RELAÇÃO DO QUE SE PASSOU NESTE MOSTEIRO DE LORVÃO DESDE A INVASÂO DOS FRANCESES ATÉ QUE FORAM EXPULSOS DO REINO, A TERCEIRA VEZ EM ABRIL DE 1811, por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
sábado, setembro 11, 2021
As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (IV)
quinta-feira, setembro 09, 2021
Locuções populares (10): IR PARA O MANETA
Portugal, velho aliado da Inglaterra, recusou-se a aderir ao
Bloqueio Continental e Napoleão invadiu Portugal. O general Jean-Andoche Junot entrou em Portugal pelo vale do Tejo, a 17 de Novembro de 1807,
seguindo o caminho mais curto para Lisboa.
Das tropas de Junot fazia parte o general Louis Henri
Loisson (1771-1816), prestigiado militar que tinha perdido uma mão numa
campanha na Suíça.
Este oficial distinguiu-se, durante a 1ª invasão, pela
ferocidade com que ordenava prisões, fuzilamentos e atrocidades.
A fama de Loisson, o ‘”maneta”’, como o povo lhe chamava, chegou a todos os cantos do país. Quando alguém era preso por ordem deste general, a probabilidade de escapar ileso era era quase nula. E quando a alguém isso acontecia, dizia-se que tinha ido para o maneta.
Tal foi o medo que se instalou que se alguém falava de modo menos cuidadoso, alertava-se: "Cuidado, vê lá se queres ir pró maneta!”.
A expressão manteve-se até
aos nossos dias, apesar de muitas vezes nem sequer se associar já às Invasões Francesas.
terça-feira, setembro 07, 2021
As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (III)
por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
[continuação]
Em dezanove e vinte de Setembro esteve alojado no hospício dos religiosos deste mosteiro o general Lord Wellington com todo o seu estado maior, sustentando-se à sua custa, sem que do mosteiro fosse mais que algumas cousas para o serviço e um mimo de doce, que ele agradeceu muito à Prelada, tratando-a com a maior civilidade, assim como a toda esta comunidade e lhes disse que não estávamos aqui bem e nos devíamos retira, para o que ele concorreria em caso de precisão.
segunda-feira, setembro 06, 2021
As Invasões Francesas e o Mosteiro de Lorvão, de 1807 a 1811 (II)
(Continuação)
sábado, setembro 04, 2021
AS INVASÕES FRANCESAS E O MOSTEIRO DE LORVÃO, de 1807 até 1811 (I)
por Joana Delfina de Albuquerque, cartorária do Mosteiro
quinta-feira, setembro 02, 2021
Livraria do Mondego: quem se lembrou de a chamar assim?
sábado, julho 17, 2021
A actualidade de António José de Almeida em dia de Feriado Municipal
"Pelas nove horas da noite" do dia 17 de Julho de 1866 nascia em Vale da Vinha aquele que viria a ser uma das figuras mais importantes da cena política portuguesa da primeira metade do século XX. O Município de Penacova elegeu-o como figura primeira do concelho, adoptando como dia de Feriado Municipal precisamente a data do seu nascimento. Praticamente silenciado, em Penacova e no País, durante o período do Estado Novo, é de novo enaltecido com a alvorada do 25 de Abril de 1974. Foi assim que em 5 de Outubro daquele ano foi alvo de uma significativa homenagem na sede do concelho.
Na altura, o jornal Notícias de Penacova noticiou a cerimónia e publicou uma crónica de Urbano Duarte, padre, professor e jornalista, salientando a actualidade deste penacovense ilustre e dos valores que defendeu. Por se tratar de um texto um pouco diferente daqueles que habitualmente são citados, consideramos que se justifica a sua transcrição integral:
ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA SOB SILÊNCIO DE CEMITÉRIO
«Penacova sentiu-se agora com força bastante para celebrar o
seu filho mais ilustre António José de Almeida.
Do seu nascimento em vale da Vinha, já lá vai o centenário e
sobre a morte (1929) já pesam quatro décadas… Como se ele fosse um vulgar
qualquer, metido sem voz nos poucos palmos da campa!
Se, neste cinco de Outubro, o povo de Penacova glorificar o
seu nome galhardamente, a peito cheio, é porque algum feitiço terrificante e
silenciador, de verdade acabou.
E em que consistia o maldito feitiço?
No facto de ele ter sido a voz mais belamente profética e romântica que trouxe ao País a República.
