O Coral Divo Canto vai apresentar, hoje, pelas 21:30, no Centro Cultural
de Penacova, a Ópera Orfeu & Eurídice.
É graças a um trabalho intenso, de grande qualidade, feito
de esforço, paixão e persistência, quer do seu Maestro, Pedro Rodrigues, quer
de todos aqueles que ao longo destes anos passaram pelo grupo, que Penacova
pode hoje assistir a mais um momento alto de cultura.
Passo a passo, esta nossa terra vai recuperando o lugar que em finais do século XIX e primeira metade do século
XX ocupou. Nesses tempos, com
características mais elitistas, se pensarmos nos eventos artísticos que amiúde
se realizavam no “palacete” do casal Raimunda e Joaquim de Carvalho (edifício
da actual Casa de Repouso) com a presença de altas figuras da cultura nacional.
Pela mão de Raimunda Martins de Carvalho, essa paixão pela cultura, acabou por ser
também transmitida e generalizada a
muita gente de Penacova que com ela aprendeu as artes do canto, da música
instrumental e do teatro. Falamos nesta figura penacovense como poderíamos
recordar muitas outras. Correndo o risco de
sermos injustos, diríamos que na segunda parte do século passado, estas
manifestações culturais foram decaindo ao ponto de praticamente chegarmos a poder contar apenas os
grupos etnográficos e folclóricos e as filarmónicas enquanto agentes culturais activos.
Assistimos hoje, e o trabalho do Coral Divo Canto é um dos
excelentes exemplos disso, a um renascer
e a um multiplicar efervescente de iniciativas de qualidade, que pouco a pouco
vão alargando os horizontes da cultura. O espectáculo de logo à noite é, na
nossa opinião, um evento paradigmático
desta dinâmica local.
O espectáculo em causa já foi apresentado no Largo Alberto Leitão em
2014 - tricentenário do nascimento de Gluck
- e no Mosteiro de Lorvão, já em 2015, aquando do capítulo da Confraria da
Lampreia. Desta vez, num espaço diferente, num verdadeiro palco, com outras
possibilidades de sonoplastia e luminotecnia, aguarda-se que constitua um momento
ainda mais intenso e cativante. Mesmo para quem já assistiu, cremos que não será de perder
este serão que vai marcar a história cultural de Penacova.
Christoph Willibald Ritter von Gluck (1714 - 1787) foi um
dos mais importantes compositores do seu tempo. Foi considerado o grande
reformador da ópera clássica por equilibrar a importância da música e da acção
dramática. A ópera “Orfeu e Eurídice” é a obra mais representativa dessa
tendência. Foi escrita em 1762 e apresentada em Viena, em italiano. Em 1774 foi
reelaborada para ser cantada em língua francesa na Ópera de Paris.
Gluck |
O mito de “Orfeu e Eurídice” é relatado nas “Geórgicas” de
Virgílio, e foi utilizado como argumento de outras óperas na história da
música, desde “Orfeo” de Monteverdi (1607) até Offenbach, com sua opereta
“Orfeu no Inferno” (1858).
Terminamos
com o apelo que o Coral Divo Canto faz na sua página do facebook: “Não perca a oportunidade de ser surpreendido com as mais
diversas sensações e emoções que só se conseguem transmitir por este que é sem
duvida o mais completo género artístico.
A ópera está de volta a Penacova, e desta vez será
protagonizada pelos seus conterrâneos. Apareça! “
Leituras complementares:
O MITO DE ORFEU
Orfeu era
filho do deus Apolo e da ninfa Calíope; do pai herda uma lira
que, uma vez tocada por si, revela um canto do qual, pela sua magia, ninguém
consegue livrar-se.
O deus dos casamentos,
Himeneu, selou o amor de Orfeu e Eurídice, mas não foi capaz de lhes garantir
o êxito da relação. Os maus presságios iniciais concretizaram-se quando a bela jovem,
pouco depois, foi assediada por Aristeu. Ao escapar desta perseguição,foi
picada por uma serpente o que provocou a sua morte.
Incapaz de
aceitar este desenlace, Orfeu vai atrás da sua amada até ao mundo dos mortos.
Aí, tocando a sua lira, leva Caronte a guiá-lo ao longo do rio Estige amenizando
o sofrimento das almas e conseguindo mesmo entorpecer Cérbero, que, diante de Hades, acaba por verter algumas lágrimas. Comovido e dando ouvidos aos apelos da esposa Perséfone, permite que Orfeu entre para buscar Eurídice, impondo,
no entanto, uma condição: a jovem regressaria com Orfeu ao mundo dos vivos, mas
Orfeu não poderia olhar para ela até estar novamente no mundo da luz. Foi
conseguindo aguentar mas quando já estava quase a chegar ao fim dos escuros
túneis, quis certificar-se se Eurídice o estava a acompanhar. Ao olhar para
ela, esta transformou-se novamente num fantasma, deu um grito e voltou para o mundo dos mortos.
Orfeu estava
proibido de a seguir e, deseperado, esperou, jejuando, sete dias junto ao lago. A angústia
apoderou-se dele e não conseguiu a partir daí, enamorar-se por mais nenhuma
jovem. Cansadas de serem rejeitadas, as Mênades, furiosas, retalham o seu corpo
lançam a cabeça ao Rio Hebrus.
As musas tiveram
compaixão deste horrível acto, juntaram os restos mortais e sepultaram-nos no
Monte Olimpo.
Agora sim, no reino dos mortos, Orfeu já se podia juntar
a Eurídice.
Na versão de
Glück, os amantes recebem uma nova oportunidade do Amor, que permite a Orfeu
buscar Eurídice ao reino dos mortos, propiciando o reencontro definitivo de
ambos sem que ele tenha que morrer também.
SONETO DE EURYDICE
Eurydice
perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.
Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.
Porém nem nas marés nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.
E devagar tornei-me transparente
Como morta nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.
Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.
Porém nem nas marés nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.
E devagar tornei-me transparente
Como morta nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.
Sophia de Mello Breyner Andresen,
in Tempo Dividido, 1954
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