sábado, outubro 17, 2015

LORVÃO: Tricentenário da Trasladação das Santas Rainhas para os Túmulos de Prata

“A funcção que começara depois do meio dia terminou ás dez horas da noute, 
quando já a frontaria do mosteiro se achava deslumbrantemente illuminada;
 estoiravam no ar as bombas dos foguetes e morteiros, 
cahiam as bagas luminosas dos foguetes de lagrimas, 
e os fogos d'artificio eram acclamados por enorme multidão,
 que juntava as suas acclamações 
ao repique jubiloso dos sinos.”
                                      in "As Freiras de Lorvão"

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Prossegue hoje o programa da Comemoração dos 300 Anos da Trasladação das Santas Rainhas Teresa e Sancha em Lorvão. Como se pode verificar pelo cartaz das Comemorações outros eventos decorreram e vão decorrer este fim de semana. Ontem teve lugar a  Celebração de Abertura dos Túmulos, presidida pelo Senhor Bispo de Coimbra bem como  cerimónia da Veneração das Sagradas Relíquias. Ainda, a cerimónia do lançamento do livro infanto-juvenil "Teresa de Portugal", uma edição do Município de Penacova com autoria de Paula Silva e ilustrações de Cristina Carvalho e Paula Silva. Hoje à noite há um espaço musical que contará com as actuações Coral Divo Canto (Penacova) e dos grupos convidados: Coral Polifónica "Santiago López" (Pravia - Astúrias) e Coimbra Gospel Choir.


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APONTAMENTO SOBRE A TRASLADAÇÃO EM

1715

No livro “As Freiras de Lorvão” de  T. Lino d'Assumpção é feita uma descrição daquele momento alto da Trasladação. Para as pessoas mais interessadas em conhecer com algum pormenor estes acontecimentos, transcrevemos, do original, e por isso redigido em português de finais do séc XIX, um excerto (não incluindo notas de rodapé) daquela obra:

