O Porto da Raiva constituiu um importante entreposto comercial, sendo um dos principais portos do curso navegável do Mondego. Ali chegavam muitos carros de bois carregados de milho da Beira. Os "carreiros" eram sobretudo das regiões de Penacova, Coja e Arganil. A feira realizava-se todas as quintas-feiras. Aqui se transacionava também o feijão, o sal, as fazendas, as mercearias e outros produtos. Até finais do século XIX, todo o concelho de Penacova afluía ao mercado da Raiva, principalmente para a compra de cereais. Os armazéns enchiam-se de tudo o que não era vendido no dia de feira e ali esperava pelo mercado da semana seguinte.
sábado, novembro 21, 2020
Reivindicações do Porto da Raiva no jornal "O Conimbricense"
domingo, novembro 01, 2020
Memórias das Lutas Liberais: o Poial das Almas
O POIAL DAS ALMAS
- José Albino Ferreira *
"Há um banco de pedra encostado à parede da Igreja à frente da Rua da Corujeira, que foi muito falado a propósito de um caso das lutas civis entre miguelistas e liberais.
Este banco era dantes denominado o Poial das Almas porque, por antigo costume, a certa hora da noite no tempo da Quaresma, subia para ele algum penacovense de voz muito forte e suplicava um Padre Nosso por alma de cada um dos penacovenses ultimamente falecidos.
Havia então em Penacova um Sr. Dr. Fernando, pai do conselheiro Fernando de Melo, que era Juiz de Direito e conhecido como Liberal.
Chegou a Penacova o boato, ou notícia, de algum acontecimento que levou os miguelistas da terra à persuasão de que estava certa a vitória do seu partido.
Era Domingo de manhã. Na hora própria, saiu de casa o Dr. Fernando, ignorando a novidade e dirigiu-se a caminho da Igreja para ouvir Missa.
Quando chegou ao Poial das Almas, saiu-lhe ao encontro um grupo de miguelistas que em termos persuasórios o convidaram a subir para cima do Poial e gritar bem alto: "Viva D. Miguel!"
O bom Dr. Fernando não tentou resistir. Subiu e levantou o viva.Desforrou-se mais tarde, quando a vitória tombou para a banda dos liberais.
Contou-me uma virtuosíssima senhora de Penacova, há muitos anos falecida, que em pequena ia muitas vezes para casa do velho Dr. Fernando, logo de manhã. Ele levantava-se já alto dia e, depois de se lavar e vestir, fazia o seu penteado ao espelho, tudo com muito esmero.
Depois abria a janela do quarto que dava para a rua e dava sempre os bons dias à vizinhança miguelista, gritando com toda a força dos seus pulmões: "Viva D. Miguel!"
__________
Obs: Isto ter se á passado já depois de 1840, isto é, muitos anos depois de ter acabado a Guerra Civil, com a vitória dos Liberais. Muitos outros actos de violência e crime se cometeram naqueles tempos em toda a região da Beira, incluindo Penacova, como pode ver-se na obra de Joaquim Martins de Carvalho, intitulada "Os Assassinos da Beira".
* Crónicas do NP "À sombra amena da Pérgola"- finais da década de 30
quarta-feira, outubro 21, 2020
Notas para a história do edifício que vai dar lugar à Casa das Artes
Com a implantação do regime liberal, pela vitória definitiva do partido constitucional, por toda a parte se refundiu e transformou a vida social dos portugueses.
As antigas casas dominantes desapareceram ou decaíram. As fortunas das famílias antigas que em geral se mantiveram ligadas ao partido miguelista estavam muito comprometidas por virtude das Invasões Francesas e depois pela Guerra Civil.
Em Penacova aconteceu o mesmo.
Eram donatários da vila de Penacova, primitivamente, os condes de Odemira. Esta Casa fundiu-se mais tarde, por casamento, com a dos Duques de Cadaval e, assim, ficou a ser donatário de Penacova o Duque de Cadaval. Era este Senhor que superintendia em todos os serviços judiciais e administrativos. Nomeava o Juiz e demais funcionários públicos.
Tinha em Penacova o seu Paço, com capela anexa, no sítio onde agora
está a Casa do Tribunal. Tinha em Penacova o seu capelão e procurador, pois era proprietário de muitas terras, lagares e azenhas, e recebia delas as rendas e foros.
