25 maio, 2019

Os santeiros de Sazes



O Inventário Artístico de Portugal (volume relativo ao distrito de Coimbra, publicado em 1952) menciona  que a Igreja de Sazes tinha “muitas esculturas espalhadas pelos altares e arrecadações, obra do pároco, Padre António Abílio dos Santos”.

Assinatura do Pe António Abílio dos Santos
quando, em 1890, era pároco de Sazes

Na Exposição Distrital de 1884 pôde ser apreciado pelos visitantes uma imagem de S. João, “pequena escultura em madeira”, tendo como autor “o reverendo António Abílio dos Santos, cura na paróquia de Sazes”. A estatuária religiosa de Sazes adquirira já alguma projeção regional. É numa publicação que descreve aquele certame que se pode ler uma curiosa referência a esta arte tradicional arreigada naquela freguesia:
“Naquela pitoresca aldeia das vertentes ocidentais da serra do Bussaco é tradicional nos seus diretores espirituais a tendência para a estatuária. Durante muitas gerações ali tem existido, junto da singela e rústica igreja, uma modestíssima oficina de modelação e estátuas religiosas.”
A origem desta arte, poderíamos dizer indústria, estaria relacionada com o Convento do Bussaco: “Neste eremitério dos Carmelitas Descalços houve alguns monges que se dedicaram à arte escultural e que legaram àquele convento algumas obras de merecimento”.  Sazes fica muito próximo do Bussaco e, provavelmente, foram aqueles “frades-artistas”, ao visitarem com alguma assiduidade as aldeias circunvizinhas, a origem da indústria de imagens existente em Sazes e muito conhecida não só no concelho de Penacova mas também no de Mortágua e na região da Bairrada. [1]
Nestas terras “o prior de Sazes e o seu cura são conhecidos e apontados como artistas estimáveis, e as suas obras por lá figuram em muitas capelinhas, ermidas e paroquias.” Esta indústria de Sazes assumiu alguma dimensão e “as encomendas” passaram a ser muitas “ porque a obra agrada[va] ao consumidor e os preços [eram] modicíssimos”.
A arte terá passado de uns párocos para os outros: “Terminados os ofícios divinos, o pároco despe as vestes sacerdotais, adorna-se com a simpática blouse do artista, e ei-lo que nos surge um verdadeiro operário, modelando ou esculpindo as obras que lhe são encomendadas!”




[1]O sr. padre A. Abílio dos Santos esculpiu uma imagem do Senhor morto que se venera na Igreja de Sangalhos, próximo a Oliveira do Bairro, uma do Senhor crucificado na capela do cemitério de S. Martinho da Cortiça, concelho de Arganil, outra dita  na Igreja de Alvaiázere, outra de Nossa Senhora na capela do lugar de Monte-Novo, junto ao Bussaco, outra dita em uma capela do Souto, freguesia de Espinho, de Mortágua. É também autor de duas de Santo António, uma na Igreja da Brenha nas proximidades da Figueira da Foz, e outra n’uma capela próximo a Vale da Mó, concelho de Anadia, além de muitas outras em capelas e casas particulares.”- pormenoriza aquele documento que descreve a Exposição Distrital  de 1884.

20 maio, 2019

Grupo Etnográfico de Lorvão comemora 30º aniversário

A participação na missa dominical, seguida de actuação pública e de um almoço convívio, assinalou , ontem, o 30º Aniversário do Grupo Etnográfico de Lorvão (GEL). Durante o encontro, foi prestada homenagem a uma das fundadoras, D. Maria Fonseca. De acordo com os participantes “foram momentos de grande emoção, partilha, amizade e carinho”. 


O GEL tem a sua génese no "Grupo de Danças e Cantares de Lorvão" criado em 1989. Desde muito cedo surgiu a ideia da criação de um Grupo de Etnografia e Folclore com base num trabalho de pesquisa sobre a cultura local. A Associação Pró-Defesa do Mosteiro de Lorvão "apadrinhou" o grupo em 1990, não apenas por uma questão de enquadramento legal, mas também pelo reconhecimento do seu mérito. Neste processo foi adoptada a denominação "Grupo Etnográfico de Lorvão".

Fez a sua primeira apresentação em público em 6 de Maio de 1990 seguindo-se inúmeras actuações em Portugal e no estrangeiro bem como participações em programas televisivos. 

O estandarte, representa uma figura extraída de uma iluminura do «Apocalipse de Lorvão», que mostra aspectos de vários trabalhos agrícolas da região: cenas da vindima, da ceifa e do lagar de azeite. A moldura do mesmo está guarnecida com folhas de louro e palitos. 


