Qual é a terra que em Portugal se alheia completamente do Carnaval (ou mais propriamente do Entrudo, como era mais frequente dizer)? Quer simplesmente "brincando" de um modo espontâneo, quer organizando pequenos "Cortejos" ligados a instituições de ensino e solidariedade social, ficam sempre histórias para contar, fotografias para recordar. Pegando no jornal Nova Esperança de há 10 e 20 anos foi possível recolher algumas imagens, muitas delas ainda na lembrança dos nossos leitores.
08 fevereiro 2016
31 janeiro 2016
Penacova 1898: um retrato (VI) "Tais são as considerações que submetemos à alta e ilustrada apreciação de V. Ex.ª
Com este parágrafo terminámos o excerto anterior, relativo - como é do conhecimento dos nossos leitores habituais - ao Relatório elaborado pela Câmara Municipal no longínquo ano de 1898.
Vamos concluir a publicação desse documento que traça uma radiografia dos problemas sentidos no concelho e revela o modo como os poderes públicos locais reagiam e avançavam até com algumas propostas de melhoria e de resolução para os mesmos.
“Convirá também dispensar igualmente as formalidades e despesas de licença para as obras provisórias que para o mesmo fim hajam de fazer-se. Não devemos esquecer que é raro o agricultor que sabe fazer um requerimento.
A fim de facilitar o crédito rural , entendemos que bastará que as nossas leis sobre o assunto se inspirem noutro pensamento que não o de aumentar o rendimento do selo.
Assim, não devem subsistir algumas taxas da lei do selo incidindo sobre as escrituras de mútuo e fiança do mesmo contrato; e, sobretudo, deve modificar-se o artº 798 do código de processo civil, considerando títulos particulares de mútuo pelo menos até à quantia de 50$000 réis.
Os capitalistas, naturalmente tímidos, mais do que usuários, só emprestam os seus capitais com as garantias que julgam suficientes. Por isso convém que se facilite a cobrança coerciva desses capitais, tornando-a o menos dispendiosa possível, para que o credor tenha o capital seguro com uma hipoteca de pouco maior valor. Nas circunstâncias actuais, quem tenha apenas 50$ ou 60$000 réis em propriedade não acha quem lhe empreste um vintém, porque a cobrança coerciva dele absorvia em selos e custas todo o valor da hipoteca.”
Mudando de assunto e retomando alguns aspectos já abordados, continua o relatório:
“Não há neste concelho grandes indústrias (apesar de poderem aproveitar-se para isso as óptimas quedas de água do Alva e Mondego) nem pode desenvolver-se o comércio e as pequenas indústrias já existentes enquanto não estiverem abertas as estradas real nº 48, desde Penacova até à Raiva, e a distrital nº 73, desde Penacova até à estação do Luso. Aquela liga com Penacova e Coimbra, por caminho curto, seis freguesias deste concelho que se acham separadas por serras quase intransitáveis, e grande parte dos concelhos de Tábua e Arganil. Esta, já construída em parte, atravessando as freguesias de Penacova e Sazes, serve povos de uma região muito fértil, que actualmente tem péssimas estradas, e permite a exploração das pedreiras de mármore de Sazes e de cal de Penacova e Sazes, que se encontram precisamente ao longo do trajecto projectado da mesma estrada.
Sem estas duas construções não é possível fazer prosperar neste concelho a agricultura, comércio e indústria, por causa da enorme dificuldade de transportes.
Ainda julgamos dever chamar a atenção de v. ex.ª para outro assunto de grande importância neste e em muitos concelhos do país. Durante os últimos anos foi grande a emigração para o Brasil, saindo muitos indivíduos sem passaporte legal.
A emigração clandestina acabou quase completamente depois das medidas repressivas que foram tomadas, mas acham-se no Brasil milhares de portugueses que aqui estão considerados como desertores e sujeitos a penas graves por não haverem cumprido os preceitos da lei do recrutamento, resultando deste estado de coisas, que os que se acham naquelas circunstâncias não regressam nem mandam capitais, com grande prejuízo para eles e para o país.
Deve pois estudar-se o modo de remediar tais inconvenientes por forma equitativa.
Tais são as considerações que submetemos à alta e ilustrada apreciação de v. exª. “
Deste modo termina o Relatório. Para conhecimento e apreciação dos leitores mais interessados pelo passado de Penacova, entendemos fazer a sua transcrição integral, que agora fica disponível para quem se interessar em fazer a sua análise crítica.
[FINAL DO RELATÓRIO]
28 janeiro 2016
Penacova 1898: um retrato (V)
Depois de, no excerto anterior, se ter falado da
instrução primária e da sua importância também para a actividade
agro-florestal, salienta-se no texto de hoje a necessidade de criar mais “postos de trabalho”
como hoje se diria. Recordamos que temos vindo a transcrever na íntegra o
conteúdo de um Relatório da Câmara dirigido ao Governo em 1898, o qual reflecte os
problemas e as preocupações dos responsáveis político-administrativos de então.
“Assim preparada a população laboriosa, preciso é que lhe
não falte o campo onde exerça a sua actividade.
Neste sentido deve prover-se ao melhor aproveitamento das
terras tornando a agricultura não só mais intensa mas também mais extensa. A
propriedade tende a pulverizar-se por sucessivas divisões.
É conveniente estabelecer para o futuro a indivisão das
propriedades que não tenham um certo valor ou rendimento; permitir a
expropriação dos pequenos prédios encravados; dar, em caso de venda, o direito
de preferência aos proprietários confinantes desde que o prédio a vender não
tenha um certo valor.
Também neste concelho como em muitos outros , em que o
solo é muito irregular e montanhoso e a propriedade excessivamente dividida, os
pequenos prédios se acham depreciados, umas vezes por não terem servidão legalmente
constituída sobre os prédios vizinhos e
carecerem dela, outras por se acharem onerados com servidões desnecessárias. É
da máxima conveniência que a constituição, mudança e cessação de servidões sejam
feitas, em regra, no juizo
conciliatório, dispondo-se que as custas no juizo de direito sejam pagas pela
parte que não quis conciliar-se, todas as vezes que na sentença final seja
atendida a petição do autor dentro das bases da proposta conciliatória ou na
proporção em que o for.
Deve igualmente simplificar-se o processo para se
efectuar o despejo nos prédios rústicos.
Pode alargar-se muito mais a área da cultura neste concelho,
já promovendo o aproveitamento dos areais nos rios Mondego e Alva, facilitando
o alinhamento e licença para as obras necessarias já dando aos municípios mais liberdade na
administaraçao dos baldios, permitindo às câmaras municipais a demarcação deles
e o seu arendamento, aforamento ou venda, conforme se julgar mais conveniente;
e quando os baldios devam ser aproveitados para plantações ou sementeiras de árvores
poderem as câmaras chamar os povos vizinhos à sementeira ou plantação das matas
comuns, dando cada fogo um ou dois dias
de serviço por ano, e podendo ser divididos pelos mesmos povos os estrumes e as árvores cortadas para desbaste.