O Duque de Cadaval era Governador Militar de Lisboa quando
os miguelistas foram vencidos pelas tropas liberais em Almada. Como visse que
não podia manter-se em Lisboa, retirou com as tropas fiéis e, assim, depois da
Convenção de Évora Monte e termo da Guerra Civil, emigrou para França, não
voltando a Portugal.
Ainda hoje [c. 1940] a Família Cadaval vive em França e só vem a Portugal com curta
demora, mas conserva o seu apego à Pátria. Os varões, chegando à idade própria,
cumprem os seus deveres militares, segundo me consta.
Como consequência, resolveu o Duque de Cadaval vender todos os bens que possuía em Penacova.
O Paço foi destruído por um incêndio e depois vendido à
Câmara de Penacova, que ali construiu o edifício dos Paços do Concelho e o
Largo Fronteiro, que hoje temo o nome de largo Alberto Leitão.
Tinha a Casa de Cadaval além da capela anexa ao Paço, que foi destruída
pelo incêndio, uma capela lateral na Igreja de Penacova onde ainda está o escudo das armas dos Duques de Cadaval. É uma capela ampla com sacristia. O estilo é de boa renascença.
Com o desaparecimento da fortuna da Casa Cadaval em Penacova, desapareceu o capelão, o procurador e mais pessoal. Com o incêndio desapareceram muitos documentos que, certamente, dariam luz para a história de Penacova.
José Albino Ferreira,
in Notícias de Penacova, "À
Sombra Amena da Pérgola" c. 1940.
domingo, outubro 11, 2020
A colheita e a vindima no Apocalipse de Lorvão
Ao abrir o livro HISTÓRIA DE PORTUGAL EM 40 OBJETOS, publicado em 2017, encontramos um capítulo dedicado ao “Apocalipse de Lorvão”. O autor, Sérgio Luís de Carvalho, começa por referir uma observação de João Aguiar. Dizia aquele jornalista e escritor que “os irlandeses têm o Livro de Kells [1]cuja edição fac-similada se vende em qualquer livraria. Nós temos o Apocalipse de Lorvão, que não lhe fica muito atrás, e não o temos acessível ao grande público.”
O Apocalipse de Lorvão
é uma cópia do Commentarium in Apocalypsin, da autoria do chamado
Beatus (Beato) de Liébana, um monge que viveu durante o século oitavo no Mosteiro
de S. Martinho de Turieno, no norte de Espanha. O original perdeu-se, mas
existem algumas reproduções, sendo o nosso Apocalipse (datado
de 1189) uma delas. Naturalmente, as cópias,
reflectindo as especificidades dos respectivos copistas e iluminadores, resultaram
diferentes entre si.
Em Lorvão, o autor deste códice ricamente iluminado foi o monge Egeas. Escrito em latim, com letra gótica a 29 linhas e 2 colunas, é formado por 221 fólios (ou folhas) com o formato de 345 x 245 mm e inclui 57 ilustrações de carácter místico e apocalíptico, que reflectem a concepção do mundo que se tinha naquele tempo e são também testemunho do quotidiano agrícola de Portugal no séc. XII.
“A Colheita e a Vindima” é uma das mais conhecidas ilustrações deste códice. Cristo, o supremo juiz tem na mão uma foice com a qual se prepara para ceifar a seara seca pelo pecado e que será deitada ao fogo. De igual modo, o supremo juiz corta, através de um anjo armado com uma podoa, as latadas estéreis devido aos pecados dos homens que serão lançadas e esmagadas no lagar divino. Esta é a leitura sagrada, baseada no texto da bíblia. Mas esta iluminura espelha também as actividades da época do ano e também da época histórica. Por exemplo, Jesus e o anjo têm alfaias típicas da Idade Média, há cestas de vime no chão e lá está o lagar a funcionar. Podemos também observar o tipo de vestuário dos trabalhadores do campo. Há, ainda, cavaleiros, arcadas românicas, mobiliário e utensílios de artes várias, animais reais ou imaginários. Ali está, mental e materialmente, muito dos primórdios do nosso país.
Durante aquele período, o mosteiro de Lorvão afirmou-se como um dos principais centros de produção de manuscritos iluminados em Portugal. Como sabemos, o Apocalipse de Lorvão está inscrito, desde 2015, na Memória do Mundo da Unesco.
