30 dezembro, 2015

Penacova 1898: um retrato (II)

Em finais do século XIX o governo solicitou às “camaras municipaes do paiz” um relatório sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades e aspirações, conforme se referiu anteriormente.
Continuamos a publicar o documento que a Câmara de Penacova remeteu ao Governo chefiado por Luciano de Castro em 1898:

“No reino mineral são dignas de menção as pedreiras de mármore de Sazes e de calcário das freguesias de Sazes e Penacova de que se extrai cal preta de primeira qualidade, e as de granito, para cantaria e mós, das freguesias de Penacova e Friúmes.

Não há neste concelho minas em exploração, não obstante ser carbonífero o terreno ao sul da serra do Bussaco. Estão registadas nesta comarca, no corrente ano, em favor de Carlos Leuschner e outros, dez minas de metais preciosos, carvão, ferro, chumbo e outros metais.

Não há indústrias dignas de serem especialmente mencionadas a não ser as de madeira, lenha, cal e palitos.

Dadas as condições naturais do solo a persistente actividade da população deste concelho, devia a sua riqueza ser muito maior e o bem estar mais geral. 
Este facto é devido a causas várias, que vamos apontar, algumas das quais são gerais e outras privativas deste concelho.

Começou a crise neste concelho com a abertura da linha férrea da Beira Alta, afectando toda a população das margens do Mondego pela supressão, quase completa, da indústria de barcagem que se fazia entre a Figueira e a Foz do Dão.

Logo a seguir a filoxera devastou as vinhas e outras moléstias secaram grande parte dos olivedos e castanhais, ficando, por estes motivos, muitos braços sem trabalho e muitas famílias sem suficientes meios de subsistência. 

Mas nem se organizaram bandos precatórios [ peditórios na via pública] nem a propriedade foi menos respeitada; desenvolveu-se a emigração extraordinariamente, o que determinou a afluência de capitais, vindos principalmente do Brasil, com que se sustentam muitas famílias e se procura restaurar a cultura da vinha e melhorar todas as outras.”


CONTINUA

28 dezembro, 2015

Martins da Costa: 10 anos depois da sua morte

AUTO-RETRATO
Foi em 13 de Abril de 2005 que o pintor João Martins da Costa faleceu em Matosinhos. Em Penacova, onde foi professor, vivera desde os anos setenta, ali na Costa do Sol. 

Picasso lhe chamavam carinhosamente os seus alunos.
 
Nascera em Coimbra em 28 de Junho de 1921 mas os seus pais eram penacovenses: José da Costa e Cacilda Martins. O seu avô materno fora industrial de latoaria na vila e o paterno, Abílio Costa, tinha sido proprietário de um veículo que servia de diligência entre a cidade dos estudantes e Penacova.
 
Frequentou o curso superior de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto, onde foi discípulo de Dordio Gomes e de Joaquim Lopes. Premiado diversas vezes na escola, concluiu o curso em 1947 com a classificação de 18 valores.
 
Em comentário a uma referência que o Penacova Online fez em 2012, escreveram Óscar Trindade e António Luís, respectivamente:
 
“O Prof. Martins da Costa, foi meu professor de desenho. Um grande homem, algo austero mas também amigo. Sua esposa, Profª. Rosa, também me deu aulas de desenho. Recordo o dia em que ela me convidou para ir a sua casa e me mostrou as obras de arte do prof. Martins. Fiquei encantado com as pinturas expostas numa sala, que penso ter sido o seu atelier. Como é (ou era) habitual na nossa terra, a arte é (ou era) pouco valorizada e nada se fez, então, para que o espólio deste professor / artista ficasse em Penacova. Ao ler a crónica pode-se concluir que este SENHOR era um artista multifacetado, tendo em conta a sua arte na pintura e nas letras.”



Capa do Jornal de Penacova
24 de Abril de 2005
 
“Um dos melhores professores que tive na minha passagem pelas escolas de Penacova... Martins da Costa não era mais um "carneiro". Pensava com a sua cabeça e quase sempre muito bem!”
 
E em 2014, escrevia também Álvaro Coimbra no seu blogue Livraria do Mondego “O artista, o pintor, deixou uma obra extraordinária. O seu traço sensível e, ao mesmo tempo, firme e exato viajou por cidades como Florença, Porto, Londres, mas na última etapa da sua vida escolheu este cantinho. Pintou-o de vários ângulos, com um olhar muito próprio e deu-o a conhecer ao mundo. Penacova está em dívida para com ele, mas esse reconhecimento deve estar à altura da sua obra.”

26 dezembro, 2015

Apontamentos sobre o APOCALIPSE DE LORVÃO (I)


Em meados de Outubro passado, o Apocalipse de Lorvão, famoso pelas suas iluminuras, foi inscrito como registo da Memória do Mundo pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).  
No século VIII, Beato de Liébana, clérigo asturiano,  escreveu o Comentário ao Apocalipse.
Mais tarde, no século XII (c. 1189), o monge Egas (ou Egeas) fez, no Mosteiro do Lorvão, uma cópia dessa obra, acrescentando comentários pessoais e ilustrando-a,  ficando assim conhecida como Apocalipse de Lorvão.
“A iluminura tem no período românico um lugar de destaque, pois o homem sentia  necessidade de explicar os textos através da imagem, A imagem serve de intermediário visível para atingir o invisível, é uma técnica diferente de apreensão do conhecimento.” – escreve  F. Brand, autor que iremos seguir de perto nestes apontamentos. 
Refira-se que outros documentos relativos a Portugal foram também já declarados Memória do Mundo: a Carta de Pêro Vaz de Caminha (1500), a versão castelhana do Tratado de Tordesilhas (1494) e o Diário da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia (1477-1499).
O Apocalipse de Lorvão, em conjunto com O Livro das Aves (datado de 1184 e do mesmo autor) são considerados como os manuscritos mais ricos e criativos em imagens sagradas, considerando o período em que foram feitos. O Comentário ao Apocalipse foi copiado por Egeas em 1198, o que é atestado pela presença do seu nome e data no cólofon  (a nota final de um manuscrito ou de um livro impresso): “Iam liber est scriptus / qui scripsit sit benedictus / qua … / ERA MCCXIIa [1189] / Ego egeas qui hunc librum scribsi si in aliquibus / a recto tramite exivi, delinquenti indulgeat / karitas que omnia superant.”
Este manuscrito é formado por 223 fólios com cerca de 340 x 247 mm e é constituído por 70 histórias, cada uma com uma ilustração. Constitui o único exemplar em que sistematicamente a imagem comenta o texto. É considerado como apresentando as melhores iluminuras, mas também aqui não existe consenso entre os estudiosos. Wilhelm Neuss chega mesmo a considerar as ilustrações extremamente primitivas e infantis.
Pensa-se que terá havido, além do copista (Egeas) mais dois iluminadores. Têm essa opinião, por exemplo, Peter Klein e Adelaide Miranda. No entanto alguns afirmam serem um só, o monge copista e o iluminador.

CONTINUA