04 setembro, 2021

AS INVASÕES FRANCESAS E O MOSTEIRO DE LORVÃO, de 1807 até 1811 (I)

por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro

“Logo que pelo Verão do ano de 1807 se soube neste mosteiro de Lorvão que o exército francês marchava pela Espanha para invadir este reino, com quem a França tinha rompido, despedindo o nosso embaixador, esta comunidade começou a dirigir ao Céu as suas fervorosas súplicas por meio de preces e vários exercícios de piedade, afim de conseguir de deus livrar o reino do perigo iminente que o ameaçava com a entrada dos franceses; a qual fez o seu exército, comandado pelo general Junot, em Lisboa no dia 30 de Novembro 1807, tendo-se evadido no dia 27 a rainha, o príncipe regente e mais família real com a sua corte para ao Rio de Janeiro; cujas notícias não afrouxaram as rogativas a Deus e só causaram uma mágoa geral e consternação. 



Em Fevereiro de 1808, esta comunidade se viu necessitada (como todo o reino) a reconhecer por seu soberano ao Imperador Napoleão, e enviarmos muita parte da prata deste Mosteiro para a contribuição que ele impôs ao reino, em que ela toda devia entrar, menos os cálices e juntamente concorrermos com o terço das nossas rendas, do que pouco chegámos a mandar, porque em Junho desse ano se começou pelas partes e províncias do norte a rebelar a Nação contra os franceses, que em Agosto do dito ano foram obrigados a fazerem uma convenção com o general inglês depois de serem batidos pelo seu exército e [pelo] português na batalha do Vimeiro, o que se verificou no dia 15 de Setembro, que se arvoraram em Lisboa as nossa bandeiras com a maior alegria, de que participou esta comunidade e dirigiu ao Céu as mais vivas e solenes graças por este tão desejado benefício, sem que porém nunca cessassem os ditos exercícios para implorar a duração de tão grande bem.

Era prelada deste Mosteiro a Ex.ma Srª D. Maria Casimira de Meneses, e estando no fim do seu triénio, passou esta comunidade a fazer nova eleição, e saiu eleita a Ex.ma Srª D. Ana Luiza de Vasconcelos.

Poucos meses passámos que não nos víssemos em novos sustos.”

CONTINUA

OBS: ESTE TEXTO FOI PUBLICADO PELO "NOTÍCIAS DE PENACOVA" A PARTIR DO SEU 1º NÚMERO, PELA MÃO  DE AUGUSTO MENDES SIMÕES DE CASTRO

02 setembro, 2021

Livraria do Mondego: quem se lembrou de a chamar assim?


O local “Livraria do Mondego” deve o seu nome ao facto da formação rochosa existente se assemelhar à disposição dos livros nas estantes de uma biblioteca.  Formação rochosa que é constituída por quartzitos e faz parte da grande falha tardi-hercínia  que se estende ao longo de cerca de 250 km desde a povoação de Verín, em Espanha, até à zona de Penacova (Falha Verin-Régua-Penacova). 


Sabe-se que, nas distantes eras da vida da Terra, esta região esteve coberta pelas águas de um mar não muito profundo que cobria grande parte da Península Ibérica, um oceano de areias e lamas, entretanto desaparecido. Nesse habitat vivia uma espécie de artrópodes, as trilobites, cujos rastos de locomoção formam as bilobites ou cruzianas. Um desses icnofósseis (como os de Penha Garcia) foi encontrado aqui, em 1915, aquando das obras na estrada.

A designação “Livraria do Mondego” é muito antiga, não se sabendo se tem origem  popular ou erudita. Já no séc. XIX era referenciada por António Feliciano de Castilho, na “Conversação Preambular” (uma espécie de prefácio) introdutória ao livro de Tomás Ribeiro, D. Jayme ou a dominação de Castela. 

Castilho, que estudou Direito em Coimbra e era cego desde os 6 anos (em consequência de sarampo), nasceu em 1800. Sendo assim, essa viagem de Santa Comba Dão a Coimbra terá acontecido há sensivelmente 200 anos, quando  estudava na Lusa Atenas. 

A designação, apesar de, no texto em causa, ter saído da boca do barqueiro, poderá ter uma origem erudita. Por sua vez, “Entre Penedos” seria a designação nascida no linguajar do povo.