Para o melhor aproveitamento agrícola e industrial das
Águas dos Rios Mondego e Alva convirá, talvez, considerar-se o Mondego
inavegável nos meses de Verão, do Porto de Gondelim para cima, afim de serem
dispensados os proprietários das condições onerosas com que actualmente lhes
são concedidas as licenças para construção e aproveitamento dos caneiros, visto
ser de importância nula, naquela época, a navegação.
CONTINUA
27 janeiro 2016
Cartas Brasileiras: Douro, o rio encantado
Não
sei em Portugal, mas no Brasil, em história de pescador é sempre bom ficar com
um pé atrás. Há sempre dúvidas se
realmente ocorreram, são relatados contados de boca em boca, na base do ouvi
dizer, do me contaram. Os personagens, datas e locais quase nunca estão bem
definidos, a credibilidade depende do contador do "causo", ou ainda,
a falta de credibilidade. Histórias
de piaparas que fugiram existem aos montes, chegam a botar nome na fugitiva. É
sentar com um desses pescadores para ouvir passagens curiosas, como a que
contam de Beatriz, uma enorme piapara bem conhecida de muitos deles, que já
esteve prestes a ser conquistada, mas que sempre conseguia escapar. E todos
garantem, não são iniciantes em matéria de pescaria.
Vídeo gravado pelo autor da crónica .
( Rio Douro, junto às cidades do Porto Porto e
de Vila Nova de Gaia,1993)
Não se cansam de contar: o bichinho mordeu a isca, fisgada, arrebentou a linha; e assim vão. Dizem, a belezura passava dos três quilos, bichinho era sabido, aparecia do nada, desfilava tranquila fazendo pose. Assim que a chumbada batia na água, ou até antes, ouvindo o zumbido da linha no arremesso, desaparecia. Isso tudo pode ser confirmado por vários pescadores amadores: pelo Pedrinho, Gryllo, Negão, Paulão, Mané Piapara, Professor Paulo Teixeira, Dr. Gil, Canecão, André do Lanches, o Paulinho do Bar, Eduardinho, Dr. Zaparolli, Dr. Jair, José Luiz e pela Dona Geni, todos pescadores de Barretos, minha cidade natal.
Certo
dia, Beatriz apareceu, um deles meteu a mão no rio e tirou o peixe. Foi quando
constataram: "nem se fosse índio pegaria uma piapara com as mãos, somente
com o peixe abobado", "o rio está morrendo”. Deitou o peixe na água
para que ficasse em seu leito de morte. Essa, contudo, uma história verdadeira.
Desastres
ambientais causam a mortandade de várias espécies de peixe, pouco a pouco matam
os nossos rios. Em São Paulo, onde moro, há dois rios importantes, o Tietê e
Pinheiros, clubes foram construídos à suas margens, com praias e práticas de canoagem;
hoje completamente poluídos, mortos.
Foi
de dar arrepios poder ter visto o Douro e o Mondego, tão cheios de vida.
P.T.Juvenal
Santos
ptjsantos@bol.com.br
15 janeiro 2016
Penacova 1898: um retrato (IV)
Publicamos mais um excerto do relatório que a Câmara redigiu
e enviou ao Governo chefiado pelo progressista Luciano de Castro, em 1898. O
tema de hoje gravita em torno da importância da instrução primária, da
enumeração das carências existentes e das propostas de melhoria.
Uma escola primária da época (Mafra) |
Refere o relatório:
“Mas, desembaraçada a actividade dos que trabalham de inuteis
dispêndios do tempo, é preciso dirigi-la por forma que a produção aumente em
quantidade, perfeição de trabalho e valorização. Para o conseguir, são precisas
duas condições - a instrução técnica e a facilidade de comunicações.
O trabalho inteligente produz mais e com mais produção.
Julgamos por isso de urgente necessidade que se restabeleçam os antigos exames
elementares e complementares nas sedes
dos concelhos e as escolas complementares nas mesmas sedes; que se organizem
programas adequados a cada concelho para a respectiva escola complementar ; que
se promova a frequência das escolas, chamando de preferência ao serviço militar
os mancebos que não fizeram exame elementar e chamando na falta destes os que
obtiveram aquela habilitação; que se tornem obrigatórios para certos empregos
os exames elementares e complementares; que se divulguem, quando possível, os
conhecimentos elementares de agricultura por meio de manuais práticos
distribuidos aos alunos das escolas, etc.
Os decretos de 6 de Maio de 1892 e 22 de Dezembro de 1894 foram
verdadeiramente ruinosos para a instrução primária. O número das aprovações nos
exames elementares neste concelho foi, respectivamente,
nos anos de 1889 a 1891, de 28, 45 e 46.
Nos três anos seguintes o número de aprovações baixou, por
virtude do decreto de 6 de Maio, respectivamente a 23, 27 e 24.
No ano de 1891, único em que houve neste concelho exames
complementares por ter sido pouco antes criada a respectiva escola, foram aprovados
nestes exames 7 alunos. Pois, com a supressão destes exames, nos anos de 1896,
1897 e 1898, foram aprovados no exame de instrução primária elementar do 2º grau, respectivamente, 5, 6 e
3 alunos!
Estes números parecem-nos por demais elucidativos. Viu-se que
não só os professores se estimulavam procurando cada um apresentar os seus
alunos muito bem habilitados, mas os próprios alunos e seus pais se não
poupavam a trabalhos e despesas a fim de que o resultado daquelas provas
públicas os honrasse no seu pequeno meio.
As escolas complementares nas sedes do concelho podiam
habilitar os filhos dos lavradores e industriais de mediana formatura e adquirir
com pequena despesa, além da instrução geral, grande cópia de conhecimentos
profissionais sem contrairem os há- bitos de luxo a que ficam sujeitos saindo
para fora do concelho.
Os programas destas escolas devia variar segundo a
necessidade dos concelhos; assim nos concelhos essencialmente agrícolas, como
este, se ensinassem melhores processos de preparação de estrumes e adubos, a
escolha destes segundo a diversidade dos terrenos e sementeiras, as vantagens
da irrigação e drenagem das terras, as vantagens da arborização das encostas,
da escolha das castas e enxertia e da criação de gados, etc.
A iniciação dos alunos a estes estudos dispo-los-ia a
continuar neles depois de sairem da escola, levando-os a abandonar os processos
rotineiros que seus pais geralmente seguem e prepararia em breve uma geração
bem orientada. Noutros concelhos teria preferência o estudo da escrituração comercial,
do desenho industrial, etc.”
CONTINUA
08 janeiro 2016
A freguesia de Carvalho foi anexada ao concelho de Penacova em 1927. O quê ?!