Quatro séculos passaram e durante elles as sepulturas das duas irmãs estiveram no coro monástico, obrando grande copia de milagres, conjunctamente com o copo por onde D. Thereza bebia em vida. Mas a quantidade de romeiros era tal á procura de saúde, tantos os devotos que junto do tumulo das santas desejavam expandir-se em lagrimas e suspiros, que vinha d'isso fraude e perturbação para a clausura, e sempre importunas visitas.
Pensava a abbadessa D. Bernarda den Lencastre,neta d'el-rei D. Manuel, por seu pae o cardeal Affonso, em fazer trasladar para o corpo da egreja os dois mausoléus, mas achou a communidade resistente em conformar-se com tal deliberação.Foi neste transe que ceu  se manifestou, como soe  acontecer cm casos taes.
Certa noute, uma das monjas. D. Catharina d’ Albuquerque, sonhou que estava vendo as duas santas vestidas como nos tempos idos da sua vida.  Grandes calanticas ou toucas de miúdas pregas na cabeça, fino e branco veu nos hombros, longas estolas franjadas cahindo-lhes até os pés, e mantos presos ao pescoço por fivellas de ouro.
Uma a outra compunha seus adornos, e na conversa pareciam um pouco agitadas. Tremendo, perguntou- lhes Catharina o que queriam? ao que ellas responderam, rindo: que o fosse  perguntar ao questor da communidade,  João Lacto. E, ao esvairem-se no espaço, acordou a monja.
Immediatamente procurou a abbadessa a quem contou o succedido. Foi chamado o questor e este decidiu que as duas rainhas queriam que os seus túmulos fossem trasladados para a egreja. Soube o mosteiro da visão e ninguém se atreveu a oppór-se a tão formaes ordens.
E' esta a versão que corre impressa, inclusive no processo da beatificação; entretanto, nas memorias manuscriptas do mosteiro, attribue-se a mudança á abbadessa D. Briolanja de Mello.
Eis a copia d'um rascunho para o seu termo de óbito, que existe no livro respectivo:
“A muito religiosa D. Briolanja de Mello, religiosa deste real mosteiro de S.ta Maria de Lorvão foi a penúltima abbadessa perpetua d'esta casa, viveu com muita edificação e santidade, guardando os votos e em tudo o mais a regra do nosso P.° S. Bento; e, estando para ser abbadessa, havendo duvidas como fosse feita abbadessa, nessas occupações veiu uma voz do ceu que a publicou. No seu officio se conheceu fora feita por Deus, e assim se verifica, pois escolheu o Senhor o seu tempo para se publicarem os thesouros que tinhamos nas santas rainhas S. ta Theresa e S.ta Sancha; por que estando as suas sepulturas no interior do mosteiro, e havendo grande difficuldade em as religiosas as deixarem ir para fora, por não perderem a- consolação de tão santa companhia, ellas acharam merecimentos para lhes apparecerom e mandando-lhes que as puzessem na egreja de fora, que Deus ajudaria. E assim foi que as religiosas se accommodaram com a sua saudade: conhecendo pela sua virtude era vontade de Deus, e se ficou fazendo muito maior estimação da prelada. Foi Deus servido, depois (Testa obra. leval-a para si com grande mostra do salvação e edificação das religiosas d'aquelle tempo, em que todas, pelas noticias que achamos no cartório, foram santas pelo espirito com que vieram á religião ».
Na egreja estiveram os dois túmulos até que em 1617. uma das religiosas, D. Catharina da Silveira, mandou fazer a capella de Nossa Senhora do Rosário, e os sarcophagos ficaram constituindo o altar, um junto do outro.
Nessa occasião. emquanto os operários foram jantar, as monjas sahiram da egreja, e, servindo-se das ferramentas, levantaram a pedra do sepulchro de D. Thereza. « Logo um suavissimo perfume" se espalhou pela egreja, e o corpo, deitado numa alcatifa de flores, tão frescas, como se ali não estivessem ha perto de quatrocentos annos, mas como se fossem cortadas naquella hora, achava-se inteiro, cerrados os olhos e entreaberta a bocca, deixando ver os alvos dentes como de quem sorri. Vestia habito de S. Bernardo e sobre o rosto estendia-se um veu preto e a pelle tão fresca e tão perfeita como se estivesse dormindo ».
Na egreja continuavam os cadáveres bemaventurados a obrar tantos milagres, que el-rei D. Sebastião resolveu promover em Roma as duas beatificações, o que não levou a effeito pelos revezes que todos conhecem e que, se lhe custaram a vida, nós tivemos que pagal-os com a independência. O intento do cavalheiroso príncipe foi continuado pelos prelados da Ordem  e, d'accordo com as monjas, trataram durante largos annos a causa junto da Santa Sé, até que em 1705 conseguiram que Clemente XI declarasse bem aventuradas as filhas de Sancho I. Os gastos para tal concessão foram tantos que durante dez annos o mosteiro ficou empenhado, a ponto de somente, em 1715, sendo então abbadessa D. Bernarda Telles de Menezes, se conseguir fazer a trasladação dos túmulos de pedra, em que os cadáveres jaziam, para outros em que mais ricamente ficassem expostos á veneração dos fieis. Muito custa, em Roma, ser santo ! Foi encarregado d'esta obra, de prata lavrada batida a martelo, batida a martello, o ourives do Porto, Manuel Carneiro da Silva, que se não fez cousa maravilhosa, como diz o editor da Monarchia Lusitana, Miguel Lopes Ferreira, fez comtudo uma obra bem acabada e que não deixa de ter grande ar e o que quer que seja da elegância cortezã d'aquelle século .
Estes novos cofres são ambos semelhantes. Teem o feitio de urnas, forradas de veludo  carmezim sobre o  qual assentam lavores de prata recortada,realçados de pedrarias. A tampa termina com remate de dois anjos sustentando uma coroa, de cujas aberturas sahem quatro açucenas. A collocação das urnas, em nicho, impede que se vejam por todos os lados, mas o citado Ferreira assim as
