quinta-feira, agosto 20, 2020

À Sombra amena da Pérgola... (I) O CASTELO DE PENACOVA

Nos anos 30 do século passado, o "Notícias de Penacova" publicou um conjunto de crónicas assinadas com o pseudónimo "Carochinha", versando temas de história da vila. Sabemos que se tratava do Dr. José Albino Ferreira (1864-1940), padre e notário, detentor de uma vasta cultura e erudição. A partir de hoje, recordaremos alguns desses textos, que transcreveremos na íntegra. 

O CASTELO E A VILA DE PENACOVA

"Começarei hoje a dizer o pouco que sei do edifício do Castelo e da História de Penacova, após a completa expulsão dos Mouros de todo o território que constituiu o reino de Portugal.


A vila de Penacova comprime-se sobre o estreito dorso de um monte que é contraforte do Penedo do Castro e se prolonga de poente para nascente, vindo a acabar sob forma arredondada e quase abruptamente sobre o rio Mondego.

Castelo de Penacova (reconstituição)
No extremo oriental deste monte, a rocha eleva-se formando um outeiro do cimo do qual se avista para todos os lados um panorama de rara beleza. Foi a coroar este pequeno outeiro que os cristãos guerreiros, e porventura também poetas, construíram o Castelo que durante alguns séculos demarcou nesta região a fronteira dos domínios cristãos e sarraceno.

Terminada a guerra entre mouros e cristãos, parece que poderia considerar-se terminada também a função guerreira do castelo, mas não aconteceu assim. Em Portugal abundam notavelmente os castelos. Terras antigas de alguma importância, todas tiveram o seu castelo. Hoje não resta, de muitos deles,mais que  a tradição; mas desempenharam notável papel na consolidação da independência do reino, perante a aspiração constante dos espanhóis que sonhavam (e não sei se sonham) com a anexação de Portugal, formando-se um império de toda a península ibérica. Quando os espanhóis faziam sobre Portugal as incursões guerreiras, esbarravam por toda a parte no "cedeiro" de fortalezas mais ou menos importantes, acabando sempre por se retirarem corridos. Foi na batalha de Aljubarrota que sofreram vergonhosa derrota e muito mais tarde após o domínio de 60 anos em que os Filipes governaram Portugal, a revolução do Primeiro de Dezembro de 1640 reconquistou definitivamente Portugal a sua independência.

Os castelos desempenharam ainda, por vezes, papel importante na manutenção da ordem pública e do respeito pela autoridade local, representada pelo Senhor da Terra e seus delegados.

Do castelo de Penacova só resta a tradição mas é ainda viva Maria Martins, viúva do antigo oficial de diligências da Administração, Joaquim Cabral, que todo o concelho de Penacova conhecia e denominava o "Cabral do Castelo". Fez ele a casa da sua habitação encostada à muralha do Castelo, no sítio em que hoje assenta o Hospital da Santa Casa da Misericórdia.

Em outro dia direi como o Castelo foi caindo aos pedaços, até de todo desaparecer. "

quinta-feira, julho 30, 2020

Notas para a história da Casa de Repouso de Penacova (I)




O edifício é centenário mas só na década de 40 começou a funcionar como Residencial, com o nome de "Casa de Repouso". Durante muitos anos foi pertença do casal Joaquim Augusto de Carvalho e Raymunda Martins de Carvalho. Ele faleceu em 1935, ela em 1958. Muito ligada à Igreja, a viúva acabou por legar à Diocese de Coimbra todo o edifício e espaço da quinta.

Joaquim Augusto, nascido em Penacova em 1861, emigrou para o Brasil onde fez fortuna e casou com Raymunda, jovem brasileira. No final do século XIX vieram para Penacova, comprando a Quinta de Santo António e construindo o Palacete cuja traça inicial ainda hoje se mantém, apesar de algumas alterações introduzidas (por exemplo aumento de um piso). Consta que o traço arquitectónico teve como autor o professor António Maria Ferreira Soares (1858-1935).

Mais do que residência particular, o Palacete afirmou-se desde muito cedo como espaço privilegiado de Convívio e de Cultura, tendo para tal sido construído um Salão anexo. Os donos eram portadores de alta sensibilidade artística, em especial no campo da música. Raymunda foi professora e exímia executante de piano e também ensaiadora de espectáculos de variedades.

