Ao nível do desporto de natureza, “para a prática de desportos terrestres existem dois percursos pedestres de grande rota, cinco percursos pedestres de pequena rota, nove ciclos com ligações para BTT, quatro percursos de Trail Running, sete locais de escalada e dois locais para prática de tirolesa e slide”, ao mesmo tempo que para a prática de desportos aquáticos “dispõe de 25 km ao longo do rio Mondego para prática de canoagem e rafting, uma pista de pesca desportiva para competição no rio Mondego e onze lotes no rio Alva. Além das seis praias fluviais propícias à prática de mergulho, possui uma pista de motonáutica na barragem da Raiva e espaço aquático para se realizarem passeios de barco.” As descidas de rio em Kayak são também importantes para o desenvolvimento e divulgação deste território.

Deste modo, eventos turístico-desportivos como a Maratona BTT, a etapa da Taça de Portugal de Enduro na modalidade de Downhill, a prova de Trail Running “Penacova Trail do Centro”, o campeonato nacional de Rally e Kart Cross na pista da Serra da Atalhada, o encontro nacional de montanha entre outros, são atividades suscetíveis de organização de que fazem deslocar centenas de pessoas para o território de Penacova - reconhece o estudo.

Quanto ao levantamento de iniciativas é também referida a realização anual de “pelo menos onze eventos desportivos, dois de carácter local, dois regionais, seis nacionais e um internacional.”

No que diz respeito a outros eventos turísticos apontam-se “o festival Gerações, vinte e duas festas populares, quatro festivais e concursos gastronómicos, festas e romarias ou o mercadinho de natal.”

Para apoiar estas atividades, é referido, com base no Registo Nacional de Turismo, que se encontram “sedeadas em Penacova seis empresas de animação turística, duas agências de viagem e turismo e dois operadores marítimo-turísticos, com diversas atividades distribuídas por atividades de ar livre/aventura, atividades culturais/tour paisagístico e atividades marítimo-turísticas que fazem agitar o setor do alojamento.”

Caraterização do alojamento turístico no município de Penacova

Um outro aspecto de que nos são fornecidos alguns dados respeita aos alojamentos. Assim, “de acordo com o RNT, em Penacova existem quarenta e quatro Alojamentos Locais (AL), distribuídos pelas modalidades de moradia, apartamento e estabelecimento de hospedagem com capacidade total de trezentas e cinquenta e quatro pessoas.”- informa este estudo que estamos a analisar.

Outros dados:

- “Destas modalidades, a que apresenta maior número de registos é a moradia com trinta e cinco registos e capacidade para duzentos e vinte e nove utentes e a modalidade de apartamento têm com cinco registos e capacidade para trinta e nove utentes.”

- “Os estabelecimentos de hospedagem são apenas quatro, no entanto tem capacidade para oitenta e seis utentes. (Registo Nacional de Turismo).”

- “A nível de empreendimentos turísticos (ET), existem sete registos, distribuídos pelas diversas tipologias com capacidade para alojar quinhentos e catorze utentes. A tipologia com maior número de registos é a Casa de Campo com três registos, vinte e duas unidades de alojamento e capacidade para alojar quarenta e quatro utentes. Segue-se a modalidade de parque de campismo com dois registos, um com classificação de 3* e capacidade para cento e trinta e três utentes e outro sem qualquer tipo de classificação com capacidade para trezentos e três utentes, ou seja, ambos com capacidade total para quatrocentos e trinta e seis utentes. O empreendimento de turismo de habitação tem um registo com sete unidades de alojamento e capacidade para alojar catorze utentes. O hotel rural classificado com 4 estrelas tem dez unidades de alojamento com capacidade para vinte utentes (Registo Nacional de Turismo).”

- “Existem quarenta e quatro AL registados em Penacova e sete ET. A moradia é a modalidade de alojamento com mais registos, trinta e cinco no total, sendo que, em termos de ET, a tipologia que maior número de registos apresenta é a Casa de Campo.”

Em síntese, pode-se concluir que “Penacova possui acessibilidades, infraestruturas, recursos e atrações que potenciam o desenvolvimento de atividades turísticas, nomeadamente de turismo de natureza, desportivo e gastronómico com a realização de diversos eventos nestas áreas.

Podemos também afirmar que, em termos de alojamento, Penacova já possui uma oferta variada com capacidade para alojar 354 hóspedes nas diversas unidades de alojamento local, sendo a modalidade de moradia a que mais se destaca. Em termos de empreendimentos turísticos tem capacidade para albergar 436 campistas nos dois parques de campismo existentes e 78 hóspedes nos cinco empreendimentos turísticos registados.

Apesar da estada média em Penacova ser ligeiramente inferior à média da região centro, verifica-se que cresceu em dormidas e em receitas, no entanto tendo em conta os dados apresentados, não vai ao encontro do estabelecido na ET2027, onde se pretende crescer mais em receitas que em dormidas.”

----------------
(1) O presente trabalho denominado “Práticas de Gestão Sustentável no Alojamento Turístico: o caso do município de Penacova”, com data de Dezembro de 2023, foi desenvolvido no âmbito do Mestrado em Turismo de Interior–Educação para a Sustentabilidade, ministrado na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra, por Hernâni José Oliveira Nogueira.

segunda-feira, março 11, 2024

“Do Mondego: notas históricas e culturais”: um texto de Nelson Correia Borges


Recordamos a intervenção proferida pelo Professor Doutor Nelson Correia Borges no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” realizado em Penacova a 21-01-2012, quando se lutava contra a construção da Mini Hídrica na zona do Caneiro. Um dos muitos excelentes textos históricos e literários deste nosso insigne conterrâneo. 