Com a reforma administrativa recente, o concelho de Penacova,
que tinha 11 freguesias, passou a ter apenas 8, resultado da fusão de algumas
delas. Refere-se no site da Câmara Municipal que “até 1855 apenas 5 freguesias
faziam parte do concelho de Penacova: Penacova, Carvalho, Figueira de Lorvão,
Lorvão e Sazes do Lorvão. Como consequência das reformas administrativas do
século XIX, a fisionomia do concelho alterou-se profundamente, recebendo sob a
sua jurisdição as freguesias de Farinha Podre, Friúmes, Oliveira do Cunhedo e
Travanca. Em 1898, passariam a integrar o Concelho as freguesias de S. Paio da
Farinha Podre e Paradela da Cortiça, completando as onze freguesias,
distribuídas por 220 Km2.”
No entanto, também no mesmo site (onde se apresenta uma
resenha sobre cada uma das freguesias) e noutras publicações, surge a indicação
de que a freguesia de Carvalho foi “anexada
ao Concelho de Penacova em 1927”. Como
assim?
Este dado tem vindo a intrigar-noshá algum tempo: quem terá
lançado esta confusão? Ou terá mesmo fundamento?
Nenhum documento consultado sobre a evolução
político-administrativa do nosso concelho nos leva a concluir tal facto.
Bastará conhecer um pouco da história de Penacova para achar
que há aqui algo “que não bate certo”. No entanto, ainda não esgotámos as
pesquisas no sentido de averiguar a sua veracidade. Num momento em que – e com
isso nos congratulamos – se verifica um aumento de pessoas interessadas pelo
passado penacovense, e em que, por exemplo, nas redes sociais começa a ser moda perguntar “Quem
se lembra”, “Quem isto, quem aquilo...” ficamos a aguardar que alguém nos possa
confirmar ou infirmar que Carvalho passou para o concelho de Penacova em 1927.
06 janeiro 2016
Penacova 1898: um retrato (III)
Prosseguimos com a publicação do relatório que em 1898 a Câmara apresentou ao Ministro das Obras Públicas, Elvino de Brito. Na primeira parte aqui transcrita, fazia-se a caracterização geográfica e sócio - económica do concelho; no segundo texto, dava-se conta da situação da indústria, incluindo a extractiva. Concluía-se que, não fora a emigração para o Brasil, Penacova atravessaria na altura uma situação ainda mais grave. No excerto de hoje, que poderíamos intitular de "Economia do Tempo", adiantam-se algumas soluções para muitos dos "constrangimentos" existentes.
Vejamos:
“Diversas medidas legislativas podem, no nosso entender, animar esta regeneração nascente e promover neste concelho uma prosperidade de que ele nunca gozou.
Desde que só pelo trabalho inteligente do homem se aproveita e valoriza a feracidade natural do solo, a primeira coisa que se deve procurar é a economia do tempo; e a este respeito, alguma coisa há a fazer, simplificando muitos serviços.
Por exemplo: pela actual lei do recrutamento estão quase todos os mancebos , maiores de 20 anos, sujeitos ao serviço militar da 2ª reserva, e, em virtude do disposto no regulamento dos serviços de reservas, não podem os reservistas ausentar-se do seu concelho por mais de trinta dias sem participarem, na respectiva administração do concelho, aquele para onde vão residir – um dia perdido; depois, deve o reservista apresentar-se na administração do concelho para onde vai residir dentro de 30 dias – outro dia perdido.
Se novamente regressar ao seu concelho passados dois ou três meses terá de perder outros dois dias.
Mas ainda o pior é que em muitos casos (e aqui dá-se isso com os sarreiros, ceifeiros, corticeiros, negociantes de palitos, etc) os reservistas passam na época própria do ano a exercer a sua profissão por grande parte do país, não se fixando em determinado concelho; estes têm que optar pela transgressão do regulamento, suspeitando-se as consequências, ou pela miséria proveniente da falta de trabalho. Melhor seria exigir apenas a mudança de domicílio quando os reservistas fossem para outro concelho com ânimo de fixar nele a sua residência, tanto mais que podem ser prevenidos pela imprensa periódica ou pelas famílias do seu chamamento ao serviço ou à revista.
Os serviços administrativos nos concelhos e paróquias têm uma ordenação de tal forma complicada que é muitas vezes impossível encontrar pessoal com as suficientes habilitações para bem desempenhar os diversos cargos; e a iniciativa local é entorpecida e esterilizada, especialmente nas corporações de fraca receita, como são muitas câmaras municipais e quase todas as juntas de paróquia, pelas excessivas formalidades que as leis exigem sem vantagem de fiscalização que compense.
Deve dar-se mais liberdade às corporações locais e tudo o que se fizer neste sentido merecerá agradecimento dos povos.”
CONTINUA
Vejamos:
“Diversas medidas legislativas podem, no nosso entender, animar esta regeneração nascente e promover neste concelho uma prosperidade de que ele nunca gozou.
Desde que só pelo trabalho inteligente do homem se aproveita e valoriza a feracidade natural do solo, a primeira coisa que se deve procurar é a economia do tempo; e a este respeito, alguma coisa há a fazer, simplificando muitos serviços.
Por exemplo: pela actual lei do recrutamento estão quase todos os mancebos , maiores de 20 anos, sujeitos ao serviço militar da 2ª reserva, e, em virtude do disposto no regulamento dos serviços de reservas, não podem os reservistas ausentar-se do seu concelho por mais de trinta dias sem participarem, na respectiva administração do concelho, aquele para onde vão residir – um dia perdido; depois, deve o reservista apresentar-se na administração do concelho para onde vai residir dentro de 30 dias – outro dia perdido.
Se novamente regressar ao seu concelho passados dois ou três meses terá de perder outros dois dias.
Mas ainda o pior é que em muitos casos (e aqui dá-se isso com os sarreiros, ceifeiros, corticeiros, negociantes de palitos, etc) os reservistas passam na época própria do ano a exercer a sua profissão por grande parte do país, não se fixando em determinado concelho; estes têm que optar pela transgressão do regulamento, suspeitando-se as consequências, ou pela miséria proveniente da falta de trabalho. Melhor seria exigir apenas a mudança de domicílio quando os reservistas fossem para outro concelho com ânimo de fixar nele a sua residência, tanto mais que podem ser prevenidos pela imprensa periódica ou pelas famílias do seu chamamento ao serviço ou à revista.
Os serviços administrativos nos concelhos e paróquias têm uma ordenação de tal forma complicada que é muitas vezes impossível encontrar pessoal com as suficientes habilitações para bem desempenhar os diversos cargos; e a iniciativa local é entorpecida e esterilizada, especialmente nas corporações de fraca receita, como são muitas câmaras municipais e quase todas as juntas de paróquia, pelas excessivas formalidades que as leis exigem sem vantagem de fiscalização que compense.
Deve dar-se mais liberdade às corporações locais e tudo o que se fizer neste sentido merecerá agradecimento dos povos.”