Descreve:
O tumulo de santa Thereza «na primeira face tem formada uma tarja com a imagem da santa Rainha vestida no habito de S. Bernardo, com um escudo aos pés partido em pala, do lado direito as armas de Leão de que foi rainha, no esquerdo as de Portugal, onde nasceu infante, e esta lettra: Sancta Theresia Regina. Na face ulterior, e logar correspondente á primeira, se forma outra tarja em que se vêem umas lettras complicadas, cifra do nome da reverendíssima prelada, em cujo triennio se fez a obra, e junto a ella um escudo atravessado com uma banda  xadrezada entre duas flores de liz, que são as armas da illustre Ordem de Cister. Da parte da cabeceira ha outra tarja, que expõe uma cruz, e por cima duas mãos dadas com esta inscripção : Votis conjunctis. Na correspondente ha outra tarja, e nella esculpido em meio relevo um mosteiro com esta epigraphe: Hic tutor».
A urna que encerra os restos de D. Sancha é em tudo semelhante á primeira, differençando-se nas figuras, emblemas e disticos. «Vê-se na tarja da primeira face a imagem da mesma santa polidamente formada, com esta inscripção : Sancta Sanctia Infans ; e ao pé um escudo com as armas de Portugal. Na cabeceira duas coroas, uma real, outra de espinhos, com esta lettra: Per hanc ad illarn. Na parte dos pés duas mãos dadas com esta: Felicitas temporum; e no remate do meio uma coroa por onde saem quatro palmas ».
A trasladação, a que assistiram o bispo de Coimbra, e seu cabido, o D. Abbade Geral, o senado da cidade, vários abbades cistercienses e grande multidão, realizou-se a 19 d'outubro de 1715, depois de alguns mezes perdidos em questões de formalidade, etiqueta e jurisdicção entre o Bispo e o D. Abbade, tão próprias daquelle século essencialmente formalista.
Foram então abertos os túmulos para se fazer a trasladação dos cadáveres. O de santa Thereza, coberto com um veu de tafetá branco, estava completo, mas a cabeça separada do tronco e os ossos já sem carne nem pelle. O de D. Sancha « se viu todo unido e inteiro sem embargo de se haver sepultado quatro centos oitenta seis annos antes, com os braços cruzados sobre o peito, e estes organizados com a composição dos ossos, e nervos cobertos com a pelle e carne: todo o peito composto, e coberto com a cutila sem lhe apparecer nenhuma das costellas: e fazendo exame o dr.  Manuel dos Reis de Sousa, lente de medecina na Universidade de Coimbra, e o dr. Francisco de Oliveira Raposo, medico do convento, pelo contacto do pulso e artelho declararam que se achava brandura na carne. Só se achava separada dos hombros a cabeça». O geral da Ordem tirou-lhe um osso grande da garganta que mandou de presente a D. João V.
Revestidos os dois cadáveres com o habito de S. Bernardo, compostas as caveiras com o toucado e veu de religiosas, foram collocados nos túmulos de prata, fechados a duas chaves cada um, uma de aço outra de prata, entregues ao Bispo, e outras iguaes ao D. Abbade Geral, e collocados no altar, onde até então tinham ficado os de pedra.
A funcção que começara depois do meio dia terminou ás dez horas da noute, quando já a frontaria do mosteiro se achava deslumbrantemente illuminada; estoiravam no ar as bombas dos foguetes e morteiros, cahiam as bagas luminosas dos foguetes de lagrimas, e os fogos d'artificio eram acclamados por enorme multidão, que juntava as suas acclamações ao repique jubiloso dos sinos.
E comtudo a festa não passou sem um dissabor,que por não ter tomado maior vulto, n em por isso deixaria de figurar como incidente no poema do Hyssope. Pois na segunda feira, segundo dia do Triduo que se seguiu á trasladação dos santos ossos, o cabido não teve a audácia grande de vir á porta da egreja de cruz alçada, cantando o Te Deum receber o Bispo !  Ora isto oppunha-se á jurisdicção do D. Abbade Geral que se intitulava nada menos que: D. Abbade do Real Mosteiro de Santa Maria d’Alcobaça, Senhor Donatário e Capitão Mor das Villas de Alcobaça, Aljubarrota, Alfeizarão, Alvorminha, Pederneira, Santa Catherina, Paredes, Coz, São Martinho, Señr do Matto, Mayorga, Évora, Cella, Turquel e mais logares e povoações dos seus termos e coutos do Mosteiro, do Conselho de Sua Magestade, e seu Esmoler Mor, Geral reformador da congregação de São Bernardo nestes Reinos e Senhorios de Portugal e Algarves, etc. etc.
A Senhora da Paz  metteu-se entre os monjes e o cabido, e a pendência de jurisdicção, entre o faustoso bispo-conde d'Arganil  D. António de Vasconcellos e Souza, e o reverendíssimo padre doutor fr. António do Quental, não teve seguimento, embora ficasse, de passagem, consignada nas chronicas.
Findos os três dias de festa, os cofres foram levantados do altar onde durante ellas se conservaram e collocados nos camarins que lhes estavam  preparados na capella mor; o de D. Thereza do lado do evangelho, e o de sua irmã do lado da epistola.
Por fins do primeiro quartel do século XVII, as monjas tratavam de nova mudança dos restos das duas princezas para o seu antigo altar, onde lhes tinham preparada « uma admirável tribuna de rica talha dourada, e nella dous vãos, ou nichos grandes, nos quaes em mãos de anjos se exporiam os cofres das santas rainhas, tudo por modo admirável.
Esta ultima trasladação não se levou a effeito. Que motivos a obstaram, ignoro.“

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