19 fevereiro, 2021

Locuções populares (III): "Custar os olhos da cara"


 

Esta locução, que tem o significado de custar muito caro, ter um preço muito alto, será o equivalente de “custar couro e cabelo”, “custar um dinheirão” ou mesmo “custar cara a brincadeira”.

Pensa-se  que a sua origem esteja relacionada com o costume bárbaro de arrancar os olhos aos prisioneiros de guerra.

Furar ou mesmo arrancar os olhos de inimigos era um costume completamente desumano praticado depois  das batalhas ou também na sequência de golpes de estado. Assim, privados da visão, os inimigos tornavam-se menos perigosos ou até inofensivos e a guerra seria mais fácil de vencer e a manutenção no poder teria o caminho mais facilitado.

Pagar com a perda dos olhos era um custo demasiado pesado que ninguém queria pagar. Talvez por isso a expressão "custar os olhos da cara" passou a ser também sinónimo de custo exagerado, de preço excessivo. 

Refira-se que tal prática de arrancar os olhos aos inimigos se manteve, pelo menos, até ao século XIX.  A "Gazeta de Lisboa", de 1825, dava conta de uma notícia relacionada com acontecimentos passados no Médio Oriente e publicada em Marselha no "Journal des Debats”:

“O Emir-Bechir tomou huma vingança muito mais cruel dos Principes da sua familia que havião seguido o partido do Cheik-Bechir; pois a estes mandou arrancar os olhos e cortar alingoa na sua mesma presença para prolongar o seu supplicio e humiliação.”


13 fevereiro, 2021

Locuções populares (II): "São favas contadas"

 A locução “são favas contadas” tem o significado de algo dado como certo, de coisa certa, de negócio seguro.


Antigamente era costume fazer contas por meio de favas. Ora, esta expressão tem origem no antigo método de votação em que se usavam favas brancas e pretas. As favas eram no fundo um instrumento de cálculo, uma espécie de calculadora mecânica.

Já na Antiguidade Clássica era habitual fazer votações utilizando favas brancas e pretas. 

Também na Idade Média, em muitos mosteiros, eram usadas para eleger o abade. Os monges, reunidos em capítulo, procediam à escolha daquele  do seguinte modo: favas brancas, se a favor do nomeado, e favas pretas, se contra. 

No final, contavam-se as favas. Assim, quem era eleito, era-o de forma comprovada, ou seja, “com as favas contadas”...

Este antigo processo de votação, que se mantém metaforicamente até aos dias de hoje, existe em toda a península ibérica e mesmo noutros países europeus.

Favas contadas quer dizer então: não restar dúvida, ser infalível, ser inevitável…




09 fevereiro, 2021

Locuções populares (I): “Do tempo da Maria Cachucha”

Quantas pessoas já não terão sido acusadas de viver “à grande e à francesa"  ou de serem “chei(as) de nove horas”?  

Ou ter a mania de “embandeirar em arco”, de “emprenhar pelos ouvidos” e depois, quem sabe, “pagar com língua de palmo”…?

Tudo isso pode ser só “para inglês ver”. Muitas vezes “são mais as vozes que as nozes” e tudo, afinal, tantas vezes, “traz água no bico”…

É à volta destas expressões que se perdem na memória dos tempos que iniciamos hoje esta rubrica sobre locuções populares ou frases feitas.

 


A expressão “Do tempo da Maria Cachucha” significa  “muito antigo, desactualizado, obsoleto, antiquado.”  “Do tempo da outra senhora”, ou ”do tempo da pedra lascada”…são expressões com significado semelhante.

Esta  locução terá origem na cantiga popular “Maria Cachucha”, adaptação da cachucha espanhola, que esteve muito em voga no Século XIX. Era uma dança sapateada de compasso ternário, normalmente executada por uma uma mulher que acompanhava o ritmo com castanholas, ao som de guitarras e, por vezes, canto, sendo a designação extensível à música.

Tendo origem em Cuba, rapidamente se popularizou na Andaluzia, tendo-se daí disseminado por toda a Espanha, por Portugal, pela França e outros países.

Tipicamente começava com movimentos lentos, que iam acelerando, até terminar com movimentações muito agitadas.

A cachucha tornou-se muito popular em grande parte da Europa, principalmente na primeira metade do século XIX e também em Portugal.

A cachucha passou de moda e tornou-se uma dança antiga, razão porque o povo, quando se queria referir a algo antiquado, desactualizado ou obsoleto, passou a empregar a expressão ‘do tempo da Maria Cachucha’. Uma clara alusão à melodia espanhola mas, principalmente, à canção ‘Maria Cachucha’ que tão popular foi em Portugal.


Maria Cachucha
Quem te cachuchou?
- Foi um frade Loyo,
Que aqui passou. 

Maria Cachucha
Não vás ao Rocio
Toma lá dinheiro,
Sustenta o teu brio.

Maria Cachucha
Não vás ao quintal,
Em sainha branca
Que parece mal

Maria Cachucha
Que vida é a tua?
Comer e beber,
Passear na rua.

Maria Cachucha
Com quem dormes tu?
- Eu durmo sozinha,
Sem medo nenhum …

Maria Cachucha
Com quem dormes tu?
- Durmo com um gato,
Que me arranha o c...

Maria Cachucha
Se fores passear
Vai pelas beirinhas,
Podes-te molhar

FONTE:  Repositório do Conhecimento Inútil de João M. Alveirinho Dias.