CONTINUA
02 janeiro 2016
Neste início de Ano e nos 50 anos do nicho em Travanca, invocar a protecção de N.ª Srª dos Caminhos
Recordamo-nos da sua inauguração. Tempos da escola primária. Um acto simples
mas cheio de devoção e fé. Os grandes mentores desta obra foram a professora
Maria da Piedade Madeira Marques (hoje a viver em Telhado) e o Pároco Padre Jorge Marques dos Santos (que dois anos depois deixaria a paróquia).
Ao longo destes 50 anos, muitas vezes ali passámos e
invocámos a sua protecção. Protectora nas viagens do dia a dia, protectora neste peregrinar
que é a vida de cada um.
O pequeno nicho lá continua. O espaço adjacente mantém-se
cuidado. No entanto, a imagem apresenta sinais de deterioração. O material de que é feita será um pouco frágil e também
não podemos esquecer que já lá vão 50 anos.
Aqui fica um recorte do jornal que então se publicava
no concelho, o Notícias de Penacova (Maio de 1966):
“Nicho a Nossa Senhora dos Caminhos - Através das
colunas do Notícias”, tivemos conhecimento que pelo Natal, a mocidade desta
terra, com o auxílio do Rev. Pároco e da Ex.ma Professora, organizaram uma
pequena récita com o fim de angariar fundos para a construção de um nicho a
Nossa Senhora dos Caminhos.
Como até à data nada mais tivesse sido publicado,
levava-nos a crer que nada tivesse sido realizado, o que nos surpreendeu quando
há dias ao visitarmos esta terra, deparamos com um pequenino nicho há pouco
construído à entrada da povoação do Coval. Aproximamo-nos e verificámos pela
sua imagem que se trata do falado nicho a Nossa Senhora dos Caminhos.
Dado isto, apressamo-nos a trocar impressões com
alguém, para o que escolhemos o nosso amigo José O. Henriques, que nos deu
algumas informações sobre a sua construção e ainda sobre a sua inauguração
ocorrida em 25 de Março p. passado.
Sem dúvida alguma que o referido nicho foi erguido num
óptimo local que se tornará ainda mais belo depois de crescidas as roseiras
plantadas à sua volta.
Boa iniciativa a da mocidade e ainda do Rev.do Pároco
e da Ex.ma Professora que não se pouparam a sacrifícios para levarem avante os
seus planos. Que a todos Nossa Senhora recompense, são os nossos votos, ao
mesmo tempo que os felicitamos.”
31 dezembro 2015
Apontamentos sobre o Apocalipse de Lorvão ( II)
E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice, e sega; a hora de segar te é vinda, porque já a seara da terra está madura. Apocalipse 14:15 |
A iluminura é um modo de apreensão do
conhecimento procurando atingir o invisível através daquilo que é visível.
Com o aumento da procura dos livros, os
copistas começaram a requintar o seu trabalho. Aumentou-se o tamanho e deu-se
cor e enfeite às letras iniciais. Posteriormente colocaram-se outros ornatos nas
margens das páginas e, finalmente, introduziu-se a iluminura (ou miniatura) onde as imagens e cores tinham uma simbologia própria.
As obras eram produzidas nos
Scriptorium, onde os monges se ocupavam da cópia do texto e da sua "iluminação". Quanto maiores as posses dum
mosteiro, maior a possibilidade de terem uma boa biblioteca e um bom
scriptorium.
As “folhas” eram feitas de pele
de animais que depois de tratadas formavam os “bifólios”. Para as cores, tinham
de ser preparadas as tintas a partir de pigmentos. Primeiro eram aplicadas as
cores pálidas e as camadas mais vivas. Só depois as cores mais fortes; a
seguir, os contornos a preto ou castanho-escuro e, no final, os detalhes nas
folhagens e personagens, feitos com um pincel fino. As cores predominantes eram
o vermelho, o azul e o dourado.
Em Portugal existiram três importantes scriptoria: Santa Cruz de Coimbra, Alcobaça
e S. Mamede de Lorvão. Foi neste mosteiro que foram feitos os manuscritos mais
ricos e criativos em imagens sagradas deste período: o Apocalipse de Lorvão e o
Livro das Aves.
Recorde-se que em Outubro a
UNESCO inscreveu no Registo da Memória do Mundo o conjunto de manuscritos dos
Comentários do Apocalipse de Beato de Liébana existentes na Península Ibérica: dois
portugueses «Apocalipse de Alcobaça» e o «Apocalipse de Lorvão» - único «Beato» ilustrado existente no nosso país - e nove espanhóis,
em resultado de uma candidatura conjunta de Portugal e Espanha, apresentada em
2014 e intitulada Manuscritos do Comentário do Apocalipse (Beatus de Liébana)
na Tradição Ibérica.
A nível europeu chegaram até nós
cerca de 34 cópias, entre as quais 27 iluminadas. Estes códices são também
conhecidos como “Beatos” por conterem a cópia do «Comentário ao Apocalipse»
atribuído ao monge Beato de Liébana, que viveu nas Astúrias na segunda metade
do século VIII.
Uma das ilustrações mais conhecidas
do Apocalipse de Lorvão é a colheita e vindima representando Cristo - o juiz - com
a coroa da vitória que, de foice em punho, se prepara para ceifar a seara seca,
envenenada pelo pecado, apenas prestando para alimentar o fogo.
Como sabemos, na Bíblia o Juízo Final é comparado à ceifa e à vindima. Por isso, também um anjo aparece com uma foice na mão, cortando os cachos envenenados pela rebeldia humana e lançando-os no lagar da ira de Deus, onde são pisados e espremidos”.
Como sabemos, na Bíblia o Juízo Final é comparado à ceifa e à vindima. Por isso, também um anjo aparece com uma foice na mão, cortando os cachos envenenados pela rebeldia humana e lançando-os no lagar da ira de Deus, onde são pisados e espremidos”.
30 dezembro 2015
Penacova 1898: um retrato (II)
Em finais do
século XIX o governo solicitou às “camaras municipaes do paiz” um relatório
sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades e aspirações,
conforme se referiu anteriormente.
Continuamos a publicar o documento que a Câmara de Penacova remeteu ao Governo chefiado por Luciano de Castro em 1898:
“No reino
mineral são dignas de menção as pedreiras de mármore de Sazes e de calcário das
freguesias de Sazes e Penacova de que se extrai cal preta de primeira
qualidade, e as de granito, para cantaria e mós, das freguesias de Penacova e
Friúmes.
Não há neste
concelho minas em exploração, não obstante ser carbonífero o terreno ao sul da
serra do Bussaco. Estão
registadas nesta comarca, no corrente ano, em favor de Carlos Leuschner e
outros, dez minas de metais preciosos, carvão, ferro, chumbo e outros metais.
Não há
indústrias dignas de serem especialmente mencionadas a não ser as de madeira,
lenha, cal e palitos.
Dadas as
condições naturais do solo a persistente actividade da população deste
concelho, devia a sua riqueza ser muito maior e o bem estar mais geral.
