13 fevereiro, 2021

Locuções populares (II): "São favas contadas"

 A locução “são favas contadas” tem o significado de algo dado como certo, de coisa certa, de negócio seguro.


Antigamente era costume fazer contas por meio de favas. Ora, esta expressão tem origem no antigo método de votação em que se usavam favas brancas e pretas. As favas eram no fundo um instrumento de cálculo, uma espécie de calculadora mecânica.

Já na Antiguidade Clássica era habitual fazer votações utilizando favas brancas e pretas. 

Também na Idade Média, em muitos mosteiros, eram usadas para eleger o abade. Os monges, reunidos em capítulo, procediam à escolha daquele  do seguinte modo: favas brancas, se a favor do nomeado, e favas pretas, se contra. 

No final, contavam-se as favas. Assim, quem era eleito, era-o de forma comprovada, ou seja, “com as favas contadas”...

Este antigo processo de votação, que se mantém metaforicamente até aos dias de hoje, existe em toda a península ibérica e mesmo noutros países europeus.

Favas contadas quer dizer então: não restar dúvida, ser infalível, ser inevitável…




09 fevereiro, 2021

Locuções populares (I): “Do tempo da Maria Cachucha”

Quantas pessoas já não terão sido acusadas de viver “à grande e à francesa"  ou de serem “chei(as) de nove horas”?  

Ou ter a mania de “embandeirar em arco”, de “emprenhar pelos ouvidos” e depois, quem sabe, “pagar com língua de palmo”…?

Tudo isso pode ser só “para inglês ver”. Muitas vezes “são mais as vozes que as nozes” e tudo, afinal, tantas vezes, “traz água no bico”…

É à volta destas expressões que se perdem na memória dos tempos que iniciamos hoje esta rubrica sobre locuções populares ou frases feitas.

 


A expressão “Do tempo da Maria Cachucha” significa  “muito antigo, desactualizado, obsoleto, antiquado.”  “Do tempo da outra senhora”, ou ”do tempo da pedra lascada”…são expressões com significado semelhante.

Esta  locução terá origem na cantiga popular “Maria Cachucha”, adaptação da cachucha espanhola, que esteve muito em voga no Século XIX. Era uma dança sapateada de compasso ternário, normalmente executada por uma uma mulher que acompanhava o ritmo com castanholas, ao som de guitarras e, por vezes, canto, sendo a designação extensível à música.

Tendo origem em Cuba, rapidamente se popularizou na Andaluzia, tendo-se daí disseminado por toda a Espanha, por Portugal, pela França e outros países.

Tipicamente começava com movimentos lentos, que iam acelerando, até terminar com movimentações muito agitadas.

A cachucha tornou-se muito popular em grande parte da Europa, principalmente na primeira metade do século XIX e também em Portugal.

A cachucha passou de moda e tornou-se uma dança antiga, razão porque o povo, quando se queria referir a algo antiquado, desactualizado ou obsoleto, passou a empregar a expressão ‘do tempo da Maria Cachucha’. Uma clara alusão à melodia espanhola mas, principalmente, à canção ‘Maria Cachucha’ que tão popular foi em Portugal.


Maria Cachucha
Quem te cachuchou?
- Foi um frade Loyo,
Que aqui passou. 

Maria Cachucha
Não vás ao Rocio
Toma lá dinheiro,
Sustenta o teu brio.

Maria Cachucha
Não vás ao quintal,
Em sainha branca
Que parece mal

Maria Cachucha
Que vida é a tua?
Comer e beber,
Passear na rua.

Maria Cachucha
Com quem dormes tu?
- Eu durmo sozinha,
Sem medo nenhum …

Maria Cachucha
Com quem dormes tu?
- Durmo com um gato,
Que me arranha o c...

Maria Cachucha
Se fores passear
Vai pelas beirinhas,
Podes-te molhar

FONTE:  Repositório do Conhecimento Inútil de João M. Alveirinho Dias.

 

10 janeiro, 2021

Poetas penacovenses (VIII): A tentar descodificar este tempo, em sofrimento: um poema de Luís Amante

O meu “circuito”


Pela manhã, da minha janela, por baixo dela

O meu circuito parecia que encolheu

... ou que, dando guarda à liberdade, se encheu!

Hoje é Domingo, segundo do novo ano

Que se segue a um outro, espartano

As pessoas encolhidas de geada branda

Sem benesses ou compadrio

Vieram respirar ar puro

Vieram a fugir do confinamento

Vieram ganhar coragem para o sofrimento

Que se avizinha ...

Desci pra me juntar à multidão

Pra sentir de perto o bater do coração

Sapatilhas calçadas

Ceroulas apertadas

E calças de fato de treino por cima

Com anorac de neve

De frente no caminho solto

Uma família de máscaras: uma azul clara; outra verde; outra preta

Atrás com distância de segurança

Outra família sem máscara

Rapaz atleta; rapariga de olhar suave ... os filhos de bicicleta

A seguir um grupo grande a correr sem gemer

De gente madura transportando frescura

Quatro voltas alargadas no espaço do meu tempo

Outras quatro circunscritas à volta do Estádio Universitário

E, sempre, o mesmo pensamento:

- quem será que está livre do vírus danado?

- como é que, afinal, ele se tem propagado, assim, tão descontrolado?

Daqui a cinco dias terminam os meus sessenta e seis

Gostava que a passagem fosse no ambiente do “ar puro” da minha terra

Encostadinho ao cheirinho da nossa serra

A olhar pro Rio, envergonhado com frio

Mas não vai dar

Não posso passar

Os meus conterrâneos estão lá a sofrer

... e no meu novo “circuito”, só dá pra temer!

 

Luís Pais Amante

Telheiras Residence,10Jan21; 14h00

A tentar descodificar este tempo, em sofrimento.

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Obrigado Dr. Luís. Muita saúde! Abraço