O repertório compõe-se de danças e cantares recolhidas na Vila de Lorvão e serras de Aveleira, Roxo, Paradela e S. Mamede. Apresenta trajos dos finais de séc. XVIII - Criados do Convento, Devotos do Senhor dos Passos, Noivos, Paliteira de meados de séc.XVIII, Recoveira; Vendedor de Palitos; Ver-a-Deus, Meia-Senhora - e trajos do final de séc. XIX como Paliteiras, Trabalhos Agrícolas, Romeiros; Feirantes. O Toque é constituído por instrumentos Tradicionais, nomeadamente: A Viola Toeira, Cavaquinhos, Bandolim Português, Violões, Pandeiro e Ferrinhos. Os viras; os verdegaios, o malhão de Lorvão e outras, são as modas alegres e vivas que este grupo apresenta.


10 maio, 2019

Notas para a história da indústria dos palitos em Lorvão

Pormenor de gravura da revista "ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA"
(1913)


Existe muita bibliografia sobre a indústria dos palitos em Lorvão. Em 1916, a Revista “Arquivos da Universidade de Lisboa” publicou um extenso artigo de José Henrique de Azeredo Perdigão (1896-1993), estudante de Direito.

O artigo daquele que mais tarde viria a ser o 1º Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian intitulava-se “A indústria em Portugal - Notas para um inquérito”. Ali se analisa o estado das indústrias em cada um dos distritos do continente e “ilhas adjacentes.”

Referindo-se ao distrito de Coimbra, começa por salientar que “não existem grandes fábricas, verificando-se sim “um grande desenvolvimento nas pequenas indústrias”.

A indústria algodoeira é considerada como “a única verdadeiramente notável” seguindo-se a moagem e o fabrico do papel (Góis, Lousã e Miranda do Corvo). As fábricas de serração de madeira, a metalurgia (fundições e serralharias), a cerâmica (Coimbra, Figueira da Foz, Lousã e Penacova) e a indústria do calçado completam a lista das actividades industriais mais significativas.

A análise do distrito de Coimbra, naquele estudo de Azeredo Perdigão, termina com a referência a Lorvão: “Entre as indústrias caseiras e rurais devemos citar a dos palitos, muito desenvolvida, especialmente em Penacova e Lorvão.” 

“Esta indústria que merece um pouco de estudo, exerce-se nos concelhos de Poiares, Coimbra e Penacova, sendo o principal centro de fabrico a aldeia de Lorvão. O trabalho é manual e só há pouco tempo ainda é que em Penacova se instalou uma fábrica de palitos que deve empregar 34 operários.”

Depois desta introdução seguem-se algumas notas estatísticas, afirmando-se que “na freguesia de Lorvão que deve ter 3 700 habitantes, há 2 220 operários paliteiros ; no concelho de Penacova devem ocupar-se nesta indústria 3.484 indivíduos; no concelho de Poiares, 540; no de Coimbra, 174; ao todo, 4 198 paliteiros, sendo 296 rapazes, 1.605 raparigas, 424 homens e 1 873 mulheres, o que nos revela uma grande preponderância nesta indústria caseira do trabalho feminino, o que aliás acontece com quási todas as outras”.

Ficamos a saber que um “operário destro” podia produzir, por dia, “ 50 palitos - flor ou 2000 marquezinhos, ou 2400 ordinários, ou 4000 maganos”, ganhando assim o” ínfimo salário de 120 ou 140 réis.”

Ao nível do distrito de Coimbra, o “valor económico da indústria paliteira” traduzia-se nos seguintes dados: “valor de maços produzidos: 10 656$00; valor da madeira empregada como matéria prima: 48 491 $00; lucros para os fabricantes: 146 522$00; lucros para o comerciante: 67 368$00; lucros para o fornecedor de madeiras: 16 911$79; lucros totais, ou riqueza que para a região representa a indústria paliteira: 230 801$79.”

Este documento da Universidade de Lisboa, publicado em 1916, sublinha que “uma das coisas mais curiosas que se verifica na região paliteira, é a existência do palito-moeda” pois, “como a maior parte das casas comerciais daqueles concelhos vendem palitos em quantidade, aceitam-nos em pagamento de géneros alimentícios e outros artigos.”


“O empacotamento ou se faz em embrulhos de papel que reunidos formam um maço, ou em pequenas caixas contendo aproximadamente 400 palitos. Há várias casas de empacotamento e exportação que compram os palitos à indústria doméstica e depois de aperfeiçoados os enviam para todo o país e até para o estrangeiro, sendo as Repúblicas Sul-Americanas um bom consumidor deste produto regional” – acrescenta ainda Azeredo Perdigão que não deixa de reconhecer as limitações deste seu trabalho perante a inexistência de “verdadeiras estatísticas industriais”.