Foi aqui que, por ocasião da inauguração do Mirante (1908), se realizou um Sarau oferecido à alta sociedade lisboeta, coimbrã e penacovense. As "Festas de Penacova", designação que o "Diário de Notícias" adoptou para, com honras de 1ª página, noticiar o evento decorreram no dia 30 e 31 de Maio. De sábado para domingo, depois do arraial no Mirante, o Serão continuou na Quinta de Santo António. O "glamoroso" Sarau, preenchido com música clássica, poesia, dança e discursos de circunstância, prolongou-se até altas horas. No domingo foi, no mesmo local, servido um Banquete aos "ilustres convidados".

O Palacete de Santo António acolhia frequentemente grandes figuras das Artes, em especial da Música e da Pintura. Era frequentado por nomes da vila como Dr. Daniel Silva, Conselheiro Luís Duarte Sereno, Dr. Rodolfo Pedro da Silva, José Alves Oliveira Coimbra, Américo Pinto Guedes, Daniel Guedes, António Carlos Pereira Montenegro, Amândio dos Santos Cabral, Dr. José Augusto Monteiro Júnior, Cézar de Morais Queiroz, Alfredo de Almeida, Doutor José Pereira de Paiva Pitta, Dr. Alberto Lopes de Castro, Dr. Henrique Serra Carvalho, Alípio de Sousa Leitão, António Casimiro (pai e filho), Capitão (à época) Santos Leite, José de Gouveia Leitão, Armando Leitão, Joaquim Pita d'Eça Aguiar, Joaquim Cabral, entre outros. O facto de Joaquim Augusto de Carvalho ter sido, por curto espaço de tempo, Presidente da Câmara (1913), não terá tido qualquer influência no ambiente daquela casa, nem consta que António José de Almeida ou irmão João António de Almeida fizessem parte destas tertúlias ou de outros momentos de convívio.

Em Setembro de 1914, aquando do casamento da filha do casal, América Martins de Carvalho, com o Dr. Alberto de Castro Pita, esteve patente uma exposição do famoso pintor José Campas, que durante um mês ali estivera instalado e em Penacova pintou alguns dos seus célebres quadros. Mais tarde, em 1945, também aqui pernoitou e participou num banquete a Primeira Dama Maria do Carmo Carmona, quando veio a Figueira de Lorvão inaugurar o Asilo de Nossa Senhora do Rosário. Pela Casa do Repouso terão também passado Maria de Lurdes Pintassilgo e outras personalidades.

Foi na década de 40 que Raymunda Martins de Carvalho passou a receber hóspedes, muitos deles provindos de Lisboa e um pouco de todo o país. Estávamos nos anos áureos do turismo em Penacova, quando as pensões da vila, incluindo a "Casa de Repouso da Quinta de Santo António", se encontravam cheias de "aristas", atraídos  pelos  "ares puríssimos" e pelas "paisagens encantadoras", tal como era publicitado nos jornais e revistas da época.

E foi a revista de âmbito nacional e muito conhecida "Os Nossos Filhos" que, a partir dos anos 40, começou a publicitar  sistematicamente a "Casa de Repouso". A Directora dessa publicação, Maria Lúcia Namorado, prima de Maria Lamas, viveu em Penacova nos anos trinta, onde deixou muitas amizades (o marido, Joaquim Silva Rosa, lorvanense, aqui foi funcionário judicial e um dos fundadores do "Notícias de Penacova").

O anúncio naquela revista era muito completo: "Precisa de fazer uma cura de repouso ou de mudança de ares? Vá para Penacova! É uma vilazinha sossegada e encantadora, a meia altitude e rodeada de pinhais. Ligada a Coimbra por uma das mais belas estradas do País. A dois passos do Buçaco! Paisagens surpreendentes! Ar puríssimo! / Na Casa de Repouso da Quinta de Santo António (Casa Católica) encontra todas as comodidades dum grande hotel, num ambiente familiar./ Telefone [curiosamente, o nº 10] casa de banho, salão de música, jardins e mata. Esta casa está situada no ponto mais alto da vila. Dos seus quartos amplos e higiénicos desfruta-se uma paisagem maravilhosa sobre o Vale do Mondego até à Serra da Lousã.(...)".

A imprensa local foi publicando alguns artigos de opinião de pessoas que frequentaram a Casa e foi noticiando a presença de muitos dos hóspedes, geralmente pessoas de nome. Extraidos de jornais de 1940 e anos seguintes ficam alguns nomes: Maria Assunção Cordeiro Franco, tia da Superiora do Preventório, António Feliciano de Sousa e família, Albertina Braz Fernandes Ribeiro e filha, Viscondessa de Agualva e neto, Dr. José Gabriel de Noronha e Silveira e família, J. Naar e família, Arcebispo de Mitilene e mãe, Monsenhor Assis Costa e irmã, Ceciolinda Ribeiro Pereira, Dr. Víctor Santana Carlos (médico) e esposa, Fernanda Guedes, Maria da Glória Adrião (pianista), casal Pereira Salvador, família Worm Costa, Coronel Manuel António de Carvalho...e tantos outros.