[1] O Livro de Kells, também conhecido como Grande Evangeliário de São Columba, é um manuscrito ilustrado com motivos ornamentais, feito por monges celtas por volta do ano 800. Constitui, apesar de não concluído, um dos mais sumptuosos manuscritos iluminados que restaram da Idade Média e é considerado por muitos especialistas como um dos mais importantes vestígios da arte religiosa medieval.
domingo, outubro 04, 2020
A proclamação da República foi há 110 anos ... em Lisboa e em Penacova
Em seguida dirigiram-se todos para a Câmara Municipal onde ia ser feita a proclamação da República.
Efectivamente, às 8 horas e meia da manhã, o Dr. Eusébio Leão, secretário do Directório, acompanhado pelo mesmo, apareceu à varanda dos Paços do Concelho e declarou implantada em Portugal o sistema republicano. Estas palavras foram recebidas pelo povo com uma ovação muito prolongada.
Depois o Dr. Inocêncio Camacho, também membro do Directório, leu os nomes dos Ministros que compõem o actual governo provisório, sendo cada nome à medida que ia sendo lido, freneticamente festejado.
Foi imediatamente enviado a todos os ministros dos negócios estrangeiros dos outros países um telegrama anunciando o advento da República e a nomeação do governo provisório. Depois tratou o governo de promulgar todas as medidas precisas para a manutenção da ordem e segurança da cidade. Enviaram-se telegramas para todas as cidades e vilas mandando hastear a bandeira republicana. Em todas as povoações a notícia dessa proclamação foi recebida com o maior entusiasmo, fraternizando o povo com o exército.
Conhecida na cidade a proclamação da república, o entusiasmo foi enorme. Das janelas desfraldavam-se as bandeiras republicanas e aos ecos da Portuguesa e da Marselhesa e ao estalejar dos foguetes juntavam-se os vivas à República, à pátria e à liberdade.
Como que por encanto, a capital adquiriu um aspecto de extraordinária animação. As ruas encheram-se de povo. Muitas carruagens e automóveis começaram a circular, levando todos os carros bandeiras encarnadas e verdes. Quase todos os populares traziam nos casacos fitas com as mesmas cores.
Todos mostravam nos semblantes a satisfação e a alegria por haverem terminado as cenas de sangue. E bem assim foi visto que os republicanos estavam decididos a vencer ou morrer. Disse um marinheiro que estava a bordo de um dos cruzadores, que a marinha iniciou o movimento revolucionário com perto de 900 homens, dispostos a não abandonar o seu posto e a irem até ao fim, havendo a certeza de que, se o movimento tem sido dominado em terra, resultaria uma guerra civil, com uma mortandade como não haveria memória. (…)
in Almanaque da República, 1911
EM PENACOVA:Só no dia 6 de manhã a notícia chegou a Penacova. Joaquim Serra Cardoso “tinha ido na véspera para Coimbra, e assim teve a honra de trazer em primeira mão a grata notícia”. Ao chegar ao ramal de Santo António, “soltou um estridente Viva a República que foi ouvido na vila”. Pouco depois, uma comissão republicana composta por Rodolfo Pedro da Silva, António Moncada, José Pedro Henriques, José Alves de Oliveira Coimbra e Amândio Cabral, percorreu a vila convidando os cidadãos para assistirem, ao meio dia, à proclamação da República nos Paços do Concelho.
A notícia fora anunciada por uma salva de 31 morteiros e grande número de foguetes. Em toda a vila o trabalho ''foi suspenso, pois que todos queriam pormenores do faustoso acontecimento.''
domingo, setembro 27, 2020
Os 210 anos da Batalha do Bussaco
Um ano diferente para o projeto " Caminhos da Batalha do Bussaco" - podemos ler hoje na página do Município. "Este ano não tivemos os nossos passeios encenados, as nossas atividades que de forma diferente tentam levar de uma forma lúdica e cativante a história da Batalha do Bussaco e a sua importância nesta região. Este vídeo é uma retrospetiva do nosso trabalho até aqui realizado, mas é também uma homenagem ao grande responsável pela existência deste projeto. Em memória do "General" Luís Rodrigues."
domingo, setembro 13, 2020
À SOMBRA AMENA DA PÉRGOLA (III) - O Castelo de Penacova e o florescimento da Vila
A importância notável do Castelo de Penacova, no largo período da reconquista cristã, não podia deixar de determinar que, junto dele construíssem suas moradias os guerreiros mais afortunados.
Assim nasceu a vila de Penacova.