17 julho, 2021

A actualidade de António José de Almeida em dia de Feriado Municipal


"Pelas nove horas da noite" do dia 17 de Julho de 1866 nascia em Vale da Vinha aquele que viria a ser uma das figuras mais importantes da cena política portuguesa da primeira metade do século XX. O Município de Penacova elegeu-o como figura primeira do concelho, adoptando como dia de Feriado Municipal precisamente a data do seu nascimento. Praticamente silenciado, em Penacova e no País, durante o período do Estado Novo, é de novo enaltecido com a alvorada do 25 de Abril de 1974. Foi assim que em 5 de Outubro daquele ano foi alvo de uma significativa homenagem na sede do concelho.

Na altura, o jornal Notícias de Penacova noticiou a cerimónia e publicou uma crónica de Urbano Duarte, padre, professor e jornalista, salientando a actualidade deste penacovense ilustre e dos valores que defendeu. Por se tratar de um texto um pouco diferente daqueles que habitualmente são citados, consideramos que se justifica a sua transcrição integral:

ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA SOB SILÊNCIO DE CEMITÉRIO


«Penacova sentiu-se agora com força bastante para celebrar o seu filho mais ilustre António José de Almeida.

Do seu nascimento em vale da Vinha, já lá vai o centenário e sobre a morte (1929) já pesam quatro décadas… Como se ele fosse um vulgar qualquer, metido sem voz nos poucos palmos da campa!

Se, neste cinco de Outubro, o povo de Penacova glorificar o seu nome galhardamente, a peito cheio, é porque algum feitiço terrificante e silenciador, de verdade acabou.

E em que consistia o maldito feitiço?

No facto de ele ter sido a voz mais belamente profética e romântica que trouxe ao País a República.

Infelizmente, por ignorância, por instalação e subserviência, durante excessivas dezenas de anos, deixaram-se crescer sucessivas gerações, adestradas em descrer e malsinar o ideal republicano que andou a luzir em todo o ser de António José de Almeida. Como se o ideal republicano de então consubstanciasse as desgraças da Pátria e da alma cristã do povo.

Os republicanos, ainda até há pouco tempo, passavam por gente suspeita, sem merecer confiança ao estado e a alguns católicos, porque sonhavam com a mudança do regime político totalitário, porque se arvoravam em defensores da liberdade de pensamento e de religião, porque defendiam a separação entre a Igreja e o Estado, porque exigiam maior justiça social. Aspirações estas que nenhum cristão devia deixar que lhe amortecessem no espírito já que são maravilhosa semente evangélica. E aí estão os documentos do último Concílio a colocar estas verdades como fundamentais ao cristianismo.

Bem sei que todas as lutas, mesmo as de maior pureza, trazem consigo o risco de algumas feridas. Não admira, por isso, que no meio da refrega política travada nos primeiros anos que precederam ou seguiram a instauração do regime republicano, se tenham aberto por algumas imprudências de parte a parte, chagas dolorosas, que o bom senso evitaria.

Mas até neste aspecto, António José de Almeida soube estar atento não só à alma popular como aos ditames do próprio coração: dos três partidos republicanos o seu era o mais moderado!

Que Penacova festeje então o maior dos seus filhos; a suavidade da terra  ficou-lhe no temperamento e no verbo arrebatado.

Político, médico, fundador de jornais, a sua obra continua viva e irreversível. Desde estudante a Presidente da República, foi homem de ideal, capaz de discordar, de atacar, de sofrer processos e prisões, sempre por um Portugal diferente e digno. Sem perder contacto com a aldeia e os vizinhos dedicou-se ao futuro de todos os nascidos na Pátria que estremecia. Com tal doação que morreu pobre!

Após tantos anos, António José de Almeida talvez pareça a alguns como ultrapassado: hoje há menos reptos líricos e outras palavras a traduzir novos ideais. O que, porém, não está ultrapassada é a sua estrutural e sinceríssima aspiração por um novo mundo onde reine a liberdade e a igualdade. O que não está ultrapassado é o exemplo  de ser um político que nunca pôs de lado o coração."

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Urbano Duarte, “António José de Almeida sob silêncio de cemitério”, artigo  publicado no Notícias de Penacova de 5 de Outubro de 1974.

Urbano Duarte, padre, professor e jornalista (1917-1980) Urbano Duarte foi uma das figuras mais marcantes de Coimbra na segunda metade do século XX.