Num desses artigos, Madalena de Jesus Traça e Madeira, elogia o espaço e salienta o "salão de recreio que pode rivalizar com qualquer dos nossos melhores casinos (...) dois pianos de cauda, uma boa telefonia, bilhar, ping-pong, quino, jogo de damas...". Também Henrique Maria Cisneiros Ferreira, político de craveira nacional, depois de aqui passar três semanas , escreveu ao "Notícias de Penacova" enaltecendo a "privilegiada situação" e os "naturais encantos" da vila ", verdadeira "rainha de encantamento sem par", onde "tudo se esquece".  "A permanência, minha e dos meus, a vida em família em lugar de tantas e tão variadas belezas (...) firma a opinião de que é ela a terra de eleição para o completo repouso e quietude" - sublinha.

Pelos anos cinquenta a Diocese assumiu a administração da Casa, ainda em vida de Raymunda Martins de Carvalho. Durante cerca de sessenta anos a Igreja foi gerindo, fazendo obras, adaptando, mas ao fim de oito décadas terá encarado a hipótese de alugar o edifício.

Com a "Altíssima Guesthouse - Suites & Hostel", um projecto de João André Amaral, o ano de 2020 vai marcar uma nova fase da vida centenária da Quinta de Santo António.

David Gonçalves de Almeida
penacovaonline2@gmail.com

terça-feira, julho 21, 2020

Uma prenda para Penacova nos 80 anos do “Ténis”


A história do campo de “Ténis” de Penacova começa em 1940 (e não na década de 50 como foi dito recentemente aquando da inauguração das obras de requalificação). Antes disso naquele local o que existia era apenas um terreno de cultivo, por vezes montureira de lixo, onde, de acordo com informação de Vasco Viseu, em 1956, no Notícias de Penacova, afloravam vestígios de robustas paredes que em tempos recuados teriam sido construídas para dar lugar a um edifício destinado a Teatro, o que, obviamente,  nunca se concretizou. 

Por volta de 1940 foi António Feliciano de Sousa - o mesmo que nos anos 50 mandou construir o “Moinho do Aviador" -  o principal impulsionador da construção de um campo de Ténis em Penacova. Filho de um professor de Gondelim, José Júlio de Sousa Henriques, exercia a profissão de solicitador no Porto. Pessoa “capaz de ideias desempoeiradas, tudo sacrificou para que a ideia não fosse para o cesto dos papéis velhos”, assumindo a maior parte do custo da obra, salientam os jornais da época. 

Também Alípio Barbosa esteve envolvido no projecto. Nestas coisas, como se costuma dizer, “está tudo ligado”: na altura quem era o Presidente da Câmara? Era Alberto Alçada, seu genro, ambos ligados, como se sabe à Cerâmica Estrela d’Alva. Conta mais tarde (em 1957) Oliveira Cabral que certo dia Feliciano de Sousa lhe havia mostrado as contas discriminadas da construção do campo de ténis. Aquele pedagogo e jornalista, que foi um dos mais célebres aristas, também vivia no Porto. E foi precisamente daquela cidade que vieram os tenistas profissionais para dar brilho à inauguração, onde não faltou uma instalação sonora, montada pelo dono da Ideal Rádio, Júlio Silva, também da capital do Norte. 

Em Agosto de 1940 já se noticiava que os trabalhos estavam avançados e enaltecia-se a localização e a pertinência de tal obra: “A sua situação magnífica é invejável. A sua falta fazia-se sentir numa terra tão visitada pelos turistas e tão movimentada no Verão pelas pessoas que desejam descansar uns dias nesta deliciosa estância como é Penacova-a-Linda”. 

A inauguração teve lugar no dia 29 de Setembro daquele ano, domingo, integrada na Festa dos Bombeiros. No programa dos festejos, de sábado a terça, destacava-se também uma Récita ensaiada e organizada por Raimunda Martins de Carvalho e provas de ciclismo onde marcaram presença o “afamado corredor de Chelo”, José dos Santos Ralha (homenageado em 2014 na Gala do Desporto) e Antero Maia. 

No entanto, o Campo de Ténis, como tal, poucas vezes terá funcionado, ao ponto de Oliveira Cabral achar que não se justificava aquela designação, atendendo a que apenas uma vez se jogou ali “a preceito” e poucas mais “de qualquer maneira”...