Perdida a importância militar do Castelo, com a completa reconquista cristã do território português, e firmada a independência do reino de Portugal contra a pretensão dos Reis de Castela, podia ter acontecido que a vila se desmoronasse como o Castelo. Não aconteceu, porém, assim.
(…) Para fazer a sua história, era preciso que algum investigador competente rebuscasse nos arquivos da Torre do Tombo, da Casa Cadaval e outras, a documentação que por lá, sem dúvida, existe.
Não resta , porém, dúvida alguma de que foi muito florescente a vida de Penacova nos séculos XV, XVI e XVII.
Atestam-no exuberantemente, a arquitectura e a escultura de muitos edifícios que, felizmente, em Penacova têm resistido aos malefícios do tempo e dos homens. São notáveis a Igreja de Penacova, com as suas capelas laterais, a Capela de S. João, a Capela de Santo António, a Capela do Monte Alto, bem como alguns edifícios particulares que a Carochinha irá mencionando.(…)
quarta-feira, setembro 09, 2020
Poetas penacovenses (VII): Cogitando sobre as consequências deste tempo...
Nu
Poema de Luís Amante
Neste tempo de percurso cinzento,
fiquei nu
Corri devagar, pensei sem saber,
contive a tristeza
Não sorri, nem o exteriorizei,
nem falei com o cu
Apenas dei por mim a percorrê-lo só, com leveza
A minha rua, sem gente, vai nua
de despojada
E eu despido no silêncio que me
afaga
De beijos francos, carinhos em
laço de vaga
De abraços ternos, de ti como
sorte almejada
Nu é o despido de tudo, até de
auto-estima
Silêncio é o ponto mais assertivo
da rima
Gente é vida, amizade é culto abrangente
A tristeza cresce nesta condição
dormente
O mundo entorpece até para lá do
pungente
A crença desvanece, passando a
saber a lima
Telheiras Residence
9Set20; 17h45
Cogitando sobre as consequências deste tempo
sexta-feira, setembro 04, 2020
À SOMBRA AMENA DA PÉRGOLA (II) - O Castelo de Penacova e o Monte da Senhora da Guia
Acabada a guerra entre mouros e cristãos, e convencidos os castelhanos de que os portugueses se não deixavam dominar, o valor militar da maior parte dos castelos perdeu-se, pelo que estes foram em geral abandonados, começando a arruinar-se. O castelo de Penacova não fez excepção a esta regra.
Mas, ao formoso outeiro sobre que ele assentava, ir-se-ia dar outro destino ainda mais nobre. A vida mais pacífica dos povos determinou grande desenvolvimento da sua riqueza.O movimento comercial cresceu notavelmente. Como não havia as estradas que há hoje , era pelo rio Mondego que as mercadorias vindas de fora subiam do porto da Figueira até às Beiras e os produtos dessas regiões em excesso vinham igualmente para o porto da Figueira pelo rio Mondego para serem exportadas.
Desde a Raiva até Louredo numa extensãp de 9 ou 10 quilómetros, avistava-se o outeiro e Castelo de Penacova. Com os temporais, a navegação era muito difícil e perigosa o que levou um devoto a deixar em seu testamento os meios necessários para se construir no sítio do castelo uma capela consagrada à Virgem sob a invocação de Nossa Senhora da Guia, para que os barqueiros aflitos implorassem o seu auxílio.
Foi esta capela construída depois do meado do século XVIII, aproveitando-se em parte as paredes do castelo. Levou assim o castelo um grande rombo. O que sobrou dele ficou a ser explorado como pedreira, até que todo ele desapareceu. Os terraços do castelo ficaram com o nome de "Largo do Castelo" e eram pontos obrigatórios, de dia para os passeantes desocupados, e de noite para os descantes e serenatas da rapaziada da Vila.
À capela foi dado, há pouco tempo, outro destino, como é sabido, construindo-se capela nova a pouca distância. Era de há muitos idealizado um Hospital em Penacova, mas não havia os recursos necessários, para a construção e sustentação dele. Um dia soube-se em Penacova que um benemérito penacovense. do lugar da Ponte, António Maria dos Santos, que saira muito novo e pobre para o Brasil e de quem quase se apagara a notícia, tinha deixado em seu testamento um legado para construção de um modesto hospital em Penacova. Foi o primeiro passo para a construção do Hospital da Santa Casa da Misericórdia.
(continua)