01 fevereiro, 2025

Laborins [ e arredores ] em festa: Nossa Senhora das Candeias



Por estes dias, Laborins (o cartaz faz questão de anunciar que a festa também é de Vale da Serra, Arroteia, Carvalhal e Beco...) vai estar em Festa. A antiquíssima tradição destes lugares vai repetir-se. Veja-se esta pagela que já terá uns bons anos e que era disponibilizada perto do cesto das ofertas pecuniárias que os devotos depositavam junto à imagem da venerada Senhora das Candeias.



A origem desta devoção a Nossa Senhora das Candeias está relacionada com a Apresentação do Menino Jesus no Templo e a Purificação de Nossa Senhora, quarenta dias após o Natal. Para assinalar esses acontecimentos surgiu então a  Festa de Nossa Senhora da Purificação, celebrada pela Igreja Católica a 2 de Fevereiro, e o culto a Nossa Senhora das Candeias. 

Em Portugal, esse culto nasceu a partir do século XV. Segundo a tradição deve-se a Pedro Martins. Num sonho lhe ter-lhe-á aparecido Nossa Senhora envolta em luz, que lhe indicou que iria encontrar uma imagem sua em Carnide, nos arredores de Lisboa. Aí foi construído um convento e uma igreja dedicada à Senhora da Luz, que foi muito danificada com o terramoto de 1755, mas foi reconstruída e é hoje  a Igreja Paroquial daquela freguesia.

Rapidamente o culto cresceu e se expandiu, não só em Portugal. No Brasil, por exemplo, é padroeira da cidade de Curitiba, no Estado do Paraná. Nas ilhas Canárias, “Nossa Senhora da Candelária” é, igualmente, a padroeira.  Em muitos outros lugares do nosso país, como em Terroso (Póvoa de Varzim), Mourão (Alentejo), Samuel (Soure), Ferreiros (Lamego), Delães e Landim  (Famalicão), S. Faustino (Guimarães), Nespereira (Lousada), esta festividade é assinalada com grande fervor.

O Papa, no século X, oficializou esta celebração que se chama , em rigor, “Festa da Apresentação do Menino Jesus no Templo e da Purificação de Nossa Senhora”,  começando, precisamente, por ser uma procissão à luz de candeias.

Nossa Senhora das Candeias era tradicionalmente invocada pelos cegos (como afirma o Padre António Vieira no seu Sermão do Nascimento da Mãe de Deus: «Perguntai aos cegos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora das Candeias"...

26 janeiro, 2025

Quando o Porto da Raiva "coalhava" de barcas e de gente...


Muito se tem escrito sobre o Porto da Raiva, não tivesse sido esta localidade ribeirinha um dos maiores portos fluviais do nosso país até meados do século XIX. A actividade portuária manteve-se, contudo, por mais um século, até meados do século XX , assumindo-se como "o principal porto serrano do Mondego, a setenta quilómetros da foz", como reconheceu Adriano Peixoto em 1947 quando escreveu o artigo "A vida de um rio", texto que consideramos ser uma das melhores referências escritas sobre a "vida" deste lugar. Um texto que a dado passo se transforma como que num filme onde há movimento, acção: a Raiva "peja-se de gente estranha. Barqueiros de todo o rio. Lenheiros e carreiros de Laborins, Travanca, Sobral, Cruz do Souto, S. Paio. Freguesia até às portas nas mercearias e vendas. O rio coalha-se de barcas. O areal coalha-se de gente. Filas de mulheres formigueiam entre o rio e a aldeia."

A VIDA DE UM RIO

Da foz do Ceira à Rebordosa, o vale do Mondego tem por vezes, a grandeza orográfica duriense. Na Rebordosa abre-se numa grande concha azul, para se fechar, convulsivamente, nas pedreiras altas da Livraria, à vista de Penacova, onde esmaece o clarão arco-irisado que, do mar às dramáticas penedias, inunda de luz o Mondego.

Cinco quilómetros adiante de Penacova, no caminho de S. Pedro de Alva, à entrada duma povoação, recortam-se no fundo branco duma placa da junta Autónoma das Estradas as letras sanguíneas desta palavra: Raiva.

A localidade em si nada tem de diferente das que se deixaram para trás. Casas dum lado e doutro da estrada, entre o rio e a aba do vale. As mesmas mercearias, as mesmas vendas, os mesmos velhos parados, as mesmas crianças, as mesmas galinhas, as placas metálicas das gasolinas e óleos de todos os aglomerados à beira das estradas, os mesmos editais.

Será apenas menos luminosa e menos agrícola. À volta não há um lameiro, nem grandes hortas ou pomares. Só pinheirais. Olivedos. Silêncio. E a povoação adormecida, o rio adormecido...

No entanto, em certos dias, a Raiva é uma aldeia singular, quando vive para o rio, como nenhuma outra povoação.

