31 maio, 2015

Mirante Emídio da Silva faz hoje 107 anos

[recolha de penacovaonline]
O Mirante Emídio da Silva, 
construído no local do antigo miradouro do Monte da Senhora da Guia, também conhecido por Mirante do Castelo, foi inaugurado há 107 anos. Foi precisamente a 31 de Maio de 1908.

Um pouco da história do mirante: certo dia, o Dr. Manoel Emigdyo da Silva, eminente figura do jornalismo, da engenharia, da cultura, visitou Penacova e ao chegar ao Mirante do Castelo terá ficado maravilhado com a beleza da paisagem.

Com o seu apoio e do Presidente da Câmara, Dr. José Albino Ferreira,  o mirante nasceu. Foi desenhado pelo prestigiado arquitecto italiano, radicado em Portugal, Nicola Bigaglia, também projectista da Casa dos Cedros no Buçaco.

[ recolha de penacovaonline]
A inauguração do Mirante no fim de semana de 30 e 31 de Maio de 1908 foi um acontecimento marcado por grandes festejos, em que Emídio da Silva – e uma comitiva da alta sociedade lisboeta – foi recebido em apoteose. Centenas de pessoas esperaram a caravana automóvel na zona da Várzea, pelas cinco da tarde de sábado, com flores e foguetes ao som da Filarmónica Penacovense. 

À noite, junto ao mirante, a iluminação com balões venezianos pendurados nas oliveiras, juntamente com fogueiras, deram a luz necessária para que o arraial abrilhantado por um rancho de tricanas de Penacova e pela veia artística da cantadeira de quadras populares Emília Carolina fosse um êxito.


[recolha de penacovaonline]
No dia seguinte, domingo, o Dr. Alfredo da Cunha, director do Diário de Notícias, descerrou a lápide que ainda hoje se encontra no local com a inscrição “ Mirante Emidgyo da Silva-31-5-908”, ao que se seguiu o discurso emocionado do homenageado, bem como outras intervenções. A festa terá perdido algum brilho, porque um intenso aguaceiro se abateu sobre Penacova a meio das cerimónias. No entanto o entusiasmo de alguns penacovenses, entre eles, Alves Coimbra, António Casimiro e Amândio Cabral, levou a que erguessem aos ombros por entre a multidão o Dr. Emídio da Silva, que deixou Penacova, segundo relatos escritos da época, consternada pela partida, acenando simbolicamente com lenços brancos.
Este evento foi notícia destacada e muito desenvolvida no Diário de Notícias, ilustrada por fotografias, o que não era muito comum nos jornais da época.

27 maio, 2015

Visitar Lorvão em 1909: a visão de Emídio da Silva

Publicamos hoje o terceiro texto de um conjunto de escritos sobre Lorvão.Já transcrevemos a opinião, que consideramos injusta, de Magalhães Colaço (1913) e também o relato de Lino d´Assunção (finais do séc. XX). Agora, um trecho de Emídio da Silva, publicado em 1909. 

"O Mosteiro de Lorvão foi um dos mais notáveis do país e apesar de se encontrar hoje (1909) em ruínas, e mesmo arrasado em parte, é ainda um monumento de subido valor histórico e um repositório de arte muito curioso e interessante. O convento fica ao fundo de um estreito vale, ocupando um local aprasível que se nos impõe pela sua austera beleza e que podia ser no Verão concorridíssimo, dada a frondosa arborização da encosta adjacente ao mosteiro e a frescura dos deliciosos mananciais de água que vêm dos granitos da montanha.

Mas a laboriosíssima aldeia não tem sequer ainda uma estrada que a ligue às outras do país e para se ir lá, de Penacova, pela estrada do Botão, tem de se deixar esta dois ou três quilómetros de Penacova e seguir a pé ou em burro por uma extensa ladeira que leva a descer 30 minutos!...

E no entanto, Lorvão bem merecia que os poderes públicos tivessem olhado um pouco mais para ela pois a simpática aldeia não vive passivamente da tradição dos seus monumentos, como outras de Portugal mas do constante e esforçado labor dos seus filhos que desde os de mais tenra idade até aos da mais provecta, se dedicam inteiramente à fabricação dos palitos de dentes, que tem ali o maior centro de produção do concelho de Penacova, do qual constitui, como é sabido, a indústria mais importante.

