27 agosto, 2025

Ainda a presença do Coral Divo Canto no Festival de Llangollen


No passado mês de julho, nas terras galesas, realizou-se o “Llangollen International Eisteddfod, considerado o maior festival cultural da Europa, com início em 1947. Curiosamente, nesse mesmo ano -e pela única vez - a organização convidou emigrantes portugueses a participar. Um grupo de pessoas do Porto alugou uma carrinha e viajou até àquele local para se juntar ao evento. Este festival tem levado à cidade centenas de milhares de pessoas ao longo das décadas, reunindo culturas e idiomas diferentes.

Em 2025, assinalou-se o 80.º aniversário das Nações Unidas e, como sempre, Llangollen celebrou a criatividade e a diversidade dos povos, mantendo-se firme na defesa da paz mundial.

É através da dança, do canto, da poesia e das artes criativas que as mensagens de fraternidade são transmitidas, tanto no palco principal como nos palcos secundários espalhados pelo recinto.

As apresentações foram memoráveis: grupos de crianças, jovens e adultos mostraram, em cada encenação, a importância da união e da paz entre os povos. Demonstraram que a paz mundial começa dentro de cada um de nós.

Foram quatro dias inspiradores e emocionantes, rodeados de homens e mulheres de diferentes cores, trajes garridos e idiomas próprios, todos unidos por um mesmo propósito: Deixem-nos viver em paz! Quem dera que todos os líderes mundiais assistissem a este festival, absorvessem estas mensagens e as pusessem em prática. Afinal, se fossem picados os 4.000 participantes, o sangue correria sempre da mesma cor.

O desfile pela cidade, onde 35 países mostraram a sua identidade através das suas bandeiras, fez-me perceber como Portugal continua a ser pequeno. Recordei as palavras da minha professora de inglês, no liceu, que dizia que, em Inglaterra, Portugal era apenas conhecido pela Amália e pelo Eusébio.

Ao gritar “Portugal!”, percebi que as pessoas associavam o nome ao Cristiano Ronaldo. Houve euforia e aplausos que me tocaram profundamente: senti-me pequenina no meio daquela imensidão, mas orgulhosamente portuguesa “à beira-mar plantada”.

Um dos momentos altos foi a atuação do Divo Canto, um grupo de 30 coralistas amadores de várias idades, que sacrificam horas de descanso semanais para aprender e ensaiar. Tiveram a ousadia de subir a um palco onde já cantaram Luciano Pavarotti (durante 30 anos consecutivos) e tantos outros músicos e compositores de renome.

Foi uma sensação enternecedora. Senti o peso da responsabilidade: tinha de dar o meu melhor depois de meses de ensaios, alguns deles realizados junto a antigas campas, com mosquitos a incomodar e a entrar pela boca sempre que a abria para cantar.

No imponente palco, diante de uma plateia de várias nacionalidades, a minha missão era cantar, transmitir paz e alegria e representar Portugal em sintonia com as vozes dos meus colegas.

De repente, vi uma bandeira portuguesa erguida pela comunidade lusa de Wrexham. Vieram apoiar-nos e gritar “Viva Portugal!”. As lágrimas caíram-me de alegria, pois ali estavam representados a minha família, marido, filhos, netos e todos os portugueses espalhados pelo mundo.

À boa maneira portuguesa, os nossos conterrâneos de Wrexham ainda prepararam e levaram um delicioso caldo verde, servido no recinto para nos aquecer o estômago. Gesto solidário e cheio de carinho! Também nos mostraram a sua cidade e organizaram surpresas, incluindo uma bela refeição no restaurante Vasco da Gama.

Tivemos ainda a honra de ser convidados a cantar no encerramento do festival, numa celebração dominical na igreja medieval de St. Collen’s Church, onde se agradeceu a Deus pelos compositores e músicos que transformam vidas através da união e da paz. A viúva de Luciano Pavarotti e o diretor do festival também marcaram presença.

Passados 78 anos, um grupo português voltou a pisar aquele palco. Isso só foi possível graças à coragem e dedicação de pessoas que se entregam de corpo e alma, abdicando de muito das suas vidas para concretizar momentos assim. O Divo Canto é privilegiado por ter quem o dirija, tanto na vertente artística como na organização.

O maestro Pedro Rodrigues, jovem trabalhador noutra área profissional, dedica os seus tempos livres à paixão pela música. Com calma e persistência, vai colocando partituras e melodias nas cabeças dos coralistas ... tarefa nada fácil!