“Do Mondego: notas históricas e culturais”

“O Mondego não é apenas o mais importante dos rios nascidos em Portugal. É também o mais português por ter sido cantado por quase todos os grandes poetas portugueses.

O lirismo de que impregna a paisagem mondeguina desperta em quem o contempla a vontade de ser poeta. Ninguém o pode ver sem com isso sentir prazer. A poesia portuguesa está cheia de páginas vibrantes e sentidas, gravadas de forma imorredoura por quantos o têm cantado desde Luís de Camões a António Nobre, desde Sá de Miranda a José Régio. Bernardim Ribeiro, António Ferreira, Almeida Garrett, João de Deus, Soares de Passos, Antero de Quental, Gonçalves Crespo, Teixeira de Pascoaes, Camilo Pessanha, Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, Afonso Duarte, Campos de Figueiredo, Manuel da Silva Gaio, Fausto Guedes Teixeira, António Homem de Melo, Alberto de Serpa, Alberto de Oliveira, José Freire de Serpa, Miguel Torga, Manuel Alegre e tantos mais, celebraram cada um à sua maneira, as “doces e claras águas”, “entre choupais murmurando”, “os saudosos campos”, o “cristalino curso”, “os salgueiros a cantar”, as “falas mais tristes” do “lânguido Mondego”.

Orlado de encostas verdejantes e campos férteis, de frondosos laranjais com pomos de ouro e olivedos verde cinza, de salgueiros pendentes e choupos buliçosos, as suas águas, ao passar, murmuram desde há séculos a canção da beleza que não passa.

O grego Estrabão já se lhe refere, designando-o por Muliades. Munda ou Monda lhe chamaram os romanos, enquanto o árabe Edrisi descreve o rio que banhava Colimbria, dando-lhe o nome poético e sonhador de Mondik. E já num documento de 946 do Mosteiro de Lorvão surge a forma Mondeco, bem próxima da atual. Mas, nem uns nem outros foram os padrinhos, pois que a raiz da palavra (Mond-) é seguramente pré-romana.

O Mondego, esse rio que dessedentou celtas, romanos, godos e mouros, foi também a linha fronteiriça entre a cruz e o crescente, ao tempo da reconquista, a linha estrema, pontilhada de fortalezas – Seia, Penacova, Coimbra, Montemor-o-Velho -, onde Afonso Henriques veio estabelecer a capital do seu jovem reino. Castelos roqueiros, de pedraria talhada, como o de Penacova, dominando altaneiro os meandros do rio desde as Fragas de Entre Penedos às lonjuras da Rebordosa e de Louredo. Castros de pedra seca e terra batida alinhados na margem esquerda, eram sentinelas vigilantes do tráfego fluvial e de fossados e razias feitos por gente da moirama. Dois deles são referidos na demarcação dos limites feita em 1105 entre os monges de Lorvão e os homens do castelo de Penacova: o Castro de Cima de Louredo e o Castro Retundo em frente do Caneiro. Foram refúgio de camponeses e marcas dominiais, juntamente com outras rústicas fortificações ao longo deste nosso rio, de que apenas restam topónimos como Cabeço da Pedra, Castelo Viegas, ou vestígios arruinados como Torre de Bera.

Pachorrento e remansoso, o poético Mondego, afirmou-se a razão de ser e vida de toda a região, no passado. Não admira que por aqui tivessem florescido povos luso romanos nas terras que são hoje Penacova, Lorvão, Cheira, Chelo e tantas outras… O peixe abundava e povoava as suas ribeiras. Lembremos que as monjas de Lorvão tinham o privilégio da exclusividade da captura de trutas na sua ribeira e recebiam lampreias como pagamento de foros pelo povo da Rebordosa.

Impetuoso e brutal nas cheias súbitas de outros tempos, semeou muitos desesperos por entre esperanças geradas em torno de si. Quem não se lembra dele, engolindo as casas baixas da Rebordosa, dominando as várzeas marginais, transportando no seu dorso tudo quanto encontrava pela frente, subindo às laranjeiras e roubando-lhes os frutos dourados, ou transformando a baixa de Coimbra numa cidade lacustre?

Quantas memórias carrega consigo este rio, hoje domesticado e quase ignorado, das populações ribeirinhas, da cidade que lhe deve quase tudo e hoje praticamente lhe vira as costas !?

Mas o Mondego é um dom de Deus, um espetáculo da natureza. No concelho de Penacova tem talvez a sua página mais bela. Logo a jusante da confluência com o Alva surge a garganta de Entre Penedos, a Livraria do Mondego, muralha silúrica que do Buçaco se prolonga para a Atalhada e que o Mondego cortou – e o IP3 quase destruiu. Então alarga-se o vale, até aí mais angustiado. O rio está na sua plenitude iniciando a ação de depósito: são as férteis várzeas de Penacova, cujo vetusto morro do castelo e as águas sussurrantes contornam. Carvoeira, Ronqueira, Rebordosa, Caneiro, são pitorescos povoados que devem a sua existência e o nome à faina fluvial. Raiva, Ronqueira, têm a ver com a torrente caudalosa em épocas de invernia. Carvoeira, com a matéria-prima que daqui enchia as carvoarias de Coimbra, transportada nas barcas serranas. Rebordosa e Louredo são nomes ligados à flora das suas margens… Caneiro, a paliçada que os monges de Lorvão mandaram colocar no rio para apanha de peixe.

