01 dezembro, 2015

Da Cortiça à Carvoeira: a queima da pólvora e a brutal perseguição aos liberais


Tínhamos prometido voltar ao assunto. Não contávamos fazê-lo já hoje, mas dado que. da meia noite de Sábado até à meia noite de Domingo o “post” intitulado "Violenta explosão junto à Catraia dos Poços" teve cerca de 1800 visualizações (até ao momento – 23:20 do dia 1 - contabilizam-se 2272), achamos pertinente referir desde já  uma notícia sobre o caso, publicada num jornal de Lisboa em 1832 e apresentar uma extensa lista de pessoas presas na sequência dos acontecimentos.

Caricatura representando D. Pedro  e D. Miguel
disputando a coroa portuguesa, por Honoré Daumier, 1833.

 “Ao general da Província da Beira constou (...) que uma porção de cartuchame de fuzilaria (...) havia sido assaltado por uma quadrilha de trinta a quarenta salteadores e que apesar da resistência feita pela escolta (...) conseguiu a dita quadrilha apoderar-se de tal cartuchame que inutilizou apenas viu qual o objecto do que encontrou.”
Adianta, ainda, a referida notícia:
“O General da Província da Beira Alta, assim que teve conhecimento (...) ordenou que as pesquisas continuassem até ser alcançada a quadrilha; e muito mostraram os povos tal empenho que não foi preciso exortá-los para descobrir e acabar com semelhantes salteadores, pois no dia 15 de Agosto corrente, teve o Capitão Mor de Penacova e as suas Ordenanças a fortuna de descobrir numa mata junto à Cortiça, sete indivíduos da mesma quadrilha. (...) Tal era o rancor das Ordenanças contra estes malvados que foi com muita dificuldade o salvar-lhes as vidas para a Lei os punir. (...) Os dispersos continuaram a ser perseguidos por montes e vales(...)”
Esta versão dos acontecimentos, como se percebe,  é nitidamente afecta aos absolutistas. A mata perto da Cortiça, onde foram encontrados os sete fugitivos,  trata-se da Mata da Bica. Deste grupo alguns foram fuzilados mais tarde, conforme dissemos na mensagem anterior. Recordemos esses nomes aos quais a lei capital não poupou a vida: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António Joaquim, da Várzea de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito, pároco de Covelo; Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, José Maria de Oliveira, da Cortiça e, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e Felizberto de Sande Sarmento da Carvoeira.
A feroz perseguição feita nas nossas terras conduziu à prisão de muitos nomes nossos conterrâneos, tendo alguns deles, como já referimos, sido fuzilados: António Homem de Figueiredo e Sousa, da Cruz do Soito, irmão de D. Rita, mulher do capitão-mor José Félix, e este, irmão de Bernardo Homem; António Joaquim de Moura; António Francisco; António José de Frias, da Sobreira; António (Padre) da Maya, da Cruz do Soito ; António Marques Guerra, dos Poços; António de Sousa Maldonado Bandeira; Bernardo Homem, da Cortiça (este nome consta da lista, mas haverá equívoco, pois ja estava preso, há muito, nas cadeias de Almeida); Francisco, filho de Bernardo Homem, da Cortiça; Francisco de Sande, da Carvoeira ; Guilherme, filho de Bernardo Homem, da Cortiça; João Pereira Saraiva; Joaquim José Gonçalves; José Maria, filho de Bernardo Homem, da Cortiça; José Félix da Cunha Figueiredo Castelo-Branco, que faleceu nas prisões; José Henriques, de Farinha Podre, alfaiate; José Joaquim Pereira, de Farinha Podre; José Lopes; José de Loureiro e Almeida, de Farinha Podre; José Inácio Martins; José Maria de Figueiredo Castelo-Branco, filho do dito capitão mor José Félix da Cunha Castelo-Branco; José Maria de Oliveira, da Cortiça; Manuel Correia; Manuel Lourenço Gomes Cascão e Veríssimo Gonçalves.