Destaco também o presidente Eduardo Ferreira, homem de causas, que trabalha incansavelmente para atingir os objetivos do grupo, muitas vezes à custa da própria saúde.

Assim, o Divo Canto vai abrindo caminhos em terras distantes, experimentando outras culturas e formas de ver o mundo.

Importa sublinhar que todos os coralistas, direção e maestro pagam as suas próprias despesas de alimentação, estadia e viagem. Recebem alguns apoios, subsídios pontuais e verbas das vendas em festas, mas estão longe de cobrir os custos.

E que fique claro: isto não é um lamento, mas sim uma informação para os mais distraídos.

Saudade Lopes







25 agosto, 2025

Opinião: FOGO - A DOENÇA QUE O POVO NÃO MERECE


Fogo: a doença que o Povo não merece

É com enorme tristeza que dirijo esta minha crónica a um tema sobre o qual ando a escrever há muitos anos.

Tristeza, amargura, vergonha, até!

Morreram mais Bombeiros…
…e, só por isso, já temos todos de estar angustiados.

Pior do que isso é que “os poderes” não se conseguem entender, nem têm a coragem de assumir que erraram mesmo muito durante os anos da nossa Democracia.

Não foram os políticos que fizeram e desfizeram estruturas supostamente para “prevenir” os fogos?

Não foram os Ministros da Administração Interna que derreteram rios e rios de dinheiro para, como afirmaram, “resolver o problema”?

Não foram “as guerras” que distrataram os Bombeiros e que os colocam -a centenas de quilómetros de casa- a olhar pró ar?

Sinceramente!

Continuar “o jogo político” na situação calamitosa em que o nosso País se encontra, é pura e simplesmente inadmissível!

A organização política tanto andou, tanto andou, que criou uma máquina tão penosa que até custa acreditar.

Os interesses são tantos e tão transversais que já não se sabe bem “quem são os chefes e quem são os índios”.

Não há linha de comando! Há tachos…
Essa é que é essa!

Após anos de desagregação de sistemas credíveis (talvez a necessitar de modernização) eis que transformaram o fogo numa doença que o nosso Interior não merecia e o nosso Povo (que continua a ser quem paga tudo) deve começar a repudiar; a contrariar.

Tudo nos levou a Pedrogão; tudo nos continua a levar a Pedrogão.

Não há prevenção; não há organização…e o combate é mantido à distância do fogo.

Só que o combate é conhecido localmente e o resto ninguém sabe quem são os actores de tanta asneira sucessiva.

Ofereço este Poema aos Leitores:


O  F o g o


Falar sobre o Fogo

Já não traz nada de novo

Nem ensina nada a ninguém

O Fogo é um martírio pró nosso Povo

Que vive no Interior e é tratado com o desdém

Dos “acrobatas” escondidos por aí

Nos gabinetes que bem os mantêm

É anedótico o dinheiro que se aloca

Aos comedores da “pipoca” a arder

É tortuoso ver Bombeiros a morrer

Todos os anos, em calor ou a chover

E as Famílias sem saber como comer

E é vergonhoso ver as televisões

A correr só para captar ignições

E os tempos só a vender ilusões

!… Até a Ciência não se sabe

Como consome tantos milhões …!

        *

Tudo isto já mete nojo

Já causa náuseas de dor

Tudo isto é um despojo

… Que muda o País de cor!


E chamo à atenção de todos que, se calhar, nós estamos mesmo à beira do precipício.

É que começa a discutir-se a passagem da prevenção para os Municípios.

E isso, constituindo um bom princípio descentralizador, pode tornar-se num problema que “mate” o Poder Local.

Financeiramente!

Não haja ilusão: o Poder Central só quer ter sob o seu controle o que dá prestígio sem dar chatices.

Sobre as responsabilidades maiores, é só fazer contas e contabilizar o número de anos de pertença dos tais Ministros da Administração Interna.


Luís Pais Amante

Casa Azul

22 agosto, 2025

Silveirinho, Santa Quitéria e Pedro Henriques de Abreu

Neste fim de semana a aldeia do Silveirinho (S. Pedro de Alva) vai realizar as suas festas em honra de Santa Quitéria. Não temos elementos que nos esclareçam sobre a origem deste culto nesta localidade. No entanto, sabemos que no século XVII esteve em S. Pedro de Alva um padre muito erudito que escreveu um livro sobre a vida desta santa que, segundo a tradição, foi martirizada por defender os valores da sua fé. 


PEDRO HENRIQUES DE ABREU

Pedro Henriques de Abreu, licenciado em Cânones, foi Reitor da Igreja de S. Pedro de Farinha Podre entre 1632 e 1662. Nasceu em Évora de Alcobaça, mas  "as datas de nascimento e óbito ficaram até hoje ignoradas" - dizem os registos. 