E o Mondego lá segue em meandros, a contornar as atalaias poderosas dos montes marginais, por entre vertentes de pinheiros, eucaliptos e oliveiras, entremeados de urzes, tojo, giestas e rosmaninho, hoje em vias de desaparecer das nossas encostas… Aqui e ali recebe idílicas ribeiras, talvez as musas inspiradoras das Ribeiras do Mondego, do poeta seiscentista Elói de Sá Sotto Maior – Abarqueira, Lorvão, Arcos, Vale Bom -, ou riachos que no inverno chuvoso se despenham em rugidoras torrentes…

Mas o Mondego foi, principalmente, desde tempos imemoriais, uma importante via de comunicação. Por ele circularam pessoas, mercadorias, obras de arte, coisas simples, novidades, ideias… Nas suas águas, passaram jangadas de madeiras para construção. Assim foi com os imensos troncos de castanho vindos da Mata da Margaraça em carros de bois até ao Porto da Raiva, daí seguindo a estrada fluvial até Coimbra para serem esculpidos nas monumentais colunas barrocas do retábulo-mor da Sé Nova. Assim foi também com os toros de castanho vindos da mesma Mata da Margaraça para construir o dormitório do Mosteiro de Lorvão e com muitos outros lenhos necessários à vida do grande complexo monástico. Poderia este mosteiro ter alcançado a grandeza que teve sem o Rio Mondego? Talvez. Mas lá que ajudou, não há dúvida. As grandes obras, como as grades do coro, os toros de pau-preto para o cadeiral, a pedra de Ançã para as capelas do claustro, vieram em barcas até ao porto da Granja do Rio, donde seguiram para o recôndito vale, e muitas outras teriam feito o mesmo percurso.

O assoreamento progressivo foi reduzindo as possibilidades de navegação, exigindo barcos de pequeno porte: as barcas serranas, para as cargas, e as bateiras ou barcos do lavrador, mais móveis e utilitários.

Se o Sado, o Tejo, o Lima, o Douro ou a Ria de Aveiro acolheram as embarcações que se tornaram uma imagem de marca, o Mondego não lhes ficou atrás com as barcas serranas que ainda há mais de meio século lhe sulcavam as águas, com as suas largas velas dilatadas pelo vento. Eram barcos compridos e estreitos, de fundo chato, como uma grande canoa primitiva, desenvolvida e aperfeiçoada. Quando não havia vento, ou este era contrário, a navegação fazia-se à vara e muitas vezes à sirga, mas a complementação destes processos era frequentemente comum.

Outrora o trânsito no Mondego era intenso. Todo o sal e grande parte do peixe consumido no interior das Beiras eram transportados desde as salinas de Lavos e da barra de Buarcos até ao Porto da Raiva ou à Foz do Dão, donde os almocreves os levavam. Na descida do rio as barcas serranas traziam vinhos, batatas, frutos, madeiras, carvão, carqueja e os mais diversos produtos, como a roupa das lavadeiras ou os palitos, que se destinavam a Coimbra ou à exportação pelo porto da Figueira.

Passageiros aproveitavam as barcas para se deslocarem, sobretudo para a beira-mar durante a época estival.

Até a Bairrada tirava enorme proveito do tráfego fluvial, fazendo exportar os seus produtos agrícolas, principalmente os afamados vinhos, pelo Porto do Rol, na Vala de Ançã. Por aqui saíram também, em bruto, toneladas de pedras de Ançã, que chegaram tão longe quanto Santiago de Compostela.

No Verão todo o rio se agitava de vitalidade. Aqui e além eram as noras a chiar, vazando os alcatruzes para a rega das ínsuas. Os caneiros ou paliçadas de estacaria, que desviavam a água para elas, interrompiam por vezes a navegação, pelo que os barqueiros, ao aproximar-se, vinham gritando de longe: Ó da roda!..., para que lhes abrissem a passagem. Por todo o lado, as lavadeiras tagarelavam e pintalgavam as areias, de roupa estendida a corar. Às vezes metiam-se com os barqueiros, chacoteando-os com a dificuldade da passagem na Pedra Aguda. Mais além um pescador solitário concentrava as suas energias na captura de peixe em que o rio era fértil, com destaque para a apreciada lampreia. Acolá era uma azenha temporária, montada durante a estiagem, quando a água era pouca nas ribeiras e levadas.

E havia o prazer de gozar o rio, com tudo o que ele tinha para dar. Assim surgiram as praias fluviais de Coimbra, pelos anos 20 a 40 do século passado, sofisticadas, com passadiços, toldos, chapéus e piscina. À noite, deixaram memória as serenatas no Mondego, em barcas serranas, feitas por tricanas e futricas, que os estudantes, esses de há muito cantavam pelas suas margens fados e baladas, ao desafio com rouxinóis. Este costume das serenatas mondeguinas estendeu-se também a Penacova, já que as ligações à cidade eram imensas e naturais.

Hoje, reduzido à sua função primitiva, invadido pela vegetação marginal, disciplinado para bem da agricultura, mas muitas vezes ignorado pelos que se deviam preocupar com o desenvolvimento das suas potencialidades, e agora na eminência de sofrer mais uma agressão que o desfigurará, o Mondego continua a ter os seus amigos e fiéis admiradores, que continuam presos dos seus encantos e outros que durante o Verão o continuam a desfrutar.

