03 setembro, 2025

Honrar os que nos precederam: flores para o Deão Leite




Morreu há 129 anos, é certo. No entanto, o seu nome permanece na toponímia de Penacova e também no cemitério da Eirinha está a sua campa (em tal estado de abandono e corrupção que bem merecia que a autarquia procedesse ao seu restauro). 

Quem passar pelo cemitério da Eirinha, verifica que, afinal, Joaquim Maria Leite, ainda tem quem lhe ponha flores, em atitude de respeito e de consideração por este ilustre penacovense. Sabemos que este gesto, que muito nos sensibiliza, partiu de uma sua conterrânea, pessoa culta que valoriza as raízes penacovenses: a Profª Lídia Cabral Costa.

Quem foi o Deão Leite?

Do livro recentemente publicado “125 Nomes da História de Penacova” extraímos os seguintes dados biográficos:

Joaquim Maria Leite nasceu em Julho de 1829. Filho de José Manuel Leite, oriundo de Fafe, e de Florência Efigénia, natural de Penacova, moradores no Largo do Cruzeiro, na chamada “Casa dos Leite”.

Foram seus irmãos, entre outros, José Maria da Conceição Leite, que foi pároco e arcipreste em Penacova, e António Maria Leite, chefe dos Correios.

No ano lectivo 1847/48 iniciou os estudos de Teologia. Na época era professor da Universidade João Crisóstomo de Amorim Pessoa. Joaquim Maria foi seu aluno e, quando aquele catedrático de Teologia foi nomeado Arcebispo de Goa e Patriarca das Índias (1862/63), convidou este seu pupilo para seu secretário pessoal.

Em Goa, Joaquim Maria Leite foi mais do que um mero “funcionário administrativo”. Foi professor de Ciências Eclesiásticas e Reitor do Seminário de Rachol, além de Chantre da Sé Primacial de Goa.

Quando Amorim Pessoa chegou à Índia procurou elevar o nível da formação eclesiástica reformando os estudos, centralizando-os naquele Seminário e nomeando Reitor Joaquim Maria Leite.

Por motivo de doença teve de abandonar a Índia, sendo pouco depois convidado para Professor do Liceu da Guarda, onde conheceu Emídio da Silva e ascendeu a Reitor.

Nesta cidade integrou o Cabido da Sé, na qualidade de Cónego-Deão. Ser Deão do Cabido da Sé implicava presidir àquele órgão. Daí o atributo de “Deão Leite”. Nesta cidade da Beira Alta presidiu à Comissão criada para fundar o Asilo da Mendicidade.

Joaquim Maria Leite ocupou, mesmo que por pouco tempo, por motivos de saúde, o cargo de Deputado por Penacova.

Acabou os seus dias em Penacova, onde viveu alguns anos, paralítico, vitimado pelo reumatismo gotoso, mas ajudando os necessitados e recebendo muitas visitas.

Morreu no dia 6 de Agosto de 1896, há 129 anos, com apenas 67 anos. Os seus restos mortais repousam no cemitério da Eirinha, onde existe uma campa-memorial com a seguinte inscrição:

À MEMÓRIA / DE / SEU IRMÃO O DEÃO DA / SÉ DA GUARDA / JOAQUIM MARIA LEITE / NATURAL DE PENACOVA ONDE / FALECEU / EM 6 DE AGOSTO / DE 1896 / JOSÉ MARIA LEITE

Na sessão de 4 de Janeiro de 1902, a Câmara Municipal, presidida por Daniel da Silva, deliberou atribuir ao Largo do Cruzeiro a designação de “Largo do Deão Leite”.

Crónicas do Avô Luís (3): Tutto passa...





O meu neto mais velho [o André, de 19 anos, estudante de Informática na Universidade Nova de Lisboa] foi fazer um interrail que terminou há pouco tempo.

E apareceu com uma tatuagem no braço direito. A tatuagem tem escrito: “TUTTO PASSA”.

Em italiano significa “a impermanência da vida e a ideia que tanto os momentos bons quanto os ruins são passageiros”.

Verifiquei, entretanto, que subsiste uma história à volta de um homem idoso napolitano que foi conhecido por ter essa mesma frase tatuado no tórax.

