12 julho, 2015

Um pouco da história do quadro de N. S. da Assunção na Igreja de Penacova


Nossa Senhora da Assunção. Igreja Matriz de Penacova.
Assinado por Menah (Maria de Lurdes) e datado de 1931

Quem visitar a Igreja Matriz de Penacova vai encontrar do lado do Evangelho[1] um quadro de grandes dimensões representando Nossa Senhora da Assunção. No canto inferior direito está assinado por “Menah” e tem a data de 1931.
 
Há dias perguntámos no facebook se alguém de Penacova sabia quem foi o autor/autora desta pintura. Nenhuma resposta...
 
Ora, Menah, era o pseudónimo da filha de Constâncio Silva, Maria de Lurdes. Foi oferecido à Igreja em 15 de Fevereiro de 1931. 

E agora perguntarão: quem foi Constâncio Silva? Este artista (1881-1949), desenhador e pintor foi "arista" em Penacova , tendo exposto em 1947, no Salão Silva Porto, dois desenhos com temáticas penacovenses, "Pinheiro de Penacova" e "Pinheiro do Mondego - Penacova". Ilustrou também O Filho do Carvoeiro – Conto fantástico para Crianças (1932) de João Augusto Simões Barreto, republicano, funcionário público e jornalista radicado em Penacova. 

Constâncio Silva era amigo da família Barreto e também cunhado de António dos Santos Fonseca, outro arista, que mandou construir a conhecida vivenda em S.to António, hoje integrada no complexo do Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia.

 Maria de Lurdes aprendeu a pintar com o pai, um nome famoso do meio artístico da época. Foi graças a esta ligação do mundo artístico nacional a Penacova, nos tempos "áureos" do Turismo nesta vila, que o património penacovense pode contar hoje com esta interessante obra.
 
Em 1976, o Pintor João Martins da Costa (falecido há precisamente 10 anos) executou alguns trabalhos de restauro, retocando e envernizando este bonito quadro que representa a padroeira de Penacova, Nossa Senhora da Assunção.





[1] Na celebração de costas para o povo, o celebrante lia a epístola do lado direito do altar (o “lado da epístola”), após o que lia o evangelho, do outro lado (o “lado do evangelho”). 

07 julho, 2015

Cartas Brasileiras: Assombração


             Assombração

Barretos, minha cidade natal, está localizada ao norte do estado de São Paulo, distante 424 km da capital. É conhecida pela Festa do Peão de Boiadeiro, que lá ocorre todo ano na última semana de agosto; um quase resquício da atividade pecuária que havia na região, ou ainda um explícito interesse econômico para manter a tradição.
            De região pecuária para a citricultura, agora canavieira, seguindo a política governamental para produção de álcool combustível, é cana a perder de vista, e com ela o picumã das queimadas; ainda vamos só comer cana.
Contudo, não é esse o assunto dessa carta, quero  falar sobre uma cidade distante 51 quilômetros da minha, ou seja, Bebedouro, cujo nome se deve ao fato de ter nascido à beira de um córrego que era procurado pelos tropeiros, que lá paravam para dar de beber ao gado.
Também, não tanto sobre a cidade, e sim a respeito das estranhas aparições, uma assombração, uma mulher vestida de noiva que atormentava quem passasse à noite pelo cemitério
Foi no começo dos 90. Testemunhas assustadas diziam ter visto a noiva correndo, as vestes esvoaçantes, um fantasma ou alma do outro mundo. Rapidamente a notícia se espalhou, aparecendo logo quem a explicasse. Diziam tratar-se de uma jovem que morrera  após experimentar o vestido de noiva, e que havia sido enterrada com ele. A tenebrosa aparição ganhou a imprensa, até um boletim de ocorrência policial teria sido registrado. Nem os mais corajosos se arriscavam a passar pelo local durante a noite.    
Conta-se que um coveiro, homem acostumado, resolveu encarar a alma penada. E, na escuridão, estando diante de uma cova para um sepultamento que aconteceria na manhã  seguinte, viu a noiva dentro dela, chamando-o pelo dedo indicador. Quase morreu de susto, e deu entrada na aposentaria.
Como assombração não deve existir, a de Bebedouro tinha tudo para ser uma farsa, e era. O pior, ou o mais engraçado, a noiva fantasma não era ninguém se não o meu irmão que morava do outro lado da rua do cemitério. Brincalhão, resolveu assustar os transeuntes, correndo pelo cemitério à noite  com o vestido de noiva da mulher. Só ele mesmo!
           Acreditar em bruxas e duendes, nenhum de nós acredita, entretanto como dizem os espanhóis: “pero que hay, hay”. Há fantasma de todo tipo, como aqueles que metem no bolso o dinheiro que seria para a Educação, Saúde e Segurança. Se a população não usar nas próximas eleições o voto como Afugenta Fantasma seguiremos vivendo em um mundo mal-assombrado.

           P.T.Juvenal Santos – ptjsantos@bol.com.br

26 junho, 2015

Coral Divo Canto apresenta hoje Orfeu & Eurídice


O Coral Divo Canto vai apresentar, hoje, pelas 21:30, no Centro Cultural de Penacova,  a Ópera Orfeu & Eurídice.

É graças a um trabalho intenso, de grande qualidade, feito de esforço, paixão e persistência, quer do seu Maestro, Pedro Rodrigues, quer de todos aqueles que ao longo destes anos passaram pelo grupo, que Penacova pode hoje assistir a mais um momento alto de cultura. 