Mas se os poderes públicos deixam quase ao abandono os restos do grandioso mosteiro que é um monumento nacional ! O seu pitoresco claustro foi demolido e as cantarias vendidas ou roubadas! No esplêndido templo, de grandes e nobres proporções chove como na rua e o magnificente coro que é um dos melhores exemplares da nossa época do rococó está destinado a desaparecer, atacado pelo caruncho ou pelas mesmas mãos que destruíram o claustro…


Quando vou a Lorvão e ainda lá encontro perdida naquelas ruinas solitárias, como um náufrago que escapou a cem porcelas, a custódia de prata dourada guarnecida de pedrarias – uma relíquia da nossa arte sumptuária do século XVIII – esquecida e inapreciada na vasta igreja, hoje sertaneja, e vejo ao mesmo tempo abandonados os sarcófagos de prata que contêm os restos das infantas, filhas de D. Sancho I, não posso deixar de fazer as mais amargas reflexões acerca da conservação que Portugal dedica aos seus monumentos."

25 maio, 2015

Lorvão: impressões da visita de Lino d'Assumpção em finais do séc. XIX

A descida [entre Chelo e Lorvão] vai sempre por entre pinhais, na meia encosta abrupta e pedregosa, ao fim da qual (...) se ouve correr a água, embora se não veja. O sol está alto e mordente; sol cruel, implacável pressagio certo de tempestade, e cuja lividez estampa no terreno estratificado e amarelo a sombra esburacada dos pinheiros que rumorejam brandamente.

Além. onde a orreta  se alarga, vêem-se bois pequenos lavrando a terra escura e fraca, que vai sendo semeada com punhados de milho, e das rodas duma azenha, cujo ruído melancólico e rítmico chega até nós, levantam-se pulverizações douradas pela luz do sol. Nas bifurcações indecisas guiam-me rodadas fundas dos carros. E cantam melros e pintassilgos.

Lorvão: bilhete postal em 1926
Cruzo-me no caminho com raros homens de estatura pequena e cara rapada, vestidos de briche , e mulheres sem beleza, de tez encarquilhada, saias sombrias colhidas nas ancas, anágua  pela cabeça, ou lenço traçado na cara, que quase lhes tapa a boca, deixando escapar na testa umas farripas de revolto cabelo, que melhor se lhe chamaria estopa; pés descalços e deformados, carregando pesados cestos que lhes achatam os crânios; e tanto homens como mulheres correspondem à minha saudação com um reenvio religioso. Interrogados — questão de passar o tempo — que tal ia a lavoura, respondiam:

— Tchoveu, mais foi poucatchinho : mas Deus Nosso Senhor, assim como manda o pouco, pode mandar o muito, se quiser.

Uma vez chegado a Lorvão, encontra “ao soalheiro das portas”, sentadas, “mulheres e crianças cortando e afeiçoando em palitos os troncos brancos do salgueiro.”

E a descrição prossegue com grande pormenor:

Ao cabo da rua principal, e fazendo esquina para o largo do mosteiro, encontra-se, á esquerda, a venda do Carlos. Loja suja, dividida por um balcão negro, ao longo do qual vai e vem com passo lento, gesto mole e aborrecido, o dono da casa, quando não anda por Espanha fazendo negócio.

Era a hora do maior concorrência. Mulheres e crianças entravam de xaile pela cabeça, e a troco de palitos levavam bacalhau, açúcar, arroz, café, petróleo, azeite, vinho, broa, fósforos ou papel de cor. O palito é ali a moeda corrente. Para as transacções entre o merceeiro e os seus fregueses não há necessidade do intermédio nem da Casa da Moeda com as cédulas, nem do Banco de Portugal com as notas. O Carlos recebe os maços,e examina-os quase papel por papel, como um usurário examinaria uma peça de ouro suspeita. Ele bem sabe que se o poderem enganar que não deixam de o fazer; portanto, só depois de verificar se a moeda lhe serve é que dá a fazenda que lhe pedem e ela representa. Muitas vezes a moeda sofre uma depreciação que ele arbitra, atendendo á qualidade ou imperfeição do fabrico; outras então rejeita-a sem dó, como se fossem notas falsas: sem reparar que esses macinhos em que à pressa se juntaram lascas tortas, escuras, mal aparadas, representam uma fraude da fome que, ao meio dia, desejaria roer um bocado de broa. E como esta. saída do forno, cheira bem e abre o apetite! Não resisto ao desejo de a provar e de reconhecer que em tal ocasião me soube como se fosse a melhor iguaria.
Verificada a qualidade dos palitos, o Carlos atira com eles para diversos repartimentos, segundo a qualidade, e depois exporta-os por sua conta. A média das compras anuais anda por uma dúzia de contos de réis. Dizem que perto de mil pessoas se ocupam neste fabrico, tão simples como primitivo.


In As freiras de Lorvão : ensaio de monographia monastica / T. Lino d'Assumpção,1899