Passados pouco mais de dez anos, já na imprensa local se dizia que as escadas de acesso estavam uma “vergonha” e perguntava-se por que não se reparavam e sugeria-se que ali fosse construído um palco “para dar uma récita ao ar livre”, pois “o Ténis” seria “um dos lugares onde se podiam realizar boas festas.” A ideia de construção de uma piscina foi também equacionada e perante a sua inviabilidade avançou-se, em 1956, com a proposta de um campo de patinagem. 

Nesse ano, o agora também designado “Parque Municipal”, teve obras de beneficiação a expensas de Abel Rodrigues da Costa. Foi construída uma “ampla e cómoda escadaria de acesso ao primeiro piso” e outros arranjos (por exemplo, vedação com muro ao lado da estrada), e foi colocado um “portão condigno”. 

Os anos passaram e o espaço foi-se degradando. Lendo as memórias de Luís Amante e de Pedro Viseu, publicadas no Penacova Actual, recordamos que o "ténis" foi local de eleição para os jovens da vila (e estudantes que foram passando por Penacova) jogarem futebol, namoriscarem, jogarem matraquilhos, “flippers”… Recordam-nos ainda que aqui actuaram os GNR e os SITIADOS, que teve restaurante-bar, escorregas e baloiços. No fundo, serviu um pouco para tudo: para a vacinação de “canídeos”, para a instalação de pavilhões pré-fabricados da “Escola Secundária”, para bailes, para festas. Por fim encerrou “durante anos, muitos e demasiados anos” – desabafa Pedro Viseu. 

Finalmente, chegou a hora de a Câmara Municipal de Penacova, presidida por Humberto Oliveira, avançar, no âmbito do PARU (Plano de Ação de Regeneração Urbana) com a requalificação do icónico “Parque Municipal (Ténis)”, revitalizando assim “um dos históricos espaços públicos de eleição das gentes de Penacova, que por incúria, falta de manutenção ou até pela dificuldade de conter a exigente topografia acentuada que o caracteriza, foi deixado ao abandono.” 

A obra implicou um investimento de cerca de 500 mil euros estando previstos mais 100 mil para a colocação de telas de sombreamento. 

A inauguração deste renovado espaço teve lugar no dia do feriado municipal (17 de Julho de 2020) com a presença da Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, 80 anos depois de ter sido iniciado naquele local um sonho que ainda hoje perdura: acrescentar às singulares belezas naturais o poder da acção e do querer dos penacovenses em prol do seu bem-estar e daqueles que nos visitam. 

sábado, julho 11, 2020

Nudismo em Penacova?




Pois é verdade. E hoje podemos garanti-lo, o nudismo continua na ordem do dia por esse mundo além, parece que cada vez com maior número de adeptos. O que nós não calculávamos é que a nossa terra, apesar do seu actual progresso, chegasse tão depressa a tal civilização.

É um facto, caros leitores. Em Penacova, neste decantado rincão de Portugal à beira rio plantado, onde a mãe Natura foi pródiga em benesses de encanto e maravilha, onde o ar que respiramos tem perfumes de inebriante odor, onde o sol tem mais luz e o luar maior claridade, neste altar maravilhoso que Deus fez talvez para ser o primeiro degrau nas escadas do céu a civilização atingiu o auge.Em Penacova pratica-se escandalosamente o nudismo.

Estamos a ver o pasmo dos nossos leitores. A máscara de um sorriso incrédulo desenhando-se-lhes no rosto.

-Será verdade?

É verdade sim senhores. E se querem a confirmação do que dizemos, vão até ao Mirante, ao fim da tarde, à hora apetecida do banho e…olhem lá para baixo, para o Mondego, manso e sereno…

Chamamos, para esta falta de vergonha, a atenção das autoridades administrativas deste concelho.

A nossa terra, por enquanto, dispensa tais manifestações de progresso e civilização.

in Jornal de Penacova,16 Jul 1932



Entardecer(es) em Penacova

domingo, junho 21, 2020

Pneumónica de 1918: em Penacova, como foi?

Entrou na Europa entre Abril e Maio de 1918. Espalhou-se rapidamente, apesar de numa fase inicial se ter apresentado com alguma benignidade, pelo que as autoridades não lhe prestaram a atenção devida. No entanto, nos meses de Setembro, Outubro e Novembro, revelou a sua agressividade. Falamos da “gripe pneumónica”, também conhecida por “gripe espanhola” e por “influenza”.