Este
facto é devido a causas várias, que vamos apontar, algumas das quais são gerais
e outras privativas deste concelho.
Começou a
crise neste concelho com a abertura da linha férrea da Beira Alta, afectando
toda a população das margens do Mondego pela supressão, quase completa, da
indústria de barcagem que se fazia entre a Figueira e a Foz do Dão.
Logo a
seguir a filoxera devastou as vinhas e outras moléstias secaram grande parte
dos olivedos e castanhais, ficando, por estes motivos, muitos braços sem
trabalho e muitas famílias sem suficientes meios de subsistência.
Mas nem se
organizaram bandos precatórios [ peditórios na via pública] nem a propriedade
foi menos respeitada; desenvolveu-se a emigração extraordinariamente, o que
determinou a afluência de capitais, vindos principalmente do Brasil, com que se
sustentam muitas famílias e se procura restaurar a cultura da vinha e melhorar
todas as outras.”
CONTINUA
28 dezembro 2015
Martins da Costa: 10 anos depois da sua morte
AUTO-RETRATO |
Foi em 13 de Abril de 2005 que o pintor João Martins da
Costa faleceu na capital da Beira Alta. Não em Penacova, onde desde os anos
setenta viveu, ali na Costa do Sol, e onde foi professor. Picasso lhe chamavam
carinhosamente os seus alunos.
Nascera em Coimbra em 28 de Junho de 1921 mas os seus pais eram penacovenses: José da Costa e
Cacilda Martins. O seu avô materno fora industrial de latoaria na vila e o
paterno, Abílio Costa, tinha sido proprietário de um veículo que servia de
diligência entre a cidade dos estudantes e Penacova.
Frequentou o curso superior de Pintura da Escola de Belas
Artes do Porto, onde foi discípulo de Dordio Gomes e de Joaquim Lopes. Premiado
diversas vezes na escola, concluiu o curso em 1947 com a classificação de 18
valores.
Em comentário a uma referência que o Penacova Online fez em
2012, escreveram Óscar Trindade e António Luís, respectivamente:
“O Prof. Martins da Costa,
foi meu professor de desenho. Um grande homem, algo austero mas também amigo. Sua
esposa, Profª. Rosa, também me deu aulas de desenho. Recordo o dia em que ela
me convidou para ir a sua casa e me mostrou as obras de arte do prof. Martins. Fiquei
encantado com as pinturas expostas numa sala, que penso ter sido o seu atelier.
Como é (ou era) habitual na nossa terra, a arte é (ou era) pouco valorizada e
nada se fez, então, para que o espólio deste professor / artista ficasse em
Penacova. Ao ler a crónica pode-se concluir que este SENHOR era um artista
multifacetado, tendo em conta a sua arte na pintura e nas letras.”
Capa do Jornal de Penacova 24 de Abril de 2005 |
E em 2014, escrevia também Álvaro Coimbra no seu blogue
Livraria do Mondego “O artista, o pintor, deixou uma obra extraordinária. O seu
traço sensível e, ao mesmo tempo, firme e exato viajou por cidades como
Florença, Porto, Londres, mas na última etapa da sua vida escolheu este
cantinho. Pintou-o de vários ângulos, com um olhar muito próprio e deu-o a
conhecer ao mundo. Penacova está em dívida para com ele, mas esse
reconhecimento deve estar à altura da sua obra.”
26 dezembro 2015
Apontamentos sobre o APOCALIPSE DE LORVÃO (I)
Em meados de Outubro passado, o
Apocalipse de Lorvão, famoso pelas suas iluminuras, foi inscrito como registo
da Memória do Mundo pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura).
No século VIII, Beato de Liébana, clérigo asturiano, escreveu o Comentário ao Apocalipse.
Mais tarde, no século XII (c.
1189), o monge Egas (ou Egeas) fez, no Mosteiro do Lorvão, uma cópia dessa obra, acrescentando comentários pessoais e ilustrando-a, ficando assim conhecida
como Apocalipse de Lorvão.
“A iluminura tem no período
românico um lugar de destaque, pois o homem sentia necessidade de explicar
os textos através da imagem, A imagem serve de intermediário visível para
atingir o invisível, é uma técnica diferente de apreensão do conhecimento.” – escreve
F. Brand, autor que iremos seguir de
perto nestes apontamentos.
Refira-se que outros documentos relativos
a Portugal foram também já declarados Memória do Mundo: a Carta de Pêro Vaz de Caminha
(1500), a versão castelhana do Tratado de Tordesilhas (1494) e o Diário da
Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia (1477-1499).
O Apocalipse de Lorvão, em conjunto com O Livro das Aves (datado
de 1184 e do mesmo autor) são considerados como os manuscritos mais ricos e
criativos em imagens sagradas, considerando o período em que foram feitos. O Comentário ao
Apocalipse foi copiado por Egeas em 1198, o que é atestado pela presença do seu
nome e data no cólofon (a nota final de
um manuscrito ou de um livro impresso): “Iam liber est scriptus / qui scripsit sit benedictus
/ qua … / ERA MCCXIIa [1189] / Ego egeas qui hunc librum scribsi si in
aliquibus / a recto tramite exivi, delinquenti indulgeat / karitas que omnia
superant.”
Este manuscrito é formado por 223 fólios com cerca de 340 x 247
mm e é constituído por 70 histórias,
cada uma com uma ilustração. Constitui o único exemplar em que sistematicamente
a imagem comenta o texto. É considerado como apresentando as melhores
iluminuras, mas também aqui não existe consenso entre os estudiosos. Wilhelm
Neuss chega mesmo a considerar as ilustrações extremamente primitivas e
infantis.
Pensa-se que terá havido, além do copista (Egeas) mais
dois iluminadores. Têm essa opinião, por exemplo, Peter Klein e Adelaide
Miranda. No entanto alguns afirmam serem um só, o monge copista e o iluminador.
CONTINUA
24 dezembro 2015
23 dezembro 2015
Cartas Brasileiras: OPERAÇÃO LAVA-JATO
No
Brasil, “lava-jato” é um serviço, geralmente, prestado em postos de
combustíveis, ou em áreas próprias, destinado à lavagem rápida de veículos,
muitas vezes utilizando máquinas automatizadas e pouca mão de obra.
O
termo “lavar dinheiro” é oriundo da máfia que se utilizava de lavanderias de
roupas para “limpar”, “esquentar” o dinheiro sujo do jogo, da prostituição, da
droga, da venda ilegal de bebidas (lei seca nos Estados Unidos) e da corrupção.
Com a
junção dos dois conceitos, no Brasil, a Operação Lava-Jato foi desencadeada, em
março de 2014, com o cumprimento de mais de uma centena de mandados de busca e
apreensão, prisões temporárias, preventivas e conduções coercitivas, inicialmente
com foco na Petrobras.
Descobriu-se
um esquema escandaloso de obras superfaturadas, pagamentos de subornos e
propinas a diretores da empresa, a partidos políticos (PT, PMDB e PP), a
políticos e diretores de partidos.