Três vezes por semana, às segundas, quintas e sábados, entrega-se completamente à vida fluvial. Peja-se de gente estranha. Barqueiros de todo o rio. Lenheiros e carreiros de Laborins, Travanca, Sobral, Cruz do Souto, S. Paio. Freguesia até às portas nas mercearias e vendas. O rio coalha-se de barcas. O areal coalha-se de gente. Filas de mulheres formigueiam entre o rio e a aldeia. Os homens válidos da Raiva desprezaram o rio. São serradores ou carpinteiros. Não anda hoje no Mondego uma barca da Raiva. Não há, sequer, um barqueiro nascido na Raiva...

Carros de bois sobem e descem o areal. As mulheres conduzem, à cabeça, tábuas e pranchas que vão buscar aos «depósitos», recintos murados, nos pontos da estrada mais próximos do rio, para facilitar a carga das barcas e camionetas. O plano ao nível da água destina-se às pilhas a exportar por via fluvial. É um tosco e húmido cais. O sobreposto é de construção mais caprichosa. Domina-o uma pérgola que lhe da o ar de um mirante. À primeira vista parece fantasia de um rude natural que tivesse regressado muito rico e a quem desse, ostentosamente, para embelezar a terra, mandando fazer aquilo... Mas sabe-se depois que a pérgola não é uma inutilidade, antes uma construção indis- pensável à cubicagem da madeira, um ester de cimento armado, caiado a branco e rosa.

Os carros de bois transportam a lenha armazenada nos barracões dispersos pelo povoado. A lenha é empilhada, separadamente, à proa e à ré, e as barças carregadas ganham a linha dos «juncos». Quando são muitas, forma-se em frente do lugar uma verdadeira aldeia lacustre.

Em várias manhãs chegam a reunir-se mais de cem.

Por volta do meio dia começa a largada.

As barcas contornam a serrazinha da Mougueira que, do Poente, avança sobre a Raiva e se queda defronte, na margem direita, revestida de pinheiros e eucaliptos. O rio, desobstruído, torna a ser remansoso e verde. A branda corrente leva as barcas, as madeiras, as lenhas, os barqueiros, a vozearia. E a essa hora, quando a sereia da fábrica de serração lança o seu prolongado mugido, o som tem acordes de búzio, evocando o que quer que seja do oceano distante. Ligada a visão da azáfama no areal à voz lamentosa da sereia e à perspectiva da localidade, tomada do sul, tem-se por instantes a ilusão da vida de um porto interior de um grande canal. O eco dos motores da fábrica, abafado pela vegetação, é tal qual o ruído das hélices dos vaporsitos espadanando a água. E a voz da sereia, o grito dos barcos que abandonam o porto a voz das últimas barcas que deixam a Raiva...

O movimento portuário da Raiva está circunscrito à exportação de madeiras e lenhas. A camionagem não ousa eliminar a concorrência das barcas. Por duzentos e cinquenta escudos uma barca leva a igual distância as mesmas dez toneladas que uma camioneta não transporta por menos de seiscentos ...

A Raiva é ainda o principal porto serrano do Mondego, a setenta quilómetros da foz. Porém, até meados do século XIX foi dos maiores portos fluviais portugueses.

Nessa época o seu tráfego não se limitava à drenagem florestal. Compreendia toda a exportação e importação económicas. Mais ainda. Registava um extraordinário movimento de passageiros!

À Raiva chegavam a cavalo ou em carros de bois, vindos de toda a Beira, os que se dirigiam para Coimbra ou a outros portos de jusante e ali tomavam as barcas: estudantes, fabricantes de tecidos, negociantes, recoveiros, almocreves. Para cima de quinhentas unidades constituíam então a frota do Mondego.

Na Raiva havia grandes armazéns de cereais, legumes e batatas, que a Beira exportava para o baixo río. Do mar, as barcas levavam à Raiva o sal e o peixe que a Beira consumia: o vinho da Bairrada e das Gândaras; muita mercadoria que distribuíam pelo alto distrito os armazéns de víveres das duas cidades do rio; e os lentes e os estudantes coimbrões, com as suas famílias e a criadagem, que iam passar as férias às terras natais.

Militarmente, o porto teve acção importantíssima em determinada altura da Guerra Peninsular. A ele convergiam, transportadas pela barcas serranas, os mantimentos, as municões e o gado para as forças anglo-lusas que perseguiam as hostes francesas em retirada.

E na Raiva existiam, inclusivamente, os mais vastos estaleiros do rio.

Dessa remota opulência restam somente recordações e ruínas.

A nota evocadora mais viva é a feira, que continua a efectuar-se no quinto dia da semana, apesar de ter perdida quase tudo da sua importância de outrora.

Por causa da feira da Raiva tiveram de ser transferidos os dias das audiências na Comarca de Penacova. O tribunal ficava às moscas. Faltavam as testemunhas. Faltavam os jurados. E não sei até se alguma vez chegaram a faltar os réus...