No distrito de Coimbra foi na Figueira da Foz que nos inícios de Julho se manifestou, tendo a partir de Setembro adquirido feições muito graves. Nos finais daquele mês já era Góis que registava alguns casos que em poucos dias aumentaram, lançando o caos no concelho. Segue-se Arganil, Tábua, Penacova, Cantanhede, Coimbra, Pampilhosa da Serra, Montemor… enfim, nenhum concelho escapou à pandemia, ao ponto de a imprensa ter dito que por todo o distrito a pneumónica caíra “que nem um vendaval que tudo destrói”. 

De modo a não agravar ainda mais o clima de medo e de angústia, os sinos deixaram de tocar a finados. As escolas foram encerradas e nelas foram instalados hospitais provisórios, como foi o caso de S. Pedro de Alva. Na Universidade de Coimbra o arranque das aulas foi adiado. 

Em Portugal, as vítimas mortais terão sido, segundo os números oficiais da época, cerca de 50 mil, mas há quem aponte para um número que ronda os 135 mil. Terá infectado entre um quinto e um terço dos cerca de seis milhões que então compunham a população residente, ou seja, entre 1,2 e 2 milhões de portugueses, com a particularidade de ter atingido especialmente a população em idade activa, entre os 20 e os 40 anos. A nível mundial a pandemia matou cerca de cinquenta milhões! 

E no concelho de Penacova? Cremos que nenhum estudo aprofundado foi feito e a sensação que temos é que (no País e também aqui) não percebemos porquê, este momento trágico (que matou muitos, mas muitos mais portugueses do que a I Grande Guerra) parece ter sido desvalorizado nos compêndios de História. 

Tendo por base a consulta dos livros de registos de óbitos, concluímos que em apenas um mês e meio (de finais de Setembro a meados de Novembro) foram cerca de 50 pessoas que não resistiram à fatal pandemia. Dias houve em que se registaram 3 óbitos (10,16 e 29 de Outubro e 1 de Novembro). Falamos apenas dos casos em que expressamente está registada a causa da morte. Se analisarmos o número de óbitos entre 1911 e 1925, não contando com 1918, obtemos uma média anual de cerca de 330. Ora, em 1918 temos 739 registos! Outras causas de morte eram a tuberculose e a bronco-pneumonia, que provavelmente se agravaram por influência da gripe pneumónica. É arrepiante também o número de crianças que morriam em tenra idade e não só, bem como o de mulheres muito jovens que deixavam órfãos e viúvos na sequência de gestações e de partos sem qualquer assistência médica e hospitalar.

A freguesia de Penacova (neste período analisado) é a que praticamente concentra a totalidade dos casos. Um olhar rápido pelos 12 meses do ano aponta para a conclusão que, de facto, o restante concelho não foi assim tão severamente fustigado, apesar de haver notícia de que em S. Pedro de Alva foi montado um hospital provisório.

Na vila de Penacova registaram-se 14 óbitos, seguindo-se Carvalhal (5) e Ponte (4). Outros lugares da freguesia foram atingidos: Riba de Baixo, Gondelim, Cheira, Travasso… Na sede do concelho, houve famílias que em poucos dias viram desaparecer dois elementos: filha, de 31 anos, no dia 8 de Outubro e pai, de 70 anos, uma semana depois.

No global, a mortalidade foi maior nas mulheres (60%). No sexo masculino, o grupo etário mais atingido foi dos 0 aos 20 anos e no sexo masculino foi dos 20 aos 40. Assim, a média de idades nos homens foi de cerca de 22 anos e nas mulheres de 34 anos. A vítima mais nova terá sido um menino de 2 anos residente no Belfeiro. Os mais velhos tinham 70 anos (um na Vila e outro no Carvalhal). 

Naquele período (27 de Setembro a 8 de Novembro) outras localidades vestiram de luto: Vale de Lagar, Ronqueira, Casal, Felgar, Hospital, Chã, Belfeiro, Chelo, Monte Redondo, Boas Eiras, Oliveira do Mondego e Paredes…

Numa época em que a I Grande Guerra apenas estava em vias de terminar, em que o país vivia tempos políticos muito conturbados, em que havia falta de médicos (o concelho teria apenas um facultativo na altura) imagine-se o quanto Penacova (a par de outros concelhos e de todo o país) terá sofrido, quer em termos emocionais, quer em termos sociais e económicos. 

Para todos os que não resistiram, para todos os que sobreviveram e tiveram de enfrentar as dificuldades e para todos os que, de algum modo, labutaram para suavizar tantas feridas, vai a nossa respeitosa homenagem, cem anos depois, neste momento em que estamos a ser confrontados com outra pandemia que ameaça a nossa existência e exige de todos uma capacidade suplementar de responsabilidade e de resiliência. 