A
Petrobras, uma das maiores empresas do mundo, enfrenta hoje dificuldades,
enquanto o esquema de assalto à empresa teria surrupiado cerca de R$10 bilhões,
como inicialmente previsto, algo como US$2 bilhões de dólares, mas que hoje
estima-se ter sido superior a US$10 bilhões. O escândalo no Governo Dilma (PT) ganhou
a alcunha de Petrolão, em uma
referência ao Mensalão ocorrido
durante o Governo Lula (PT). Hoje já se
sabe que os dois esquemas de corrupção são bem semelhantes, parecem
interligados, sendo o segundo continuação do primeiro.
O
processo Lava-Jato conduzido pelo Juiz Sergio Moro já condenou diversos empresários,
donos das maiores empreiteiras brasileiras, estão presos. Outros com prisão
cautelar aguardam o final do processo. Muitos aderiram à “delação premiada”,
pela qual, mediante o fornecimento de informações sobre o esquema conseguem
reduzir suas penas.
As
prisões, delações de pessoas próximas ao ex-presidente Lula, bem como
denúncias, convocações para prestar esclarecimento na Polícia Federal, têm
agitado ainda mais o meio político.
A cenário
é preocupante. O presidente da Câmara que vai enfrentar processo de afastamento
por quebra do decoro parlamentar, teve a residência oficial invadida pela
polícia federal, em busca de provas contra denúncias que pesam sobre ele; no
mesmo dia, dois ministros do atual governo sofreram o mesmo tipo de ação.
Na Câmara Federal, a Presidente da
República enfrentará processo de Crime de Responsabilidade por descumprimento
do orçamento e utilização de verbas suplementares sem autorização do Senado,
que poderá redundar em “impeachment”.
Por tudo, está difícil receber de
amigos e conhecidos votos de Boas Festas.
Porém, deixando de lado o egoísmo,
desejo a todos os leitores do blog FELIZ NATAL e ótimo 2016.
Cartão de Boas Festas de Paulo Santos [na imagem, seus netos Thiago e Kamila] |
20 dezembro 2015
Apresentado em Coimbra o livro infanto-juvenil “Teresa de Portugal”
As autoras aquando do lançamento em Lorvão |
Pretende-se a divulgação de uma figura da nossa História e particularmente da história do Mosteiro de Lorvão e do nosso concelho. Esta iniciativa releva de inegável valor na medida em que através da imagem e do texto acessível, desperta no público infanto-juvenil um maior interesse pela história local.
Trata-se de um trabalho, muito bem conseguido, especialmente dirigido ao público escolar. Escreve o Prof. Dr. Nelson Correia Borges no Prefácio: “De uma forma simples e atractiva poderão assim conhecer, entender e até venerar esta Santa Teresa de Lorvão, Santa Teresa de Portugal, rainha, mulher,mãe, monja de grandes virtudes”
Na apresentação de hoje, Maria Alegria Fernandes Marques, professora da Universidade de Coimbra (que tem um estudo publicado sobre a temática) traçou uma esclarecedora síntese sobre a vida de D. Teresa.
No site da Câmara Municipal podemos ler:
Teresa, a Inquebrantável (1178 - 1250):
Filha legítima de D. Sancho I e D. Dulce, foi esposa de Afonso IX de Leão, de quem teve três filhos. Declarada nula a união - os noivos eram primos - regressou a Coimbra onde recebeu por doação de seu pai, o Mosteiro de Lorvão,que haveria de reformar, em 1206, para a Ordem de Cister. Sob o hábito cisterciense e, apesar de Senhora do Castelo de Montemor-o-Velho, do termo da vila e de todos os seus rendimentos, haveria de viver em Lorvão até à sua morte, em 18 de Junho de 1250.
Penacova 1898: um retrato
Quase a terminar o século XIX, durante a vigência de um
governo presidido por Luciano de Castro, foi solicitado às “camaras municipaes
do paiz” um relatório sobre as condições de vida dos “povos”, suas necessidades
e aspirações . Deveriam também ser apresentados alguns “meios de remediar ou
atenuar o mal presente e preparar a prosperidade futura”.
Assim, a Câmara de Penacova enviou em 11 de Outubro de 1898,
ao então ministro das Obras Públicas, conselheiro Elvino de Brito, um documento que, passados quase 120 anos,
nos poderá ajudar a perceber melhor alguns dos problemas com que Penacova ainda
hoje se debate.
Dada a sua extensão, começaremos hoje por publicar a parte
inicial do relatório que depois de uma breve caracterização geográfica, tece
algumas considerações sobre a situação da agricultura.
“ O concelho de Penacova está situado a nordeste de Coimbra
e confina pelo norte com os de Mealhada e de Mortágua; pelo nascente com os de
Tábua e Arganil e pelo Sul com o de Poiares. A sua superfície é de 160 km2 aproximadamente;
a população é de 18 382 habitantes, isto é, cerca de 114 habitantes por
quilómetro quadrado.
O clima é frio e salubre, o solo muito irregular e
montanhoso, mas fértil. Por todo ele se
cultivam cereais, especialmente o milho e centeio, havendo também cultura de
trigo, cevada e aveia. É considerável a sementeira de batata e feijão. As
vinhas davam-se optimamente antes da invasão filoxórica, sendo o vinho de boa
qualidade; hoje estão sendo renovadas pela cepa americana, que vegeta
excelentemente.
A produção de azeite era ainda há poucos anos muito avultada
mas tem decrescido muito, devido à moléstia que seca as oliveiras.
Os castanheiros vegetaram optimamente mas estão igualmente
quase extintos pla moléstia que os afecta com grande prejuízo para este
concelho.
Há em geral bastantes árvores de fruto Das diversas
espécies, que se desenvolvem e frutificam bem e os frutos são saborosos,
segundo a sua qualidade.
Nos terrenos mais
fracos das encostas dá-se bem o pinheiro, sendo grande a extensão desta
sementeira e grande o seu rendimento em madeira e lenha.
As terras cultivadas dão boas pastagens.
Não há terrenos desaproveitados, a não serem, nas serras, os
baldios que são extensos e apenas servem para pastagens de gados, e nas margens
dos rios Mondego e Alva os areais em que se pode alargar muito cultura do milho e feijão pela notável
fertilidade dos terrenos marginais, enquanto são inundados pelas enchentes.
A riqueza não está acumulada, mas a propriedade, em geral,
excessivamente dividida. As terras amanhadas são na sua maior parte regadas com
a água das fontes e nascentes que há muitas, ou com a das ribeiras e rios
(Mondego e Alva) geralmente abundantes."
(CONTINUA)
05 dezembro 2015
Horrível desgraça: seis crianças carbonizadas
“No dia 22, logo de manhã, começou a correr na vila um boato
sinistro: em Sernelha ardera uma casa, tendo perecido no incêndio seis
creanças, a mais velha das quais teria 7 anos. Partimos imediatamente para ali.