E enquanto os povos das suas margens cantarem canções tradicionais, ele continuará a ser lembrado e vivido, pois em quase todas ele está presente, como elemento fundamental de uma cultura.”

“Do Mondego: notas históricas e culturais” 
Prof. Doutor Nelson Correia Borges intervenção proferida 
no âmbito do Colóquio “Mondego Vivo” Penacova, 21-01-2012

quinta-feira, junho 02, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (1): Livraria do Mondego

 


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca. Este "geomonumento", para usar a designação proposta por Galopim de Carvalho,  é constituído por quartzito ordovícico (Arenigiano, com 480 a 490 milhões de anos) e faz parte da grande falha tardi-hercínia que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova).


Neste local de manifesto interesse geológico foi encontrada em 1915, quando decorriam obras na estrada de Entre Penedos, uma formação rochosa que o “Jornal de Penacova” designou, em título, por “Pedra Curiosa”.[1]

O director do então Museu Geológico da Universidade de Coimbra, Anselmo Ferraz de Carvalho, depois de vir ao local, decidiu salvaguardar aquele achado, enviando-o para o museu que dirigia.




Esta laje quartzítica, com uma superfície de cerca de 3m2 constitui o maior exemplar de “Cruziana” em museus portugueses. Encontra-se em Coimbra, emparedado no átrio da galeria de Mineralogia do Museu da Ciência, com a indicação de proveniência “Vila Nova – Penacova”.

Sabe-se que, nas recuadas eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pela água de um mar pouco profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um mar de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat viviam as Trilobites. Os rastos de locomoção destes artrópodes são designados por bilobites ou cruzianas. Só a partir do século XX começou a haver algum consenso entre paleontólogos quanto à interpretação destes registos enquanto marcas da locomoção (icnofósseis) daqueles animais marinhos.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem popular ou erudita. Já no séc. XIX foi referenciada por António Feliciano de Castilho, no prefácio “Conversação Preambular” ao livro de Tomás Ribeiro, “D. Jayme ou a dominação de Castela.” Castilho nasceu em 1800. Sendo assim, aquela viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando estudava Direito na Lusa Atenas.

Uma observação: não será viável dispormos, “in situ”, de uma réplica da “Bilobite de Vila Nova”, num futuro Centro de Interpretação localizado na zona?

____________

[1] "BILOBITES DA LIVRARIA DO MONDEGO - Designados popularmente por Bilobites, os icnofósseis de Cruziana são testemunhos de atividade de artrópodes marinhos há muito extintos, as Trilobites.

Os icnofósseis permitem interpretar o comportamento dos organismos do passado. Em muitos casos sendo enigmática a relação entre espécie produtora e as marcas deixadas. Da locomoção na procura de alimento das Trilobites nos fundos marinhos resultaram sulcos onde se observam padrões de marcas de arranhamento produzidas pelos apêndices. As estruturas preenchidas em dois lóbulos resultaram em moldes naturais que permitem observar detalhes da atividade e até indicar o sentido do deslocamento.

Este espécime [ver foto] forma parte de um conjunto de registos trazidos da Livraria do Mondego (Penacova), um local de interesse geológico onde o rio Mondego corta os estratos verticais de quartzito formados no Ordovícico (há 475 milhões de anos).

In Museu da Ciência, Universidade de Coimbra.









quinta-feira, setembro 02, 2021

Livraria do Mondego: quem se lembrou de a chamar assim?


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca.  Formação rochosa que é constituída por quartzitos e faz parte da grande falha tardi-hercínia  que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova). 


Sabe-se que, nas distantes eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pelas águas de um mar não muito profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um oceano de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat vivia uma espécie de artrópodes, as trilobites, cujos rastos de locomoção formam as bilobites ou cruzianas. Um desses icnofósseis (como os de Penha Garcia) foi encontrado aqui, em 1915, aquando das obras na estrada.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem  popular ou erudita. Já no séc. XIX era referenciada por António Feliciano de Castilho, na “Conversação Preambular” (uma espécie de prefácio) introdutória ao livro de Tomás Ribeiro, D. Jayme ou a dominação de Castela. 

Castilho, que estudou Direito em Coimbra e era cego desde os 6 anos (em consequência de sarampo), nasceu em 1800. Sendo assim, essa viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando  estudava na Lusa Atenas. 

A designação, apesar de, no texto em causa, ter saído da boca do barqueiro, poderá ter uma origem erudita. Por sua vez, “Entre Penedos” seria a designação nascida no linguajar do povo.

domingo, março 14, 2021

Lenda de Penacova



Foi um dia o Mondego

Todo jovem, todo ledo

A Coimbra a estudar.

Levou os livros no intento

De passar bem o seu tempo

Se tivesse de parar.



Longa via já andada

Toda a roupa ensopada

No suor do corpo seu

Ali, na falda da serra

Deitou os livros em terra

E à fadiga se rendeu.



Lá do Céu meigo luar

Já cuidava em pratear

As negras cristas dos montes,

E o Mondego já tremia

Do medo que então sentia

Do rumor surdo, das fontes.



Temeroso ajoelhou

E de mãos postas rezou

Ao Senhor de quanto havia,

Que do Céu prestes mandasse

Um Anjo que lhe falasse

E fizesse companhia.