Escrevia-se num livro editado em 1889 que “o despotismo raivoso encarcerou muita mais gente do que a constante da lista, com quanto não houvesse metido nem prego nem estopa na queima da pólvora”.  
E a mesma fonte aponta, assim,  mais nomes: Francisco António da Assumpção, da Sobreira, de cuja prisão resultou perder a sua mãe o uso da razão; Maria Benedita e Maria Antónia, filhas de Bernardo Homem, bem como uma criada das mesmas; Ana Marques, da Cortiça, solteira; José Joaquim Pereira, de Farinha Podre, bacharel formado; Joaquina da Fonseca, de Farinha Podre, “e outras [pessoas], das quais umas não foram pronunciadas, mas outras, ou o fossem ou não, jazeram nas cadeias de Lamego até que esta cidade foi libertada.”

29 novembro, 2015

VIOLENTA EXPLOSÃO JUNTO À CATRAIA DOS POÇOS

Tempos de guerra, tempos de guerrilha. A região entre Ponte da Mucela e Catraia dos Poços acaba de viver momentos de grande tensão. Mais uma vez na história, estas terras são palco de lutas e de perseguições semeando o terror. Agora já não são os invasores Franceses. Também com laivos de grande violência, agora a luta é fraticida. 


Vindo de Abrantes chega à Ponte da Mucela, num dia de Agosto,  um comboio de 20 carros carregados de pólvora com destino ao norte, talvez Viseu ou Lamego. A escoltá-lo vêm 40 “voluntários realistas”. No dia seguinte, dia 5,  logo pela manhã, resolvem fazer uma paragem, na Chamada Eira do Forno, já perto da Cortiça.
A dado momento, um dos “carreiros” que se diz ser um tal José António, da Urgueira, ao passar junto à casa de José Maria de Oliveira, grita: - está ali um malhado!. Era um conhecido  partidário das ideias liberais,  que andava a apanhar fruta nas traseiras da casa. Logo os milicianos se atiram ao pobre homem indefeso bem como  a um outro vizinho. Em seu auxílio surge um grupo de liberais que depois de grande troca de tiros consegue ganhar  aos agressores que eram em bem maior número. Com a situação dominada resolvem desviar o carregamento de pólvora e colocá-lo à disposição  do capitão de Ordenanças do Carapinhal, José Dias Brandão e desse modo ficar em “melhores” mãos. Quando tal intento começava a ser concretizado, eis senão, chega um grupo de outros “voluntários” que vindos do Norte regressavam a Abrantes. Nova escaramuça se trava ali perto dos Poços e os liberais mais uma vez saem de vencida. Só que, pressentindo  que em breve estariam cercados pelas Ordenanças de Penacova e de outros concelhos das redondezas, decidem deitar fogo à pólvora.
Foi então  que junto à Catraia dos Poços, perto da Serra da Sanguinheda,  longe das casas, amontoam a pólvora dos 20 carros de bois e estendem o rastilho. Terá sido Manuel Brandão a acendê-lo. Mas já perto do monte, o pavio apaga-se. Valeu naquele momento a coragem de um penacovense, um dos irmãos Sande, da Carvoeira, antigo Sargento de Caçadores 8.  De rastos aproximou- se perigosamente do monte de pólvora e reacendeu o rastilho, fazendo explodir toda aquela quantidade de explosivos. Imagine-se o estrondo que se fez sentir por terras da Casconha!
Escusado será dizer que não demorou muito para que as tropas (guerrilhas) de Arganil chegassem e perseguissem tudo o que era “liberal”. Muitos destes atravessam o Mondego indo refugiar-se na zona dos Fornos e Alcarraques, já perto de Coimbra. Outros ficaram pela zona do conflito, sendo a maioria imediatamente presa. António Joaquim (ou António do Arrabalde, como era conhecido) ainda se refugiou na toca de um castanheiro, mas de nada lhe valeu.
Às “guerrilhas“ de Arganil juntaram-se as Guerrilhas e Ordenanças de 22 concelhos da região. Também a Infantaria e Cavalaria de Coimbra entraram em campo. Não custa pois imaginar as perseguições, os incêndios, os saques, as prisões (muita gente de Farinha Podre) que sofreram todos os simpatizantes da causa liberal.
Mas a vingança não se ficou por aí, nem sequer pelo abarrotar das cadeias de Mortágua e Arganil. É que os fuzilamentos que se seguiram não foram nem um nem dois: foram sete. Os nomes estão gravados num Mausoléu que existe em Viseu. Pessoas da Carvoeira, da Cruz do Soito...
Foram eles: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António Joaquim, da Várzea de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito, pároco encomendado de Covelo de Ázere (que estava inocente, entre outros); Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, filhos de Bernardo Homem.Também da Cortiça, José Maria de Oliveira. Por último, naturais da Carvoeira, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e Felizberto de Sande. Fuzilados por topas pertencentes às Milícias de Santarém, no Terreiro do Rossio de Santo António, em Viseu, no dia 21 de Março de 1833.
A inscrição existente no referido Mausoléu recorda a  “execranda tirania daquele tempo” e exalta a coragem destes “mártires da liberdade”.  Penacovenses... perpetuados em Viseu... ignorados em Penacova...
NOTA: Voltaremos ao assunto, não só para referir a extensa lista com os nomes de pessoas desta região  que estiveram nas cadeias, mas também para situar este episódio conhecido por “Queima da Pólvora” no conjunto da Guerra Civil que opôs liberais e absolutistas, que semeou o ódio entre “malhados” e “corcundas”...