Perto da povoação; à sombra dum pinhal, vimos, num grupo de
indivíduos, alguém conhecido a quem nos dirigimos
em busca de notícias. Logo nas primeiras palavras a pessoa a quem interrogamos
confirma-nos a notícia e indica-nos um
homem, ainda novo, simpático, que fazia parte do grupo, dizendo-nos que era o
pai das creanças que horas antes tão terrivelmente tinham morrido.
E foi da boca dele, uma voz velada, que mal se ouvia, que
ouvimos a sinistra história, curta e trágica: Na véspera, à boca da noite tinha sido procurado por dois amigos seus - Bernardo
e Augusto Rodrigues, barbeiros, de Sernelha, com quem tinha de justar umas
contas. Feitas estas, convidou os seus amigos a beber um copo de vinho, como é
velho costume entre o nosso povo. Em casa não havia vinho e por isso foram à
próxima taberna, onde passado pouco tempo sua mulher o foi chamar, dizendo-lhe
que estava pronta a ceia e por isso se não demorasse.
Tendo-lhe ele respondido que pouco se demoraria e que fosse pondo
a ceia na mesa que breve iria ter com ela, saiu a mulher da taberna e logo ao
voltar uma esquina que lhe encobria a sua casa, grita aflitivamente que
acudissem, que a casa estava a arder.
Correm todos e vêem a casa em chamas. Ele lembrando-se dos
seus filhos, que poucos momentos antes a mãe tinha ido deitar, atira-se com ância
à janela do quarto onde eles dormiam, arrombando-a e tenta escalá-la.
Mas – termina o pobre homem, com a sua voz molhada de
lágrimas, velada, mal se ouvindo - não me deixaram entrar. Lá dentro só vi
chamas, só chamas que ainda me queimaram a cara e nunca mais os vi... E fitando
os olhos vermelhos de tanto chorar, brilhantes de febre, no chão, repetia
desalentadamente:
-Nunca mais os vi e nunca mais os ouvi. Nem um grito. Só
chamas, só lume. Nunca mais os vi, nunca mais os ouvi...
Correm-lhes as lágrimas em fio pela cara e todos nós sentimos
também uma irresistível vontade de chorar.
*
Chega o dr. Henrique Serra, administrador do concelho,
acompanhado pelo seu secretário, António Casimiro, e todos nos dirigimos para o
local do sinistro.
Da risonha casa, à
beira da estrada, onde ainda ontem reinava a felicidade e a alegria apenas
restavam uma mão cheia de ossitos quase desfeitos e um carvão negro, disforme,
horrível, que talvez tivesse sido o tronco da mais velha.
Os donos da casa chamavam-se, como dissemos no nosso último
número, Augusto dos Santos Neto e Rosária do Espírito Santo. Estavam casados há
nove anos e tinham seis filhos - Manuel, Mário, Maria, Alzira, Filomena e Maria do Nascimento, o mais velho de perto
de 8 anos e a mais nova de seis mezes, que agora pereceram todos no incêndio. [Manuel
de 8 anos; Mário de 6 anos, Maria de 4 anos, Alzira, de 3 anos, Filomena de 2
anos e Maria do Nascimento de 6 mezes.]
A casa - que estava no seguro, segundo ultimamente nos
informaram - tinha sido construída há menos de um ano.
As autoridades tendo procedido a minuciosas averiguações, são
de opinião de que o incêndio foi casual.”
-----------------------
NOTA: esta notícia, que transcrevemos na íntegra e com grafia da época, foi publicada no “Jornal de Penacova” em data que não podemos precisar, mas entre 1915 e 1918. Só desgraças neste blogue, poderão dizer os leitores...
Mas são também estes momentos trágicos que marcam as memórias das nossas terras. Trazê-los ao presente é uma forma de, com todo o respeito, nos associarmos, às dores de tantos que nos antecederam, porventura, pessoas das nossas famílias. Alguém de Sernelha, ou mesmo do concelho, tem mais elementos que queira partilhar? Fica o repto.
01 dezembro 2015
Da Cortiça à Carvoeira: a queima da pólvora e a brutal perseguição aos liberais
Tínhamos prometido voltar ao assunto. Não contávamos fazê-lo
já hoje, mas dado que. da meia noite de Sábado até à meia noite de Domingo o “post” intitulado "Violenta explosão junto à Catraia dos Poços" teve cerca de 1800 visualizações (até ao momento – 23:20 do dia 1 - contabilizam-se 2272),
achamos pertinente referir desde já uma notícia sobre o caso, publicada num jornal de Lisboa em 1832 e
apresentar uma extensa lista de pessoas presas na sequência dos acontecimentos.
Caricatura representando D. Pedro e D. Miguel disputando a coroa portuguesa, por Honoré Daumier, 1833. |
“Ao general da
Província da Beira constou (...) que uma porção de cartuchame de fuzilaria (...)
havia sido assaltado por uma quadrilha de trinta a quarenta salteadores e que
apesar da resistência feita pela escolta (...) conseguiu a dita quadrilha apoderar-se de tal cartuchame que inutilizou apenas viu qual o objecto do que
encontrou.”
Adianta, ainda, a referida notícia:
“O General da Província da Beira Alta, assim que teve
conhecimento (...) ordenou que as pesquisas continuassem até ser alcançada a
quadrilha; e muito mostraram os povos tal empenho que não foi preciso
exortá-los para descobrir e acabar com semelhantes salteadores, pois no dia 15
de Agosto corrente, teve o Capitão Mor de Penacova e as suas Ordenanças a
fortuna de descobrir numa mata junto à Cortiça, sete indivíduos da mesma
quadrilha. (...) Tal era o rancor das Ordenanças contra estes malvados que foi
com muita dificuldade o salvar-lhes as vidas para a Lei os punir. (...) Os
dispersos continuaram a ser perseguidos por montes e vales(...)”
Esta versão dos acontecimentos, como se percebe, é nitidamente afecta aos absolutistas. A mata
perto da Cortiça, onde foram encontrados os sete fugitivos, trata-se da Mata da Bica. Deste grupo alguns
foram fuzilados mais tarde, conforme dissemos na mensagem anterior. Recordemos esses
nomes aos quais a lei capital não poupou a
vida: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António Joaquim, da Várzea
de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito, pároco de Covelo;
Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, José
Maria de Oliveira, da Cortiça e, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e
Felizberto de Sande Sarmento da Carvoeira.