E o Senhor atento ouvia

E depois pena sentia

Do seu amargo penar…

Seu pedido despachou

E um anjo, prestes mandou

Num raio do seu lar.



E nessa noite distante

Jovem Mondego estudante

Dormindo naquela cova

Dos livros fez livraria

Da pena fez alegria

Da Cova fez Penacova



E o anjo da caridade,

Todo amor, todo bondade,

todo puro e sem labéu

Em sua visão infinda

Achou a terra tão linda

Que não mais voltou ao Céu



E quando um beijo de amor

Quis dar ao seu protector

No momento de partir

O anjo tornou-se astro

E sobe ao monte do Castro

E a meio pôs-se a sorrir



Não posso subir ao Monte

Para pôr na tua fronte

O meu beijo apaixonado?!

Ficarei aqui, ao fundo

Enquanto o mundo for mundo

Dizendo muito obrigado!



E a promessa do Mondego

Todo jovem todo ledo

Foi promessa de valor.

Sabe a gente velha e nova

Que o rio de Penacova

Nunca mais se fez Doutor!



P.e Agostinho

In Notícias de Penacova ,1950



domingo, outubro 11, 2020

A colheita e a vindima no Apocalipse de Lorvão


Ao abrir o livro HISTÓRIA DE PORTUGAL EM 40 OBJETOS, publicado em 2017, encontramos um capítulo dedicado ao “Apocalipse de Lorvão”. O autor, Sérgio Luís de Carvalho, começa por referir uma observação de João Aguiar. Dizia aquele jornalista e escritor que “os irlandeses têm o Livro de Kells [1]cuja edição fac-similada se vende em qualquer livraria. Nós temos o Apocalipse de Lorvão, que não lhe fica muito atrás, e não o  temos acessível ao grande público.”

O Apocalipse de Lorvão é uma cópia do Commentarium in Apocalypsin, da autoria do chamado Beatus (Beato) de Liébana, um monge que viveu durante o século oitavo no Mosteiro de S. Martinho de Turieno, no norte de Espanha. O original perdeu-se, mas existem algumas reproduções, sendo o nosso Apocalipse (datado de 1189)  uma delas. Naturalmente, as cópias, reflectindo as especificidades dos respectivos copistas e iluminadores, resultaram diferentes entre si.

Em Lorvão, o autor deste códice ricamente iluminado foi o monge Egeas. Escrito em latim, com letra gótica a 29 linhas e 2 colunas, é formado por 221 fólios (ou folhas) com o formato de 345 x 245 mm e inclui 57 ilustrações de carácter místico e apocalíptico, que reflectem a concepção do mundo que se tinha naquele tempo e são também testemunho do quotidiano agrícola de Portugal no séc. XII.

A Colheita e a Vindima” é uma das mais conhecidas ilustrações deste códice. Cristo, o supremo juiz tem na mão uma foice com a qual se prepara para ceifar a seara seca pelo pecado e que será deitada ao fogo. De igual modo, o supremo juiz corta, através de um anjo armado com uma podoa, as latadas estéreis devido aos pecados dos homens que serão lançadas e esmagadas no lagar divino. Esta é a leitura sagrada, baseada no texto da bíblia. Mas esta iluminura espelha também as actividades da época do ano e também da época histórica. Por exemplo, Jesus e o anjo têm alfaias típicas da Idade Média, há cestas de vime no chão e lá está o lagar a funcionar. Podemos também observar o tipo de vestuário dos trabalhadores do campo. Há, ainda, cavaleiros, arcadas românicas, mobiliário e utensílios de artes várias, animais reais ou imaginários.  Ali está, mental e materialmente, muito dos primórdios do nosso país. 

Durante aquele período, o mosteiro de Lorvão afirmou-se como um dos principais centros de produção de manuscritos iluminados em Portugal. Como sabemos, o Apocalipse de Lorvão está inscrito, desde 2015, na Memória do Mundo da Unesco. 



[1] O Livro de Kells, também conhecido como Grande Evangeliário de São Columba, é um manuscrito ilustrado com motivos ornamentais, feito por monges celtas por volta do ano 800. Constitui, apesar de não concluído, um dos mais sumptuosos manuscritos iluminados que restaram da Idade Média e é considerado por muitos especialistas como um dos mais importantes vestígios da arte religiosa medieval.

terça-feira, março 05, 2019

Da hospedaria da ti Leocádia à pensão da Altina do Amaral


Publicidade no Jornal de Penacova [1901]

É num livro publicado em 1903* pela Tipografia Vasconcelos (Porto) que, à volta de algumas aventuras de um grupo de estudantes de Coimbra pelas terras da Beira, passando pelo Luso, Mortágua, Foz do Dão, S. Pedro de Alva, Penacova,  vamos encontrar uma curiosa referência à Hospedaria da ti Leocádia, onde a menina Altina ajuda a mãe a receber os hóspedes e a servir as refeições.
Vindos da Foz do Dão, “pouco depois chegavam à Barca do Concelho, perto da vila, tendo passado antes Entre Penedos, duas altas serras de pedras de tal forma dispostas de uma e outra margem do rio, que um falecido poeta as cognominou de Livraria do Mondego, tendo junto à superfície da água um pedregulho que os barqueiros chamam de Frade. Atracaram por fim e em seguida começaram os viajantes a subir a serra da vila, alojando-se na hospedaria da tia Leocádia de Jesus. (…) Sabendo que os viajantes vinham da Foz do Dão, a graciosa menina Altina, elegante e apresentável filha da senhora Leocádia, tratou de indagar se por lá tinham visto ou se conheciam um tal senhor Nardo (…).
Há também uma referência às paisagens de Penacova: “O panorama que oferecia o rio Mondego visto da Hospedaria da tia Leocádia, era realmente encantador; na margem esquerda avistava-se a povoação da Carvoeira entre ínsuas bordadas de choupos, faias, e pela retaguarda do lugar alguns montes coroados de moinhos de vento.”