Aparece referenciado como autor  no Dicctionnaire Universel de Sciences Eclesiastiques (Paris, 1868),  no Dicionário Bibliográfico Português e  também  no Dicionário da História da Igreja em Portugal.

Pedro Henriques de Abreu, ficou célebre devido à obra que publicou em 1651 intitulada, no original,  A vida e martyrion de S. Quitéria e de suas oito irmãs, todas nascidas de hum parto, portuguezas e prothomartyres de Hespanha. O livro inclui ainda “um discurso sobre a antiga cidade “Cinania”. São raros os exemplares existentes. A Biblioteca Nacional de Portugal possui uma cópia digitalizada da mesma. Esta obra foi muito apreciada, na época, por autores portugueses. 

O livro de Pedro Henriques de Abreu apresenta uma gravura de João Gomes, “figurando a Santa, decapitada, tendo a cabeça nas mãos, à altura do colo, em acto de ser coroada por uns anjos, que suspendem a respectiva coroa, por sobre a base do pescoço cortado ao meio.”

O titular da Comenda de S. Pedro, o famoso Francisco de Sousa Coutinho, que terá vivido algum tempo na Cortiça, foi seu amigo, ao ponto de lhe ter cedido "sem obrigação de pagar",  os "passais"  (que pertenciam à Comenda), enquanto ele fosse o vigário.

Também de Brás Garcia de Mascarenhas foi contemporâneo e mesmo amigo. Recorde-se que Brás Garcia teve inclusivamente por esta época os irmãos Manuel Garcia e Pantaleão Garcia como párocos de Almaça e de Travanca,  que visitaria com toda a certeza, não deixando de aproveitar a proximidade para contactar o reitor /vigário seu amigo. 


O CULTO DE SANTA QUITÉRIA

Em Portugal, o culto a Santa Quitéria terá começado no início do século XVI. Embora não seja das figuras hagiográficas mais conhecidas, a veneração desta jovem mártir está difundida um pouco por todo o país, incluindo as regiões autónomas, mas mais localizado em dioceses como Évora, Coimbra e Porto.

Na Madeira, Santa Quitéria deu nome a várias capelas: Curral das Freiras, Calheta e Madalena do Mar. Também no Funchal o Colégio / Igreja de São João Evangelista possui uma capela a ela dedicada. 

No conjunto das Festas de Santa Quitéria destacam-se as de Felgueiras e Pombeiro da Beira, aqui bem perto de nós. Igualmente em Ferrel (Peniche), em Mansores (Arouca), em Meca (Alenquer) e no Silveirinho (S. Pedro de Alva). De referir, ainda, a capela de Santa Quitéria, antiga sinagoga, em Vila Nova de Foz Côa.

Quer o Agiológio Lusitano de Jorge Cardoso (1666), quer a biografia de Frei Bento da Ascensão (1722), quer, como vimos, Pedro Henriques de Abreu, situam o nascimento e o martírio de Santa Quitéria em terras lusitanas. Por sua vez, o Martirologium Romanum , dos finais do século XVI, apresenta Santa Quitéria como mártir de Espanha, enquanto que  o actual Martirologium Romanum a situa na Aquitânia (região da França). 

"Jovem de linhagem influente, desde cedo consagrara a sua virgindade a Cristo e, como se negava a casar, o seu pai acabou por a decapitar, tendo surgido uma fonte no local do martírio. Outras versões referem que o seu martírio ocorreu a mando  de Euric, rei dos Godos, pelo facto de professar o catolicismo. Reza a lenda que após ter sido decapitada a jovem recolheu a sua própria cabeça e, guiada por um anjo, encaminhou-se para a igreja cujas portas estavam fechadas. Porém, ao aproximar-se, abriram-se de par em par. Desceu então as escadas que conduziam à cripta e, depois de se acomodar no sarcófago previamente preparado para sua sepultura, acabou de morrer». (Cf. Quitéria, uma santa da Lusitânia nas terras de Entre-Douro-e-Minho, de Luís Alberto Casimiro (2010).

Existem muitas outras versões lendárias, quer sobre Santa Quitéria, quer sobre as oito irmãs, que também terão sido martirizadas.

Sobre o culto de Santa Quitéria no Silveirinho não conhecemos nenhum documento ou referência a esse respeito. Fica a hipótese de estar relacionado com a presença do Padre Pedro Henriques de Abreu nestas terras da Casconha.