Infelizmente, por ignorância, por instalação e
subserviência, durante excessivas dezenas de anos, deixaram-se crescer
sucessivas gerações, adestradas em descrer e malsinar o ideal republicano que
andou a luzir em todo o ser de António José de Almeida. Como se o ideal
republicano de então consubstanciasse as desgraças da Pátria e da alma cristã
do povo.
Os republicanos, ainda até há pouco tempo, passavam por
gente suspeita, sem merecer confiança ao estado e a alguns católicos, porque
sonhavam com a mudança do regime político totalitário, porque se arvoravam em
defensores da liberdade de pensamento e de religião, porque defendiam a separação
entre a Igreja e o Estado, porque exigiam maior justiça social. Aspirações
estas que nenhum cristão devia deixar que lhe amortecessem no espírito já que
são maravilhosa semente evangélica. E aí estão os documentos do último Concílio
a colocar estas verdades como fundamentais ao cristianismo.
Bem sei que todas as lutas, mesmo as de maior pureza, trazem
consigo o risco de algumas feridas. Não admira, por isso, que no meio da
refrega política travada nos primeiros anos que precederam ou seguiram a instauração
do regime republicano, se tenham aberto por algumas imprudências de parte a
parte, chagas dolorosas, que o bom senso evitaria.
Mas até neste aspecto, António José de Almeida soube estar
atento não só à alma popular como aos ditames do próprio coração: dos três
partidos republicanos o seu era o mais moderado!
Que Penacova festeje então o maior dos seus filhos; a
suavidade da terra ficou-lhe no
temperamento e no verbo arrebatado.
Político, médico, fundador de jornais, a sua obra continua
viva e irreversível. Desde estudante a Presidente da República, foi homem de
ideal, capaz de discordar, de atacar, de sofrer processos e prisões, sempre por
um Portugal diferente e digno. Sem perder contacto com a aldeia e os vizinhos
dedicou-se ao futuro de todos os nascidos na Pátria que estremecia. Com tal
doação que morreu pobre!
Após tantos anos, António José de Almeida talvez pareça a alguns como ultrapassado: hoje há menos reptos líricos e outras palavras a traduzir novos ideais. O que, porém, não está ultrapassada é a sua estrutural e sinceríssima aspiração por um novo mundo onde reine a liberdade e a igualdade. O que não está ultrapassado é o exemplo de ser um político que nunca pôs de lado o coração."
..................................
Urbano Duarte, “António José de Almeida sob silêncio de cemitério”,
artigo publicado no Notícias de Penacova de 5 de
Outubro de 1974.
Urbano Duarte, padre, professor e jornalista (1917-1980) Urbano
Duarte foi uma das figuras mais marcantes de Coimbra na segunda metade do
século XX.
quarta-feira, junho 30, 2021
Locuções populares (IX): Coisas do Arco da Velha
Como sabemos, a expressão tem o significado de coisas inacreditáveis, absurdas, espantosas, inverosímeis, prodigiosas.
E disse Deus: Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós, e entre toda a alma vivente, que está convosco, por gerações eternas .O meu arco tenho posto nas nuvens; este será por sinal da aliança entre mim e a terra. E acontecerá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, aparecerá o arco nas nuvens.
Então me lembrarei da minha aliança,
que está entre mim e vós, e entre toda a alma vivente de toda a carne; e as
águas não se tornarão mais em dilúvio para destruir toda a carne .E estará o arco
nas nuvens, e eu o verei, para me lembrar da aliança eterna entre Deus e
toda a alma vivente de toda a carne, que está sobre a terra. (Genesis 9:12-16)
terça-feira, maio 25, 2021
Invasões Francesas no concelho de Penacova: o outro lado da História
Só no concelho de Penacova
(território actual) foram cerca de 60 pessoas assassinadas, entre elas uma
criança, e perto de 80 casas incendiadas, não contando com a destruição total de 6
aldeias e das “casas principais”, não contabilizadas, de Oliveira do Cunhedo.
Atingidas pelo fogo posto também 2 igrejas, 1 capela e 1 residência paroquial.
Os relatos[1]
que cada paróquia - dos então arciprestados de Sinde, Arganil e Mortágua - fez
no rescaldo da incursão dos franceses, principalmente no primeiro trimestre de
1911, dão-nos uma ténue imagem do que realmente aconteceu.