Essa fotografia corre mundo e glorifica o fotógrafo Ciro Pipoli.

Eu não sou fã de tatuagens, mas não tenho nada contra elas, desde que discretas e significativas.

Mas fiquei, sinceramente, orgulhoso da iniciativa que o André decidiu ter.

Aos 19 anos, eu tinha sobre os meus ombros a necessidade de começar a constituir uma vida, a 200 quilómetros dos meus pais (à altura, 5 horas de viagem) trabalhando na HPE e estudando já no segundo ano da FDL.

O André não tem problemas com a vida dele, felizmente, e os que possa ter tido - que dão endurance - já passaram, pelos vistos.

E isso é muito bom!

A pergunta que eu faço a mim próprio [que bem podia ter esta frase numa qualquer parte do meu corpo] é a de saber se as coisas serão mesmo assim?

E a minha abordagem, sempre exigente, sempre prudente, conclui que não!

As coisas (boas, más, assim assim) até podem passar, mas não vão, pura e simplesmente para o “cano de esgoto da vida”.

Ai não vão não!

Se tudo passa (agora em português) porque será que sinto tanto, ainda, as coisas que aconteceram há 60, 50, 40, 30, 20, 10, 5 anos, ou há poucos dias, até?

Poderá ser por que não tem comparação a vida que eu tive de ter e a que o André tem?

Ou por que a idade do André ainda não permite a distância que este tipo de análises precisa?

Para um desportista (como o André é, praticante de futsal) a lesão do dedo grande do pé direito está ultrapassada e, portanto, passou…

Para o Fisioterapeuta do André, passou, mas deixou mazelas que não se podem descurar…

Para o Treinador, passou, deixou mazelas e merece desconfiança: afinal posso contar contigo a 100%, 90%, 80% ou só 50%?

Para uma qualquer das muitas Psicólogas ou Psicanalistas que conhecem o meu neto, desde muito pequenino, o assunto é outro: o que se deve fazer para que o André esteja em condições (apto) para assumir tão firmemente que, no alto dos seus 19 anos, tudo passou e que, ao longo da vida venha a ser um jovem/homem trabalhador, responsável e solidário.

Eu quero acreditar que a ousadia é uma característica importante do ser humano; que deve ser acompanhada da ambição saudável, rumo a uma vida em que nós próprios pensemos que uma boa parte de nós se pode entregar aos outros que precisam de ajuda; e que não é mau que coisas menos boas deixem alguns resquícios que, de vez em quando, nos permitam pensar melhor (nelas) e nas suas razões profundas !

E assim, pensando no TUTTO PASSA, já deixei passar uma boa tarde de praia.

Mas, estou certo, irei pôr os nossos Andrés, todos, a reflectirem bem sobre os factores de sorte que a vida lhes deu e, sobretudo, que os seus próprios Andrés, num futuro próximo, também precisarão dela.

Ao mesmo tempo, sem dar por isso, coloquei os avós da minha idade a ir um pouco ao fundo das vidas que tiveram.

E bem assim das que estão a ter, num contexto em que a reforma contratada diminui sistematicamente pela via do aumento da tributação e, também, pela ocorrência do aumento do custo de vida.

Sem contar com as situações em que são o suporte de vida a um agregado familiar que aumenta pela ocorrência de situações de desemprego e outras!

Luís Pais Amante
Casa Azul



27 agosto, 2025

Ainda a presença do Coral Divo Canto no Festival de Llangollen


No passado mês de julho, nas terras galesas, realizou-se o “Llangollen International Eisteddfod, considerado o maior festival cultural da Europa, com início em 1947. Curiosamente, nesse mesmo ano -e pela única vez - a organização convidou emigrantes portugueses a participar. Um grupo de pessoas do Porto alugou uma carrinha e viajou até àquele local para se juntar ao evento. Este festival tem levado à cidade centenas de milhares de pessoas ao longo das décadas, reunindo culturas e idiomas diferentes.

Em 2025, assinalou-se o 80.º aniversário das Nações Unidas e, como sempre, Llangollen celebrou a criatividade e a diversidade dos povos, mantendo-se firme na defesa da paz mundial.

É através da dança, do canto, da poesia e das artes criativas que as mensagens de fraternidade são transmitidas, tanto no palco principal como nos palcos secundários espalhados pelo recinto.