Passo a passo, esta nossa terra vai recuperando o lugar que em finais do século XIX e primeira metade do século XX ocupou. Nesses tempos,  com características mais elitistas, se pensarmos nos eventos artísticos que amiúde se realizavam no “palacete” do casal Raimunda e Joaquim de Carvalho (edifício da actual Casa de Repouso) com a presença de altas figuras da cultura nacional. Pela mão de Raimunda Martins de Carvalho, essa paixão pela cultura, acabou por ser também  transmitida e generalizada a muita gente de Penacova que com ela aprendeu as artes do canto, da música instrumental e do teatro. Falamos nesta figura penacovense como poderíamos recordar muitas outras. Correndo o risco de  sermos injustos, diríamos que na segunda parte do século passado, estas manifestações culturais foram decaindo ao ponto de praticamente chegarmos a poder contar apenas os grupos etnográficos e folclóricos e as filarmónicas enquanto agentes culturais activos.

Assistimos hoje, e o trabalho do Coral Divo Canto é um dos excelentes  exemplos disso, a um renascer e a um multiplicar efervescente de iniciativas de qualidade, que pouco a pouco vão alargando os horizontes da cultura. O espectáculo de logo à noite é, na nossa opinião, um evento paradigmático desta  dinâmica local.

O espectáculo em causa  já foi apresentado no Largo Alberto Leitão em 2014 - tricentenário do nascimento de  Gluck - e no Mosteiro de Lorvão, já em 2015, aquando do capítulo da Confraria da Lampreia. Desta vez, num espaço diferente, num verdadeiro palco, com outras possibilidades de sonoplastia e luminotecnia, aguarda-se que constitua um momento ainda mais intenso e cativante. Mesmo para quem já assistiu, cremos que não será de perder este serão que vai marcar a história cultural de Penacova.

Christoph Willibald Ritter von Gluck (1714 - 1787) foi um dos mais importantes compositores do seu tempo. Foi considerado o grande reformador da ópera clássica por equilibrar a importância da música e da acção dramática. A  ópera “Orfeu e Eurídice” é a obra mais representativa dessa tendência. Foi escrita em 1762 e apresentada em Viena, em italiano. Em 1774 foi reelaborada para ser cantada em língua francesa na Ópera de Paris.
 Gluck

O mito de “Orfeu e Eurídice” é relatado nas “Geórgicas” de Virgílio, e foi utilizado como argumento de outras óperas na história da música, desde “Orfeo” de Monteverdi (1607) até Offenbach, com sua opereta “Orfeu no Inferno” (1858).

Terminamos com o apelo que o Coral Divo Canto faz na sua página do facebook: “Não perca a oportunidade de ser surpreendido com as mais diversas sensações e emoções que só se conseguem transmitir por este que é sem duvida o mais completo género artístico.
A ópera está de volta a Penacova, e desta vez será protagonizada pelos seus conterrâneos. Apareça! “

Leituras complementares:

O MITO DE ORFEU

Orfeu era filho do deus Apolo e da ninfa Calíope; do pai herda uma lira que, uma vez tocada por si, revela um canto do qual, pela sua magia, ninguém consegue livrar-se.
O deus dos casamentos, Himeneu, selou o amor de Orfeu e Eurídice, mas não foi capaz de lhes garantir o êxito da relação. Os maus presságios iniciais concretizaram-se quando a bela jovem, pouco depois, foi assediada por Aristeu. Ao escapar desta perseguição,foi picada por uma serpente o que provocou a sua morte.
Incapaz de aceitar este desenlace, Orfeu vai atrás da sua amada até ao mundo dos mortos. Aí, tocando a sua lira, leva Caronte a guiá-lo ao longo do rio Estige amenizando o sofrimento das almas e conseguindo mesmo entorpecer Cérbero, que,  diante de Hades, acaba por verter algumas lágrimas. Comovido e dando ouvidos aos apelos da esposa Perséfone, permite que Orfeu entre para buscar Eurídice, impondo, no entanto, uma condição: a jovem regressaria com Orfeu ao mundo dos vivos, mas Orfeu não poderia olhar para ela até estar novamente no mundo da luz. Foi conseguindo aguentar mas quando já estava quase a chegar ao fim dos escuros túneis, quis certificar-se se Eurídice o estava a acompanhar. Ao olhar para ela, esta transformou-se novamente num fantasma, deu um grito e  voltou para o mundo dos mortos.
Orfeu estava proibido de a seguir e, deseperado, esperou, jejuando,  sete dias junto ao lago. A angústia apoderou-se dele e não conseguiu a partir daí, enamorar-se por mais nenhuma jovem. Cansadas de serem rejeitadas, as Mênades, furiosas, retalham o seu corpo lançam a cabeça ao Rio Hebrus.
As musas tiveram compaixão deste horrível acto, juntaram os restos mortais e sepultaram-nos no Monte Olimpo.
Agora sim,  no reino dos mortos, Orfeu já se podia juntar a Eurídice.

Na versão de Glück, os amantes recebem uma nova oportunidade do Amor, que permite a Orfeu buscar Eurídice ao reino dos mortos, propiciando o reencontro definitivo de ambos sem que ele tenha que morrer também.

SONETO DE EURYDICE

Eurydice perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.

Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.

Porém nem nas marés nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.

E devagar tornei-me transparente
Como morta nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.

Sophia de Mello Breyner Andresen,
in Tempo Dividido, 1954