A freguesia mais atingida em termos
de vítimas pessoais foi sem dúvida Farinha Podre: assassinados 16 homens e 9
mulheres. O mapa elaborado pelo pároco regista mesmo os locais e por vezes os
nomes. Na Sede da freguesia pereceram 3 homens e 3 mulheres, em Hombres 5 homens
e 3 mulheres, em Laborins 2 homens, no Carvalhal, na Cruz do Soito e no
Silveirinho 1 homem em cada uma das terras. Calcula-se que muitas outras
pessoas terão acabado por morrer na sequência dos maus tratos sofridos. Também
a destruição de 30 casas incendiadas nos dão uma ideia da violência e do terror
espalhado na actual freguesia de S. Pedro de Alva.
Na freguesia de S. Paio de
Farinha Podre assassinaram 1 criança, contabilizando-se no total 3 indivíduos
do sexo masculino e três do sexo
feminino. Além de 8 casas incendiadas também a Igreja sofreu igual ofensa.
Nesta, roubaram imagens e objectos de culto.
Todo o concelho sofreu de um modo
ou de outro. Apenas a freguesia de Sazes terá tido a sorte de passar à margem
destas desgraças. Refere o relato do arcipreste que “nesta freguesia não
entraram franceses alguns.”
A freguesia de Carvalho foi outra das que sofreram duros revezes. Não tanto em mortes mas sim em destruição. Morreu 1 indivíduo do sexo masculino e é importante recordar que as aldeias de Seixo, Soalhal, Pendurada, Lourinhal e Cerquedo foram totalmente incendiadas. Quanto a roubos o relatório traduz a situação em poucas palavras dizendo que “tudo se foi”.
Por falar em aldeias incendiadas
passemos à freguesia de Penacova. A aldeia do Felgar foi também completamente
destruído pelo fogo. Foi esta zona da freguesia (Felgar, Travasso, Sanguinho,
Ferradosa, Hospital, Balteiro e Ribas) a mais atingida pelos invasores,
registando-se “pesados roubos” de gado, porcos, fruta e alfaias religiosas. Das
capelas do Travasso e da Riba de Cima levaram o cálice e “todos os ornamentos”.
No que toca a mortes há a referência a 5 homens e 3 mulheres.
Passando a Lorvão, há o registo do assassinato de 4 homens e a ocorrência de inúmeros “roubos sacrílegos”. Nas
capelas do Roxo e do Caneiro foram roubados cálices, patenas, paramentos e
óleos.
Figueira de Lorvão “foi menos
atacada”… No entanto, mataram António Francisco e F. Henriques dos Santos e
ainda Ana Marques, de 45 anos, moradora em Alagoa.
Em Paradela assassinaram Manuel Carvalinho e Isabel Henriques,
ambos na casa dos 80 anos. Na Sobreira foi um homem de 40 anos: António
Silveira e ainda uma mulher de 50 anos, viúva, Isabel Lemos. As violações foram
outro dos dramas vividos, quer nesta freguesia, quer em todas as zonas
atingidas. Nesta freguesia queimaram a residência paroquial “com tudo o que
tinha dentro” e 16 casas tiveram igual destino. Roubaram “todo o grão, vinho e
azeite”, hortas e gado. Destruíram
searas e vinhas. Na Igreja “escavacaram” o trono, o altar-mor e o
sacrário. Queimaram todos os livros de Assentos, Pastorais e outros documentos.
Oliveira do Cunhedo e Travanca foram “visitadas” pelos franceses em Setembro de 1810, nas vésperas da
batalha do Buçaco, e em Março de 1811 quando retiravam pela margem esquerda do
Mondego.
Em Oliveira assassinaram 3 homens e 1 mulher e incendiaram
as “casas principais” da localidade. Roubaram casas, “grãos”, gado e a Igreja.
Na freguesia vizinha de Travanca, mataram 3 homens, sendo um
deles Manuel Rodrigues, sapateiro de Lagares, com mais de 80 anos. Outro foi
vítima de cutiladas. Uma mulher casada foi presa, acabando os soldados de Napoleão por “a
deixar”…provavelmente violada como tantas outras. Queimaram 7 das melhores casas e roubaram
tudo o que apanharam na residência paroquial. Na Igreja, que foi assaltada por
duas vezes, “arrancaram a pedra de Ara”, destruíram o sacrário e relíquias e
até os galões dos paramentos levaram.
