segunda-feira, outubro 26, 2015

Penacova e Lorvão sob o olhar de Saramago



Entre Outubro de 1979 e Julho de 1980 José Saramago terá estado em Penacova e Lorvão a fim de recolher elementos para a obra que o Círculo de Leitores lhe encomendara e que viria a ser publicada em 1981 com o título de “Viagem a Portugal”.

Vindo de Góis, onde visitou o túmulo de D. Luís da Silveira, depreende-se, pelo seu relato, que terá passado por Vila Nova do Ceira, Poiares e Louredo, em direcção a Penacova: “O caminho que leva a Penacova é um constante sobe-e-desce, um novelo de curvas, e atinge o delírio já perto do Mondego quando tem de vencer o desnível em frente à Rebordosa.”

“Enfim, aqui está a ponte - escreve - agora é subir até Penacova, nome que consegue a suprema habilidade de conciliar uma contradição, reunindo pacificamente uma ideia de altura (pena) e uma ideia de fundura (cova). O que logo se entende quando se verifica que construíram a meia encosta: quem vem de cima, vê-a em baixo; quem vem de baixo, vê-a em cima. Nada mais fácil.”

Estaríamos no Inverno de 1979, num daqueles dias em que a amenidade de Penacova também não resiste. “O viajante almoça numa sala gelada e húmida” onde “a criada, envolvida em acumuladas roupas, tem o nariz vermelho, constipadíssima.”

Salve-se um elogio à boa comida porque de resto o tom irónico vem ao de cima:” Parece uma cena polar. E se a comida é excelente, bastou-lhe viajar entre a cozinha e a mesa para chegar fria.”

Para agravar a má disposição (conforme confessa) dá com as bombas de gasolina fechadas, abrindo só às três horas. Para passar o tempo resolve ir à Igreja Matriz e “levar o dobro do tempo necessário” e depois, da Pérgola, “olhar cá de cima o vale do Mondego, contemplar os montes à procura de qualquer aspecto que os distinga dos cem outros vistos antes e justifique tão longo admirar”. Mesmo a chuviscar deteve-se ali algum tempo, o que terá induzido em erro quem porventura reparou nisso. “Os penacovenses devem estar muito satisfeitos com este viajante, que tanto mostra gostar da terra, ao ponto de não abandonar o muro do miradouro, nem mesmo quando chuvisca”.

“Enfim, deram as três, já pode ir a Lorvão.” – desabafa. A visita a Lorvão não mereceu grandes elogios, a não ser um ou outro comentário mais positivo. “De Lorvão não viu muito. Levava a cabeça cheia de imaginações, e portanto só pode queixar-se de si próprio. Da primitiva construção no séc. IX, nada resta. Do que no século XII se fez, uns poucos capitéis. Pouco relevantes as obras dos séculos XVI e XVII. De maneira que aquilo que mais avulta, a igreja, é obra do século XVIII, e este século não é dos que o viajante mais estime, e em alguns casos desestima muito.”

A frustação é evidente, pois “vir a Lorvão à espera de um mosteiro que corresponda a sonhos românticos e responda à paisagem que o rodeia, é encontrar uma decepção.”

Apesar de achar a igreja imponente, entende que a sua arquitectura é “fria, traçada a tira-linhas e escantilhão de curvas.” Nem “as três gigantescas cabeças de anjos que enchem o frontão por cima da capela-mor” escapam à crítica: “ são, no franco entender do viajante, de um atroz mau gosto.”

No entanto, “belo” é o coro, “com a sua grade que junta o ferro e o bronze”. Belo também o cadeiral setecentista e “o claustro seiscentista, da renascença coimbrã.” “E se o viajante está de maré de não esquecer o que estimou, fiquem também notadas as boas pinturas que na igreja estão.” – deste modo termina Saramago (o escritor que em 1998 ganhou o Prémio Nobel da Literatura) o relato da sua visita a Lorvão, num dia frio e chuvoso de 1979.

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