A mais impressionante, no entanto, é a das ruínas dos armazéns, tão tristes que a aldeia as abandonou, furtando-se ao seu convívio e à sua contemplação: casas meio destelhadas, outras sem teto, paredes caídas, entre as quais crescem as silvas e as figueiras bravas. Duas ou três servem de currais. As pedras tombadas entulharam as ruas. Ninguém lhes mexeu...

A Raiva nova estende-se para o norte, em busca de solo firme onde possa edificar a sua perenidade. Alia-se à estrada parecendo não fazer caso do rio...

Excerto do artigo “A Vida de Um Rio”, de Adriano Peixoto, publicado no volume X do Arquivo Coimbrão, 1947.

24 janeiro, 2025

Da minha janela: A democracia em autofagia


A Democracia em autofagia

Autofagia, em sentido figurado, significa autodestruição; Democracia, em sentido real, significa o regime político em que os cidadãos -no aspecto dos seus direitos- participam em igualdade, com ambição.

Esta participação dos cidadãos pode ocorrer directamente ou através de representação dos seus eleitos. Os eleitos devem, assim, trabalhar com o objectivo de cumprir os anseios dos seus votantes/eleitores, ou seja do Povo a que vão fazendo promessas.

Está em causa o exercício do poder e da governação e da oposição, tendo em vista a criação de leis sobre as condições sociais, económicas e culturais e cumprir os objectivos enunciados e sufragados livremente, na óptica da defesa do Estado de Direito.

Tudo começou na Atenas Clássica, como antónimo (contrário) da autocracia…

Abrange-se, essencialmente, o sufrágio eleitoral livre, sem coação e a cidadania integral e “limpa”, na avaliação que eu faço; excluem-se todas as ações que favoreçam os “interesses pessoais condicionantes”, como a “fabricação de figuras” por meios e modos que, fora da política, a manietam, por esse mundo fora, cada vez mais aguerridamente.

E, naturalmente, integra-se a Liberdade!

E, também, a paz e o respeito pelo Direito Internacional e pelos seus contornos, tudo construído no post guerra e, ultimamente, a desabar a uma velocidade estonteante, como se de um baralho de cartas se tratasse.

Conhecem-se suficientemente bem os regimes democráticos e, igualmente, os autocráticos, que já pululam pelas geografias do mundo, sem que as Democracias os saibam antecipar.

E tem-se aliado a Democracia às Constituições resultantes de processos livres, em que o que mais importa (o centro) é o tal Povo.

Nos últimos tempos confundem-se conceitos de organização política, com as ideologias vigentes desde o princípio do século passado; esquecemo-nos só que “organizar” o mundo entre “esquerda” e “direita” se torna, hoje, tão redutor, tão inconsequente, que nos permite assistir a ações e atitudes meramente de “direita”, praticadas pela “esquerda” e vice-versa. Quando se chega ao “poleiro” tudo se esvai. Passa a contar só o umbigo e o benefício das “portas giratórias”!

Ou seja,

!… Na minha modesta opinião, já não é “de direita” só quem o diz e já não é “de esquerda” quem o quer fazer parecer ser …!

As posições políticas têm de ser alicerçadas em ações concretas, com impacto visível na vida das Pessoas e nunca em proclamações desgarradas, incipientes e sem qualquer tipo de fiabilidade.

Não pode ser só vociferar hipotéticos posicionamentos políticos; têm mesmo de ser levados à prática (à risca) os aspectos que caracterizam isto ou aquilo. Não vale de nada gritar ou manifestar.

Começando no nosso País pequenino e indo por aí afora -Europa, Mundo-aquilo a que assistimos é a uma profunda delapidação dos valores e dos meios e das riquezas comuns, uma degeneração dos carácteres, tudo com apropriações indevidas de meros estatutos, sem resquícios de humanidade ou de respeito pela ética.

Todos conhecemos casos diversos envoltos nestas confusões, com generalização acentuada da apropriação de benefícios imerecidos, em todas as latitudes, sem integridade; todos conhecemos figuras que a política impõe, com comportamentos ditatoriais.

Todos sabemos que sem se colocar o mérito como valor primeiro, o Povo fica cada vez mais prejudicado, mais goradas as suas expectativas e isso leva ao seu desligamento da política e ao seu olhar desconfiado para quem a exerce como profissão.

Continuando a ser este o caminho, quer parecer-me que chegaremos, rapidamente, a uma confusão tal em que o respeito pelo voto popular deixará de ter qualquer tipo de significado.

O mesmo acontecendo à valorização dos princípios do primado da Lei, do respeito pelos resultados eleitorais, da inviolabilidade das fronteiras, sem natural consagração da soberania e dos Direitos Humanos, o que tornará moribunda a Democracia.

Não tarda e valerá mesmo só “a força” (em sentido lato) bem como a “matreirice” e a “subordinação a valores maiores”.

… e  nenhum serve [nem nunca serviram] a Democracia!


Luís Pais Amante