27 novembro, 2015

Martins da Costa: 10 anos depois da sua morte

A primeira página de
O Jornal de Penacova
 [24 de Abril de 2005] 
Foi em 13 de Abril de 2005 que o pintor João Martins da Costa faleceu na capital da Beira Alta. Não em Penacova, onde desde os anos setenta viveu, ali na Costa do Sol, e onde foi professor. Picasso lhe chamavam carinhosamente os seus alunos.
Nascera em Coimbra em 28 de Junho de 1921 mas os seus pais eram penacovenses: José da Costa e Cacilda Martins. O seu avô materno fora industrial de latoaria na vila e o paterno, Abílio Costa, tinha sido proprietário de um veículo que servia de diligência entre a cidade dos estudantes e Penacova.
auto-retrato
Frequentou o curso superior de Pintura da Escola de Belas Artes do Porto, onde foi discípulo de Dórdio Gomes e de Joaquim Lopes. Premiado diversas vezes naquele estabelecimento artístico, concluiu o curso em 1947 com a classificação de 18 valores.
Em comentário a uma referência que o Penacova Online fez em 2012, escreveram Óscar Trindade e António Luís, respectivamente:
 “O Prof. Martins da Costa, foi meu professor de desenho. Um grande homem, algo austero mas também amigo. Sua esposa, Prof ª. Rosa, também me deu aulas de desenho. Recordo o dia em que ela me convidou para ir a sua casa e me mostrou as obras de arte do prof. Martins. Fiquei encantado com as pinturas expostas numa sala, que penso ter sido o seu atelier. Como é (ou era) habitual na nossa terra, a arte é (ou era) pouco valorizada e nada se fez, então, para que o espólio deste professor / artista ficasse em Penacova. Ao ler a crónica pode-se concluir que este SENHOR era um artista multifacetado, tendo em conta a sua arte na pintura e nas letras.”
“Um dos melhores professores que tive na minha passagem pelas escolas de Penacova... Martins da Costa não era mais um "carneiro". Pensava com a sua cabeça e quase sempre muito bem!”
Obra dos anos 60

E em 2014, escrevia também Álvaro Coimbra no seu blogue Livraria do Mondego “O artista, o pintor, deixou uma obra extraordinária. O seu traço sensível e, ao mesmo tempo, firme e exato viajou por cidades como Florença, Porto, Londres, mas na última etapa da sua vida escolheu este cantinho. Pintou-o de vários ângulos, com um olhar muito próprio e deu-o a conhecer ao mundo. Penacova está em dívida para com ele, mas esse reconhecimento deve estar à altura da sua obra.”