Travanca do Mondego, 21 de Junho de 2020
David Gonçalves de Almeida

sábado, junho 20, 2020

Os dias dos aristas: oxigenar os pulmões, piquenicar, pescar, conviver na Pérgola, dançar no Club ...




Durante algumas décadas caído em desuso, o termo foi agora recuperado para a promoção turística de Penacova. O "Roteiro do Arista" selecciona oito locais de maior expressão turística, tantos quantos as letras que formam a palavra Penacova. 

A criação da Sociedade de Propaganda de Portugal (1906), onde militavam destacadas personalidades, entre elas Alfredo da Cunha e Manuel Emygdio da Silva e a criação da Repartição de Turismo, no seio do Ministério do Fomento (1911), foram decisivas para o desenvolvimento do turismo no nosso país. 

Acompanhando o movimento europeu de valorização do turismo, e acreditando-se que o turismo podia ajudar o país a sair da profunda crise social e económica que atravessava, realizou-se em Lisboa, em 1911, o IV Congresso Internacional de Turismo, de cujo secretariado fez parte Emídio da Silva. Também Alfredo da Cunha, director do Diário de Notícias, teve um papel importantíssimo neste processo. 

A inauguração do Mirante em 1908 que além de Emídio da Silva, que tinha conhecido Penacova pela mão do Deão Leite, e de Alfredo da Cunha, trouxe a Penacova nomes importantes da elite lisboeta e catapultou as belezas da vila para as páginas dos jornais (Diário de Notícias), das revistas (Serões) e dos roteiros turísticos que começaram a surgir. 

Estamos convencidos que Penacova, com as suas belezas naturais, com os seus “bons ares”, com a vantagem de integrar o triângulo turístico Coimbra- Luso – Penacova, só beneficiou deste movimento nacional e se afirmou como estância turística porque teve a sorte de seduzir “apaixonadamente” pessoas influentes do nosso país que se tornaram embaixadores de Penacova em todos os areópagos que frequentavam. Recordemos alguns dos seus nomes: Emídio da Silva, Alfredo da Cunha, Raul Lino, Simões de Castro e Oliveira Cabral (mais tarde). 

Foi assim que Penacova se tornou terra de “Aristas” e na década de quarenta “regorgitava” já de “ilustres creaturas” que “atraídas pelos bons ares, águas e pitorescas paisagens“ aqui vinham gozar as suas férias para “oxigenarem os seus pulmões e tonificarem os nervos” envolvidos pelo “magnífico ambiente" de "verdadeiro sanatório" e "carinhosa hospitalidade". 

Gazeta de Coimbra[1] noticia em 1932: "Penacova tem sido este ano muito concorrida por famílias que ali foram passar a época calmosa, sendo também numerosas as excursões que têm vindo à Sintra do Mondego". Ficamos também a saber que "a maior parte das famílias que ali têm feito vilegiatura são de Lisboa e, em geral, divertem-se pescando no Mondego, realizando pic-nics, passeando em barcos, reunindo-se na Pérgola e organizando bailes no Club." 

Ainda não se tinham "descoberto" as praias, por isso de banhistas não tem Penacova histórias para contar… mas de aristas e excursionistas muitas marcas ficaram nesta " terra de encantamento", nesta terra que inspirou muitos escritores e poetas:

  “Eis ao longe Penacova… / P'ra lá vai o pensamento / É formosa e sempre nova / E terra de encantamento // D'aquele Mirante altivo / E de tamanha grandeza / Fica nosso olhar cativo / De tanta, tanta beleza …”[2]


[1] Setembro de 1932
[2] Grupo Musical Recreativo de Coimbra


segunda-feira, junho 15, 2020

Marquês de Pombal falso Morgado de Carvalho?


Sebastião José de Carvalho e Melo é uma das personalidades que, de acordo com a página “GENTE COM HISTÓRIA”, no site do Município, de algum modo se relacionaram com o território penacovense.

Ora, acontece que se coloca a hipótese de a pretensa descendência do Marquês de Pombal dos Morgados de Carvalho não passar de uma grande vigarice. Dizem os entendidos que ele e os seus antepassados se apropriaram indevidamente de títulos e de mercês a que não tinham direito, forjando documentos, comprando testemunhos, corrompendo funcionários... E essa baixeza em termos éticos parece ter também estado presente quando o Morgadio de Carvalho ficou vago pela morte do conde de Atouguia, genro dos Távoras, que tal com eles foi vítima da perseguição de Sebastião José e executado.