Edifício do antigo Hotel Altina, na rua Coselheiro Fernando de Mello
[imagens Google]

Altina do Amaral dará continuidade ao negócio da mãe. No Jornal de Penacova de 1901 é publicado o anúncio “Casa de Hóspedes de Maria Altina do Amaral” oferecendo “bons quartos e excelente comida.” Fica-se a saber que também vendia tabacos e vinhos.

Desde os tempos da ti Leocádia que a Pensão recebia grupos de estudantes, excursionistas, funcionários e políticos. No dia 1 de Dezembro de 1910 aquando da inauguração do Centro Republicano e da iluminação pública a acetilene, foi ali o jantar de confraternização. Em 1923 é um grupo de Finalistas da Escola Normal Superior de Coimbra que janta no “Hotel Altina” à volta de um passeio a Penacova e a Lorvão. Quando surgiu o Hotel Penacova, a pensão Altina chega a aparecer  na publicidade do Jornal de Penacova como “Hotel dos Contentinhos”. A D. Altina era uma pessoa “muito popular e simpática” - diz a Gazeta de Coimbra.
   

Maria Altina morre no dia 25 de Dezembro de 1926. O Hotel Altina” é então  posto à venda, tratando do assunto o advogado Daniel da Silva. A Gazeta de Coimbra  publica vários anúncios. 

No entanto, por volta de 1946 volta a aparecer no Notícias de Penacova o anúncio “Vende-se casa de habitação que antigamente serviu de hotel, conhecido por Hotel Altina. Óptimas vistas para o Mondego. Trata Álvaro Alberto dos Santos”.

Quando morreu Altina do Amaral a Gazeta de Coimbra escreveu que esta foi “a mais antiga hoteleira” da vila que “bastantes serviços lhe ficou devendo pelo muito que contribuiu para a boa propaganda da sua terra natal”.
________
* "Estudantes de Coimbra" de B.M. Costa e Silva
LEIA AQUI

sexta-feira, janeiro 11, 2019

O Porto da Raiva na segunda metade do século XIX

PORTO DA RAIVA
FOTO: SITE DO MUNICÌPIO DE PENACOVA

São frequentes as referências ao Porto da Raiva, geralmente associadas ao estudo da navegação comercial do Mondego. Também na literatura de viagens e de costumes podemos encontrar alguns relatos, muitas vezes pitorescos, de viagens ao longo do curso navegável do Mondego. 

“A região de Penacova e a Navegação Comercial no Mondego – Subsídios para a História da Navegação”, da autoria da penacovense Maria Adelina de Jesus Nogueira Seco, bem como "Ó da Barca!... Memória da Barca Serrana do Mondego”, do Arq. Fernando Simões Dias, serão duas das principais obras que conhecemos sobre esta temática. Outros estudos têm sido feitos. Podíamos referir o extenso artigo de Edgar Lameiras “Contributo para o estudo da navegação comercial e dos sistemas primitivos de transporte e carga do Mondego a montante de Coimbra”, publicado na volume nº 6 da Revista Antropologia Portuguesa (1988), a partir do qual o Município de Penacova elaborou para o seu “site” o apontamento “Porto da Raiva e Barca Serrana”. 

Em 1911, Augusto d’Oliveira Cardoso Fonseca publicou “Outros Tempos ou Velharias de Coimbra - 1850 a 1880”. Nesse livro com cerca de duzentas páginas encontramos uma interessante descrição de uma viagem entre o Porto da Raiva e Coimbra, onde nos aparecem referências não só ao ambiente da viagem, mas também aos lugares por onde o barco ia passando durante aquele percurso.

A páginas tantas podemos ler: 

“(…) Preferiam as famílias de Coimbra fazer essa viagem [Coimbra-Figueira] pelo rio, para o que havia sempre abundância de barcos que vinham da Foz Dão ou da Raiva [1], assim como do próximo lugar das Torres, e que nos meses próprios se ocupavam unicamente no transporte de famílias. 

Os barcos eram de fundo raso; e, à ré, costumavam os barqueiros formar um amplo toldo, que construíam com um encerado sobre arcos de salgueiro. Era sob esse toldo que qualquer família se instalava, sendo o resto do barco destinado á arrumação de baús com roupa, loiças, etc. Os colchões eram sempre colocados sob o toldo, não só para não se enxovalharem, mas também porque, sucedendo às vezes, a viagem levar quase dois dias, serviam para cama dos passageiros.” 

E mais adiante o relato de uma viagem em 1875 de Coimbra até Cerdeira (Arganil), pela estrada da Beira com regresso pela via fluvial a partir da Raiva: 

“No quarto dia regressámos a Coja, e daqui, seguimos o anterior itinerário até à Catraia dos Poços, donde, deixando a estrada que vai para Coimbra, tomámos o ramal da direita, que vai até à Raiva, porto de embarque na margem esquerda do Mondego e fronteiro à vila de Penacova. 

