07 julho, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (4): Mirante Emídio da Silva


A construção do Mirante deve-se essencialmente a Manuel Emídio da Silva que, mais do que político, como por vezes lemos, foi destacada personalidade do mundo dos negócios, principalmente ligados aos Caminhos de Ferro e ao mundo financeiro. Nome importante da imprensa e do turismo, foi administrador do Jardim Zoológico. Lá podemos admirar, em lugar de destaque, um busto seu. Foi um dos grandes propagandistas de Penacova no primeiro quartel do século XX.

O miradouro foi desenhado pelo arquitecto veneziano Nicola Bigaglia, radicado em Portugal desde 1880, onde foi professor de Escolas Industriais. A Casa dos Cedros, no Buçaco é projecto seu, bem como a Casa-Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira, que visitámos aquando da homenagem a Martins da Costa em 2017, entre muitas outras obras. Regressou já doente a Veneza, onde faleceu em 1908, sendo o mirante de Penacova uma das suas últimas obras, senão a última.

O Mirante Emídio da Silva foi inaugurado a 31 de Maio de 1908 na presença de altas personalidades da vida social lisboeta. Sobre a entrada do “belveder” podemos observar uma lápide com os dizeres “Mirante / Emygdio da Silva / 31-5-1908”. 

Foram reutilizadas colunas dóricas provenientes do mosteiro de Lorvão que - diz o "Guia de Portugal" - teriam sido compradas por "três tostões". Apresenta formas renascentistas, visíveis na planta e nos azulejos decorativos, amarelos e brancos axadrezados, desenhados por Raúl Lino. O piso é feito em pedra roliça de seixos brancos e pretos. Resulta, assim, "da reutilização de elementos (colunas) e formas renascentistas (planta e azulejos decorativos) caldeadas com as formas orientalizantes da Arte Nova."- refere-se em www.monumentos.gov.pt, onde é classificado como "arquitectura recreativa, neo-renascentista, Arte Nova."

De acordo com Nelson Correia Borges, este miradouro "sugere na sua morfologia um pagode oriental". Encontra-se implantado no ponto mais avançado do outeiro do Castelo, debruçando-se sobre o rio e o vale do Mondego, de onde se alcançam magníficas vistas panorâmicas. 

A este local se chamou em tempos Penedo da Moura. Conta a lenda que, em dias de sol, uma moura encantada saía do seu esconderijo e vinha pentear-se à vista de quem a quisesse ver. A atestar a sua existência dizia-se também que, muitas vezes, quando alguém se aproximava daquele local, não tinha dúvidas que cheirava a chá de ervas e a peixe frito, naturalmente pescado no rio que aos pés do penhasco corria serenamente.

30 junho, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (3): Terreiro (Largo Alberto Leitão)


 O "Terreiro", actual Largo Alberto Leitão, seria delimitado pela Igreja Matriz, pelo Passal e pelo Paço dos Duques de Cadaval. Onde hoje se situa a Câmara Municipal chegaram a crescer alguns eucaliptos e todo o largo não passaria de um amplo espaço de terra batida sem qualquer intervenção paisagística. 

Até aos inícios do século XIX pontificava naquela zona o palácio ducal. Este palácio entrou em ruinas e mais tarde acabou por ser devorado por um incêndio. Foi sobre essas ruinas e escombros que foi construído o edifício dos Paços do Concelho, onde também funcionou mais tarde a Cadeia e o Tribunal e algumas Repartições como as Conservatórias dos Registos  Civil e Predial.

Veio depois a Escola Conde de Ferreira que ainda se pode ver em fotografias antigas. Mais antigo seria o chafariz que existia não muito longe do local onde hoje é o Café Beirão. Só na primeira década de novecentos, por iniciativa de Augusto Leitão, falecido muito novo, foi construído aquele grande edifício que ainda hoje conhecemos. A esse empreendimento terá estado associado o seu cunhado, José Alves de Oliveira Coimbra, à época, comerciante, tanto que ali funcionou o primeiro centro comercial de Penacova, a “União Comercial”.  Nos anos 20 surge também aí o “Hotel Penacova”, propriedade de José Alves, que além de muitas ocupações também foi Farmacêutico encartado.

O arranjo urbanístico do Terreiro começou com a construção da Pérgola Raul Lino, inaugurada em 1918. As bases do actual edifício camarário só aparecem lá para os anos 30.  O edifício de origem  era para ser Casa do Povo. Os serviços da Câmara funcionavam no primeiro piso e o rés do chão era usado como centro de cultura e recreio. 