Em Friúmes assassinaram 6 homens e 4 mulheres. Luís António
levou um tiro na cara e João Reis foi enforcado na Igreja, escapando por
milagre. Incendiadas 15 casas, queimada a Igreja e a capela do Espírito Santo
em Vale do Tronco (que acabou por ser demolida). Roubaram 600 cabeças de gado, 800 alqueires de milho, 10 pipas de vinho e 60 alqueires de azeite.
Milhares de páginas se escreveram nestes 200 anos passados
sobre a chamada Guerra Peninsular. E quem se lembra das “vítimas mais humildes
e ignoradas”, das “populações civis espoliadas, cruelmente martirizadas e
assassinadas”? – perguntamos também, subscrevendo as palavras de Maria Antónia Lopes, da
Faculdade de Letras e Centro de História da Sociedade e da Cultura da
Universidade de Coimbra.
[1] Relatórios
elaborados pelos párocos e arciprestes da diocese de Coimbra, dando conta dos
“Estragos, incêndios e mortes causados pelo exército na invasão de 1810-1811”.
sábado, abril 10, 2021
Francisco Rodrigues Lobo e Penacova, nos 400 anos da sua morte
Assinalam-se em 2021 os 400 anos da morte do poeta Francisco Rodrigues Lobo (1574-1621), que foi um dos grandes escritores portugueses. Nasceu em Leiria e aí viveu, com ligeiros intervalos, para fazer a sua formação em Leis, na Universidade de Coimbra, que concluiu em 1602. Aquela cidade está a assinalar a efeméride.
A sua vida não terá sido fácil e está revestida de algum mistério. Um traço característico da sua obra é esconder-se por detrás dos pastores que são os seus protagonistas, nas suas três obras principais: “A Primavera”, “O pastor peregrino” e “O desenganado”. Escreveu também “Corte na Aldeia”. Na sua poesia, Rodrigues Lobo evoca os rios Lis e o Lena, os seus campos e vales. Tudo aí é utópico, como é próprio da literatura bucólica.
Era Cristão Novo, o que gerava a desconfiança da Inquisição.
O seu irmão, já depois da morte dele, foi objeto de um processo daquela. Lobo cresceu sob a protecção dos Marqueses de Vila Real, que tinham Paço
em Leiria. No entanto, caiu, a dado
momento, em desgraça junto do herdeiro da casa, que era D. Miguel de Meneses.
E é aqui que entra a relação com Penacova.
Não se sabe se a perseguição terá sido por ser cristão novo, se
teria a ver com uma “estranha” relação de amizade com D. Juliana de Lara, irmã
de D. Miguel: “Relação que se manteve enquanto o poeta estudou em Coimbra, pois
que a visitou mais de uma vez no palácio de Penacova, do Conde de Odemira,
com quem, entretanto ela tinha casado. E dedicou-lhe uma das suas obras. Esta relação
poderá ter estado na origem dos problemas.
Atente-se que no texto bucólico “A Primavera” (1601), há uma
passagem que fala desta vila e arredores.
Por onde entre penedos e aspereza passa o Mondego … rompendo
os montes seus... Corre por entre as serras furioso, perto donde o rio Alva se
derrama...
Se alevanta uma pena graciosa... uma profunda cova se
descobre…
“A Primavera” divide-se em três partes: Vales e montes entre
Lis e o Lena, Campos de Mondego e Praias do Tejo. Cada parte corresponde à
caracterização e representação de três espaços marcados pelo protagonista, nas
passagens a três momentos que o destino lhe vai ordenando.
“Nesta obra existem espaços em que o texto enraíza uma
realidade geográfica, porém também há espaços situados fora da realidade, num
universo fascinante e sobrenatural (…) No episódio de Penacova o espaço
aparece descrito com realismo e o elemento temporal é distante da realidade
histórica devido a transformação das personagens reais e seres mitológicos (…) A
ruptura de laços que ligariam a história narrativa ao tempo histórico é mais
uma característica da construção da narrativa da novela pastoril."[1]
Francisco Rodrigues Lobo morreu perto de Santarém, num
naufrágio no Tejo, quando regressava de uma viagem a Lisboa no ano de 1621.
[1] (1) Cf.
estudo de Sirlene de Lima Corrêa Cristófano, mestre em Literatura, Culturais e
Interartes, pela Faculdade de Letras Universidade do Porto – FLUP (2009).