É que - acrescenta Marcos Soromenho Santos - a 22 de Fevereiro de 1759, pouco mais de um mês após a execução dos Távoras, e do Conde de  Atouguia, o futuro marquês de Pombal arrogando-se de um parentesco rebuscado fez-se nomear pela Câmara de Coimbra novo morgado dos Carvalhos.

Parece que Sebastião José seria descendente de um João de Carvalho, mas que não tinha ligação genealógica com os antigos Senhores do Morgado de Carvalho.

Da linhagem dos Carvalhos,  o elemento mais antigo que se conhece é Paio Carvalho, fidalgo do séc. XII, pai de Domingos Feirol que instituiu o Morgado de Carvalho em 1178, explica aquele especialista em genealogia.

Posteriormente, o mesmo ministro de D. José alterou a cláusula que o beneficiara, e extinguiu a sucessão irregular em todos os morgadios, de modo a assegurar que a partir dali a posse do morgadio dos Carvalhos se mantivesse na sua descendência.

Coisas da História…

domingo, maio 17, 2020

Um caso do séc. XIX que agitou a região: homicídio na Ponte da Mucela


“Foi achada morta com três facadas na barriga e peito uma mulher, cujo nome e morada se desconhecem”. Pelo estado adiantado de decomposição, foi logo ali, na Ribeira Pequena, sepultada depois de “encomendada” pelo cura José da Cunha.

Este intrigante caso, ocorrido em 1838, gerou, naturalmente, grande perplexidade nas povoações vizinhas,  na Cortiça e em Paradela, mas foi na memória das gentes da Ponte da Mucela que ele perdurou durante mais tempo.

É que, no Verão de 1837, chegaram àquela localidade, ponto de passagem de quem fazia a “estrada da Beira”, num certo dia, já no final da tarde, dois homens ainda novos, acompanhados de uma rapariga, “carregada de oiro”, ao pescoço e nas orelhas. Cansados da viagem, comeram e beberam numa tasca ali existente. E no meio da conversa terão mesmo, para quem quis ouvir, contado de onde vinham e para onde se dirigiam.

Junto à noite, prosseguiram viagem. Mas...aquela mulher, que parecia ser solteira, tão nova e adornada daquela maneira, a acompanhar aqueles dois marmanjos… Não, qualquer coisa ali escapava às pessoas que estavam na altura na taberna. E, claro, alguém mais bisbilhoteiro, não deixou de os seguir, sorrateiramente, depois de retomarem a estrada. Conclusão: os viajantes fizeram o caminho normal pela antiga estrada, na direcção de Mucelão. E o caso ficou por ali.

Chegou o Inverno e, em princípios de Janeiro, eis senão quando um grupo de caçadores se depararam, no Vale da Ribeira Pequena, com aquele macabro achado. Instalou-se a polvorosa naquelas terras e quando a taberneira da Ponte da Mucela e outras pessoas foram ver o cadáver, fácil foi concluir-se que se trataria da infeliz rapariga que, juntamente com os dois homens, comera e bebera naquele dia de Verão.
A história espalhou-se e foi perdurando no tempo. Não raro acontecia os viandantes, ao pararem para beber um copo, comentarem: “Com que então, foi aqui que apareceu uma mulher morta?...” .

Com o tempo tudo acabou por se saber, apesar de na altura as autoridades, ao que parece, não terem investigado o que quer que fosse.
Soube-se que, precisamente em 1837, tinham chegado  à Bobadela dois irmãos vindos do Alentejo, estranhamente com dinheiro suficiente para  comprar propriedades na terra.  Estranho!  Naquele tempo as notícias já circulavam, mais devagar, é certo, mas espalhavam-se rapidamente. E tudo se soube na Ponte da Mucela e redondezas. Foi fácil juntar as peças e concluir: os assassinos só podiam ter sido os tais dois homens. 
E não querem saber que um dos irmãos, muitos anos mais tarde, terá vindo viver para Paradela de Cortiça, onde até lhe chamavam o Bonadela?  Muitas vezes lhe foi atirada à cara a suspeição do assassínio, mas o homem acabou por morrer, velho e cego, em completa decadência.

Como tive conhecimento desta história? - perguntarão os leitores. Recentemente, foi publicado em Coimbra um livro que compila artigos publicados na imprensa regional pelo Padre Doutor Nogueira Gonçalves.
E foi então, ao consultá-lo, que a páginas tantas, me deparei com o título “Um Velho Crime”, crónica de 1932 publicada no "Correio de Coimbra".