O coreto, outro ícone de toda aquela área, que existia ao cimo da rua de Santo António, acabou por ser demolido nos anos quarenta. Entendeu-se que se “afogava a bifurcação” do largo com aquele ramal.

Mais tarde, graças ao benemérito Abel Rodrigues da Costa e à orientação do Eng.º Rui Castro Pita, o Terreiro foi primorosamente ajardinado. Chegou a existir o típico canteiro com o Brasão do Concelho.

Refere a imprensa da época que o Terreiro se afirmava claramente como “sala de visitas”, como “salão de festas”, como “ jardim de Verão e Inverno”, no fim de contas como “ponto obrigatório de reunião”.  É curiosa a descrição que o pintor Martins da Costa faz, numa das suas crónicas (1987): “Antes de aqui me vir instalar, a recordação de infância que sempre tinha deste terreiro era a de um largo imenso com muitas árvores, um coreto e vultos de homens, geralmente dispersos, apáticos e de mãos nos bolsos”.

Até finais da década de noventa grande parte do Terreiro foi sendo transformado em parque de estacionamento, muitas vezes caótico, até que surgiram as polémicas obras de regeneração urbana que lhe conferiram uma nova feição. A primeira fase do projeto incluiu a reabilitação do largo Alberto Leitão e do largo de São João, tendo os automóveis que invadiam aquele Largo sido encaminhados para um novo Parque de Estacionamento, ali bem próximo na rua da Eirinha. Um novo quiosque e posto de turismo foram construídos e o busto de António José de Almeida, que se encontrava próximo da Pérgola, foi deslocado para o espaço fronteiro ao Café Beirão. 

Estão agora em curso as obras de requalificação dos antigos Paços do Concelho / Tribunal para dar lugar à Casa das Artes Martins da Costa. 

O Terreiro, este "centro do Centro da nossa Terra" é retratado no recente livro de Luís Pais Amante, "Penacova (In)temporal". Dois excertos do poema "Terreiro de Penacova":

Oh meu Terreiro bonito

Que ficas fronteiro ao Mondego

E olhas a direito pr’o seu vale catito

Ficando em desassossego

...

Oh Terreiro da minha mocidade

Das procissões, das fogueiras e das sardinhas a saltar

Das matanças a matar, dos magustos a magustar

E dos namoricos a condizer com a idade


19 junho, 2022

Lugares, monumentos e sítios de Penacova (2): Chafariz do Porco




“Todos conhecemos esta fonte em Penacova, de onde jorra uma água fresquíssima, que corre para modesto tanque que se cobre de musgo e folhas verdes na Primavera, ou simplesmente de ouro e chocolate quando os ventos outonais vergastam as frondosas árvores que o cercam. Pois essa água puríssima que nos sacia a sede, molhando-nos a cara e as mãos, escorrega por um engenhoso tubo saído de uma bocarra animal, que muitos julgam ser cão, outros pensam ser lobo, mas que a generalidade do povo garante ser porco." 
in “A Casa Amarela” editado pela  Cooperativa Cultural Saudação em  2014.

Cabeça de lobo, cão, porco? Também há quem fale em javali...

Situado ao cimo da Costa do Sol, o Chafariz do Porco apresenta uma data, já pouco legível... será 1713, será 1753 ? 

Ao fazer também uma descrição daquela encosta, em 1857,  Alves Mendes refere uma fonte de água férrea que será provavelmente esta nascente: 

“É denominada esta bela extensão de terra de Terra de Carrazedos (…) Observa-se no cimo desta chanzada uma sombria floresta de monstruosos carvalhos, donde em grossos jorros sobem levadas de água límpida e fresca, que vai regar todo o terreno até à margem do Mondego. Também há, a dois mil passos em distância desta, uma fonte férrea, que presentemente é bem concorrida.”

Sobre a natureza férrea da água do Chafariz do Porco existe uma lenda que diz que em tempos antigos houve uma contenda sangrenta entre os monges de Lorvão e os habitantes do Castelo. O sangue que escorreu pelas encostas entranhou-se de tal modo no subsolo que deu a cor avermelhada à água daquela nascente…

Numa crónica publicada no “Notícias de Penacova” em 1 de Novembro de 1952 fazia-se referência ao “Chafariz da Costa do Sol”, de onde jorrava “água puríssima e fresca”.

Ali muito próximo se situa a Casa do Pintor Martins da Costa "no meio das oliveiras e dos bandos de passarada”, como ele próprio escreveu, debruçada sobre o Vale do Mondego.