As apresentações foram memoráveis: grupos de crianças, jovens e adultos mostraram, em cada encenação, a importância da união e da paz entre os povos. Demonstraram que a paz mundial começa dentro de cada um de nós.

Foram quatro dias inspiradores e emocionantes, rodeados de homens e mulheres de diferentes cores, trajes garridos e idiomas próprios, todos unidos por um mesmo propósito: Deixem-nos viver em paz! Quem dera que todos os líderes mundiais assistissem a este festival, absorvessem estas mensagens e as pusessem em prática. Afinal, se fossem picados os 4.000 participantes, o sangue correria sempre da mesma cor.

O desfile pela cidade, onde 35 países mostraram a sua identidade através das suas bandeiras, fez-me perceber como Portugal continua a ser pequeno. Recordei as palavras da minha professora de inglês, no liceu, que dizia que, em Inglaterra, Portugal era apenas conhecido pela Amália e pelo Eusébio.

Ao gritar “Portugal!”, percebi que as pessoas associavam o nome ao Cristiano Ronaldo. Houve euforia e aplausos que me tocaram profundamente: senti-me pequenina no meio daquela imensidão, mas orgulhosamente portuguesa “à beira-mar plantada”.

Um dos momentos altos foi a atuação do Divo Canto, um grupo de 30 coralistas amadores de várias idades, que sacrificam horas de descanso semanais para aprender e ensaiar. Tiveram a ousadia de subir a um palco onde já cantaram Luciano Pavarotti (durante 30 anos consecutivos) e tantos outros músicos e compositores de renome.

Foi uma sensação enternecedora. Senti o peso da responsabilidade: tinha de dar o meu melhor depois de meses de ensaios, alguns deles realizados junto a antigas campas, com mosquitos a incomodar e a entrar pela boca sempre que a abria para cantar.

No imponente palco, diante de uma plateia de várias nacionalidades, a minha missão era cantar, transmitir paz e alegria e representar Portugal em sintonia com as vozes dos meus colegas.

De repente, vi uma bandeira portuguesa erguida pela comunidade lusa de Wrexham. Vieram apoiar-nos e gritar “Viva Portugal!”. As lágrimas caíram-me de alegria, pois ali estavam representados a minha família, marido, filhos, netos e todos os portugueses espalhados pelo mundo.

À boa maneira portuguesa, os nossos conterrâneos de Wrexham ainda prepararam e levaram um delicioso caldo verde, servido no recinto para nos aquecer o estômago. Gesto solidário e cheio de carinho! Também nos mostraram a sua cidade e organizaram surpresas, incluindo uma bela refeição no restaurante Vasco da Gama.

Tivemos ainda a honra de ser convidados a cantar no encerramento do festival, numa celebração dominical na igreja medieval de St. Collen’s Church, onde se agradeceu a Deus pelos compositores e músicos que transformam vidas através da união e da paz. A viúva de Luciano Pavarotti e o diretor do festival também marcaram presença.

Passados 78 anos, um grupo português voltou a pisar aquele palco. Isso só foi possível graças à coragem e dedicação de pessoas que se entregam de corpo e alma, abdicando de muito das suas vidas para concretizar momentos assim. O Divo Canto é privilegiado por ter quem o dirija, tanto na vertente artística como na organização.

O maestro Pedro Rodrigues, jovem trabalhador noutra área profissional, dedica os seus tempos livres à paixão pela música. Com calma e persistência, vai colocando partituras e melodias nas cabeças dos coralistas ... tarefa nada fácil!

Destaco também o presidente Eduardo Ferreira, homem de causas, que trabalha incansavelmente para atingir os objetivos do grupo, muitas vezes à custa da própria saúde.

Assim, o Divo Canto vai abrindo caminhos em terras distantes, experimentando outras culturas e formas de ver o mundo.

Importa sublinhar que todos os coralistas, direção e maestro pagam as suas próprias despesas de alimentação, estadia e viagem. Recebem alguns apoios, subsídios pontuais e verbas das vendas em festas, mas estão longe de cobrir os custos.

E que fique claro: isto não é um lamento, mas sim uma informação para os mais distraídos.

Saudade Lopes