A feroz perseguição feita nas nossas terras conduziu à
prisão de muitos nomes nossos conterrâneos, tendo alguns deles, como já
referimos, sido fuzilados: António Homem de Figueiredo e Sousa, da Cruz do Soito,
irmão de D. Rita, mulher do capitão-mor José Félix, e este, irmão de Bernardo
Homem; António Joaquim de Moura; António Francisco; António José de Frias, da
Sobreira; António (Padre) da Maya, da Cruz do Soito ; António Marques Guerra,
dos Poços; António de Sousa Maldonado Bandeira; Bernardo Homem, da Cortiça
(este nome consta da lista, mas haverá equívoco, pois ja estava preso, há
muito, nas cadeias de Almeida); Francisco, filho de Bernardo Homem, da Cortiça;
Francisco de Sande, da Carvoeira ; Guilherme, filho de Bernardo Homem, da
Cortiça; João Pereira Saraiva; Joaquim José Gonçalves; José Maria, filho de
Bernardo Homem, da Cortiça; José Félix da Cunha Figueiredo Castelo-Branco, que
faleceu nas prisões; José Henriques, de Farinha Podre, alfaiate; José Joaquim
Pereira, de Farinha Podre; José Lopes; José de Loureiro e Almeida, de Farinha
Podre; José Inácio Martins; José Maria de Figueiredo Castelo-Branco, filho do
dito capitão mor José Félix da Cunha Castelo-Branco; José Maria de Oliveira, da
Cortiça; Manuel Correia; Manuel Lourenço Gomes Cascão e Veríssimo Gonçalves.
Escrevia-se num livro editado em 1889 que “o despotismo
raivoso encarcerou muita mais gente do que a constante da lista, com quanto não
houvesse metido nem prego nem estopa na queima da pólvora”.
E a mesma fonte aponta, assim, mais nomes: Francisco António da Assumpção, da
Sobreira, de cuja prisão resultou perder a sua mãe o uso da razão; Maria Benedita
e Maria Antónia, filhas de Bernardo Homem, bem como uma criada das mesmas; Ana
Marques, da Cortiça, solteira; José Joaquim Pereira, de Farinha Podre, bacharel
formado; Joaquina da Fonseca, de Farinha Podre, “e outras [pessoas], das quais
umas não foram pronunciadas, mas outras, ou o fossem ou não, jazeram nas
cadeias de Lamego até que esta cidade foi libertada.”
29 novembro 2015
VIOLENTA EXPLOSÃO JUNTO À CATRAIA DOS POÇOS
Tempos de guerra, tempos de guerrilha. A região entre Ponte da Mucela e
Catraia dos Poços acaba de viver momentos de grande tensão. Mais uma vez na
história, estas terras são palco de lutas e de perseguições semeando o terror.
Agora já não são os invasores Franceses. Também com laivos de grande violência, agora a luta é fraticida.
Vindo de Abrantes chega à Ponte da Mucela, num dia de Agosto, um comboio de 20 carros carregados de pólvora
com destino ao norte, talvez Viseu ou Lamego. A escoltá-lo vêm 40 “voluntários
realistas”. No dia seguinte, dia 5, logo
pela manhã, resolvem fazer uma paragem, na Chamada Eira do Forno, já perto da
Cortiça.
A dado momento, um dos “carreiros”
que se diz ser um tal José António, da Urgueira, ao passar junto à casa de José
Maria de Oliveira, grita: - está ali um malhado!. Era um conhecido partidário das ideias liberais, que andava a apanhar fruta nas traseiras da
casa. Logo os milicianos se atiram ao pobre homem indefeso bem como a um outro vizinho. Em seu auxílio surge um
grupo de liberais que depois de grande troca de tiros consegue ganhar aos agressores que eram em bem maior número.
Com a situação dominada resolvem desviar o carregamento de pólvora e colocá-lo
à disposição do capitão de Ordenanças do
Carapinhal, José Dias Brandão e desse modo ficar em “melhores” mãos. Quando tal
intento começava a ser concretizado, eis senão, chega um grupo de outros “voluntários”
que vindos do Norte regressavam a Abrantes. Nova escaramuça se trava ali perto
dos Poços e os liberais mais uma vez saem de vencida. Só que, pressentindo que em breve estariam cercados pelas
Ordenanças de Penacova e de outros concelhos das redondezas, decidem deitar
fogo à pólvora.
Foi então que junto à Catraia dos
Poços, perto da Serra da Sanguinheda, longe das casas, amontoam a pólvora dos 20
carros de bois e estendem o rastilho. Terá sido Manuel Brandão a acendê-lo. Mas
já perto do monte, o pavio apaga-se. Valeu naquele momento a coragem de um penacovense,
um dos irmãos Sande, da Carvoeira, antigo Sargento de Caçadores 8. De rastos aproximou- se perigosamente do monte
de pólvora e reacendeu o rastilho, fazendo explodir toda aquela quantidade de
explosivos. Imagine-se o estrondo que se fez sentir por terras da Casconha!
Escusado será dizer que não demorou muito para que as tropas (guerrilhas) de Arganil chegassem e perseguissem tudo o que era “liberal”. Muitos destes
atravessam o Mondego indo refugiar-se na zona dos Fornos e Alcarraques, já
perto de Coimbra. Outros ficaram pela zona do conflito, sendo a maioria
imediatamente presa. António Joaquim (ou António do Arrabalde, como era
conhecido) ainda se refugiou na toca de um castanheiro, mas de nada lhe valeu.
Às “guerrilhas“ de Arganil juntaram-se as Guerrilhas e Ordenanças de 22
concelhos da região. Também a Infantaria e Cavalaria de Coimbra entraram em
campo. Não custa pois imaginar as perseguições, os incêndios, os saques, as prisões (muita gente de Farinha Podre) que sofreram
todos os simpatizantes da causa liberal.
Mas a vingança não se ficou por aí, nem sequer pelo abarrotar das
cadeias de Mortágua e Arganil. É que os fuzilamentos que se seguiram não foram
nem um nem dois: foram sete. Os nomes estão gravados num Mausoléu que existe em
Viseu. Pessoas da Carvoeira, da Cruz do Soito...
Foram eles: António Homem de Figueiredo, da Cruz do Soito; António
Joaquim, da Várzea de Candosa; Padre António da Maya, natural da Cruz do Soito,
pároco encomendado de Covelo de Ázere (que estava inocente, entre outros);
Francisco Homem da Cunha e o irmão Guilherme Nunes da Silva, da Cortiça, filhos
de Bernardo Homem.Também da Cortiça, José Maria de Oliveira. Por último,
naturais da Carvoeira, os irmãos Francisco de Sande Sarmento e Felizberto de
Sande. Fuzilados por topas pertencentes às Milícias de Santarém, no Terreiro do
Rossio de Santo António, em Viseu, no dia 21 de Março de 1833.
A inscrição existente no referido Mausoléu recorda a “execranda tirania daquele tempo” e exalta a
coragem destes “mártires da liberdade”. Penacovenses... perpetuados em Viseu... ignorados
em Penacova...
NOTA: Voltaremos ao assunto, não só para referir a extensa lista com os
nomes de pessoas desta região que
estiveram nas cadeias, mas também para situar este episódio conhecido por “Queima
da Pólvora” no conjunto da Guerra Civil que opôs liberais e absolutistas, que
semeou o ódio entre “malhados” e “corcundas”...
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