A povoação da Raiva é pequena, mas o seu porto muito movimentado, por ser nele que se faz o embarque dos diversos géneros que de vários concelhos da Beira para ali são conduzidos e depois transportados, em barcos, para Coimbra e outras povoações até à Figueira da Foz. 

Por isso a maior parte de seus habitantes são barqueiros, entregando-se outros ao comércio de cereais e de sal, de que aí têm depósitos, para embarcarem por conta própria.” 

À semelhança do que hoje acontece nas descidas de canoa, as paisagens ribeirinhas deslumbravam os viajantes, em especial no trecho Penacova-Coimbra. 

“Havia muito que desejávamos fazer esta viagem da Raiva a Coimbra, pelo Mondego, e dessa vez assim fizemos, do que não nos arrependemos. É uma viagem esplêndida, cujos variados panoramas nos deleitam. 

Aqui, navega-se entre penedias que orlam as margens do rio, mais adiante flanqueado de encostas cobertas de viçosas oliveiras, e que, depois de passar a Cabeça de Frade [2], segue por entre ínsuas fertilíssimas. 

Nesta viagem de rio tivemos por companheiro o padre Manuel da Benfeita, o qual com sua ama Maria Correia ia para a Figueira da Foz. Quem vai para o mar aparelha-se em terra, diz o velho ditado; — pois quem, pelo rio, vai da Raiva à Figueira da Foz, faz outro tanto. Assim pensava o padre Manuel, e não fazia mal, porque essa viagem durava, pelo menos, umas vinte horas, em consequência do Mondego, nos meses de Verão, ter pontos, em que, pela pouca água, se torna quase inavegável.”
____________________
 [1] “A Raiva é um pequeno lugarejo, com porto de embarque e desembarque, situado na margem esquerda do rio Mondego, fronteira á vila de Penacova. A população da Raiva compõe-se exclusivamente de barqueiros e negociantes de sal.”
[2]  "Este penedo que fica na margem esquerda do Mondego, a meia légua da foz do rio Ceira, seu afluente, é conhecido por Cabeça de Frade, por ser escalvado e em forma d'um crânio colossal."
--------------------------------------
FONTES: 

  • Augusto Oliveira Cardoso Fonseca, “Outros tempos ou velharias de Coimbra - 1850 a 1880” 
Livraria Tabuense, Lisboa. 1911 

segunda-feira, abril 25, 2016

Orçamento Participativo de Penacova: listagem das propostas apresentadas

"O Orçamento Participativo de Penacova pretende envolver os munícipes na definição anual das prioridades de investimento público da autarquia." - é deste modo que começa por se apresentar este projecto concelhio.

A participação passa pela apresentação de propostas por duas vias: online e presencialmente (nos "Encontros de Participação" a realizar em todas as freguesias.) As propostas submetidas pela via electrónica serão sujeitas a uma pontuação pública, para determinar as que passarão à fase de análise técnica. A votação já começou e decorre até ao fim do mês.

Portugal destaca-se como “um dos países europeus com mais alta densidade de orçamentos participativos” – refere um estudo de Giovanni Allegretti e Nelson Dias sobre o fenómeno. Afirmam também aqueles investigadores que “é, de todas as formas, importante que se estejam a consolidar como um espaço que recupera para a acção política pessoas que estão descrentes do sistema democrático representativo”. Entre 2002 e 2013 foram 46 municípios e 19 juntas de freguesia a promover esta iniciativa que agora chegou também a Penacova.

Apresentamos uma síntese das propostas feitas online e que já se encontram abertas à votação dos munícipes. Para mais e melhores esclarecimentos remetemos para a consulta do respectivo site: http://op.cm-penacova.pt/

Títulos  das  propostas e nome dos seus signatários:   