Acrescenta Nogueira Gonçalves que por detrás da tese do roubo do ouro, mais óbvia aos olhos do povo, será plausível acrescentar também um mobile de feição amorosa. Segundo se pensou, a malograda rapariga ter-se-á apaixonado por um deles e terá feito questão de o acompanhar. Mas tal sentimento não seria recíproco. Carregar com aquele “fardo”, com aquele empecilho, até à Bobadela para ser causa de possíveis desavenças familiares, enfim, e sabe-se lá que mais, porque não desfazerem-se dela, logo ali?  Ao que se juntava, claro,  o aliciante de ficarem ricos com tanto ouro que a infeliz ostentava.

“A mania de folhear velhos papéis, obriga-nos a ler dezenas de documentos inúteis, sem interesse para os nossos estudos, mas traz-nos porém grandes emoções e,  algumas vezes , sentimos naquela descolorida letra o palpitar de corações antigos e parece até que as lágrimas derramadas há muito ainda escorrem do papel e nos molham as mãos” – escreve N. Gonçalves a iniciar a crónica em questão.Foi nessas pesquisas que terá encontrado um registo de óbito que lhe suscitou curiosidade.

Apesar de não duvidar, fui pesquisar e lá encontrei, de facto, o assento lavrado pelo Padre J. Cunha:


17 de Maio de 2020. David Gonçalves de Almeida

domingo, maio 03, 2020

Deixa, deixa, oh barqueiro, ir o barco lentamente...


Escreveu Carolina Michaelis (1902), in “A Arte e a Natureza em Portugal”, a respeito da vida amorosa dos barqueiros: “Uma curva lancha vae rio abaixo, tão devagar como se o homem que a move à vara, obedecesse às raparigas que o provocam, cantando estâncias quinhentistas: ir-me quero, madre, com o marinheiro…” ou “Deixa, deixa, oh barqueiro / ir o barco lentamente!/ Deixa, deixa! que a saudade/ ir mais longe não consente.”

Sobre esta importante profissão de outros tempos, transcrevemos o que o Grupo “Barqueiros do Mondego” de Miro, pela mão de Manuel Nogueira, publicou em 2004. O texto é acompanhado da foto que agora publicamos:

O rio Mondego era preferencialmente usado, dando emprego a muita gente das suas proximidades, sendo uma grande percentagem da população de Penacova. O Mondego foi a única via de comunicação importante que a região teve até princípios do século XX, dedicando-se sempre à barcagem e actividades ligadas ao rio: Barqueiros, Calafetes, Carreiros, Estanqueiros, etc.


O Barqueiro do Mondego, tinha como função conduzir a Barca serrana, no transporte de lenha, carqueja e carvão para Coimbra ou Figueira da Foz. No sentido inverso, era possível receber mercadorias por mar e embarca-las rio acima: além de peixe (seco ou salgado), sal, louça de Coimbra, vinho, etc.

Paralelamente com o transporte de mercadorias, também transportavam lentes e estudantes da Universidade de Coimbra, que iam passar férias às suas terras.

O Barqueiro do Mondego, provocava a deslocação da Barca serrana, com ajuda de remos, da vela, da corrente do rio e por vezes das varas ( quando havia menos água), espetando-as no fundo do rio e andando pelo bordo, apoiando a vara contra o lado do peito, virados para a ré. Tinham que colocar um pano grosso, para protegerem o peito, mas mesmo assim fazia "mossa".
O traje do Barqueiro do Mondego era composto por ceroulas até aos joelhos, uma camisola de lã, um colete, um garroço para o frio e os pés descalços ou com alpercatas de pano.

Para dormir, as barcas serranas, ou barcos, possuíam na proa ou na ré, umas cavidades "leito", onde os barqueiros dormiam, sendo o colchão de esteiras de palha, colocados por cima do estrado, e tendo como cobertores, a vela ou sacos, e dormiam com os pés para o bico.

Muitos eram os portos importantes ao longo do Rio Mondego, para carregarem e descarregarem mercadoria. Dos quais destacamos o Porto da Raiva, como sendo o mais importante, e considerado um dos maiores do país, até meados do séc. XIX. Porto este que diz a tradição se situava na Foz do Rio Alva.

Aqui chegados, as mercadorias eram descarregadas, e depositadas em locais apropriados, e depois eram levadas em carros de bois, pelos  "carreiros", e distribuídas pelos concelhos de Penacova, Arganil, Tábua, Mortágua e Oliveira do Hospital.

Nos portos de Coimbra, os barqueiros quando procediam ao carregamento ou descarregamento das barcas, tinham de calçar as alpercatas de pano porque se fossem apanhados descalços pelos guarda rios, eram multados. Se porventura andassem com um pé calçado e outro descalço, pagavam metade da multa!