1 Orquestra de Sopros e Percussão de Penacova
Emídio Joel Cunha Rodrigues
2 Construção de albergue para Animais incluindo canil e gatil.
Susana Maria de Matos Lopes / Telma Alves
3 Campo de Jogos - Penacova
Bruno Gonçalo dos Reis Barros
4 Passadeira na zona dos Bombeiros Voluntários
António Almeida Soares
5 Campo de Ténis em Figueira de Lorvão
Daniel Marques da Silva
6 Ações de Promoção do Concelho de Penacova
Simão Santos
7 Desenvolvimento sustentável - Uma responsabilidade de todos
               Distribuição de um kit de reciclagem caseira
Francisco Miguel Rodrigues Lopes
8 Mini campo de futebol de Sazes
Jacques Brebant
9 Vila histórica
              Vila mais bonita e mais apelativa
Sónia Amaral
10 Ciclovia EN110
               Aproveitamento da EN110 para a prática de ciclismo/cicloturismo
Pedro Viseu
11 Parque infantil
     (na vila)
Cátia da Mota Cardoso
12 IMI
               Propõe-se que o valor monetário disponível no OP fosse utilizado, ou em parte, na redução do  valor  do IMI para famílias com filhos.
Fernando Manuel Duarte Sousa
13 Criação de gabinete para prestação de cuidados de saúde (Fisioterapia, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional e Psicologia)
Maria Teresa dos Santos Morgado Martins
14 Trilhos do Alva  (trilho/percurso junto ao rio)
Pedro Miguel Nogueira Henriques
15 Regeneração do Parque Municipal
Pedro Fonseca
16 Melhoria dos transportes públicos
Inês Frade
17 Estrada à beira-rio (Ronqueira)
António José Flórido Batista
18 Hotel de Penacova
              Obras no Hotel de Penacova.
Isabel Lopes
19 Zona balnear na Ribeira do Chorão
Rui Fernando Simões Jordão
20 Circuito de Manutenção
               Lorvão - Chelo - Rebordosa - Caneiro.
Jorge Manuel da Fonseca Neves
21 Centro de Estudos
Margarida Isabel Duarte Sousa Brito
22 Acesso ao Parque de Estacionamento
António de Miranda
23 Reabilitação da Foz da Ribeira D`Arcos – Rio Mondego, Foz do Caneiro
Maria da Conceição Veiga Reis
24 Rede partilhada de transportes públicos
Cláudia Isabel Marques de Oliveira
25 Requalificação do estacionamento junto às Piscinas Municipais
Cláudia Patrícia Henriques da Silva
26 Renovação das árvores do mirante Emídio da Silva
Luís de Jesus Oliveira Amaral
27 Requalificação da iluminação pública na freguesia de Sazes do Lorvão.
Diogo Filipe SImões da Silva
28 Museu da Lampreia
Luís Manuel Simões Pereira
29 Festival do Frio
              Música e artes
Sandra Henriques
30 Proposta de criação de espaços para alojamento Low Cost em Penacova
              Construção de uma zona com bungalows em madeira
Patrique Henrique Rodrigues Maia
31 Remodelação das Piscinas Municipais de Penacova (número de pistas)
Sérgio Fernando Batista Carvalho
32 Criação de Piscinas Flutuantes - Praia do Reconquinho
Maria Esmeralda Gomes Cruz
33 Museu do palito, etnográfico, preservação de usos e costumes (Lorvão)
Lina Maria Pisco Felix Viseu Fernandes
34 Sinalética do lugar de Miro
Manuel Cunha Pinheiro Nogueira
35 Afixação de números de porta (personalizados) na aldeia de Miro
Isaura Nogueira
36 Cápsula de Vidro - Meeting Point Penacova na Livraria do Mondego.
Rita Cassilda Rodrigues Duarte
37 Construção de um parque infantil público em Aveleira
Tânia Alexandra Maia Rodrigues
38 Skate Parque
Francisco Seco da Costa
39 Campo Escutista em Penacova
Cátia Costa
40 Melhoria de condições de segurança de extensão de caminho municipal entre Hombres e Laborins
António Henriques Marques
41 A reconstrução do campo da equipa Salgis
Diogo José Neves Tavares
42 Rede de Circuitos/Ginásio de Manutenção Física ao Ar Livre
               Parque Verde de Penacova
Ana Filipa Simões
Adenda: 
43 Percursos Pedrestres e Percursos de Bicicletas

Fábio José Pereira da Fonseca

segunda-feira, dezembro 28, 2015

Martins da Costa: 10 anos depois da sua morte

AUTO-RETRATO
Foi em 13 de Abril de 2005 que o pintor João Martins da Costa faleceu em Matosinhos. Em Penacova, onde foi professor, vivera desde os anos setenta, ali na Costa do Sol. 

Picasso lhe chamavam carinhosamente os seus alunos.
 
Nascera em Coimbra em 28 de Junho de 1921 mas os seus pais eram penacovenses: José da Costa e Cacilda Martins. O seu avô materno fora industrial de latoaria na vila e o paterno, Abílio Costa, tinha sido proprietário de um veículo que servia de diligência entre a cidade dos estudantes e Penacova.
 
Frequentou o curso superior de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto, onde foi discípulo de Dordio Gomes e de Joaquim Lopes. Premiado diversas vezes na escola, concluiu o curso em 1947 com a classificação de 18 valores.
 
Em comentário a uma referência que o Penacova Online fez em 2012, escreveram Óscar Trindade e António Luís, respectivamente:
 
“O Prof. Martins da Costa, foi meu professor de desenho. Um grande homem, algo austero mas também amigo. Sua esposa, Profª. Rosa, também me deu aulas de desenho. Recordo o dia em que ela me convidou para ir a sua casa e me mostrou as obras de arte do prof. Martins. Fiquei encantado com as pinturas expostas numa sala, que penso ter sido o seu atelier. Como é (ou era) habitual na nossa terra, a arte é (ou era) pouco valorizada e nada se fez, então, para que o espólio deste professor / artista ficasse em Penacova. Ao ler a crónica pode-se concluir que este SENHOR era um artista multifacetado, tendo em conta a sua arte na pintura e nas letras.”



Capa do Jornal de Penacova
24 de Abril de 2005
 
“Um dos melhores professores que tive na minha passagem pelas escolas de Penacova... Martins da Costa não era mais um "carneiro". Pensava com a sua cabeça e quase sempre muito bem!”
 
E em 2014, escrevia também Álvaro Coimbra no seu blogue Livraria do Mondego “O artista, o pintor, deixou uma obra extraordinária. O seu traço sensível e, ao mesmo tempo, firme e exato viajou por cidades como Florença, Porto, Londres, mas na última etapa da sua vida escolheu este cantinho. Pintou-o de vários ângulos, com um olhar muito próprio e deu-o a conhecer ao mundo. Penacova está em dívida para com ele, mas esse reconhecimento deve estar à altura da sua obra.”